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UMA CONVERSA SOBRE DESENHO E ESCOLA _ 2021/22 (José Barbosa, com Gonçalo Furtado.)

UMA CONVERSA SOBRE DESENHO E ESCOLA _ 2021/22 (José Barbosa, com Gonçalo Furtado.) 1. / GF - Eu entrei na FAUP do Campo Alegre em 1993. Não sei em que ano te licenciaste, mas anos antes ainda havia estudantes de arquitectura na ESBAP. Tens memórias? / JB – Eu entrei em 1990 e licenciei-me em 1995. A arquitectura ainda estava na ESBAP, penso que até ao 3º ano, devem ter saído em 1995 ou no ano antes. Tenho memória de alunos como o Joaquim Teixeira, António Neves, o Mário Mesquita, o Laje. Ou o Laurent Scanga, um outro Pedro Leão, uma Maria João, a Vera Cabrita. / GF – Acho que a Vera andou por Serralves. / JB – Lembro-me dela trabalhar na Câmara de Gaia. / GF - Havia vários cursos, os seus alunos eram distinguíveis. / JB - Os da escultura são os gajos que pegam nas rebarbadoras, afastam toda agente que está à volta (riso). / GF - Fazem mais lixo, digamos assim. E os da arquitectura seriam os das minas afiadas (risos). / JB - Ficavam mais limpos, no bar e cantina. / GF – Os estudantes de todas as áreas estavam integrados. Os de arquitectura estavam inseridos no meio … / JB - Era. / GF - Tu, como o escultor, davas-te mais com os da pintura ou da arquitectura? / JB - Eu até me dava mais com os de arquitetura que da pintura, tem piada e foi natural. / GF - Almoçavam na cantina das Belas Artes, e sobretudo aí e no jardim, contactavam uns com os outros. Já não tinham disciplinas em conjunto. JB – Já não tínhamos. Mas encontrávamo-nos ao almoço, etc. / GF – Havia convívio, e na escola ia-se ver o trabalho de outras áreas. / JB - Sim era fantástico. Pessoalmente dava-me com um monte de estudantes de arquitectura. Eu ia ver o trabalho deles, e eles iam ver o meu. / GF - Os estudantes de arquitectura tinham interesse por arte e cultura. / JB - Interessavam-se muito mais que hoje, sem dúvida… / GF – E realizavam-se viagens de camioneta ao estrangeiro, por exemplo nos anos 90 várias a Barcelona etc. / JB – Fui à viagem organizada de 2, 3 camionetes a Barcelona, com arquitectura. Ficou baratinha para um estudante da altura, que não tinha dinheiro nenhum. / GF - Mas também fora da escola. Frequentemente no cinema, nas noites de domingo e á segunda no Cineclube do porto, e às quintas nas noites duplas do Coliseu. / JB – Fantásticas noites. Sim, quem enchia a parte de debaixo era a malta das Belas Artes e arquitectura. / GF – E saiam juntos. / JB - Íamos aos copos, por exemplo ao Guindalence. Era mesmo ao lado de onde vivia a Vera e a Lúcia, e o Laurent depois até acabou presidente do Guindalence durante muitos anos. / GF – Sobretudo à Ribeira, onde estava o Anikibóbo e ao Meia cave. / JB - Sim, era isso, era tudo ali na Ribeira. Mas também ao Mercedes e a outro que não recordo o nome … / /2./ GF – Eu ingressei na FAUP como monitor no final dos 90s. Como é que ingressaste na FAUP? / JB – Mal acabei o curso fui dar aulas pelos miniconcursos. Foi um percurso de 4 anos duro, porque percorri as disciplinas que havia. (risos). Na Soares dos reis, apanhei logo meia dúzia. Dei geometria descritiva ao 10 e 11º ano, história de arte, teoria do design, oficina das artes, e ainda aulas de apoio de geometria a uma surda-muda. No ano a seguir fui para Rio Tinto, 7º, 8º e 9º, dar EVT (Educação visual), e também estive a dar teoria do design. Depois fui para a escola preparatória de Paranhos. E depois, foi o último ano. Entretanto também comecei a dar aulas de desenho, muito poucas horas, no curso superior de desenho e pintura da ESAP. / GF – Chegaste a ingressar num doutoramento, em Pontevedra. / JB - Surgiu a hipótese de ir fazer doutoramento em Pontevedra, onde fiz a parte curricular, entre 1998 e 2000. Fiquei então só com a ESAP, era um estouro dado que dava 10 horas de aulas à segunda-feira. / GF – Ingressaste na FAUP por volta de 2000, como assistente convidado. / JB - Era amigo da Susana Vaz, que estava na escola de arquitectura do Minho. Na altura, o Joaquim Vieira tinha perguntado aos assistentes do Minho, com quem tinha contacto, por possíveis candidatos para 2000. / GF – Criaras também na transição do século, a Galeria alternativa Extéril, onde eu expus. / JB - Começou em dezembro de 1999, e mantem-se E tenho outro projecto que é o Poste – vídeo arte desde 2012. A versão 2.0, vai estar agora no novo espaço dos Maus Hábitos, em Vila real, a partir de junho. Tenho uns quantos projetos activos. / GF – A FAUP usufruiu de iniciativas interessantes advindas do grupo de desenho. Por exemplo as Sebentas surgiram há mais de uma década, da iniciativa do Vítor Silva (o outro regente, este no segundo ano). Integraram contributos escritos dos professores do grupo e desenhos de alunos compreendendo distintos exercícios. / JB – Sim, do Vítor Silva responsável pelo segundo ano e o José Maria Lopes com o primeiro ano. Em determinado momento passei a assegurar a produção da reedição das sebentas. São vendidas pedindo na livraria da Associação de estudantes. / GF – Já na direcção do João Pedro Xavier, as Sebentas respeitantes pelo menos ao 2º ano tiveram uma reedição. / JB – Fui eu que pedi e andei a tratar da reedição de todos os números. Fez-se um lançamento, em simultâneo com uma das exposições do “Riscotudo”. / GF – Promoveram um blog de desenho, de resto muito visitado. Talvez em meados anos 2000 ou 2010. Tinha o 1º e 2º ano, não sei se chegaste a pôr coisas de eventuais opcionais de outros anos? / JB - Os blogues de desenho foram criados por mim em 2006/2007 mas só ficou visível ao publico em 2010. São 3 blogues – Desenho I, Desenho II e o da optativa de desenho “Figura Humana e Representação do Espaço”. / GF - Desde 2017, organizaram o ciclo de exposições intitulado “Riscotudo”. Comissarias com o José Maria, e a programação tem incluído exposições de professores de desenho (como o Marco