9/16/24

AULAS ABERTAS DE TEORIA 1

AULAS ABERTAS DE TEORIA 1 Mário Mesquita - "Contexto e projecto a propósito de Marques da Silva", Auditório da FAUP,25 de Outubro dede 2024 às 16.30-18.00h Marta Rocha - "Investigação no arquivo da família de Raul Lino", Auditório da FAUP, 8 de Novembro de 2024 às 16.30-18.00h

9/12/24

CONVERSA SOBRE ARQUITECTURA E ESCOLA DO PORTO _ 2022 (Daniel Oliveira com Gonçalo Furtado).

CONVERSA SOBRE ARQUITECTURA E ESCOLA DO PORTO _ 2022 (Daniel Oliveira com Gonçalo Furtado). I. [GF] - Daniel. [DO] - Viva. [GF] - Sobre a faculdade, desde que entraste nos anos 80, como pode descrever? Que memórias é que guardas dos vários períodos. Projectaste uma capela que agradou ao Souto de Moura…. Ficaste aqui como assistente. [DO] - Sim, projectei um jazigo, com o Paulo Providência, ainda enquanto estudante… Quando o estávamos a projectar, o Eduardo Souto Moura que era nosso professor de Projecto, fez-nos uma crítica muito pertinente. Fez-nos ver que estávamos a querer fazer e mostrar muita coisa… (talvez por ser a primeira obra) e que devíamos focar o nosso desenho no essencial (que em termos formais era um cubo e um tronco de cone). Mais tarde mostrei o projecto ao Arquitecto Álvaro Siza que não levantou grandes questões quanto à forma. Perguntou, tão somente, onde ficavam as urnas? (risos…). No nosso entusiamo tínhamo-nos esquecido da utilitas ! (risos…). Em relação à Escola a minha memória desse período é muito positiva. Talvez seja uma visão nostálgica e idealizada do passado (risos)… [GF] - Podes falar um pouco sobre isso. [DO] - Eu entrei no início dos anos 80 e guardo a memória de um tempo em que os alunos tratavam os professores por tu, pelo nome. Essa relação mais informal entre alguns professores e alguns estudantes em nada comprometia o rigor, a exigência e o respeito mútuo… foi um dos aspectos que muito me surpreendeu quando aqui cheguei. Hoje sente-se mais a hierarquia… A Escola contribuiu para a minha transformação pessoal, para a minha autoconstrução… Ensinou-me a pensar, investigar e criar soluções através do desenho… e consolidou a minha postura ética, de rigor, de honestidade intelectual… [GF] - Portanto, seria 1981? [DO] - Sim, entrei em 1981 na Escola Superior de Belas Artes do Porto, transitando durante o curso para a Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto… terei concluído, salvo erro, em janeiro de 1988 com a Prova Pública que, há época, se chamava Relatório de Pré-Profissionalização. [GF] - Ainda havia… Sabe-se que 1974, e ainda nos anos 70… houve aqueles regimes experimentais de ensino e que houve a experiência do SAAL, etc. A proximidade é sabida, entre os alunos e professores. Quando chegaste à escola isso ainda existia… [DO] - Ainda existia alguma proximidade… apesar de, quando cá cheguei, os regimes experimentais e o SAAL já terem acabado. [GF] - Vinhas de Águeda? [DO] - Sim e não! (risos…). [GF] - Portanto… [DO] - Tive uma infância espectacular na minha aldeia (Aguada de Cima). Ainda tenho muitos amigos desse tempo… A rua era uma das nossas casas. Depois estudei em Águeda. Quando tinha 11 anos deu-se o 25 de Abril e nos anos letivos seguintes (durante o Ensino Unificado), participei em várias RGA’s, manifestações… Fui para a Escola José Estevão em Aveiro no 10º ano para o curso de Artes. Finalmente em 81 ingressei no Porto. [GF] - Vieste para a Escola de belas artes do Porto, um ambiente específico. [DO] - Sim. Sim, e um dos aspectos marcantes era o facto da pintura, escultura e arquitetura partilharem uma mesma casa e o mesmo jardim. [GF] - Partilhavam o mesmo bar, a mesma cantina, o mesmo jardim e, portanto, havia as mesmas esculturas, o mesmo auditório. [DO - Sim. [GF] - Um espaço de ensino artístico. [DO] - Havia alguma proximidade entre os alunos e professores uma vez que partilhavam alguns espaços. No entanto, a autonomia e independência dos cursos era inequívoca. Penso que o desenho, como raiz e tronco comum da arquitectura, da pintura e da escultura, e uma certa indumentária e atitude artística, seriam os nossos, maiores pontos de convergência. [GF] - Durante o teu curso, constitui-se a faculdade. [DO] - Eu durante o meu curso transitei da Esbap para a Faup e começou a construir-se a nova Faculdade de Arquitectura, inicialmente com a recuperação da Casa Cor de Rosa e das cavalariças. [GF] - Exatamente. [GF] - No início dos anos 80, a formação académica ocorria na ESBAP e alguns anos depois as matrículas ocorriam já na FAUP. [DO] - Sim, sim… como disse, comecei na Esbap, mas sou Arquitecto pela Faup. Aliás, tive aulas em São Lázaro, nos primeiros anos do curso (até ao 4º ano). O 5º e o 6º ano foram já no Campo Alegre, nas cavalariças e na Casa Cor de Rosa. [GF] - Ah. [DO] - A entrada da arquitectura na Universidade do Porto foi um passo positivo e que, inicialmente, conseguiu transportar nesse movimento o essencial da Escola. Hoje, sente-se algum peso de outras regras e hierarquias… [GF] - Foi ficando marcada pela coisa dos graus académicos, e também pela distância entre professores, e de alguns desses relativamente aos discentes. Há muitas coisas que se perde neste processo… [DO] - Sim, perde-se e ganha-se (risos…). [GF] - Por vezes, alguma burocratização desnecessária até. [DO] - Houve uma enorme transformação desse ponto de vista, digamos… E eu diria que a Escola talvez esteja hoje mais aberta a outras populações, origens, instituições. Ter-se-á tornado mais plural. [GF] - Principalmente com a ocorrência de uma abertura, i.e. internacionalização. [DO] - Sim. A Escola durante o meu curso tinha ainda, no meu entender, uma dimensão de reduto, de resistência… [GF] - Embora reconhecida na revista “l'architecture d’aujourd’hui”. [DO] - Pois, e esse é o paradoxo. Era simultaneamente um reduto e uma Escola com reconhecimento internacional pela mão e pela obra do Arquitecto Álvaro Siza. [GF] - No número de 76 ou, não é? Essa revista francesa, por exemplo, tornou a arquitectura do Porto conhecida. [DO] - O reconhecimento foi, claramente, o da obra do Siza…. Sendo ele docente, a escola aproveitou inteligentemente esse reconhecimento. Penso que até então, éramos uma escola de dimensão nacional e nortenha. [GF] - A coisa regional, envolvendo as duas cidades grandes do país, o Porto relativamente à capital. [DO] - Sim. Entre a Escola do Porto e a Escola de Lisboa havia uma certa “luta”, como se estivessem em lados opostos da barricada. [GF] - As cidades onde estavam sediadas as duas escolas de arquitectura que havia: a de Lisboa e a do Porto. [DO] - Pois… Lisboa estava muito mais determinada por aquilo que, na altura, era um certo pós-modernismo que digamos teve a imagem do Taveira… [GF] - Apenas uma parte de Lisboa. Mas sim, dizes que em determinado momento a escola pós-moderna de Lisboa foi dirigida pela figura do Tomás Taveira. [DO - Sim, sim… De facto não era Lisboa, era uma certa Lisboa ou uma certa arquitectura ou estilo que, inteligentemente, soube usar os meios mainstream da época para se autopromover e divulgar no país. (Um dos expoentes foram as torres do Taveira… das Amoreiras). Mas curiosamente, em ambos os casos (pela via aberta pela Architecture d’Aujourd’hui e pela via dos meios de comunicação nacionais), esta mediatização contribuiu para a divulgação da arquitectura e da profissão dos Arquitectos. [GF] - O shopping-center Amoreiras, ficou como uma expressão icónica desse pós-modernismo. [DO] - Contrariamente à Escola do Porto, em que havia uma maior resistência e vontade para que a Arquitetura continuasse num determinado caminho, digamos… de procura de uma certa essencialidade e ética, assente no processo de desenho. Curiosamente, este posicionamento da Escola não a poupou a acusações de que defenderia um modelo formal. [GF] - Depois da experiência do SAAL e da recusa do desenho, havia um consenso em redor não só do Siza mas de num método de desenho-projecto, e da consciência de uma responsabilidade social do arquiteto. [DO] - Eu já não tive a fase da recusa do desenho. Na minha geração o desenho era, digamos, central na nossa formação. [GF] - Como tem sido. E havia uma proximidade/partilha entre desenho, projeto e construção [Do] - Sim, sim… Havia inclusivamente uma coincidência no objecto de estudo entre as disciplinas de Projecto, de Desenho e de Construção… nós quando estávamos a “desenhar para desenho” estávamos a desenhar para projecto e para construção. E portanto, em alguns anos as avaliações foram feitas em comum. [GF] - Dizes que as avaliações, da “matéria”, eram feitas em comum. [DO] - Sim, sim… depois as disciplinas começaram a autonomizar-se, a separarem-se. Mesmo assim, continuamos, ainda hoje, com algumas tentativas de convergência, nomeadamente entre Projecto 2, Construção 1 e Desenho 2… As pontes ainda não caíram, estão disponíveis para o nosso vai-vem, para o trânsito entre as margens e trasfega de “matérias”. (risos…). [GF] - Havia uma maior integração de cadeiras, unidas em torno da matéria. Nos 90’s, já só se apanhava essa proximidade, um bocadinho, com o desenho, a construção já estava por vezes mais separada do projecto. Mas isso é uma coisa que ainda se discute hoje. [DO] - Sim e o peso do Desenho, do Projecto e da Construção eram, digamos, essenciais…. Eram e são, bem como a Teoria e a História! [GF] - Havia uma coluna central do projeto, claro. [DO] - O Projecto era considerado a síntese do Ensino da Escola. A Teoria e a História assentavam em dois professores excepcionais: Fernando Távora e Alexandre Alves Costa… Lembro-me também da Beatriz Madureira, do Manuel Mendes, do José Salgado, do José Maria Cabral Ferreira… Em Projecto, correndo o risco da memória me atraiçoar, Sérgio Fernandez, Francisco Barata, Eduardo Souto Moura, Manuel Correia Fernandes, Matos Ferreira, Manuel Fernandes de Sá e Carlos Prata, muito contribuíram para a minha aprendizagem. No Desenho José Grade, Alberto Carneiro e Joaquim Vieira (apesar de não ter sido meu professor directamente), foram importantíssimos para mim e, creio, também para a Escola. Alcino Soutinho, José Gigante e Pulido Valente foram os meus amáveis professores de Construção. II. [GF] - Como recordas o protagonismo da coluna de teoria e história. [DO] - Tive, como já referi, dois professores notáveis: Fernando Távora e Alexandre Alves Costa. [GF] - O Távora dava Teoria Geral da Organização do Espaço, em que empreendia exposições orais simultaneamente desenhando. [DO] - Eram aulas notáveis, em que ele desenhava e falava simultaneamente. Navegava no tempo, nas obras e nas geografias, apresentando-nos (a nós, alunos do 1º ano) uma visão culta e completa do homem e da arquitectura… Eram, de facto, aulas notáveis!!! Nem sei como seria possível, hoje, classificá-las numa “Avaliação de Desempenho Docente” (risos…). [GF] - Expunha-vos perante as geografias do pensamento disciplinar. [DO] - Sim. Foi de facto um professor que eu recordo muito, um dos mais importantes da Escola do Porto. [GF] - Percepcionava-se nessas conversas um programa estruturado? Mais que improviso. [DO] - Ele tinha, ele tinha aquilo claramente estruturado… Muito bem estruturado!!! [GF] - As aulas tinham temas? [DO] - Sim. [GF] - Percepcionavam alguma progressão? Por exemplo, a nível de temas, ou desde o geral para o particular? [DO] - Não, penso que não tinha progressão nesse sentido. A mensagem que retive dessas aulas é que na arquitectura não existe uma ideia de