12/15/23

Notas sobre as “Magnas” de Carlos Ramos (1952-68): Expressão de uma reforma moderna em “luta com o tempo” contemporâneo?

Notas sobre as “Magnas” de Carlos Ramos (1952-68): Expressão de uma reforma moderna em “luta com o tempo” contemporâneo? / [por: Gonçalo Furtado + Miguel Silva, 2021]. / Este texto foca-se nas exposições “Magnas” (1952-1968), iniciando-se com uma síntese de desenvolvimentos arquitetónicos da primeira metade do século XX, para depois se focar na predita iniciativa tida por Carlos Ramos aquando da sua direção na ESBAP. / i. Contexto / A contextualização do período antecedente a 1952, atualmente, compreende matérias programáticas da UC de Teoria 1 da FAUP. Recorde-se ser na primeira década do século XX, a criação da “Sociedade Portuguesa dos Arquitectos” (1901) e a revista “Arquitectura Portuguesa” (1908) que apontam para uma racionalização de desenho. Quanto à década de 20’, salienta-se a plástica “moderna” do betão, a criação da revista “Arquitectura” (1928) e no período entre 1925-36 uma geração de “viragem”. Certo é que a Guerra e fascismos europeus acarretarão uma relativa suspensão do moderno. Parcas experiências significativas são promovidas por Duarte Pacheco, o ensino das Belas Artes é reformado (1932), a “SPA” dá lugar ao “Sindicado Nacional dos Arquitetos” (1933, com secção portuense criada em 1937) e é criada a revista “Arquitetos” (1938-48). A década de 40 será de austeridade do moderno, destacando-se a monumentalidade da “Exposição do Mundo Português” (1940), o “Portugal dos pequeninos”, as Pousadas ou a Cidade Universitária de Coimbra. Em 1946 é criado o “ICAT” e a “ODAM”, esta com exposição em 1951), ocorrendo em 1948, o “Congresso dos Arquitetos” e a rendição ao “moderno”. Fernando Távora reformularia “O problema da casa portuguesa”, e ao longo da década de 50 – que neste texto nos prenderá – a modernidade do “International Style” aproxima-se à realidade portuguesa, década quer de “modernos escondidos”, como de um “Inquérito á Arquitectura Portuguesa” (1957, com publicação em 1961). Paralelamente reforçando-se influências “orgânicas” e de expressividade regional/local, bem como uma revisão da revista “Arquitetos” por Nuno Portas (1957-61). Neste período, o arquiteto Carlos Ramos assumiu a Direção da ESBAP (1952-68), bem como do 3º Congresso da UIA (1953) entre outras actividades: foi um período de significativa oscilação cultural, em que são criadas as exposições “Magnas” (1952-1968), evento influente e expressivo de tal. Recorde-se como nos anos 60 ocorreu uma grande influência Italiana, e uma maior atenção à História. Ocorreu também o Iº “Encontro Nacional dos Arquitetos” de 1961 e o Encontro de 1969; altura tanto da “Primavera Marcelista” como da Exposição de “Arquitectura Finlandesa” na SNBA. Tudo antecipando a revolução democrática de 1974, o SAAL, uma afirmação profissional da classe, e a criação da Associação dos Arquitetos Portugueses (1978). / ii. Pacto / Neste breve contexto, entre 1952 e 1968, tiveram lugar dezasseis exposições anuais com a produção de folhetins de sala (“Catálogos das Magnas”) contemplando trabalhos realizados em disciplinas práticas por estudantes da ESBAP (excluindo os alvos de avaliação por exame). Os trabalhos encontravam-se ordenados do último ano do curso para o inicial, e por vezes incluíam trabalhos de Professores ou mesmo “Projetos [… de] Atividades Extracurriculares”. A I Magna (1952) foi dedicada, à obra do Mestre Barata Feyo. Segundo disposições regulamentares, nas Escolas Superiores de Belas-Artes decorreriam quatro exposições (por cada período) dedicadas aos trabalhos dos alunos. Porém, o Conselho Escolar da ESBAP pensou que “seria da maior conveniência, a organização de uma «Exposição Magna» anual, que reunisse os trabalhos mais classificados durante o ano letivo anterior, a par dos trabalhos dos professores a quem compete o ensino daquelas especialidades, dando, assim, a conhecer, a seu tempo e publicamente, o produto das atividades profissionais de mestres e alunos. […] Nesta intenção, porque não houve oportunidade de reunir os trabalhos do ano lectivo de 1951/52 […] à data da abertura solene das aulas – e aproveitando […] ter sido possível reunir grande parte da obra do Professor […] Barata Feyo, decidiu o Conselho Escolar promover, nos jardins […] e numa das suas dependências, com a […] colaboração da Câmara Municipal […], a exposição […].” (vd. Catálogo XII) A II Magna (1953) não possuía nota introdutória no catálogo e consiste unicamente da descrição ordenada dos trabalhos que se encontram nos diversos espaços. A III Magna reforçara o “Pacto das Três Artes Maiores” - Arquitectura, Escultura e Pintura - que “contra a corrente dominante dos que lhe são adversos” ainda que se assumiam como independentes, reforçando a necessidade de colaboração entre elas: “… por muito interessada que esta Escola esteja em apontar aos seus alunos, […] à formação das equipas de permanente colaboração das 3 artes no campo das realizações plásticas, não só àquela faltam os meios de o consolidar, como àqueles o estímulo de […] estrutura que lhes garanta melhor […] futuro do que aquele que o Ensino Técnico lhe reserva […].” Já a IV Magna (1955) possuiu preâmbulo no livreto intitulado “Exposições Magnas”. No livreto da V Magna (1956), Carlos