Mendes, etc) mas também de projecto (ex. Luís Viegas ou Rui Cardoso), Teoria (eu próprio), ex-alunos (ex. Filipa Ferreira, etc), professores de Belas Artes e artistas (como o Emílio Remelhe, etc). / JB – Tenho outras iniciativas pessoais. No meu trabalho como artista plástico, a próxima exposição será na Extéril, sob o título “Mancha de texto”, compreendendo desenhos realizados a partir de texto (a cada um chama-se composição). Trata-se de composições realizadas a partir de 150 títulos de músicas dedicadas ou contra a guerra. / GF – Quando passaste a contratado? / JB – Estou na FAUP há um quartel de século, quase. Entrei como assistente convidado à experiência, e depois terá sido dado aval pelos regentes Victor Silva e Joaquim Vieira, fiquei na escola. A partir de 2001. Passei a ter o contrato de assistente estagiário. / GF - Houve um concurso? / JB - Na altura o que havia, era os regentes darem um aval para o científico depois de entrevistarem um grupo de candidatos, e esse aprovava ou não… Deve ter havido, claro… (risos). / GF - O teu doutoramento, orientado pelo Victor Silva, acho que é intitulado Associação e articulação das imagens do desenho no projeto. / GF - O título é longo! E depois tem um subtítulo. “A linguagem do Desenho Artístico na Organização, Planificação e Comunicação das ideias”. / Tornaste-te professor auxiliar em 2016. / JB - Estive um ano e meio à espera para defender o doutoramento… / 3./ GF – Eram pessoas diferentes. Mas devem permanecer resquícios deles e das décadas que estiveram na escola até imediatamente antes de vocês entrarem, na vossa práctica, por que estiveram na escola décadas. / JB - Sim, obviamente que sim. Sei que foi um professor marcante em termos de desenho na FAUP. Ouvia falar coisas através do Vítor ou coisa do gênero, mas não tenho propriamente muita relação com isso, percebes? / GF - O Vítor Silva deve ter-se tornado professor autónomo e regente, quando começaste a trabalhar com ele. Antes integrara o grupo de assistentes do 2º ano (Alberto Carneiro), que incluía o Francisco Providência, etc. O grupo de desenho incluía o Paulo Frade, o Pedro Maia… / JB - Já não estavam cá, tinham acabado de sair. O Pedro Maia conhecia de fora, ainda que mal aquando da ESBAP, e expôs na Extéril. / GF - O José Grade também já devia ter-se aposentado. Mas estava a dar, aquele curso de “Desenhar desenhando” em conjunto com a Luísa Brandão. / JB - Exatamente. / GF - Também nunca trabalhaste com a Luísa Brandão. Mas entraste para o grupo de desenho, que então incluía o Armando e o José Maria (que deveria ter entrado há um par de anos) e a Marta Seixas que faleceu. / JB - O José Maria Lopes entrou no mesmo ano que eu. / GF – Era comum ser professor em ambos os 2 anos. A regência era do Joaquim Vieira no 1º ano e do Victor Silva no 2º ano? / JB – Correcto. Sempre demos aulas nos dois anos. Trabalhávamos todos, tanto com o Joaquim Vieira no 1º ano, como com o Victor no 2º ano. / GF – Em determinado momento o 1º ano foi estendido de umas 5 para 6 ou 7 turmas, requerendo a entrada de mais docentes. Com Bolonha, num primeiro ano tentaram reduzir as 8 horas semanais (o que apenas durou 1 ano) e no 2º ano passaram as 4 horas a 3+1 (leia-se hora de estudo sem acompanhamento)? / JB - O 2º ano era de 4 horas em vez de 3 ou 3 + 1, aquela coisa que inventaram quando mudaram com Bolonha. No 1º ano também aconteceu isso, mas os alunos acabaram depois por solicitar para voltar às 4 horas cada aula porque perceberam que 3 horas de contacto e uma de estudo não era produtivo. / GF – A redução no 1º ano apenas durou aquele ano. / JB – Sim, porque os alunos perceberam que só saíam prejudicados com isso. E no 2º ano só acaba por funcionar, oh pá, ... porque uma aula de desenho tem que funcionar, como um atelier... Nitidamente que se percebe que 3 horas é pouco, ao que acresce que só ocorrendo uma vez por semana, distancia o contacto com os alunos, e não cria todo um ambiente necessário de uma aula numa, disciplina como o desenho em que é necessário desenvolver muitas matérias. / GF - O Joaquim Vieira deixou igualmente legado pedagógico na escola. Operou algumas sistematizações e estabilização do programa. / JB - Sem dúvida, o Joaquim Vieira é um marco importantíssimo do desenho I da FAUP. Foi ele que realmente começou a sistematizar um programa muito mais estável. E se hoje em dia desenvolvemos um programa mais estável ainda, foi à custa desse ensinamento que o Joaquim Vieira nos passou. Esse legado, é fundamental, porque as coisas constroem-se, por um legado, não caiem do céu. / GF - Referes-te às duas décadas do século XX. / JB - A relação que eu tenho é sem dúvida com o Joaquim Vieira na primeira década. Não sei nada do que foi para trás. Quer dizer, sei algumas coisas pontuais, mas a experiência que eu tenho… do Desenho I, foi, inicialmente, com o Joaquim Vieira e, mais tarde, com o Zé Maria e alguns colegas do grupo de Desenho que têm contribuído para distintas adaptações e contributos importantes para o ensino do desenho. / GF – O Vítor também terá contactado diretamente com o Carneiro para além do Joaquim Vieira… / JB – Sim, o Vítor trabalhou directamente com o Carneiro. Penso que o legado do Vítor é importante pelo modo como se vê e pensa o espaço através do desenho. Por isso o legado do 2º ano é outro, sendo muito distinto do 1º ano. / GF - Ao legado do 1º ano, do Joaquim Vieira, tem sido dado continuidade pelo José Maria. / JB – Sim, tem dado continuidade. Mas não só, existe esse legado, mas o programa tem vindo a sofrer acertos, ajustes e tem sido num plano mais colaborativo entre os vários colegas, que têm participam activamente através de conversas que temos dentro e fora da escola. O que sei hoje em dia de desenho não é comparável relativamente ao que sabia quando entrei para a escola. E se há sítio onde aprendi mais acerca do desenho foi aqui na escola, com o Vítor Silva, com o