progresso ao longo do tempo. Existem temas de trabalho que se repetem e que se actualizam, ao arquitecto compete dar respostas e soluções consequentes, às circunstâncias em que participa. Aquilo… aquelas aulas percorriam temas, escalas, arquitecturas, civilizações, de um modo transversal no tempo. Era um “banho” semanal de História e de Teoria da Arquitectura (risos…). [GF] - Eram temas pré-determinados? [DO] - Sim, claro que sim, os temas vinham pré-determinados claro! Tínhamos sumário no início da aula! Ele sabia perfeitamente do que ia falar. [GF] - Nas aulas, por vezes introduzia paralelos com vários projectos, mais contemporâneos… ou entre antigos, modernos. Mas em redor de temas? E focava a cidade, etc. [DO] - A cidade também. A cidade, questões particulares de edifícios, sobre modos de entendimento e de vida, de várias culturas que conhecia e até sobre culinária. Eram aulas de síntese e de uma imensa capacidade relacional! [GF] - Enquadrava a explicação da historicidade e espacialidade, com referências à cultura e à vida. [DO] - Recordo-me da sua enorme ironia. Uma vez disse numa aula: se não houvesse nada para exportar, nós portugueses poderíamos fazer uma pipeline de papas de sarrabulho para a Europa. Havia, portanto, um carácter irónico, humano e bem disposto… mas muito culto. [GF] - Era uma espécie de lições de cultura identitária. A grande cadeira de primeiro ano. [DO] - Sim, de facto Teoria Geral de Organização do Espaço foi a grande cadeira teórica do meu curso. [GF] - E depois nos outros anos? [DO] - Nos outros anos, recordo-me particularmente da professora Beatriz Madureira. [GF] - Ah, a Beatriz Madureira, não era então assistente do Távora? Nos 90’s, em que estudei, era. [DO] - Comigo o assistente do Távora era o Rui Tavares. [GF] - Depois o Alexandre Alves Costa dava aulas de história. Antes do teu tempo, havia uma coisa que era: a arquitectura analítica - era uma coisa em certo sentido também teórica, faziam levantamentos desenhados, e discutiam. [DO] - Das analíticas não me recordo de nada! (risos…). Sempre fui adepto das sínteses… Alexandre Alves Costa foi um dos com quem mais aprendi arquitectura, teoria e história, embora “só” tenha sido meu professor de História… [GF] - O debate teórico também era feito através do projecto. [DO] - Sim! Penso mesmo que não existe projecto sem teoria, nem teoria sem projecto. Eles alimentam-se mutuamente. Embora um dos campos seja o da Teoria da Arquitectura e o outro o da Teoria do Projecto. Qualquer arquitecto tem obrigação de, durante a sua práctica projectual, desenvolver simultânea e sistematicamente um pensamento próprio teórico-crítico sobre esse processo (sobre o arquitectar) e sobre a disciplina da arquitectura…No fundo, nós arquitectos quando projectamos devemos simultaneamente fazer a Teoria do Projecto de Arquitectura que é um pouco diferente da Teoria de Arquitectura. [GF] - A cadeira do Távora, era no primeiro ano, como introdução à cultura arquitectónica. [DO] - Sim, podemos dizer que sim. [GF] - O Correia Fernandes também veio a dar cadeiras teóricas, recordaste o que é que ele dava na altura? [DO] - Não. Sempre associei Correia Fernandes a Projecto, embora possa estar equivocado. [GF] - Quando estudei nos 90’s, o Correia Fernandes foi regente da disciplina de projecto. [DO] - Sim, sim, foi meu regente em Projecto. Foi também director da escola… como aliás o foram Fernando Távora, José Grade, Alexandre Alves Costa, Domingos e Francisco Barata, entre outros… [GF] - Não te recordas do Carlos Guimarães? [DO] - Do Carlos Guimarães… Sim, claro, e agora mais recentemente do atual director. III. [GF] - No início referiste-te ao ambiente da escola. Quais foram as diferenças de ambiente que vivenciaste cá na escola? [DO] - Eu não tenho uma completa percepção, digamos, das implicações que as regras que emanam da Universidade criaram e criam na Escola. [GF] - O Távora assegurou uma certa sobrevivência de ideia de escola, face ao impacto que imposições externas (a que aludes) poderiam comportar. [DO] - As imposições externas nem sempre são negativas. (Por exemplo em Projecto elas são fundamentais para o seu exercício). Mas a ideia com que fiquei é que o Távora era claramente uma pessoa com mundo, que se movimentava muito bem, com uma enorme capacidade intelectual e argumentativa. Penso que sempre lutou pela garantia da especificidade do ramo da Arquitectura na Universidade do Porto. E não só ele! [GF] - Todos os diretores posteriores à instauração da república lutaram no sentido de defender a escola. [DO] - Desde que entrei na Escola, tenho a ideia que os vários directores, cada um segundo a sua visão, todos lutaram por defender a singularidade da nossa instituição. E não deverá ser fácil, porque a arquitectura, apesar de todo o reconhecimento internacional, tem ainda um peso reduzido na Universidade do Porto. [GF] - Após o Távora, continuámos dentro da Universidade a criar o nosso espaço próprio e específico entre as artes e as ciências. [DO] - Estamos de facto entre… entre a ciência e as artes. Somos uma espécie de pêndulo que transita entre os dois lados. Não desenvolvemos uma acmotividade puramente científica nem puramente artística. Para alguns esse poderá ser um problema… para mim esse é um potencial e uma vantagem identitária incontornável. [GF] - Apesar de estarmos dentro da Universidade do Porto, continuarmos com a nossa autonomia. E os reitores, a maior parte deles, seriam de engenharia até. [DO] - No início da Faculdade de Arquitectura, transitaram os professores da Esbap, que como sabemos não eram doutorados. E esse foi um processo com toda a certeza negociado e que não representou stress ou abaixamento da qualidade do ensino. Enquanto aluno, vivi a transição Esbap / Faup e não tenho memória de qualquer trauma particular (risos…). [GF] - Ah, ah. [DO] - Foi inteligente. Nunca ficámos sujeitos a outras faculdades ou a professores estranhos a esta casa. Portanto, e deste ponto de vista, acho que devemos estar gratos a quem tem preservado a nossa a especificidade e a nossa autonomia. [GF] - Dei-te uma fotografia, com quase 30 anos, da visita à Universidade da Corunha, quando me selecionaste na turma para apresentar o meu projecto. [DO] - Sim, sim lembro-me… Associo esse tempo ao início dos rácios professor/aluno, aos temas do financiamento da Universidade, às quantificações, questões a que nós, que estávamos mais interessados em projectar, em ensinar, em teorizar, estávamos alheios, mas a que fomos sucessivamente condenados. [GF] - Entrámos na fábrica universitária. [DO] - Houve um momento em que tiveram que ser articuladas as condições materiais disponíveis (instalações, financiamento, etc.), com os numerus clausus, com as retenções/reprovações e com os rácios. O caminho trouxe-nos, provavelmente com alguma condescendência, aqui, aquilo a que chamas de fábrica. [GF] - Auto-determinação para assegurar a construção do espaço da faculdade, e uma maior condescendência com os números e rácios do ensino. [DO] - A minha visão, apesar de tudo, é positiva. Penso que o ensino na Faup tem qualidade e é reconhecido. [GF] - Adquirimos mais abertura. [DO] - Mais abertura e mais pluralidade. [GF] - Interessante que já falámos de auto-determinação (enquanto instituição), e tu aludias a condescendência ou pelo menos maior razoabilidade… Em determinado momento, do processo histórico, a escola teve de afrontar o aumento de números (clausus), e presumo que tenha tido de apresentar resultados em termos de produção à própria reitoria também. É o que estás a dizer com haver números? Devem ter sido feitos investimentos e ser necessário não deixar de ter atenção ao financiamento quotidiano… [DO] - Claro que os números, os resultados, os investimentos, as condições materiais são importantíssimas. Diria mesmo que dos resultados depende sempre qualquer instituição. Há financiamentos, há uma relação aluno/professor, existem custos, disponibilidades, numerus clausus… É uma engrenagem, uma mecânica de funcionamento complexo, onde todos estamos inseridos, que está subjacente ao funcionamento da Escola e que devemos entender com alguma ponderação. [GF] - Exactamente. Estamos inseridos numa mecânica que temos de ponderar. Eu passei 10 anos sobrecarregado, sozinho com 160 alunos por ano. [DO] - E de olhos abertos e pés assentes. (risos…). [GF] - Por outro lado, também já aludiste aos, digamos, excessos da academização, não é? [DO] - Sim, a academia cria academização! (risos…). [GF] - Eu acrescentaria ainda o distanciamento do ensino à prática/investigação e mesmo da arquitectura/escola relativamente ao território… A escola e a arquitectura continua a ser pouco presente no território. [DO] - Essa é outra questão. Quando entrei nesta casa éramos crentes: pensávamos que o arquitecto desenhava projectos e construía obras. Hoje, há quem considere que esta é uma visão redutora. O âmbito alargou-se… embora eu tenha a convicção e alguma esperança que ao arquitecto no futuro esteja reservado, também, o direito a desenhar projectos e a construir obras. (risos…). [GF] - Ainda havia muito uma ideia única e tradicional do arquitecto. [DO] - Sim, havia uma ideia de arquiteto desenhador que nos fazia escolher este curso e um desejo de vir, um dia, a construir obras de arquitectura. Actualmente, a academia abriu o leque das possibilidades e actividades ao dispor dos alunos/arquitectos. [GF] - A nossa actividade de arquitectos e professores transformou-se na academia e universidade. Por outro lado, a prática também tem sofrido transformações. [DO] - Claro, claro. Verifica-se que a prática dos arquitectos não se circunscreve (provavelmente nunca se circunscreveu) ao projecto e às obras. Temos críticos, historiadores, ensaístas, curadores, vendedores imobiliários, etc., etc. Penso, no entanto, que é pela via dos projectos e das obras que no longo processo histórico a arquitectura se consolidou enquanto disciplina e atividade reconhecidas. [GF] - A actuar como críticos, etc. Mas o próprio arquitecto prático, começa a ter montes de preocupações, não é? E Muitos passam mais tempo em relações públicas do que propriamente a desenhar. Ou a assegurar seguros profissionais face ao exponenciar de responsabilidades assumidas, a ler papelada promocional que o inunda o mercado dos materiais construtivos num mundo global, ou a ler cada vez maior quantidade de regulamentos, não é? Antes o central era ouvir o cliente, desenhar e acompanhar bem a obra. [DO] - Tenho um amigo arquitecto que, a propósito da paranóia legislativa na área da arquitectura, há alguns anos quando queria adormecer levava para a cama uns decretos-lei. Hoje só pode ler legislação pela manhã, porque caso leia algum decreto depois da hora de almoço terá uma insónia garantida. (risos…). [GF] - Há dimensões que não eram tão importantes na arquitetura. [DO] - As dimensões a que a práctica projectual está actualmente sujeita são tão variadas que determinam, quase inevitavelmente, um exercício em equipa, onde o arquitecto será o coordenador/maestro/compositor. No meu entendimento, o grande problema surge quando somos confrontados com os trezentos e tal regulamentos diferentes dos trezentos e tais municípios deste país. Esta deveria ser uma questão a ultrapassar e uma luta dos arquitectos. [GF] - O projecto/obra cristaliza o dinheiro de outros indivíduos, em coisas que devem fazer bem à cidade para