Ramos acentua o «espírito de equipa» como elemento definidor da Escola: “O sentido de […] cooperação […que] afeta […] alunos, […e] toda a numerosa família dos artistas, aglutina a sua comunidade […].” / iii. Reforma / Na VI Magna (1957) assinalam-se “momentos de […] legítima euforia” relativamente ao Decreto-lei que instaura a Reforma de 1957, motivo pelo qual a exposição atrasou-se dois meses, iniciando-se em dezembro. A VII Magna (1958) iniciar-se-ia com a presença do Ministro da Educação. Carlos Ramos adverte para “a negação de contrastes que muitos aguardariam […]”, notando que a Reforma não teria repercussões imediatas. O decorrer da Reforma possibilitou a integração nos quadros de outros intervenientes, tais como Fernando Távora, José Carlos Loureiro ou Mário Bonito e Agostinho Rica, Octávio Lixa Filgueiras e Arnaldo Araújo. Saliente-se ainda a realização do «Curso de Férias» sobre «Construções Escolares» que contou com o Professor Alfred Roth e o arquiteto C. H. Arlin, respetivamente da Escola Politécnica de Zurich e do condado de Hertfordshire, com conferências, e os Professores Guy Lagneau, Robert Auzelle e Gunther Wilhelm, respetivamente da Escola Nacional de Belas Artes, do Instituto de Urbanismo da Universidade de Paris e da Escola Politécnica de Stuttgart, na qualidade de chefes de estudo.” Já o catálogo da VIII Magna (1959), Carlos Ramos refere “[a] luta com o tempo é, […] evidente distintivo da […] alucinante vida contemporânea.” Saliente-se no discurso a “[…] conveniente fusão de duas gerações sucessivas […], na tarefa docente comum em que são dignos rivais. [... Regressamos] a um novo «princípio». Teremos […] de aceitar, com generosidade e com fé, a exaltação do momento/tempo […] Não tenhamos, porém, ilusões. A luta com o tempo é, evidente distintivo [… da] alucinante vida contemporânea, […] Mas, não me compete apenas exaltar o presente ou fazer-me acreditar no futuro, mas antes cantar todo o passado, próximo ou distante, que mereça referência espacial e se integre na história desta Casa.” Carlos Ramos afirma que a IX Magna (1960) é “a mais austera de todas as «magnas» que têm tido lugar até ao presente”. porém, não a interpreta como “[…] desvio de processos pedagógicos que irredutivelmente se mantêm enquadrados nos […] vários conceitos de liberdade criadora, ainda que subordinados a uma orientação superior […]”. De facto, a X Magna (1961) inicia outra década que Ramos acentua ser diferente das anteriores, marcada por uma maior diversidade dos meios empregues, sendo “maior a experiência dos seus responsáveis e […] representados”, bem como “mais apertada a seleção do material a expor”: “[…] um sexto de todo o trabalho realizado no decurso do ano letivo”. Pela primeira vez encontra-se um esquema da distribuição dos espaços. A XII Magna (1963), segundo texto parcial a que se acedeu, afirma-se com um propósito didático, em detrimento da mostra da seleção “eclética” dos trabalhos de “maior envergadura”, apostando na apresentação do percurso de alguns alunos ao longo de todo o curso. Forma que segundo Ramos se as deve “estruturar no futuro”, permitindo ainda avaliar os resultados da Reforma. Plantas das salas são incluídas no início dos capítulos de cada curso, estando, nesse momento, as exposições organizadas por anos e por disciplinas. Ramos começa por fazer um balanço utilizando citações dos seus textos na introdução ao catálogo da XIII Magna (1964) afirmando que a esta é “quanto a mim a mais vigorosa, a mais equilibrada, a mais homogénea e a de mais alto nível […]”. Explicando que se deve à “[…] consolidação do […] acordo entre mestres e […], ao uso moderado da liberdade concedida, à noção de responsabilidade […], numa palavra, o forte espírito de coesão que aglutina todos”. Seminalmente apresenta-se, nos livretos, os docentes de cada curso/ano divididos por disciplinas, bem como um esquema com a distribuição da exposição no Pavilhão Central. / / iv. Uma outra revisão / Na XIV Magna (1965) apresenta-se a “rúbrica de «Ação Cultural Extraordinária, […] de 25 contos para «duas exposições itinerantes de carácter didático»” decidindo o Conselho Escolar a MAGNA como uma delas”, salientando-se ainda a mudança para lettering não serifado. Já no catálogo da XV Magna (1966), Ramos, após citar novamente o desdobrável justificativo da I Exposição, procede a revisão dos critérios na base das mesmas. Em 1968, ano significativo pela oscilação cultural em curso, ocorre uma última Exposição Magna [XVI (1968)], coincidindo com Homenagem a Mestre Carlos Ramos. O Arquiteto António de Brito, enquanto Diretor da Escola Superior de Belas-Artes do Porto, redige a nota introdutória. Sendo a mais breve nota das Magnas, limita-se a elogiar o recém-falecido e mais uma vez citar o desdobrável da I Magna. / Ao falar das Magnas devendo reconhecer tratar-se de evento e legado influente, mas também evento no seu tempo expressivo de uma “Reforma Moderna” em “luta com o tempo” da então transformação acelerada “vida contemporânea”. Tempo de tardia de Reforma e seu abandono. De cooperação com as artes mas também de antecâmera a toda uma nova fase da Arquitectura na Escola, que levaria á sua autonomização na FAUP criada em 1979. Fratura ainda hoje sobre relativa exposição.

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