Joaquim Vieira e, complementarmente, com o contributo dos meus colegas! Disso não tenho dúvida nenhuma! / GF - O que é que isso quer dizer? / JB - Eu, o desenho que sabia ou conhecia das Belas Artes… era muito distinto. / GF - Olha que isto reverte em escrito (risos). / JB - Não tem mal! O desenho que sabia das Belas Artes era meramente intuitivo e era aquilo que eu já sabia. Se calhar, também não me esforcei o suficiente enquanto estudante. O que eu aprendi em termos de pedagogia, em termos de didáticas, foi com o Vítor Silva e com o Joaquim Vieira! Foram enormes lições! / GF - Mas lá tiveste montes de cadeiras lá, com muito mais horas de desenho. / JB - Claro… / GF - Lá não havia uma pedagogia assim como a que vocês usam aqui? / JB - Não… / GF - O desenho aqui é virado ao projecto de arquitectura, mas vocês lá também tinham um ensino sistematizado de desenho… / JB - Agora pode ser. Antigamente não era assim, era um bocado… totalmente diferente GF - Cada um ia aprendendo? / JB - Exatamente. Se sabias, muito bem, se não sabias, azar! (risos) E por isso, grande parte daquilo que eu hoje sei foi, sem dúvida, a aprender com o Joaquim Vieira, com o Vítor Silva e com os estudantes. Isso não tenho dúvida nenhuma, isso é um legado importantíssimo. / GF – Os exercícios e matérias desenvolvidas hoje vêm desse legado, tirando pontuais afinações. / JB - Hoje em dia, se há uma quantidade de exercícios e de matérias que nós desenvolvemos é desse legado! Não caiu do … mas muitos exercícios sofreram alterações e adaptações porque a realidade de hoje é distinta. E, também porque o contributo de vários colegas tem permitido realizar afinações bastante importantes. / GF – O Joaquim Vieira tem um livro ou prova, o desenho/projecto, que li quando acabava o curso. Tu alguma vez viste? / JB - Sim, claro que sim. Já o refenciei várias vezes. / GF – O programa tem alguma coisa a ver com esse. / JB - Há coisas que sim, outras coisas não. / GF - A sistematização cristalizou-se (em termos escritos) nas fichas dos exercícios? / JB - É nas fichas dos exercícios. E no que também discutimos, às vezes em pequenas conversas, ou em reunião por exemplo acerca dos desenhos dos estudantes. / GF – É natural a sedimentação de conhecimento num grupo, e sua transmissão oralmente. Mas ele ou vocês terão um programa escrito, digamos assim. Tu nunca tiveste assim um documento à frente a dizer é assim? / JB - Não, não. Havia um programa do Joaquim Vieira escrito, não é... mas as fichas de trabalho eram, mais ou menos, moldadas consoante a aula, e, agora ainda mais. Isso permite verificar que o modo de actuar na aula demonstre a capacidade pedagógica de cada professor, sobre a tomada de decisões no momento exacto. / GF – Estrutura-se em 3 fases, a primeira, a segunda e a terceira fase; quando apendi desenho tinha essas 3 fases (talvez medida/proporção, perspectiva, expressão?); compreendendo um trânsito entre tipos (modos de desenho distintos - esquiços, contorno, esboços e de detalhe). / JB - As 3 fases, aliás que é a estrutura… A estrutura do bloco segue esse programa. Está lá: na primeira fase, aprende-se só a medir, as proporções, a escala; na segunda fase, a perspectiva (também se introduz na primeira fase) etc, O básico, não é? Na segunda fase, depois, é onde se introduzem os materiais, se introduz os modos do desenho. E a terceira fase. Os Modos do desenho… Isso foi estabelecido pelo Joaquim Vieira aqui na FAUP, que é: Compreender o que é o conceito do contorno, o conceito do esquisso, do esboço e do detalhe. O Joaquim Vieira dividia nestes 4 modos de desenhar. Permitindo que o estudante compreendesse por etapas. / GF – É sobre isso que hoje ainda trabalhamos na FAUP. Usa-se essa terminologia entre vocês sempre. / JB - E é sobre isto que nós trabalhamos sempre. É claro que com o passar dos anos, temos trabalhado os exercícios em cima disto. Sim, usamos esta terminologia, sim. / GF - Nas Belas Artes, também ou não? / JB - Usam, mas aplicam outros termos. Por exemplo, usam também o desenho diagramático, que nós não usamos. Mas usam igualmente o esboço, o esquisso, o contorno, o detalhe … / GF – Haverá alguma especificidade no ensinar desenho para arquitetos? / JB - No 1º ano, não. É nitidamente aprender uma… o básico do desenho. Medir, proporção, perspectiva, instrumentos, claro-escuro, cor, etc. / GF - Desenho, seja de que área for? / JB - Seja de que área for, nas Belas Artes, em engenharia… Já tive alunos de engenharia a virem para aqui aprender a desenhar. Uma pessoa qualquer pode aprender! Sem dúvida, Não é especificamente de arquitetura, de modo nenhum. No entanto, e por estarmos numa escola de arquitectura, insistimos mais na perspectiva e situações espaciais variadas. A introdução à cor, por exemplo, que é uma das coisas importantíssimas; e são poucas e raras as escolas que trabalham a cor como nós trabalhamos. E depois trabalhar também, o claro-escuro, exercícios específicos que já entram só na segunda fase… O claro-escuro, aliás, ainda entra no início, no fim da primeira fase, mas é só uma pequena abordagem. A partir da segunda fase é que isso começa a ser desenvolvido. E a terceira fase, no fundo, é pôr tudo isto em práctica. / GF – A terceira fase denomina-se - expressão e consideração. / JB – O aluno, para além de já “saber tudo” - o que é perspetiva, o que é medir, o que é a proporção, o que é o claro-escuro, o que é cor, vai aplicar isto no exterior ou na figura humana. Com a responsabilidade acrescida para o estudante de decidir sobre o que desenhar, que enquadramento? Que composição? Etc. / GF - A perspetiva é dada desde a primeira fase; com desenho no exterior de rua, de praças e cidade... / JB – A primeira fase é muito contida nos espaços, primeiro começamos em espaços da FAUP, tanto no interior como no exterior. Só mais tarde é que vamos para espaços mais complexos, como as praças e a cidade. / GF – Na minha altura de 