todos. (risos). [DO] - Sim, o arquitecto tem deveres e responsabilidades com os clientes, a com sociedade, com o contexto… [GF] - A profissão do arquiteato teve uma grande transformação e a atividade e o ensino de alguma maneira também está em transformação e vem dando resposta a essa nova atividade. [DO] - As transformações têm sido várias, quer no ensino quer na profissão, mas para mim não é seguro que umas condicionem as outras. Não tenho plena convicção que um Plano de Estudos ou as matérias ministradas nas diversas disciplinas sejam ou devam ser determinadas pela prática profissional. [GF] - Alguns arquitectos na sua prática profissional desenvolvem atividades ligadas à área da arquitectura, mas que não são apenas, ou sempre, a especifica ou estrita vertente projectual. [DO] - Sim, tenho também essa percepção. [GF] - Os que produziam projectos e obra por vezes acham que os outros não fazem nada. [DO] - Existe de facto uma tendência para cada um dos lados minimizar o outro. Os teóricos desconsideram os práticos e os práticos desconsideram os teóricos. É uma espécie de maniqueísmo primário inconsequente. [GF] - Imagino que em todas as áreas deve existir essa questão. O que era específico aqui é que uma parte dos professores de arquitetura tinham uma experiência prática, hoje penso que pretendem que se articule com a apelidada “investigação”. Na nossa disciplina não é difícil a relação prática/investigação, na área do projeto, na área da construção… [DO] - Sim, sim… O tema da investigação na arquitectura é muito curioso. No meu entendimento, penso que poderão existir três tipos de investigação: uma primeira que implica uma perspectiva interpretativa e que por essa via extrai conhecimento e conclusões de um ponto de vista teórico. Refiro-me à crítica arquitectónica, à teoria e à história da arquitectura, entre outras, cujo denominador comum é a separação entre o objecto e quem o desenhou e o sujeito que os investiga. Uma segunda que se faz no decurso do processo de projecto e que terá por objecto fornecer ferramentas, saberes práticos e informações úteis à definição e criação do objecto arquitectónico: refiro-me a técnicas e sistemas construtivos, legislação, custos, referências arquitectónicas, história do local, etc. E finalmente, uma terceira (aquela que me interessa mais), que se realiza através do fazer projecto de arquitectura, na qual o sujeito (arquitecto) e o objecto (projecto), articulam as suas identidades subjacentes na prática. É claramente uma “viagem” reflexiva e retrospectiva/prospectiva que o autor realiza no próprio acto da acção projectual. IV. [GF] - Em muitas escolas internacionais, o ensino de projecto colmata-se com arquitectos convidados, não é? [DO] - Sim, sim. [GF] - De renome e que não sejam apenas académicos ratos de biblioteca. Mas há muitas outras possibilidades e agentes para injectar ideias e sangue-novo com o que se está a passar na prática. [DO] - A separação entre teoria e prática é absolutamente artificial e improdutiva. A via da investigação interpretativa (dos teóricos) e a via da investigação autoral pelo projecto (dos práticos) são complementares e, segundo Carlos Martí Aris, indissociáveis. Se os docentes conseguissem conciliar estas duas vertentes estaríamos num mundo perfeito. (risos). [GF] - Nós aqui temos na área de projeto do quarto ano um corpo docente que penso continua bastante associado à prática. [DO] - Sim, é o ano em que os docentes de projecto estão quase todos intensamente ligados à prática da arquitectura. [GF] - Voltamos ao início da conversa. A passagem para o ensino de massas foi uma questão que teve de ser afrontada, mas penso que já em tempos da direcção do Domingos Tavares senão do saudoso Francisco Barata. Nessa altura, nem nos professores de projecto da generalidade da escola, ninguém tinha feito estas coisas de doutoramentos. Refiro-me até à primeira década dos anos 2000. E depois é que em tempo de direcção do Carlos Guimarães, quando começaram a concluir-se alguns doutoramentos. [DO] - Esta questão dos Doutoramentos serem generalizados, quase obrigatoriamente, a todo o corpo docente da Faup é relativamente recente. [GF] - Mas eu estava ainda a falar naquele período antes. O que é que tu te recordas disso? [DO] - Recordo do meu período da Escola de Belas Artes do Porto, algumas Provas Públicas de alguns professores meus que agora não consigo precisar. [GF] - Alguns tiveram que, no então contexto académico, de fazer o grau de doutoramento, para prosseguir no ensino universitário… E alguns para o fazer tiveram que abandonar a prática mesmo. [DO] - Essa questão dos Doutoramentos é mais recente. Colocou-se já no período da Faup porque era necessário cumprir com as regras da Universidade do Porto. Alguns professores abandonaram de facto a prática para se dedicarem à Academia. [GF] - Geralmente, tiveram dificuldade de manter uma actividade projectual tão intensa. [DO] - De estar completamente ligados a uma e a outra atividade. Estão um pouco no meio, o que será uma situação também desconfortável. Mas, curiosamente houve um grupo de professores ligados à prática, que realizaram os seus Doutoramentos com base na obra própria. [GF] - Referes que alguns professores ligados à prática, tiveram a possibilidade de realizar doutoramento ligados ao projecto, por surgimento dessa hipótese aberta pela Universidade. [DO] - Sim. A Universidade, e bem, encontrou assim a possibilidade de não perder o vínculo, o conhecimento e o saber prático/arquitectónico que esses professores já traziam para a instituição. [GF] - Na altura da direção do Carlos Guimarães, penso eu. [DO] - Sim, penso que foi durante a direção do Carlos Guimarães. [GF] - No estrangeiro há doutoramentos em projecto (e não só para professores de projecto). [DO] - Ok! [GF] - Penso que pelos menos, salvo erro em Inglaterra, etc. [DO] - Concordo em absoluto com a existência de Doutoramentos em Projecto. Talvez por essa via fosse possível colmatar a inexistência de uma Teoria de Projecto. [GF] - O projeto teria de também permiti-lo, havendo tentativas… Como é que hei-de dizer. Antes referiste um afastamento do desenho e construção em relação a projeto, talvez, tal ocorra para o bem e para o mal, ou melhor com aspectos positivos e negativos. [DO] - Sim, cada um teve que seguir o seu caminho… Mas, como disse, as pontes continuam abertas. [GF] - Por vezes as coisas em projecto também estão um pouco fechadas, não é? [DO] - Não me parece ser esse o caso. Em Projecto 2 e Construção 1, temos tentado fazer coincidir o objecto de trabalho com aulas de crítica e entregas de trabalhos conjuntas. [GF] - Ah , mas olha. Eu penso que quem projeta e quem constrói está também a produzir conhecimento, há uma parte de conhecimento arquitectónico que fica a residir nos projectos e em obras. Por isso é que eu ao lecionar Teoria, tanto me refiro a livros como projectos e construções. E os materiais de apoio a aulas teóricos tanto compreendem bibliografia como listagem de plantas ou cortes de projectos. Conhecimento que também sempre não está muitas vezes à vista, está escondido, tem de ser decifrado. O acto da projetação, bem como das teorizações de projecto, pode também ser um ato de investigação, se tiver uma determinada condução. [DO] - Concordo. A investigação pode ser realizada “de dentro”, sobre a obra própria, sobre o seu fazer. Para mim tem tanta validade este modo de investigação, como a investigação interpretativa “de fora” sobre a obra alheia. [GF] - E as obras são livros abertos para serem interpretados. [DO] - Sim, exactamente. Para serem lidos, desvelados e interpretados. Porque é que esse modo de ver e de interpretar é mais ou menos válido do que o outro modo de investigar, o de quem escreve os livros, as obras? [GF] - Mas os práticos não terão frequentemente de dar respostas rápidas e não perder tempo a pôr questões atrás de questões, ou com tempo para verbalizar/reflectir muito sobre tudo o que estão a processar e sobre as opções que estão a tomar? [DO] - Sim, mas a reflexão e o conhecimento são realizados em modos e tempos próprios e não são um fim e si mesmo. No caso da investigação teórico-interpretativa o conhecimento que se procura extrair da investigação é, geralmente, o fim em si mesmo dessa actividade, no entanto também ela se vê confrontada com prazos a cumprir decorrentes dos regulamentos de bolsas, de financiamentos, de instituições, júris, entre outros. [GF] - Mas se calhar, a forma como se gere projectos longos com os alunos, ou se gere o contexto projectual em termos profissionais, deve propiciar também a interpretação permanente do que se processa… Não digo que não se possa pensar na nota ou no projecto final no ano, a que o aluno tem de chegar, mas deve haver tempo para estar a debater problemas per si de projecto? Se calhar, incluso integrando pontualmente outras matérias senão outros professores, seja de teoria ou outras áreas, pode enriquecer essa experiência da aprendizagem projectual. E promover a ideia de projecto também como investigação. [DO] - O projecto é investigação! Essa é a minha convicção! Integrar nessa investigação projectual outras áreas, parece-me uma hipótese interessante e útil. [GF] - Aqui, o ensino de projecto também é levar um projecto até ao final, individualmente, por cada aluno, [DO] - A nossa função de professor de projecto assemelha-se, de algum modo, à arte de partejar, de ajudar um parto. (risos). Os contributos são sempre adequados às idiossincrasias de cada aluno. É uma espécie de caso a caso. [GF] - Claro. Uma das características do projeto… [DO] - Estar disponível para cada aluno… Como em projecto não há respostas únicas… Távora dizia-nos que, no início de um projecto, um princípio e o seu contrário são igualmente válidos. Depois, o trabalho, as “unhas” de cada um terão que transformar os bons princípios em bons projectos. (risos). [GF] - Mas não se pode correr o risco de acabar em meras recomendações de Atelier, o que alguns professores de projeto, quiçá, acabam por fazer. Pode nem sempre se constituir como um espaço para debater as questões per si de projeto, mas tão só ter a resolução daquele projecto em concreto. [DO] - Esse risco existe, mas não é exclusivo da disciplina de projecto! Mas se o aluno desenhar um bom projecto, será porque as questões foram, também, debatidas e resolvidas teoricamente. A teoria e a prática, em projecto, são uma única coisa! [GF] - Por um lado, nós bem sabemos que a resposta é sempre uma resposta individual. [DO] - E havendo milhões de pessoas, há milhões de respostas e portanto… A questão é que não há um receituário, não há um regra, não há um modo único de fazer e de pensar/desenhar. Penso que, em projecto, não existe um método, quando muito existem alguns procedimentos… que podemos propor ao aluno para que ele consiga entender nos seu trabalho de desenho, visualizar e criar o seu próprio pensamento arquitectónico. É uma espécie de não-método… (risos). [GF] - Ensino de projecto, enquanto experiência de apreensão de procedimentos projctuais [DO] - Por exemplo, procedimentos básicos de desenho: o trabalho complementar e conexo em escalas diversas, sobreposição de pisos, a inter-relação entre plantas, cortes e alçados, entre outros. Isto não é um método, mas é um conjunto de procedimentos que, nós sabemos, que o aluno ao passar por eles consegue fazer uma tessitura de relações mais intensa, alarga e potencia possibilidades que desconhecia do seu projecto. Quer dizer, ao pintor tem que se dizer: se misturares estas tintas, isto resulta assim e o pincel se puseres… mas depois, há outras que; Quem pinta é sempre o pintor, ou seja, quem desenha é sempre o desenhador…. “O projecto não se ensina, aprende-se” (risos). [GF] - E portanto, no caso de teoria de projecto, é… [DO] - Por isso é que isto é sempre uma situação difícil de discutir, porque em certa medida alguém pode acabar com a discussão, ao dizer que é impossível haver uma teoria (parcial ou universal) de projecto. Mas mesmo sendo difícil é um debate necessário e um campo, entre nós arquitectos, pouco aprofundado. Claro, que é, … GF] - Um risco… Mas agora podemos discutir no que tange a procedimentos. [DO] - Dou-te um exemplo sobre o trabalho simultâneo em várias escalas. Este procedimento projectual permite que o aluno crie e transfira através de uma espécie de “navegação inter-escalar”, resoluções ou soluções projectuais que não seriam, tão facilmente visualizadas e debatidas, se o trabalho se limitasse ao uso uma única escala ou de várias escalas “desligadas” entre si. [GF] - Interessante. Sabes que há uma coisa que faço: o ensino da teoria não é descontextualizado, ou seja, como dizia, permanentemente são apresentados projectos e construções que objectivam formas como se pensou e os sistemas de pensamento são apresentados, mas não ficam frequentemente a pairar em abstrato. [DO] - Claro. [GF] - Pode-se recorrer a projetos singulares que os explicitam, por outro lado esses só fazem sentido se se explicitar os pensamentos que lhes estão por detrás também. [DO] - Não são desligados… Sim, sim…. Estamos de acordo! Em arquitectura, a teoria e prática são indissociáveis, sem fronteiras reconhecíveis! [GF] - Mas é de admitir que muita teoria tem esse problema, de extremar a abstração. Incuso no ensino e, por vezes, generaliza-se e incluso enfatiza-se um desligamento da prática…. é verdade, também é verdade. Mas, agora, da mesma forma que tu estavas a tentar dizer como é que as salas de projecto podiam ter essa componente mais teórica (de maior reflexão), em aulas de teoria também têm de ser experimentadas e objectivadas por vezes situações prácticas! E não falo só de edifícios, porque às vezes, os edifícios são mostrados como linguagens, e não é isso que está sempre em causa… [DO] - Sim, não é isso. A linguagem é só um dos aspectos. [GF] - Como imagens para encantar, não é? Mas, não é isso. Por exemplo, olha, incluso usando pormenores construtivos! Eu há um par de vezes em algumas aulas, que uso pormenores construtivos para tentar explicar determinadas questões. Por exemplo, o standard, a standarização presente no pensamento racional modernista, tem concretamente expressão em espacialidades assim… propiciava-se em seu tempo determinado tipo de métodos construtivos concretos… ilustram esse momento, não é? [DO] - Sim, há um conhecimento técnico e industrial que está subjacente a toda a nossa prática. Assim como um conhecimento legislativo, um conhecimento económico… da física, da geologia, dos contextos e circunstâncias… [GF]- A arquitectura implica muitos tipos de conhecimentos, de ordem diversa. [DO] - Porque é uma atividade de síntese… Há múltiplos componentes e aspectos presentes no exercício de projecto. Projectar não é meramente um exercício de exercitar por exercitar, ou de desenhar por desenhar… só para ganhar jeito com a mão. (risos). Mais do que um exercício desse tipo, projecto representa um pensamento e uma investigação complexas, integradoras e multidisciplinares. [GF] - O exercício do projecto é um momento poli/pluridisciplinar, implica múltiplas competências, integra conhecimentos de ordem diversa… acresce ser o arquitecto um tipo de profissional que integra e interage em equipas com conhecimentos muito diversos. A nós arquitectos cabe um papel de gestor, de coordenação de projetos. E de determinar princípios… [DO] - Concordo com o que dizes. O Siza refere a questão da coordenação e a questão de relacionar, relacionar, relacionar… Mas também temos arquitectos gestores que, digamos, praticamente não desenham ou não desenham de todo, desenvolvendo a sua actividade em circuitos mediáticos, de angariação de encomenda, etc. O naipe é muito variado! [GF] - O que não quer dizer que a postura arquitectónica individual, intrínseca ao exercício projectual, não deva assentar sempre em pensamento, que se reflecte através do desenho… [DO] - E que cria através do desenho. [GF] - Que é uma linguagem precisa. [DO] - E específica para a comunicação com a obra, com os vários intervenientes ou entidades… É insubstituível para comunicar arquitectura e projecto, porque nós não conseguimos transmitir as ideias arquitectónicas inequivocamente só por palavras ou por números. O desenho de anotação rigorosa está perfeitamente codificado e convencionado, está plenamente instituído e “canonizado”. Tem padrões próprios. É por isso que nós conseguimos enviar um desenho ou um projecto de um edifício para a China, para a India, para a Bélgica… seja para onde for, com plantas, cortes e alçados, ou seja em suportes digitais, e essa informação que o desenho de notação rigorosa apresente é inequívoca. É uma linguagem planetária e inequívoca! [GF] - Pois. [DO] - Para quem sabe ler desenhos! (risos). IV. [GF] - Estamos a dar aqui um salto Daniel. Nós estamos a passar para a circunstância práctica de hoje… Proponho abordarmos os anos 90 a 2020, temos aqui 30 anos… [DO] - Sim. [GF] - Estamos a falar de 30 anos. Como é que tu viste essa transformação? Peço desculpa incidir, ou desviar para este aspecto que me interessa. Já nos anos 90 havia uma coluna de teoria. Eu lembro-me que o próprio Távora, Correia Fernandes ou Francisco Barata estiveram a dar aulas de teoria. E, portanto, não era só o Manuel Mendes, ou outros como o Botelho que é um excelente arquiteto projetista. [DO] - Pois. [GF] - Ou o Rui Pinto que, oscilou de dar aulas em projecto e em teoria. [DO] - Sim. [GF] - Ou a própria Teresa Fonseca, boa projectista, que durante um período deu aulas de teoria. Enfim, professores de projecto que deram teoria. [DO] - Sim. Como os arquitectos são teórico-práticos ou prático-teóricos penso que é normal e, até aconselhável, que os professores transitem e deem teoria e projecto. [GF] - Mas também são pessoas com perfis muito específicos. Por exemplo, estou a pensar no Rui Pinto. Dentro dos grupos de professores de projecto há sempre pessoas mais aptas para dar teoria. [DO] - Sim, claro! Eu tenho visto que de facto, e ainda bem, há um reforço digamos da componente teórica nesta casa. Eu penso que é essencial que os alunos tenham uma formação teórica sólida e uma formação de desenho de projecto sólida, de modo complementar. O risco, é sempre, o de se cair num inconsequente maniqueísmo, como se houvesse alguma luta necessária entre duas facções. Apesar de tudo a Escola do Porto é reconhecida internacionalmente pelas obras de arquitectura de antigos alunos seus (Siza, Eduardo Souto Moura…). Não temos, até agora, nenhuma produção teórica com reconhecimento equivalente. Este facto talvez nos devesse fazer pensar qual o rumo e o modelo de investigação adequado para esta Escola. [GF] - Sim, concordamos que para projecto é relevante ou facilita que os alunos possuam uma formação sólida em desenho e teoria. Mas as condições de ensino, por exemplo, de desenho parecem se vir estreitando… Bem, as de projecto também serão piores que eram na altura em que começaste a dar aulas. [DO] - Todas as Escolas têm limitações espaciais e de instalações que devem ser ocupadas por um número adequado de alunos, professores e funcionários. Temos usado as salas de projecto no seu limite máximo de ocupação. Ainda assim, penso que as condições do ensino de Projecto não se deterioram. [GF] - Começa a ser permitido ou a ser possível fazer cadeiras avulso, simultaneamente de vários anos curriculares. A que correspondem créditos para um somatório. [DO] - Os alunos podem tender para fazer créditos, e esse é o risco. O risco dos alunos Entenderem o ensino como créditos, sem integração consequente. De qualquer modo, eu suponho que as condições de acesso são as correctas: um concurso nacional de mérito com base numa média. Não conheço outro modo que seja, apesar de tudo, mais justo e penso também que os alunos que nos vem chegando continuam a ser muito interessantes. [GF] - São pessoas com especificidades da geração deles… acolhemos claramente os alunos que têm mais potencial. [DO] - Sim, e aqui serão sujeitos a uma pressão imensa. [GF] - São os melhores alunos, também com as melhores notas, sujeitos a exigência da escola, continuam a ser, não é? [DO] - Sim. [GF] - Às vezes esquece-se que temos aqui num microcosmos, não é? Podemos ser críticos quanto a muitas coisas, mas nós temos os melhores alunos seguramente do país. [DO] - Sim, sim… [GF] - Dando aulas noutros sítios nota-se a diferença e, portanto, nós temos matéria base de qualidade. Acho interessante estares a dizer isso. A qualidade também tem muito a ver com os alunos que nos chegam, não é só de nós! É o que nós podemos fazer conjuntamente com eles! [DO] - Os alunos que nos chegam transportam um potencial imenso. [GF] - E estamos num edifício espetacular, não é? [DO] - Sim, sim. Gosto particularmente das rampas, do museu e da biblioteca do jardim. [GF] - Portanto, temos algumas coisas que também facilitam, e estava-se a dizer que temos piores condições, mas… [DO] - Conseguimos usar as nossas instalações para exemplificar temas da arquitectura, o que é uma condição invejável. [GF] - Alguns terão condições ainda melhores. [DO] - Talvez, mas o que eu vejo aqui é que há, pelo menos nas aulas de projeto, há algum aperto. Nós estamos com muitos alunos nas salas de aulas, o ideal seriam turmas mais pequenas para nós termos mais tempo e mais espaço. [GF] - Claro. Já tive turmas com 40. [DO] - Em projecto, isso seria um absurdo! Teríamos que alterar completamente o modo de ensino projecto desta Escola, que é a nossa especificidade e um dos aspectos pelos qual somos valorizados internacionalmente. [GF] - E também a relação ou transferências de conhecimento entre as cadeiras. [DO] - Sim. [GF] - Nos mais variados sentidos… independentemente de projeto ser o centro. Cada um defende o modelo que entende disso, mas não pode nunca ser mera fragmentação. [DO] - A inter-relação entre as cadeiras e matérias lecionadas é absolutamente vital e necessária. Ainda assim, se assim não for, os alunos têm sempre a possibilidade de serem eles mesmos a fazerem essa “ponte”. [GF] - Eu mandei uma lista dos projectos que abordo e pedi sugestões, e não recebi de projecto… pronto. [DO] - Pois. Ainda sobre a integração do conhecimento de um modo mais abrangente e relacional, caberá ao aluno fazê-la. Se o ensino já estiver articulado, isso será uma economia para todos… até do ponto de vista operacional. Se nós conseguimos fazer convergir alguns aspectos, temas e objectos... preservando, ainda assim, a independência e a autonomia de todos, talvez as possibilidades e os pontos de encontro aumentem. [GF] - Pontos de encontro? [DO] - Os políticos chamam-lhe sinergias (risos)… aproveitarem-se energias de várias entradas, não é? E portanto, desse ponto de vista a coordenação é essencial. [GF] - Coordenação horizontal, vertical e global. [DO] - Agora, também