1993-94, a figura humana – em termos de desenho de nú – devia ser mais na segunda/terceira fase. / JB - São na terceira fase, porque, desde que foi o processo de Bolonha, nós temos muito menos aulas. Eliminaram-se umas quantas aulas… Nós dantes ainda conseguíamos meter uma aula com o torso, uma aula com a Vénus, uma aula com o esqueleto, uma aula com o esfolado, e depois ainda tínhamos, para aí, 4 ou 5 aulas de figura humana. E agora temos 3 aulas de figura humana. Houve uma redução no número dessas aulas, com tantas paragens e interrupções. (Dantes não havia nada disto, nós nem na semana da queima parávamos, era sempre a trabalhar! Quais semanas de queima ou de testes… Produzia-se muito mais, sem dúvida). / GF - O Vítor Silva também se tem se referido à redução de aulas aquando das reuniões de coordenação do 2º ano. / JB – Sim, é muito pouco tempo com os estudantes dado o tipo de matérias mais complexas que se aborda no 2º ano. No 2º ano, o legado que eu tenho, via Vítor, é outro. / Aliás, o meu doutoramento é, precisamente, desenvolver as matérias do 2º ano. / GF – No 1º ano, trabalhaste uma década com o Joaquim Vieira e outra com o seguinte regente José Maria. Substituíste-o um ano que esteve de sabática. / JB – Sim. GF – No segundo ano trabalhas há 2 décadas com o Victor Silva. / JB - No segundo ano é outra coisa. Também assegurei a regência no 2º ano, em dois anos lectivos. É fundamental para um estudante que frequenta o 2º ano que tenha passado pelo 1º ano da FAUP. / As primeiras aulas e exercícios do 2º ano, são de preparação para o levantamento de um sítio (aulas de revisão da matéria acerca da perspetiva). É claro que tal … / GF - Está relacionado com as sensações do espaço, e trabalhar com o próprio corpo no espaço que tem repercussões no modo de pensar. / JB - Muitas vezes, até uso um autor que é o Pallasmaa (e o Tadao Ando), para lhes tentar explicar o que é isto das sensações no próprio espaço; o que é medir com o próprio corpo no espaço. Ou ainda, quando Juan Luis Leyva diz que “o Siza é como um banco de vírus que se deixa infectar pelo sítio”. / GF - As primeiras aulas levantam a instalações da própria escola, através de sistemas de representação variados - plantas, cortes, alçados, perspetiva, axonometrias. E depois como é que essas imagens se articulam entre elas, depois disso, é que vão para o sítio do projeto. / JB - Como é que se pode, então, ler o espaço… Sim, as aulas na FAUP servem de preparação para o levantamento do sítio de projecto. Como é que os distintos sistemas de representação, na sua articulação, servem para ver, pensar e comunicar o sítio com o próprio projecto. Depois há uma segunda fase, que agora está um fundida na passagem da primeira para a terceira fase, que é o desenho de cópia de desenhos. Aprofundar o conhecimento da arquitetura e de artistas. / GF – Mas com o desenho de cópia pretendem que o aluno desenvolva a sua linguagem gráfica. Tem a ver com questões de expressão, de articular imagens de distintas naturezas (num Painel/poster). / JB - Ao estar a experimentar e tentar copiar determinado autor, está a descobrir-se novas soluções gráficas, distintas situações espaciais, composições, enquadramentos, para depois... desenvolverem uma linguagem própria A primeira parte da articulação dos diferentes sistemas de representação vai mais no sentido da leitura do espaço, não é? Como é que eu leio determinado espaço? / GF - A primeira e a segunda fase? / JB - E depois começa a estar fundida uma terceira que é só dedicada à perspectiva e expressão plástica através da aprendizagem do desenho de cópia… para pensar e comunicar o projecto. / GF - Como é que o real e a imaginação se juntam… Mas pensei que eram imagens de várias naturezas, incluso plantas e coisas, e depois… / JB - Só perspectiva. Como é que a realidade… e a imaginação se encontram, permitindo imagens verosímeis da realidade em consonância com o projecto. / GF - Normalmente não é o aluno ver o projecto que está a conceber? Para além dessa coisa da cópia/expressão de um arquitecto famoso. / JB - Não tem que ser um! Isso, às vezes, é só um mero exercício… A ideia é que… Eles até podem fundir autores, por exemplo, Picasso com Steven Holl… apesar de poder parecer contraditório ou paradoxal. / GF – A ideia é caracterizarem o projeto deles presos a uma estética, ainda que não seja a sua, ou descobrirem uma linguagem própria para o seu projecto que estão a fazer… / JB - Exatamente. Eles ao descobrirem… exactamente. A terceira fase é a fusão da realidade com a imaginação, ou seja, dos desenhos de projeto. Como é que eles vão… Que tipo de imagens é que podem criar? E é claro que isso depois implica conceitos muito mais complexos como o campo visual, o enquadramento, a composição. Que tipo de tensões se criam nas imagens, mais estáticas ou mais dinâmicas, etc. / GF - O enquadramento. / JB - E o enquadramento, que é uma coisa difícil. Mas se dermos esse conhecimento aos alunos, é um contributo… Criam imagens completamente diferentes. A visão que eles dão do seu próprio projeto é completamente distinta! Há alunos a realizarem imagens fantásticas, depois de começarem a perceber isto do que é o enquadramento, da relação com os eixos principais do enquadramento, da relação com a linha do horizonte, de como é que se produz uma situação espacial mais evidente. Das tensões que se produzem na imagem pelas linhas, manchas, volumes e por aí fora. Por isso, todas estas matérias são complexas. E nós só temos 3 horas em cada aula para fazer isto! É pouquíssimo tempo! / GF - Pois… / JB - A terceira fase é assim. (E depois, o painel….) Fundiu-se com a segunda fase para ganhar mais aulas no sítio. (Umas 5 aulas para ambas). O desenho dos desenhos acabou por se passar para a tal hora sem contato… Estas matérias - para articular imagens em perspectiva e comunicar o projeto - é complexo! Há matérias complicadas. Não é dizer-se