entendo que como as coisas estão, a autonomia está completamente estabelecida, pelo que temos não haverão, no meu entendimento, quaisquer riscos, porque será sempre possível dar o passo atrás ou fazer as correcções necessárias. [GF] - É positivo ter consciência do que os outros fazem. [DO] - É sempres possível tentar reforçar ou estabelecer convergências, seja nos espaços, no objecto de trabalho, em exercícios… [GF] - A gente pode falar dos projectos. Eu já fiz essa proposta. Porque é que os professores de projecto não vêm falar sobre determinadas coisas importantes? Se há uma escola ou várias, sobre os métodos da escola do Porto, isso era importante, ouvir os professores de projecuto a falar sobre isso. E eu penso que também era importante os professores das outras cadeiras também irem a outras aulas. Tanto mais que deve haver algumas cadeiras que não são aproveitadas, portanto, podia ser uma oportunidade para as pessoas irem lá falar… Sobre a geografia do sítio que está a ser usado, sobre a economia, sobre… [DO] - Sim, parece-me uma sugestão a ponderar. [GF] - Eu acho que isso é muito importante o que tu dizes, porque a escola não deixa de ser feita também de pessoas… e não como uma política que é: as pessoas nos seus feudos, como se tivessem somente a tomar conta dos seus pequenos espaços. [DO] - As pessoas são, de facto, importantes e não tem que ser tudo convergente. A unanimidade assusta-me… (risos). [GF] - Pois, percebo. Pelo menos as tais sinergias que referias, ou a consciência que eu referia. [DO] - O aluno é que fará a sua integração e a sua conexão do ensino e da aprendizagem, e não sabemos e que tempo é que ele a fará, em que tempo é que elas ocorrerão, ou se ocorrerão. É a ele, aluno, que compete ligar os diversos conhecimentos e as diversas questões e temas que lhe foram apresentados e debatidos. [GF] - Rentabilizar. Promover a integração de matérias, que também se faz individualmente em determinado momento do processo de ensino-aprendizagem de cada aluno. [DO] - Convergir e rentabilizar o espaço, o tempo, os temas (o que não quer dizer que seja do interesse de todas as disciplinas e pode ser pontual, não tem que ser, necessariamente, contínua). Acho que não é inadequado quando se tenta, de quando a quando… [GF] - Tentar coordenar. [DO] - Coordenar… Não me parece uma má ideia de facto! (risos). V. [GF] - Olha e sobre o momento actual, transformações mais recentes. Por exemplo, com a direcção do Carlos Guimarães, já com o João Pedro Xavier como vice-director, a escola foi recuperada, o espaço, ficou muito mais limpa, do ponto de vista físico. Agora estamos em discussões sobre outras coisas. [DO] - Temos muitos eventos, sim, eu acho que sim. [GF] - Dizia que agora parece que tem tudo de andar a fazer também números. [DO] - Números ou papers? (risos). E isso tem um pouco que ver, nesta fase, com uma certa pressão a que toda a gente está sujeita, porque tem que ser avaliada, tem que apresentar relatório para progredir na carreira e ter um ordenado melhor. E, portanto, esta situação vai obrigando as pessoas a fazer os ditos papers, a organizar eventos, a fazer coisas… Como se todos nós fossemos investigadores no sentido ortodoxo. [GF] - Em determinada altura começou a haver avaliações anuais. [DO] - Sim, avaliações de desempenho, quantificações, tudo muito científico e mensurável… A questão é que muito mais interessante, útil e pertinente o nosso quotidiano com 20 ou 30 alunos numa sala de projecto, do que preencher as avaliações de desempenho. Mas enfim… [GF] - Aos professores exige-se investigação, e a alguns investigadores por vezes que deem aulas. [DO] - Necessitamos tempo para refletir, deveríamos ter muito mais tempo disponível para pensar… não deveríamos estar tão soterrados com assuntos que nos desviam da nossa função primordial de ensino. Mas são as circunstâncias deste tempo a que nós, digamos, parece que estamos condenados. (risos). [GF] - Estamos condenados por querer seguir este modelo, quando deve haver gente que não pensa que só se pode fazer assim. [DO] - E, portanto, vejo com alguma preocupação que estejamos a perder o foco, a sermos desviados. Estamos entre as ciências e as artes e teremos que encontrar e construir a especificidade do nosso caminho. [GF] - Há quiçá uma mera uniformização, todos terem que fazer o mesmo. [DO] - Não sei se todos querem fazer o mesmo, mas concordo que há uma certa uniformização que decorre das regras a que estamos sujeitos. E, portanto, estamos aqui um pouco sujeitos a isto, mas é o que temos. Não tenho um modelo alternativo, mas tenho dúvidas que este seja o caminho. [GF] - Muito bem. Ficamos por aqui.

9/7/24

Conversa sobre a escola do porto n.6: Teresa Fonseca (com Gonçalo Furtado)

CONVERSA SOBRE ARQUITECTURA E ESCOLA DO PORTO _ FEVEREIRO 2020 (Teresa Fonseca, com Gonçalo Furtado). PARTE I I. Gonçalo Furtado [GF] - Teresa, em primeiro lugar agradeço o tempo que me concedes para esta conversa. Proponho estruturarmos a conversa na meia dúzia de aspectos avançados pelo questionário que te enviara. Teresa Fonseca [TF] - Aqui vai a minha resposta ao teu amável convite e ao teu extenso questionário. Espero não ter sido poupada, nem exagerada em curiosidades, mas ainda totalmente dedicada à nossa casa comum. GF - No domínio ‘pessoal’, a minha primeira ‘questão’ visa obter informação ‘biográfica’ relativa ao período que antecede o teu ingresso no ensino superior. Entre os ‘tópicos a abordar’, sugeria que incluísses as tuas ‘primeiras afinidades com a arquitectura e afins’. TF - Nasci na Guarda, terceira de seis filhos de um pai advogado e mãe professora primária que viria depois de 1975 a ensinar Pedagogia na Escola Superior de Educação. Não frequentei o ensino primário, só tive aulas de piano, francês e educação física fora de casa até aos nove anos de idade, quando fiz admissão ao liceu. No primeiro ano, pertenci à única turma mista, (de Teresas, Vascos, Virgínias e nomes das últimas letras de alfabeto). Nesse primeiro ano, e no 2º, tive como professor de desenho, o pintor Diogo Alcofurado, do Porto, que disse que os meus desenhos sempre tinham criação de espaço, e isso era arquitectura. Decidi que queria ser arquitecta aos 10 anos e nunca mais pensei noutra coisa, até ao 6º ano em que fiz a alínea h) de arquitectura numa turma que teve apenas 3 alunos (os outros dois não vieram a ser arquitectos). GF - Falas-me da tua escolha de estudares na Escola de Belas Artes do Porto? TF - A escolha da Escola de Belas Artes do Porto, um escândalo na cidade, foi categoricamente apoiada pela minha mãe e tão acarinhada pelo meu pai como as de Direito e Medicina das minhas irmãs mais velhas. GF - A minha segunda questão versaria a tua ‘formação universitária’. Entre os ‘tópicos a abordar’ eu sugeria que incluísses as ‘afinidades pessoais, professores, cadeiras e matérias marcantes’. TF - A minha formação não foi universitária, porque a Escola Superior de Belas Artes não integrava a Universidade. Também não tenho licenciatura, sou diplomada, com muito orgulho. Chamo a atenção para isso porque ser arquitecto - e mulher - daquele tempo traduzia uma opção muito radical e determinada. GF - Poderias falar-me mais do que significava nessa altura a opção de ser arquitecta? TF - Creio que devo chamá-la de uma elite tão mais restrita quanto consciente do risco inerente das carreiras artísticas, só plausível em contextos familiares favoráveis, como o meu. Ambos os meus pais foram intelectualmente notáveis. / Dentro da Escola, fui muito feliz, curiosa, muito dedicada em todas as cadeiras, sobretudo apaixonada pelo curso. Tive a sorte de ser aluna de professores extraordinários, no primeiro ano Alberto Carneiro e Álvaro Cameira, ambos acabados de chegar de Inglaterra, e no segundo ano Fernando Távora. GF - O Alberto Carneiro e o Álvaro Cameira lecionavam num ano inicial do curso. TF - Carneiro, revolucionou a minha ideia de desenho, instalou mesmo uma concepção de desenho tão radical, estruturante do sentido de projeto, através de abstração e não ilustração das ideias, descoberta, interrogação através do desenho, correção, sobreposição de hipóteses e alternativas da forma, depósito gráfico sobre um problema num terreno, que hoje se associa a “palimpsesto”. / É o oposto da sucessiva tábua rasa do desenho em CAD; é também o que me permite entender os desenhos de projeto nos papéis vegetais de Álvaro Siza, e me tem levado a estudar os de Kahn e Le Corbusier, ultimamente os de Miguel Ângelo ou as esculturas inacabadas deste. GF - A terceira questão, versaria os teus ‘interesses actuais e futuros’. Como ‘tópicos a abordar’ eu sugeria restringires-te ao ‘campo da arquitectura e afins’ TF - Já falei deste interesse atual, gostaria de poder mostrar aos atuais estudantes, as vantagens do desenho no velho papel vegetal para ajudar à sua transferência para o CAD. Tenho tentado dizer como fazer disso uma Teoria experimental e sempre aberta, sem a priori, como sucessão de decisões e não como soma de fragmentos avulsos. GF - Lecionaste projecto e teoria. Na arquitectura… TF - Teoria, sempre, dentro da arquitectura. Depois de 22 anos de ensino de projeto, em turmas de 20 até quase 40 alunos e 12 horas semanais, aceitei a regência de Teoria do 4º ano para todos, algumas vezes 200 estudantes. Descobri depois que foi irreversível, não me foi dado voltar a Projecto e manter o gosto de desenhar com os estudantes em mesas. Aceitei também que o meu papel não voltaria tão cedo ao projeto e obra, depois de 10 anos de paragem da vida profissional, mas pode ter utilidade na investigação e orientação que não terminam aos 70 anos. / São afins à arquitectura outros interesses atuais, como desenvolver ideias sobre o desordenamento do território, novos modos de vida, esbater os slogans do património (herdado) e sustentabilidade (abstracta) dando lugar à permanente criação de património e insistindo na noção de economia da terra que se pisa e que não é um recurso ilimitado (Távora dizia que é preciso tocá-la com cuidado). II. GF - No domínio da ‘actividade profissional’, a minha primeira ‘questão’ visa obter uma ‘caracterização’ sumária dessa. Como ‘sugestão de tópicos a abordar’, eu sugeria que incluísses menção ‘à tua abordagem metodológica, etc’. TF - Comecei actividade profissional cm finais de 1970, no GAT da Guarda durante 4 anos, depois, na Direcção de Projectos da Soares da Costa SA, outros 4 anos. No primeiro conheci o trabalho de arquitecto no interior do país, lidei com a escala da aldeia e da vila, foi o que chamo a minha “tropa”, intensa, para responder sobretudo à chegada de retornados das ex-colónias e integração da procura anual de emigrantes por sítios de construção da casa em Portugal. GF - Começaste então por trabalhar num GAT no ‘interior do país’, numa altura em que a arquitectura respondia ao aumento das necessidades. TF - Projectei loteamentos municipais, fogos tipo com projectos de execução, mas também uma Junta de Freguesia que ficou na memória de muitos quando a apresentei no Congresso dos arquitectos de Aveiro em 1979 e gerou um debate aceso entre o que seriam “Escolas”, a do Porto e a outra. GF - O congresso de arquitectos em Aveiro… TF - Terminei essa experiência quando fui admitida em Concurso para ensinar Arquitectura na ESBAP. Convidaram-me, entretanto, para a Direção de Projectos da Sociedade de Construções Soares da Costa (por sugestão