ao aluno - olha faz uns desenhos - não, isso não chega! Tem que se falar em coisas, como a nossa relação com a linha do Horizonte e com o campo de visão, e não é confundir campos de visão com enquadramento, são coisas distintas (ainda que uma possa originar a outra). Isto precisa ... não sei de quantas aulas, não é atirar e já está, é preciso pôr isto em prática. E desenvolver uma linguagem própria demora o seu tempo. Estão envolvidas várias matérias que, por natureza, são complexas e demoram o seu tempo a ser assumidas pelo próprio corpo e pensamento. Agora, o 2º ano, por exemplo, acaba agora. Isto é coisa absurda. Alguém se lembrou dentro da escola de dizer que o desenho não acompanha o projeto e estamos a acabar agora (como acabam as teóricas)! Quer dizer, e os alunos ainda não acabaram o projeto e eles já estão a entregar! Não é? Pá... mas é uma pena. / GF – Retomando os legados, o 2º ano com o Vítor Silva e o programa. / JB - Pois, entretanto estávamos no programa. O Vítor sem dúvida que é para mim uma grande referência nas matérias do 2º ano. Aprendi imenso com o Vítor, e não foi à toa por acaso que o escolhi para meu orientador de tese. Porque me identifico muito com este tipo de trabalho. / GF – O Vítor é muito intelectual, e de uma ironia refinada! (risos). / JB - Para além de ser uma pessoa realmente com um conhecimento impressionante, é fabuloso. Há coisas que nós vamos conversando, que às vezes temos acerca dos desenhos... ano após ano, e há coisas que me interessaram ir desenvolvendo também… / GF – Estive em conferências e provas académicas com ele, mas nunca assisti a uma aula teórica. / JB – As teóricas do Vítor são bestiais, acho que os alunos não aproveitam, ou melhor, penso que eventualmente alguns podem ainda não ter a maturidade ainda suficiente para perceber o que o Vítor está a dizer. E é uma pena, porque o Vítor lança matérias… Oh pá, eu às vezes ainda tiro um apontamento para não me esquecer daquilo… matérias que às vezes uma pessoa quer desenvolver mais sobre o assunto. Por isso, sem dúvida que tem sido para mim uma grande referência… / GF - Estavas a dizer que os alunos não aproveitam, por não perceberem alguma parte que tenha complexidade, ou em que sentido? / JB - Acho que que alguns por vezes não estão muito interessados. No entanto, percebe-se, que existem uns quantos que tiram partido dessas aulas. 7 GF - Os alunos também têm interesse por aquilo que o contexto lhes promove a despertar consciência. Sabem que a escola se fundou muito baseada no desenho, entendermos que sempre terá importância, e entendermos que todas as matérias de cada ano são importantes. / JB - Sim… / GF – O desenho teve centralidade o curso, no outro dia, o Joaquim Vieira dizia num evento de homenagem ao Grade, que: a escola do Porto foi montada quando o Távora disse: vamos ter 12 horas de desenho. Quando eu tirei o curso atribuíamos ainda quase tanta importância a desenho como a projecto. Mesmo projecto já não tem exactamente a centralidade então devida. Temos hoje de ver que há novos desafios, instrumentos (ei que te interessas por outros), ideias do que foi e do que é a escola a cada momento. Temos de percepcionar a transformação dos alunos e seus interesses, orientações da escola. / JB - Pronto, mas é isso que é preciso… Não, não. Acho que a tecnologia e o desenho não são incompatíveis. Agora, uma coisa não é substitui a outra. Aprender desenho é como quem aprende a escrever. Um escritor pode usar o computador, mas aprendeu a escrever, aprendeu uma linguagem. Se não aprendesse a linguagem, não podia escrever! O computador não servia para nada! E pensar com… O que no fundo nós pretendemos é levar a que os alunos pensem através das imagens, através do desenho, não é? Através de uma linguagem. Que é muito mais complexa do que as pessoas normalmente pensam. O desenho é muito mais complexo! Perceber sobre composição é uma coisa extremamente complexa, perceber sobre o enquadramento é complexo. Há muito trabalho para trás a ser desenvolvido. É preciso desenvolver, lá está, uma linguagem. Há uma gramática visual que é preciso desenvolvê-la. É preciso, obviamente, dar essas ferramentas aos alunos. Se eles não a aprenderem obviamente que não vão pensar dessa maneira. Por isso, o nosso objectivo começa logo no 1º ano, que eles cheguem ao 2º ano e comecem a ser autónomos no modo de pensar o espaço. / GF - Qual é a diferença, de como era há 20 anos e como é hoje? / JB - Como era há 20 anos… eu acho que é a mesma coisa. / GF - Para ti, lidares com um aluno há 20 anos ou hoje é a mesma coisa? / JB - Não. Aí não é bem a mesma coisa. Mas mesmo eu já tenho outra experiência que dantes não tinha. Por isso, o que eu ensino e que tento chamar a atenção aos alunos em determinados momentos não fazia há 20 anos, porque não sabia. GF – Competências. / JB - Esse conhecimento, agora consigo dirigir os alunos a terem interesse em determinados aspetos que dantes não conseguia. E nota-se que, com o tempo, os alunos sabem cada vez menos desenhar. Nós tínhamos alunos que mesmo sem terem desenho, intuitivamente desenhavam bem. (sem aprenderem a desenhar) E, por isso, se calhar, tínhamos alunos excelentes. Mas isso porque as notas eram todas muito comprimidas e, prontos, também tinha a ver um bocado com como é que o Joaquim Vieira entendia o desenho. E como é que as notas eram dadas, no 1º ano por exemplo, nunca havia mais de 15 ou 16. Agora as coisas estão, se calhar… A equipa também melhorou, não é? / GF – Integrou bons professores, como o Marco Mendes, o Nuno sousa, ou o Luis Lima que foi para as Belas Artes após uma década aqui. / JB - Como o Nuno Sousa, … Infelizmente perdeu-se o Luís Lima que era um excelente professor. / GF – Tem agora um Filipe Matos, ou o Jorge abade. / JB – O Filipe, é um rapaz muito novo de Lisboa que também é bestial. Tem também o Jorge Abade. Por isso, a escola, na realidade, está a ter um