do meu antigo professor Álvaro Cameira), onde tive a experiência de grandes projectos e concursos; desde Moçambique à Arábia Saudita, mas também dos terminais TIR de Lisboa e Porto; trabalhei para uma empresa associada de pré-fabricação de painéis de fachada e aprendi a construção no sistema túnel que foi dos primeiros anos 1980; integrei equipas de grandes engenheiros e outros arquitectos (éramos todos professores na equipa, engenheiros da FEUP e eu própria da ESBAP) mas também fui autora. / De repente, dei conta de que tinha um filho de 8 anos que não sabia a tabuada e deixei esse emprego. Fiquei só com o ensino em Arquitectura ainda na ESBAP, e comecei a fazer os meus próprios concursos e projectos. GF - A minha segunda questão centrar-se-ia nas tuas ‘principais obras’. Como ‘tópicos a abordar’ eu sugeria que contemplasses uma distinção ente as realizadas ‘como colaborador, como co-autor e como autor’. Sei que trabalhaste por exemplo no SAAL. TF - Como estudante, colaborei uns meses com António Menéres e anos com Pedro Ramalho incluindo o SAAL, tudo nos anos 1970. / Em profissão liberal tive uma co-autoria apenas. / Toda a restante obra construída e publicada no meu portfólio foi de autora. Houve projectos iniciados e até desenvolvidos por mim, com múltiplas interrupções ora devidas ao cliente ora porque decidi fazer doutoramento em 1990 e alguns acabaram por ser creditados por outros autores. / Tenho dificuldade em escolher obras principais, porque encontro ainda hoje edifícios dos anos ’90 que mantêm o carácter, com programas e terrenos difíceis cujos clientes me procuraram exatamente porque não perspetivavam soluções correntes mas ficavam cativados nas primeiras reuniões de trabalho em que encontravam maquetes para pedidos de viabilidade que foram aceites. Mantive até ao fim esse princípio de mostrar estudos e maquete dos pequenos e dos grandes trabalhos para poder estabelecer honorários e fazer contratos razoáveis, até porque só tive encomendas particulares, não venci nenhum concurso. / Não tive muitos casos de habitação unifamiliar, mas lembro meia dúzia que estão quase inalteradas passados 30 anos. A mais antiga é na Apúlia, e outra habitação rural em Vila da feira publicadas nas 2 primeiras edições de Páginas Brancas. Na terceira edição quis mostrar um grande condomínio, talvez aquele que me é mais querido, fora do centro de Matosinhos./ O IAREN, Instituto da Água da Região Norte, permanece como a minha obra ‘principal’, para usar a tua expressão. Foi-me pedida uma visita guiada pela Casa da Arquitectura há cerca de um ano e fiquei muito comovida com o estado de conservação. Talvez seja a única em que vagamente admito o estatuto de obra artística no meu currículo. O Centro de Diagnóstico Médico da Misericórdia de Matosinhos foi o meu último trabalho, sobreviveu até há poucos meses no estado original mas observo com tristeza que uma grande abertura que existia na platibanda exclusivamente para deixar ver o céu foi ocupada por um dispositivo eletrónico negro e feio, de publicidade. / Em suma, as melhores obras, permanecem incógnitas, felizmente. As que foram vandalizadas, careceram de um estatuto de autor que as protegesse. III. GF - No domínio da ‘actividade pedagógica’, a minha primeira ‘questão’ visaria as tuas ‘experiências lectivas’ na FAUP. TF - Fiz o concurso para a ESBAP em 1980 e a minha actividade pedagógica começou em 1981. Em 1985 foi a transferência para a FAUP. Lecionei projecto entre 1981 e 2002 dos 2º, 5º, 3º, e 4º anos. / Uma curiosidade que só detectei quando tive que encaixotar os materiais do meu ensino, foi o desenho no meu caderno dos ‘projetos’ de cada estudante e suas hipóteses de correcção. Não riscava sobre a folha do aluno, mas cada um via possibilidades nas suas próprias hipóteses de forma ao serem desenhadas pela minha mão. Em cada sessão progredia mantendo a consciência da sua própria ideia e autoria. No final do ano todas as soluções alcançavam mérito e originalidade. Creio que ofereci caminhos de autoconfiança, liberdade expressiva. Raramente havia reprovações nas minhas turmas. / Depois convidaram-me a reger a cadeira de Espaço Público e formas dos Equipamentos, de Teoria do 4º ano, que acompanha o programa equivalente de Projecto também no 4º ano. Durante os dez anos de projecto do 4º ano criei o hábito de reunir todos os alunos em auditório e tratar um tema ou um autor específico, mostrando sempre obras visitadas (Frank Lloyd Wright foi recorrente e comecei a tratá-lo logo em 2002, em homenagem anual a Távora; Mies, Kahn, Stirling, Barragan, Siza tiveram várias edições…). Mantenho ainda esta disciplina e terei gosto em terminar aqui a carreira, porque acho que os estudantes gostam dela e das minhas experiências novas. Altero muito os exercícios e leituras anuais. GF - A minha segunda ‘questão, versaria outras experiências para além do leccionamento na FAUP. TF - A experiência de investigação para o doutoramento foi inesquecível, de exigência, de sacrifício familiar e pessoal. GF - Foste umas das primeiras pessoas a fazer doutoramento, por volta de 1997, no teu caso com orientação do próprio Siza Vieira. TF - Não havia doutoramentos nas Escolas Superiores e aí os professores mais velhos tinham agregação. Só quando integramos a Universidade tivemos acesso e obrigação de fazer doutoramento e, no meu caso, transitei como assistente e integrei o primeiro grupo de candidatos, ainda sem haver curso formalmente organizado com parte lectiva. Aconteceu ter sido, afinal, o primeiro docente da casa a entregar a tese em 1996 e a fazer a prova pública só um ano depois. / Foi só possível e bem-sucedido pela categoria humana de Álvaro Siza, o meu orientador, o grande rigor científico e disciplina que também ele ofereceu ao trabalho. Parecendo paradoxal, não é reconhecida a sua exigência científica, sendo mais correntemente circunscrita à sua condição artística, mas é mais provável que o elevadíssimo nível das suas realizações só se alcance pelas virtudes da paciência, exaustividade, e humildade científica que a sua personalidade incorpora. GF - Em 1997, 2002 e 2007 ocorreram avaliações institucionais da FAUP, que cuja a responsabilidade de coordenação te foi atribuída. TF - De facto, foram três edições de coordenação da avaliação institucional da FAUP, com a minha primeira nomeação em 1997, o ano do doutoramento, e depois em 2002 e 2007. Corresponderam às direcções dos professores Manuel Correia Fernandes, Domingos Tavares e Francisco Barata e senti-me honrada com a nomeação. Foi das mais exigentes realizações (científicas) da minha carreira, e acho que servi bem o encargo. Primeiro tomei a iniciativa de estudar a tarefa na Reitoria estudando processos de outros cursos e apercebi-me da complexidade e rigor do trabalho, depois convidei colegas das várias categorias e áreas disciplinares para constituir equipas e pedi a sua nomeação aos directores, para além da minha pessoa. Criámos métodos e alguns instrumentos de inquérito originais, que a própria reitoria me convidou a apresentar num seminário internacional de avaliação. Essas três edições foram as últimas desenvolvidas internamente e interpares universitários. Depois foi criada a Agência de Acreditação. / Penso que fiquei a conhecer profundamente o curso de Arquitectura da ESBAP/FAUP pelo menos até 2008. Os dossiers são hoje da secção de reservados da Biblioteca, mas a documentação é preciosa para quem ainda queira descobrir o cerne do ensino da agora dita “Escola”, quando os planos de estudos estabeleciam uma formação integrada no projecto e paulatinamente se foi fragmentando em disciplinas cada vez mais autónomas, até à presente disputa de unidades de crédito por cada uma. GF - Isto é, até quase a Bolonha. A minha terceira pregunta versaria as tuas ‘experiências extra FAUP’. Por exemplo ‘noutras instituições’. TF - A instituição que me ofereceu experiências muito relevantes foi a FAUTL, agora FAUL, desde 2001. Conheci os colegas num júri do Prémio Secil Universidades e que imediatamente começaram a convidar-me para cursos internacionais de projecto, no verão dos anos seguintes. Foi fascinante para mim, além de voltar ao projecto, conhecer outros ensinos das escolas espanhola e italiana sobretudo, além da própria FAUTL, e fazer amigos de investigação até hoje. GF - No domínio da ‘memórias pessoais’, a minha primeira ‘questão’ visaria informação relativa a ‘período anterior à FAUP’. Como ‘tópicos a abordar’, sugeria que incluísses ‘eventos, protagonistas, factos marcantes ou curiosidades’ . TF - Já falei do meu professor de desenho Diogo Alcofurado, fundamental e do facto marcante de não ter ido à escola primária (portanto nunca tive TPC na vida... fui uma garota criada em divertido regime de estudos com francês, equações matemáticas, Camões aos 8 e 9 anos... porque era o que as irmãs mais velhas andavam a estudar). Aprendi piano e pedi para deixar porque tocava mal e gostava bastante de música. Depois tentei guitarra e foi outro falhanço, sobretudo para o professor que vinha a casa. Até chegar à ESBAP sempre estudei depois de jantar e ouvia jazz pela noite fora. (Fora das aulas, fazia as compras semanais, cozinhava e passava a ferro numa casa cheia de gente). De noite o meu pai trabalhava no andar de baixo e fumava SG. / Bastante jovem comecei a ir a Madrid com os meus pais, e aos museus. Antes de entrar na ESBAP já tinha estudado os três volumes completos de L’Art et L’Homme, em francês, porque a escola não abria portas antes de Abril. / Continuo a gostar de ler francês, sobretudo Camus e os seus cahiers. GF - A minha segunda questão visaria ’o período da FAUP (pré-Bolonha 2008). Como ‘tópicos a abordar’, sugeria que incluísses igualmente ‘eventos, protagonistas, factos marcantes ou curiosidades’. TF - Comecei como assistente de Alexandre Alves Costa mas com a minha própria turma, autónoma. Observava e imitava o seu ensino, sobretudo no primeiro trimestre sem precipitação na formalização, aparentemente menos produtiva do que noutras turmas mas com resultados mais sólidos e evidentes nas fases seguintes. Foi o primeiro professor a encarregar-me uma aula teórica para todo o ano. GF - Dizes teórico-prática? Depois lecionaste noutras disciplinas, incluindo uma coordenada por Siza Vieira. TF - Fui assistente de Siza, coordenador do 5º ano, e na turma de projecto estávamos três docentes juntos, Alfredo Matos Ferreira, Jorge Gigante e eu, própria - um raro luxo intelectual e amigo. Acompanhei as aulas de Teoria que Siza dava e, vinte anos depois, adoptei muita da sua pedagogia. Lembro-me dos seus métodos, de constituir grupos de estudantes para analisarem e apresentarem na aula obras de autores escolhidos; por vezes emprestava-lhes livros dos autores menos conhecidos e actuais. GF - Obrigado por nos partilhares como era esse método pedagógico do Siza - análise em grupo de obras de autores. / Foste professora de várias gerações, lembras-te de alguém especialmente marcante? TF - Marcantes foram alguns estudantes e recordo júris de outros, que hoje são doutorados, interessantes críticos da atualidade portuguesa. Seria injusto não referir tantos e tão bons arquitectos, que até hoje me querem bem! GF - Como vês o período antes de Bolonha, processo ocorrido por volta de 2008? TF - Uma das coisas melhores antes de Bolonha era a individualidade das provas finais, dada a sua dispersão ao longo do ano. Não me lembro quando passou a ser um pacote numa semana de novembro, not good, em que tudo fica parado supostamente para os estudantes comparecerem, mas as plateias estão desertas, salvo aquelas excepções, afinal casos individualizados, cuja distinção se espera. GF - Pois, com as provas de dissertação pós Bolonha, passou a ser tudo mais concentrado numa semana. / A minha terceira questão, versaria um ´período recente (i.e. após 2008)’. E como ‘tópicos a abordar’, sugeria novamente que contemplasses‘ eventos, protagonistas, factos marcantes ou curiosidades”. TF - Doze anos é muito tempo... GF - A quarta (e última) questão desta primeira, visa o ‘futuro’? TF - Imprevisível... PARTE II IV. GF - Queria-te agradecer pela disponibilidade para esta segunda parte da entrevista. TF - Sim. GF - Estavas-me a começar a falar de dois trabalhos que coordenastes. Um deles que eu penso que inclua também o assistente Fernando Lisboa na equipa. TF - Essa foi a terceira. O Fernando Lisboa participou na última avaliação, fez parte na terceira equipa. / Portanto houve, no âmbito da lei da avaliação do ensino superior um projecto muito interessante, porque Portugal foi um dos primeiros países em que, a nível da lei, ou melhor do parlamento, foi votada a avaliação do ensino superior. O que é uma coisa extraordinária. / Termos um parlamento que, em 1995 legislou sobre o controlo do ensino superior. Não sei se sabias disso? GF - Portugal foi dos primeiros países a legislar nos sentido do controle/avaliação do ensino superior? TF - Uma coisa pioneira, porque estados mais avançados não faziam. Mas nós tivemos uma época extraordinária, em que foi tomada atenção a esta problemática. / E o curioso é que foi criada uma estrutura na altura, a qual criou uns guiões para todas as faculdades, ou melhor, não era incidente nas instituições, mas sim nos cursos, na avaliação dos cursos. GF - As avaliações foram então inicialmente focadas nos cursos. TF - Algo que veio muitos anos mais tarde, uns 17 anos mais tarde, a dar origem à Agência de Acreditação do ensino superior. / Ora, nos anos de 1990, houve em Portugal essa estrutura, com a lei da avaliação. Bem como a criação de um organismo independente, que chamou-se comissão nacional de avaliação do ensino superior - CNAVES. GF - Como explicas, criou-se depois essa comissão nacional de avaliação. TF - Teve a particularidade, de ter sido considerado pelas Universidades, a pertinência por demais de que fosse a própria Universidade a auto avaliar-se. Que é um projeto extraordinário. GF - As faculdades autoavaliaram os seus cursos. TF - Porque na época a comissão nacional e o CNAVS e a FUP (Fundação das Universidades Portuguesas) eram dois organismos que se juntaram. GF - Ah. TF - Fizeram uma coisa muito interessante, que corria sobre os auspícios do professor Alberto Amaral, o professor Renato Araújo de Aveiro e um professor também extraordinário do Minho, Sérgio Machado dos Santos. GF - Passava já algo pela nossa faculdade de ciência da educação? TF - Não, não. Isto não corria nada nas ciências da educação. Isto era um dever das faculdades se auto avaliarem e aos seus cursos. GF - Em 1997 inicio o processo de avaliação. TF - Pelo menos, nós aqui fizemos o primeiro ciclo de avaliação, entrámos logo no primeiro ciclo. Tinha-me doutorado em Março de 1997e em Outubro fui nomeada. / Foi um projeto que eu imediatamente reconheci como algo que só podia ser bem feito por uma equipa. De modo que fiz convites a vários professores da casa e solicitei a sua nomeação formal por parte dos conselhos diretivos. GF - Seria o Correia Fernandes que estaria na altura na direcção da FAUP. TF - Na altura foi Correia Fernandes, integrou a minha equipa o professor Domingos Tavares que era catedrático mas não ocupava na altura qualquer cargo de gestão e amavelmente concedeu-me a colaboração. GF - E o Domingos Tavares como elemento da equipe participou no debate? Sim, sim. Foi uma pessoa importantíssima, com as suas intervenções, sempre curtas e cirúrgicas, mas acutilantes. É a parte da sua grande inteligência. GF - Sim é pragmático. TF - Ele então não pertencia a nenhum órgão de gestão na época e o foco não era a gestão da casa, mas sim a qualidade do ensino e a participação de todos os grupos de pessoas. GF - A direção dele é a seguir. TF - Entretanto, ofereceu o seguinte contributo, que viria a praticar-se: A auto-avaliação como “dar a conhecer”, “mostrar” os dados, em vez de opiniões e interpretações. Muito de acordo com o meu próprio perfil de investigadora. GF - A primeira fase compreendia a autoavaliação pela faculdade e uma análise do resultado por por outra faculdade. TF - Era uma fase que era a auto-avaliação. Fazia-se o dossier da auto-avaliação, o qual era enviado para o CNAVES/FUP que, depois, nomeava uma comissão externa, que avaliava o relatório da auto-avaliação e fazia a visita e reuniões na FAUP com diferentes grupos. / Com o professor Domingos Tavares, já disse, nós estabelecemos aqui na FAUP uma ideologia de avaliação “sui generis”, que foi: avaliar é deixar conhecer; auto-avaliação é mostrar o que há. GF - Recolheram informação de todos os grupos da comunidade académica – pessoal docente, funcionários, discente. TF - Entendemos produzir dados com todos os grupos da comunidade académica. Desde os funcionários, aos professores e aos estudantes, e ao pessoal não docente. Imagina! Recolher e produzir quantidades de informação - dados - e desenhar a forma de os mostrar, em tabelas e quadros que se tornassem de leitura sintética. GF - Resultou num levantamento do que era a faculdade nessa altura? TF - Um levantamento do curso. GF - No concernente ao final dos anos 90. TF - Foi 1997. A coisa que mais me interessou nesse projeto, depois de convidar colegas e constituir equipas, foi criar uma série de instrumentos que foram postos á disposição dos vários grupos da comunidade. GF - Que instrumentos de avaliação incluíram? TF - Inquéritos de muitas formas. E conseguimos algo que foi de tal maneira avassalador o número de respostas aos inquéritos que chegou aos 70%. GF - Impressiona essa resposta próximo dos 70%! TF - Que era uma coisa anormal! Porque o índice hoje de respostas, que os inquéritos têm, é de 20% ou. GF - Referes-te aos online. TF - Os que estão online hoje. Enquanto que nós naquela avaliação produzimos uma informação bruta de 60, 70 ou 80%. GF - Tem uma representatividade incomparável. TF - Foi uma coisa astronómica que ficou. GF - Eu sei que o resultado é grande, até porque uma vez vi a Teresa a passar com o dossier. TF - E fui depositar na biblioteca. GF - Vários volumes. TF - Tem um volume que é o relatório, e tem um segundo volume, muito interessante, porque tivemos uma avaliação feita em duas facetas. Dentro da equipa. um elemento, a professora Maria Helena Morais de Albuquerque, teve como tarefa independente e solitária, recolher todos os documentos produzidos em sede de conselho pedagógico e conselho científico, durante o período em apreço a que chamou “uma história no tempo”. GF - Ah, a equipe integrava ainda outro elemento (Helena Albuquerque ) equipe, que compilou nesse historial documentos proveniente dos conselhos pedagógico e cientifico. TF - “O curso de Arquitectura no tempo” é um volume. Nem faz ideia o que custou fazer a recolha de todos os despachos de conselho cientifico, de conselho pedagógico…. mudanças de planos de estudo, discussão, contributos de professores com sugestões. Documentação de variadíssima índole. GF - Pois, houve distintos planos de estudo… TF - Há documentos produzidos pelo professor Nuno Portas, professor Correia Fernandes, coisas interessantíssimas que estão nesse volume separado. GF - Ah. TF - O volume dois… Eu tenho aqui os livros. O exemplar da comissão nunca saiu desta estante. GF - O relatório teria 3 umas centenas? TF - Não, o segundo volume tem aproximadamente 200 páginas e é constituído mesmo com numeração página a página. E o relatório propriamente dito tem 350, 390 páginas, para aí. GF - Mas, onde está sintetizada a informação dos inquéritos (docentes/disciplinas, etc)? TF - Foi sintetizada a informação dos inquéritos em forma de quadros. Quadros que mostravam o desempenho dos docentes nas disciplinas, desde regentes a assistentes. E também outra coisa que era muito curiosa na investigação que fizemos, dirigimos aos estudantes e aos professores assuntos que não eram previstos estar na avaliação GF - Ah. TF - E que foram por exemplo, a sua consideração: se os planos de estudos eram interessantes, se as condições das instalações eram boas ou más, se estavam satisfeitos com as expectativas do curso, porquê que estavam neste curso? Coisas de índole substancial, não quisemos limitar-nos à casuística das disciplinas e muito menos à personalização (focagem do docente A ou B) apresentando os resultados em termos dos colectivos por disciplina. Quisemos envolver a comunidade toda sobre as questões gerais do curso e da escola… Coisa que ninguém tinha feito. GF - Era uma avaliação pelos protagonistas. TF - Sim. GF - Tentaram dar uma resposta, ao vos encomendado, que fosse productiva. TF - Senti que a avaliação do curso tinha que servir… E isto é o grande propósito muito bem equacionado pelo professor Domingos Tavares dentro da comissão… (aqui enquadrado pelo colectivo). A sua contribuição está dentro do colectivo, da teoria da avaliação que nós fizemos. GF - A filosofia de uma autoavaliação produtiva e com utilidade para o colectivo/escola e sua gestão estratégica. TF - A filosofia da avaliação foi, esta avaliação é em primeiro lugar de utilidade interna. GF - Conhecer forças e debilidades, etc TF - Para poder melhorar as políticas. Cirurgicamente localizar problemas, e os pontos fortes e fracos. Coisa que nem sequer era previsto que nós fizéssemos. Mas, ao entregar aquele dossier entendemos que talvez a escola, a nível da gestão, pudesse fundamentar melhor estratégias. O que nunca me foi dado a conhecer. GF - Mas tens feedback se foi analisado? TF - Não tenho qualquer feedback interno do que aconteceu. GF - Ah. TF - Não, nunca tive porque tiveram o caminho que tiveram de ter e as minhas funções terminavam quando terminava a entrega do dossier. Só continuavam quando era para me apresentar perante a comissão externa. GF - Pois, o processo envolveu o trabalho da avaliação interna, e uma comissão externa. TF - Facto que foi apenas uma vez utilizado, porque a comissão externa não teve necessidade de ouvir a comissão de avaliação interna. Das comissões externas que vieram não foi sentida a necessidade de conhecerem quem tinha feito o relatório. (Risos)… Foi uma coisa curiosa! Também de humildade para mim e foi necessário cultivar. Eu nunca vi esse trabalho como algo para me notabilizar, fi-lo por serviço. / Nunca foi necessário à faculdade, explicitamente. GF - Mas, como antes dizias, estão na biblioteca esses documentos? TF - Estão, estão… os três. GF - O de 2002 continuou a ter um segundo volume historiográfico? TF - São dois dossiês. GF - Depois o último foi em 2008? TF - Exacto. Mas os dossiês têm a data de 1998… estão catalogados na biblioteca em 1998 e em 2003. Porque começava no final do ano anterior e terminava no seguinte. / O primeiro era dessa dimensão, 300 páginas mais o segundo volume da professora Helena já tinha só 200. O de 2007/2008 tem uma estrutura completamente diferente. GF - Alteraram a estrutura. TF - Isso é muito engraçado! GF - A Helena Albuquerque também participou na segunda avaliação, dando continuidade ao historial? TF - Era professora de desenho convidada. De geometria. / A segunda edição tem também, como segundo volume, a continuação do anterior. A professora Helena Albuquerque, preparou um segundo volume na segunda avaliação, que continua o primeiro. A tal história no tempo. GF - E em 2008? TF - Em 2007/2008 já não existia em funcionamento a estrutura anterior de avaliação, porque passou a haver, suponho eu, a comissão de acreditação. Não sei. GF - Em 2007/2008 acho que a avaliação adquiriu outra denominação. TF - Foi, avaliação institucional da Universidade do Porto. E a Universidade do Porto pôs em curso um processo interessante também, ainda muito influenciado pelo projecto anterior. GF - A universidade colocou as unidades orgânicas a avaliarem-se. TF - Colocou as suas faculdades a avaliarem-se como faculdades e não por cursos. Portanto, foram as instituições, as faculdades, as unidades orgânicas, mais precisamente. Isso foi uma das facetas de 2007/2008. Foram as faculdades que se avaliaram, fizeram auto-avaliações e depois houve um sorteio dentro das mesmas para produzir as comissões de avaliação externas. GF - Á FAUP calhou ser avaliada pela faculdade de economia. TF - E por acaso, a nossa faculdade (FAUP) foi avaliada pela FEP (Faculdade de Economia). a nossa faculdade avaliou aqui a faculdade de Ciências da UP. A FCUP publicou o relatório da nossa avaliação externa num livrinho. Ficou extremamente honrada com a nossa avaliação externa e, de gratidão, publicou o relatório imediatamente. GF - A comissão que coordenavas teve sempre a mesma composição? TF - Não, não. A comissões mudaram sempre e salvo a Helena Albuquerque, convidei sempre mais três ou quatro professores diferentes, na última incluí uma estudante finalista e um funcionário responsável pela informática. GF - Tu coordenaste todas as três. TF - Fui eu sempre nomeada. Na primeira, era coordenadora da avaliação interna. Na segunda fui coordenadora da avaliação interna ou auto-avaliação E na terceira foi a universidade do Porto, e não a FAUP. Fui presidente da comissão da avaliação interna. GF - Como explicas, em 2007/2008 passou a ser uma avaliação interna . TF - A terceira foi avaliação interna. E a diferença substancial na terceira é que a universidade do Porto exigiu um máximo de 50 páginas sendo um dossiê critico da responsabilidade da presidente. O papel de presidente na avaliação implicou que a redação do documento fosse critico e sintético, muito interessante. E o mesmo se passou na avaliação externa. E curioso! GF - Como explicas, o relatório passou a ser uma síntese crítica pelo presidente da comissão interna. E já não tratava meramente o curso, mas o funcionamento da faculdade. TF - Já não era sobre o curso de Arquitectura, mas sobre o funcionamento da faculdade. Como é evidente, eu gostei imenso dos trabalhos… mas foram transcendentes. O de 2007/2008, ocupou a minha primeira licença sabática… não pude fazer nada mais de investigação a não ser isso. Levou muito tempo, muito esforço e muito desgaste. V. GF – No período da segunda avaliação, o Domingos Tavares exercia como director na faculdade. Que feedback é que houve nessa altura, dado que na direção estava alguém que até estivera na comissão… TF - Ora bem, na primeira ainda foi o professor Correia Fernandes. Na segunda não sei se foi o professor Domingos Tavares. Na terceira foi o professor Francisco Barata. Não eram diretores, eram os Presidentes do Conselho Diretivo. GF - Mas a verdade é que ocorreram três processos de avaliações interna ao longo de três sucessivas direções na faculdade. TF - Foi. GF - Voltaste a sentir ausência de feedback nos três períodos? TF - Nunca senti. Ou melhor, nunca me foi dado a conhecer. GF - Pessoalmente… TF - Eu achei interessante. Penso que aquilo que aprendi nesses 15 anos foi que faz parte da natureza da FAUP as tarefas se cumprirem com espirito de missão, Havia muita dedicação das pessoas que eram nomeadas para missões: montagem de anuárias, até montagens de exposições. Há um espirito de sacrifício muito grande da parte das pessoas que são nomeadas e não há hábito de qualquer formalidade a posteriori … GF – Antes muitas encomendas eram feitas informalmente TF - Durante a avaliação desses três ciclos, descobri e fiz o levantamento de incontáveis missões que a FAUP desenvolveu e que foram reportadas nos relatórios. GF - Ah TF - Sempre com este ou aquele nomeado para fazer, sem hábito por parte da direção, de formalidades no encerramento delas. Pelo menos, não sei, não tive qualquer conhecimento. GF - Os últimos conselhos directivos na FAUP tiveram novos gestores TF - Nos últimos conselhos directivos penso haver gente mais nova e que tem feito missões, mas não sei se poderão, por timidez ou por natural descrição, achar que deve haver uma carta. GF - Entraste para a FAUP nos anos 80, presumo que entre a comissão de instalação presidida pelo Fernando Távora e a direcção do professor Alexandre Alves Costa. TF - Eu, minto! Porque eu tive uma carta que sempre coloco no meu currículo vitae, entre os prémios e reconhecimento, eu tive um reconhecimento em 42 anos de FAUP. Foi-me enviado pelo professor Alves Costa em 1988, sei quase de cor. A carta veio em 1989 pela montagem de uma exposição da FAUP na feira de indústrias culturais. GF - A FAUP expôs na FIL de Lisboa? Ou seja, coloco sempre no meu currículo vitae o reconhecimento recebido pelo presidente da FAUP. Reconhecimento pela montagem do pavilhão da FAUP nas industrias culturais em Lisboa na FIL, portanto é a minha medalha de honra aqui da FAUP. Foi em 1889 porque tinha montado o pavilhão da FAUP em 1888 em Dezembro, engraçado não é? É bonito e soube-me muito bem! Uma em 42 anos! VI. GF - Permite-me, tomar os 3 ciclos da escola entre o final dos anos 90 e meados dos anos 2000s. Identificas transformações em projecto? TF - Não tive feedback explícito, mas, por exemplo, da primeira para a segunda sentiu-se uma transformação enorme a nível das regências de projecto, porque na primeira as pontuações atribuídas pelos estudantes às regências de projeto tinham sido muito inferiores às ponderações que os estudantes davam aos assistentes. E no ano seguinte, todas as cadeiras de projecto passaram a ter coordenadores ou regentes, tão activos que inclusive se criou a hora teórica de projecto. Foi muito engraçado. GF - Também não há relação desses marcos cronológicos com discussões ou mudanças dos planos de estudo? TF - Sim, mas não foram. Por acaso, curioso que não foi coincidência. GF - Ah. TF - Os 2 primeiros relatórios de avaliação têm segundo volume, compilações feitas pela professora Helena, e quadros em excel, com a evolução de todos os planos de estudo da ESBAP/ FAUP. Que é uma página absolutamente notável, é um mapa muito interessante para quem queira estudar a evolução do ensino na FAUP. GF - Mas podes partilhar memórias pessoas do período após avaliação 2008? TF - O mandato do professor Barata já não se pode considerar porque o período terminou quando ele entrou. Eu já não o abrangi. O que não estudei, não posso comentar. GF - E nas avaliação que estiveste envolvida, em termos do domínio científico? TF - Relativamente à FAUP concluímos que foi cientificamente bem governada nos períodos que falámos. Muito interessante, com muita vivacidade a nível do debate de ideias desses primeiros períodos que eu estudei nas avaliações. Havia uma grande quantidade de documentos internos de conselhos. GF - E no concernente ao período até 2008, em termos do domínio pedagógico, houve alguma constância na direção de Anni Gunther. Penso que só posteriormente à sua aposentação foi substituída pelo Rui Braz. TF - No período que analisei, houve uma grande continuidade. Aquilo que se percebeu da avaliação é que havia um projecto escola consistente, muito permanente, uma transmissão da herança de ensino e pedagógico na busca de soluções. GF - Na análise do desempenho do cientifico-pedagógico tu pessoalmente identificas um projecto escola. TF - Do pedagógico e do científico. GF - Ah. TF - Mas houve …. uma inquietação enorme por aperfeiçoamento dos planos de estudos, é o que está expresso naquele trabalho. A prova é que houve variadíssimos ajustamentos aos planos de estudo, não houve preguiça da faculdade…. Até 2008 o que eu posso dizer, só posso falar até 2008, foi há 12 anos e o balanço é positivo. Foi uma instituição que teve inquietação teórica e estratégias de projecto pedagógico que incluíssem mais convidados, estimulassem cadeiras novas, algumas tecnológicas, mas houve uma enorme tradição. GF - Os CADS com o Fernando Lisboa até falece em 2008, e que remete pelo menos aos anos 90s? TF - Eu acho isso uma enorme herança de inquietação e atualização! GF - Nesta segunda parte já não falámos do período entre o teu ingresso nos anos 80 e meados dos anos 90. TF - Transitei para a FAUP em 1985 continuando na ESBAP porque a construção do novo edifício da FAUP só começou em 1989. Antes, eu tenho um percurso muito rico. GF - Na primeira parte referimos alguns aspectos concernente aos anos 80s. Gostava que também falasses do período de 2001, em que fizeste a tua admissão a professor associado. TF - Para esse concurso entreguei um relatório chamado “O ensino de projeto na escola do Porto - 1981/2001”, que ao longo dos vinte anos, ano por ano, inclui os sumários do meu ensino, quem foram os regentes, quantos alunos tive, quais foram os temas, quais foram as aulas que dei teóricas, quais foram as prácticas, quem foram os professores que me sugeriram que lecionasse uma sessão teórica, portanto, tem 20 anos relatados. GF - Quando eras professora de projecto eras também conhecida pelos seus cadernos pretos, e foi do que tinhas lá que partiste? TF - Foi dos cadernos que eu transcrevi todo o material para o segundo volume (dossier pedagógico). Transcrevi dos meus cadernos desenhos, os meus sumários, a crítica aos alunos, há um ano lectivo em que registei todas as conversas que tive com todos os alunos ao longo do ano. O que mandava fazer, o que dizia que estava mal, porque foi quando comecei o doutoramento e aí quis registar um quotidiano de um dia normal de projecto. GF - Sei que tens de acabar agora a conversa por compromissos, agradeço o tempo que dispensado. Obrigado TF - Nesta segunda parte da entrevista conversámos bastante (pela couriosidade especial que possuías) na avaliação dos cursos em que participei há trinta anos. Já na primeira parte, abordámos assuntos bastante mais diversos. / As memórias importantes dos meus 43 anos de ensino na ESBAP/FAUP têm milhares de nomes e rostos dos alunos da ESBAP, e dos agora chamados estudantes da FAUP, de quotidianos preenchidos com a minha voz enquanto desenhei nos cadernos e me movi em volta das mesas de maquetes. Outros dias, milhares também, preenchidos com preparação de projeções de slides com palavras selecionadas para cada aula, muitas vezes traduzidas em inglês, continuando a manter a minha voz. Todas as compilações das ‘mil e uma aulas’, traduzidas nos relatórios dos concursos académicos e depositadas na biblioteca da FAUP, me parecem ainda hoje rigorosas e claras, mas fruto de infinito tempo de trabalho na solidão da escrita, sem o som da festa que, com alunos e orientandos, celebrei em cada uma dessas aulas e sessões de orientação.