grupo de docentes muito bons. E ou aproveitam ou não! É uma pena, porque pode acontecer como aconteceu com o Luís Lima e quer dizer, a escola esteve a formar um professor e deixa-o ir embora! E isto obviamente que tem consequências. Mas em relação à minha experiência, nota-se obviamente que os alunos são menos interessados. / GF - Em desenho? / JB – Sim. É preciso falar acerca de algumas coisas que são importantes, para eles perceberem o que é isso de estar a desenhar lá fora com 7 graus. É um frio do caraças, mas que é preciso aguentar a aula e da importância de estar a realizar esse exercício. Às vezes apanho uns a fotografar com o telemóvel e eu digo: não faças isso, não estás a fazer exercício! Se nós quiséssemos que fizesses um exercício de fotografia eu dava-te e vou-te dar fotografias, mais tarde, para fazer outro tipo de exercício. Mas este que estamos a fazer aqui, cá fora, implica outras coisas, coisas muito mais complexas do que um aparente desenho. Trata-se da memória do próprio corpo com o sítio, por exemplo. / GF – Este grupo do 2º ano, em torno do Víctor há 20 anos, desenvolveu trabalho em redor do sítio. O grupo de desenho é caricato, quiçá precarizado pela escola, com pontuais problemas entre alguns membros, mas constato a mesma paixão e linguagem sobre o desenho. / JB - Estava-me a esquecer do Marco; mas o Marco entretanto saiu, teve uma bolsa FCT. Mas lá está, um excelente desenhador, e duvido que ele vá voltar… / GF - É de perceber/reter, que todo este trabalho desenvolvido é parte de um legado, uma construção… / JB – Está-se a formar docentes e depois vão embora. Na realidade é um investimento… se fôssemos a fazer contas (que agora é tudo com contas e com não sei quê) … / 4. / GF – Falámos das décadas do século XXI, de 1º e 2º ano que constituem coisas/legados diferentes diferenciados. Tu entraste em 2000, a FAUP tinha determinado ambiente e pessoas, uma escola toda branca com direção do Domingos Tavares e vice-direção de Rui Braz e depois António Madureira; e depois tinha outras pessoas. As coisas resolviam-se com espontaneidade senão no bar. A direcção de serviços era a Maria Luísa e etc. / JB - Era o Domingos Tavares. Eu tinha ensinado no ambiente artístico da Arvore. Mas apanhei alguma desilusão, porque estive a trabalhar 3 meses sem me pagarem. Depois isto aconteceu com os meus colegas. Mas pronto, quer dizer, eu tinha-me comprometido com o Joaquim Vieira… e com o Vítor, e por isso estava a cumprir com o meu trabalho. E esperava que a escola pelo menos depois devolve-se … … Mas pronto, pá, são aquelas coisas que …. Mas que era muito mais prazeroso…. O prazer que eu tinha de vir para a escola era muito maior! Mas muito maior! / GF - Há uns anos dizias-me isso no bar. / JB - Era um prazer, pá! Eu vinha para a escola com uma alegria incrível! Ainda não vai há muitos… A partir do momento em que todo este sistema mudou, esta história dos rankings, tudo isto… Pá, isso destruiu tudo o que era esse prazer de vir para a escola… Destruiu tudo… / GF - A academia tem passado por transformações. O vosso grupo também se calhar inicialmente eram mais fechados. / JB – Não. Aquilo que uma vez disse até numa reunião da escola: Nós estamos no nosso canto, fazemos o nosso trabalho no silêncio e não incomodamos ninguém. Porque é mesmo assim… Um trabalho que se realiza no silêncio. E não precisamos de bandeirinhas, é pá, estou aqui! Pronto… Eh, pá, e eu sou assim! Eu uma vez estava a falar também com o Luís Viegas e disse: oh pá, Eu sou um gajo tímido, eu não sou muito de andar aí a falar com este e com aquele, pá… Bom dia, boa tarde, é pá, tchau e… / GF – Parece-me ser reconhecido (até internacionalmente) que se alguma coisa se ensina aqui é a desenhar. Muitos cursos de arquitetura, tem ensino pior. / JB - Sim, Ainda bem. As oficinas internacionais de desenho que eu dei, todos eles acharam fabuloso. Como é que é possível eu ter conseguido, em 3 ou 4 dias, ensinar-lhes determinadas coisas que eles não, não dominavam. Ficaram maravilhados, ainda agora com a oficina de Bruxelas… / GF – As coisas de embates económicos, toda a gente passa, enfim… Mas era prazeroso e muito mais natural. / JB - As coisas eram muito mais descontraídas, não é? Quer dizer... / GF - Deves ter estado pouco tempo com o Domingos Tavares, depois entrou o Francisco Barata. Depois foram mais 8 anos, portanto… Eu penso que ele também dava muito valor ao desenho, não é? / JB - Sim, sim. Depois entrou o Barata… Sim, é verdade que dava, dava. Sim, sim. Aliás… Ele apoiou sempre… Ele, inclusivamente, queria que eu fizesse, (porque na altura eu fui-lhe propor fazer os blogs de desenho) uma página na internet comum a todas as disciplinas. Primeiro estava com muito receio de fazer os… / GF – Quando regressei de Londres em 2007, ele estava e depois pediu-me para reprogramar Teoria. / JB - Oh pá, isto é para aí em 2006 ou 2007, se não foi antes. O Francisco Barata achou uma grande ideia e queria que eu fizesse para a escola toda! (risos) E eu disse - oh pá, com é que… Nem pensar! - Quer dizer, eu dentro da minha área sei como vou organizar uma página. Agora, eu não sei como vou organizar uma página para teoria, para projeto etc… Isto era uma coisa de doidos, não é? / GF – Percebia a importância de uma estrutura informática para toda a escola… Não era só sobre desenho? O Fernando Lisboa que era da área de desenho faleceu também por essa altura. / JB - Pois. Isso não! Quero fazer isto como um projecto, depois ficou por ali… Mas eu fui continuando a recolher desenhos, até que me decidi mesmo e criei o blog numa plataforma (gratuita, porque acho que é uma ferramenta gratuita fantástica). Aquilo já tem mais de 10000 desenhos. / GF - E tem muitas visitas, tanto o do 1º como do 2º ano te uma centena de milhar desde 2010. / JB - Ui! Chega quase às 200000 os 2 juntos. O 2º ano já passou as 100000 e a do 1º vai nas 90000 ou por aí… Se juntar a do 3º… JB - Foi em 2010 que eu coloquei. Está sempre aumentar, eu vou ver as estatísticas por países e é realmente fantástico. Nunca imaginei, quando fiz aquilo... foi uma carolice, para os meus alunos verem exemplos. Nunca me passou pela cabeça que fosse ter a dimensão que teve e tem. / GF - Agora com os direitos de autor vai ser complicado, não? / JB – Não. Porque estão todos identificados e têm a autorização dos alunos. A partir do momento que são para fins pedagógicos, não é para fins comerciais, não há crise nenhuma. / GF – O Barata apoiava o desenho. Tens memórias desse período? / JB - Apoiava, era das pessoas que mais apoiava o desenho. Foi também nessa conferência Internacional, nessa conferência Internacional com a USP, que ele foi lá, ao Brasil. Foi ele, foi o Alves Costa e o Fernández, o Vítor e o José Maria, acho que foram eles os 5. Foi um intercâmbio, eles primeiro foram lá ao Brasil… / GF - Quando vieram cá envolveram-te, também, não é? / JB - Envolveram-me. Aliás, fui eu que fiz o cartaz da conferência e depois participei … na conferência. / GF – Seguiu-se o período da direcção do Carlos Guimarães, em que penso se discutiu o processo de Bolonha/plano de estudos? / JB - Discutiu-se o novo plano de estudos, já com o Carlos Guimarães. Foi quando veio o processo de Bolonha. Aliás, que até foi quando houve uma tentativa de eliminar desenho, acho que a do 2º ano… / GF - Totalmente? / JB - Ou reduzir… já não me lembro bem. Sei que houve uma… os alunos é que depois levantaram voz e disseram… da importância realmente do desenho. Era o ano/turma do Francisco, do Fernando Pimenta, do João Távora, etc. / GF - Era a “Quinzena 15 em 2014/15. / JB – Era por aí. Foi a primeira discussão que ouve, e lembro-me que os alunos se juntaram e precisamente demonstraram como era fundamental o ensino do desenho e a aprendizagem para o desenvolvimento do pensamento arquitetónico. Lembro-me disso perfeitamente… Só eu e o Vítor é que viemos do grupo de Desenho ... / GF - Mas olha, Bolonha não é antes de 2014? Antes disso já havia outras discussões… e depois disso. Nessa altura era o Zé Miguel o diretor do curso? / JB - É, antes disso Ah, pois. Sim, sim, sim. / GF - E depois, foi a direcção de curso pela Raquel Paulino. A direcção do Carlos Guimarães continuou com o João Pedro Xavier, de geometria que penso integrar o grupo e desenho. / JB - Pois, sim… Agora, pronto, isso aí… Essas últimas direções. Acho que são muito equivalentes. As pessoas… mantém a mesma… / GF - Tu identificas uma linha… O que é diferente? / JB - A escola também mudou. a escola em termos de burocracia… Não foi só a escola, a universidade mudou, não é? E se calhar, também, essas direções foram levadas a isso. / GF – Notaram alterações em termos de quantidade de alunos? (Eu sei que não é disso que estás a falar). Acho que houve um aumento, não sei se foi antes ou depois de tu entrares. Tudo é mais ou menos constante desde que entraste? / JB - Mais ou menos a mesma coisa. Aumentaram turmas. Aumentaram a partir do momento em que vieram os paisagistas. Éramos 4 turmas no 1º, e passou para 6. Ou 5 turmas e passou para 6, foi assim uma coisa. / GF - E teve a ver com isso, com a frequência de alunos de paisagismo? / JB - Teve a ver com paisagismo, exatamente. E depois também o aumento do número de Erasmus. (Era 4 a 6 alunos por turma, de paisagistas e 3 a 4 alunos Erasmus por turma). As turmas andavam à volta de 24/25, daqui da arquitetura, não é? Depois mais os repetentes ia para os 30, depois mais os outros ia para os 40. Houve um ano que eu cheguei a ter 43 alunos, 40 e tal! / GF – Em teoria também tive quantidades surreais. / JB - Agora começamos o ano normalmente com 32/34, depois há alguns que nunca aparecem e outros que … / GF - …. / JB - Agora, quantos passam, depende dos anos. Normalmente chumbam por turma 2, 3, 1… Mas que também chumbam cada vez menos alunos é verdade. Mas isso também tem a ver com as nossas competências; conseguimos com que eles tenham melhores resultados, sem dúvida. / GF – Ah? / JB - Isso aí também não tenho dúvida nenhuma, porque o ensino agora e que ensinava há 20 anos, obviamente que é de outro nível, não é? Há 20 anos eu não conseguia que determinados alunos, com determinadas dificuldades, fornecer-lhes informação suficiente para… / GF - Consegues recuperar… / JB - Para além de ter várias soluções, antes... se calhar só tinha uma e se aquele não aprendia, chapéu. Agora, sei lá, um aluno que não está a perceber perspetiva, eu recorro, se calhar, a outras soluções para lhe explicar melhor a perspetiva ou outra solução para ele perceber melhor como é que funciona a perspetiva. Ou medir. Coisas básicas, e que dantes, obviamente, não tinha essas ferramentas. São coisas que vais construindo e que a prática te vai dando, como é óbvio. Qualquer um de nós terá outras soluções. / GF - E o ambiente da escola de referias que era prazeroso, depois enumerou-se uma sequência de períodos, iniciando-se o último quatro anos o correspondente à direcção do João Pedro Xavier. / JB - Desde que começou a sua vir este sistema dos rankings de escolas, esta aflição de toda a gente querer andar a competir, eu acho que isso traz muito mau ambiente à escola. É onde se começa a perceber, que há pessoas que fazem de tudo para conseguir os seus objetivos, não interessa se estão a fazer mal alguém ou não. Isso, é muito mau… / GF - Aplicarem isso ao ensino não é só aqui, é em todas as faculdades… / JB - Não é exclusivo daqui, claro, não é? / GF - Estas avaliações, começaram há uns anos, penso que em 2018. A primeira vez que avaliaram foi há 4 anos, penso que na passagem da então direcção do Carlos Guimarães para a do João Pedro Xavier. / JB - Sim. Na altura ainda se estava a falar precisamente sobre… Aliás, a primeira equipa que se fez foi precisamente com o Carlos Guimarães, exacto. Lembro-me agora de estar a falar nisso numa reunião. / GF - Não se é apanhado de surpresa, porque isto já se falava. Agora depende de como as pessoas entram nisso. / JB - Sim, isto já se falava… Pois…, porque o país… Nota-se! O ambiente da escola mudou! Trouxe… e são demasiadas burocracias, a tecnologia só nos tem trazido... temos mais trabalho… O computador tem-nos trazido cada vez mais trabalho. Desde quando é que eu chegava a casa e ainda ia ver emails, ainda ia responder, fim-de-semana… Agora já nem abro sequer! Chega a sexta-feira e acabou. Não abro! Não quero saber! Porque, quer dizer, daqui a nada eu nem tenho vida particular, não é? Permanentemente… E isso abusou-se um bocadinho com essa história da pandemia. / GF - A pandemia quiçá veio… de algum modo acelerar isso. O mandato desta direcção fica marcado por isso, avaliações que vêm de trás, a pandemia… / JB - Pois, os desgraçados … quem teve que estar a gerir isto … deve ter sido uma verdadeira dor de cabeça… / GF – Compete arranjar soluções. O impacto pedagógico foi ainda maior em disciplinas como projecto ou desenho ... / JB - Sim, claro. Em disciplinas práticas obviamente que o impacto foi grande. Mas mesmo dar uma aula teórica, tu consegues transmitir através do computador, não obstante não ser bem verdade, porque os níveis de atenção são muito mais baixos. / GF - Nas últimas 2 aulas eles tiraram as máscaras nas práticas, oh! Não nos conhecíamos, e também era outra coisa. / JB - Claro. / GF - Porque podes usufruir de feedback pelos alunos também pela expressão que fazem. Tu estás permanentemente a perceber se percebem ou se tens de precisar mais ou menos as coisas. Percebes a reverbação do comunicado. / JB - A comunicação era outra! E através do ecrã, pior ainda, porque os níveis de atenção baixam nitidamente. / GF – Mas na verdade, dentro do das dificuldades que tivemos, até se conseguiu resolver e não correu nada mal. / JB – Ah, e eu construí… Estava-me a esquecer! Eu construí o finestra – desenho num tempo record de uma semana e pouco. / GF - O Finestra foi uma plataforma a que recorreram durante a Pandemia - feita por ti com o José Maria, Armando, Nuno Sousa, etc – uma espécie de blog onde os alunos tinham acesso às fichas, a exemplos de exercícios, a imagens… / JB - Juntos a trabalhar permanentemente construímos isso. / GF - O Moodle não servia para isso? / JB - Nem pensar, se tu fores ver o finestra! E depois tivemos feedback de escolas - de pessoas exteriores de Coimbra, do Minho, da ESAP, da ESAD, da ESMAE - Vocês fizeram um trabalho fantástico! Bestial! E isto é que é extraordinário! Da escola ninguém nos disse nada…, parece que não fizemos…, nem imaginam o trabalho que foi para..., quer dizer, quando constróis uma… GF - Está ligado com o blog? / JB – Não, não. Está! Também tem uma ligação: finestra desenho…. Fui eu que o construí… em conjunto com... com o José Maria etc… Uma página para funcionar bem tem que ser muito bem pensada! Não é só atirar para lá as coisas e já está, não é? A página tem que ser pensada em termos do utilizador. E, por isso, temos que pensar como é que o finestra podia funcionar bem do ponto de vista do estudante. E foi realmente uma coisa bestial! Foi mais uma coisa, mais um trabalho que eu nem me estava a lembrar disto, não é? / GF - Pois. / JB - E que funcionou muito bem durante a pandemia. Aliás, obtivemos resultados até melhores do que se estava à espera, embora com muitas… Claro que não é a mesma coisa que estar a ter as aulas presenciais! Os resultados… / GF - Olha, como é que foi a experiência de regência, as experiências que tiveste no 1º e 2º ano, que são muito diferentes e em que tiveste que trabalhar sobre um programa que é de outras pessoas? / JB - São anos muito diferentes. Sim. Acho que o ideal, quando uma pessoa toma conta de uma disciplina com a importância do desenho aqui na escola, não deve arriscar, deve pegar no que está feito… Por isso, é pegar nas coisas e se queres fazer alguma alteração têm que ser coisas muito pontuais… Por isso, tanto de uma vez como da outra eu não alterei rigorosamente nada. Limitei-me a… Acho que são precisos anos de experiência para… E discussão com os colegas… Mesmo nós, às vezes, quando, por exemplo, queremos introduzir um exercício novo. Discutimos sobre o assunto e… durante algum tempo andamos a pensar sobre isso. Só depois é que o exercício é lançado. Porque os efeitos se forem maus, no estudante…, se o exercício funciona mal …. tu perdes logo ali uma quantidade de coisas. Por isso, quando se lança um exercício, é preciso ter muito cuidado! Às vezes uma pessoa pode fazer um pequeno ensaio só durante 1 hora, por exemplo, e depois vai ver: Olha, foram estes os resultados, isto funcionou assim… Então se calhar o melhor era fazemos isso em vez de fazermos aquilo. Por isso, quando se é regente de desenho, tem que se ter algum cuidado! … Embora todos os anos haja alterações, todos os anos nós fazemos afinações, que é normal. E melhorias. Aliás, não é à toa que os resultados cada vez são melhores. Enquanto fui regente limitei-me…, não mudei rigorosamente nada. / GF - Não mudaste, e tentaste cumprir o programa que existia… / JB - Exacto. / GF - E a experiência foi prazerosa? / JB - Dá algumas dores de cabeça, é verdade. / GF – Tiveste o trabalho de preparar as teóricas e outras coisas, não é? / JB - Dá muito mais trabalho, como é óbvio. Para quem dá as teóricas! Quem não dê teóricas, não dá trabalho nenhum. (risos) Para o 1º ano construí aulas teóricas, aproveitando algumas coisas do José Maria e do Joaquim Vieira. O Vítor também me passou, mas eu preferi depois usar algumas coisas dele, outras… são diferentes formas…, agora não fugi às matérias, continuei na mesma. Nesta conferência que eu dei para Bruxelas, o Vítor também me pediu umas imagens, “É pá, tens ali umas imagens bestiais acerca da composição… Podias-me arranjar?” - E eu, “Claro que sim, é óbvio”.  

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