1/11/25

CONVERSA SOBRE ARQUITECTURA E ESCOLA DO PORTO _ FEVEREIRO 2019 (Sérgio Fernandez, com Gonçalo Furtado)

CONVERSA SOBRE ARQUITECTURA E ESCOLA DO PORTO _ FEVEREIRO 2019 (Sérgio Fernandez, com Gonçalo Furtado) I. Gonçalo Furtado - Sérgio, nesta primeira parte propunha-lhe um enfoque de enquadramento. Como eu, outros colegas de muitas de gerações foram seus assistentes. É mais ou menos unânime, quando partilhamos a experiência que tivemos com o Sérgio, referir as suas características - a sua seriedade, humildade, bem como também o optimismo./ O Sérgio foi sempre uma pessoa muito conciliadora e paternal. Sérgio Fernandez - Não me digas que sou chato. (risos) GF - Não digo de todo. (risos) / Referia-me à sua capacidade de liderança, de lidar com pessoas muito diferentes. Por exemplo a equipa em que eu estava, recordo-me que integrava o José Manuel Soares, o Pedro Gadanho, a Luísa Brandão… eu era o mais novo e gostava de todos. (risos) / SF - Uma pessoa não pode, numa escola, criar, ou alimentar problemas. Não pode. GF - Promovia sempre caminhos para essas pessoas independentemente das suas diferenças e de provirem de tantas gerações. SF - Mas isso é uma questão de formação pessoal, não tem que ver com arquitectura, nem com escola. GF - Puderam todos conhecê-lo como arquitecto, como professor, e penso que como homem. De usufruir dessa sua dimensão humana. SF - Ah. GF - No outro dia recordei-me das viagens com alunos à sua casa de férias - a VILL’Alcina. E o impacto nos alunos ao aperceberem-se que tinha cortinas em vez de portas nos quartos. / E quando a visitámos, o Sérgio tinha cervejas no congelador à nossa espera. (risos) SF - Agora já não tem porque aparece muita malta. II. GF - Se o Sérgio permitir perguntar, nasceu em que ano? SF - 1937. GF - Portanto, lembra-se da 2ª guerra mundial e de coisas dessa altura. SF - Há coisas que marcam, mas lembro-me de coisas inacreditáveis como se fossem ontem. Passámos a guerra. Na guerra, apesar de tudo, fomos muito protegidos, porque a minha família tinha bom nível de vida. Porque passou-se mal aqui também, com o racionamento e muitos outros limites, não era fácil viver-se. Por exemplo, não se pôde circular de automóvel durante muito tempo, era complicado. Sei que nós, lá em casa, tivemos todos uma espécie de valores positivos que nos foram transmitindo, que resultaram no que somos. GF - Era religiosa a sua família? SF - A minha mãe dizia que sim mas, a pretexto de ter a tensão arterial muito alta não ia à missa, que se sentia mal. O meu pai não era de todo. Os meus irmãos e eu fomos batizados, e a minha irmã casou-se pela igreja. Uma religião um bocadinho a puxar ao avesso. Não praticámos de todo a religião lá em casa. Havia uma família. Tínhamos uma educação que classificaria de muito correcta. GF - Como é que foi o percurso do Sérgio até chegar a ir estudar arquitectura? / Contou-me uma vez o episódio de quando o comunicou à sua família, e do conselho familiar que se juntou para debater essa questão. SF - Eu sou filho de uma família bem instalada na vida. Éramos três irmãos e um primo que vivia connosco em casa. Saímos os três, bastante direitinhos, quando tínhamos todas as condições para não sairmos, porque usufruíamos de um bem-estar, que não era comum. Vivemos no Porto sempre. GF - Mas os seus ancestrais vieram da Catalunha. SF - Vieram de Barcelona. GF - Portanto…. SF - Já estamos cá há cento e tal anos. O meu pai veio para cá viver quando tinha 5 anos. Mantivemos sempre aquela coisa de ser catalães. Em casa eu continuo a falar com os meus irmãos em catalão. Em casa falava-se catalão e português, nunca castelhano. Era um daquelas famílias que havia antes, que juntava pais, avós e tudo, num casarão enorme. Como eu disse tinha uma família que tinha dinheiro. O meu pai, a minha mãe também, mas o meu pai especialmente vivia para nós e dava-nos tudo e mais alguma coisa. E, portanto, o normal é que nós todos saíssemos uns idiotas. Hoje em dia eu acho que naquela atmosfera, nenhum de nós saiu torto. GF - Quando diz “sair torto” é sair pedante ou politicamente doutra forma? SF - O meu pai não era propriamente um revolucionário, mas era bastante progressista. GF - Não era de esquerda? SF - Era mais ou menos. Era contra o regime, embora nós não o pudéssemos expressar porque estávamos sempre ameaçados de nos porem fora daqui, por sermos estrangeiros. E era uma ameaça que se sentia. Todos anos tinha de ir à PIDE, renovar a minha licença de residência. A minha família não, com os meus pais não se importavam, a mim chamaram-me sempre para renovar o certificado. GF - Estava numa geração específica… e podiam surgir problemas. SF - Portanto, eu acho que fomos muitíssimo bem educados. Por exemplo, os meus pais achavam que a melhor coisa que podiam fazer ao dinheiro, era pormo-nos a viajar. E viajámos imenso, e isso realmente abriu-nos muito a cabeça. GF - Viajaram já nos anos 50. SF - Eu fartei-me de viajar desde pequeno. GF - Isso das viagens era importante. SF - Essa coisa da viagem. Com 16 anos mandaram-me um mês para Londres, porque eu era bom aluno na disciplina de inglês. GF - Portanto, pós guerra em Londres, ainda viu lá tudo partido? SF - Londres arrasada completamente. Tudo em caves, só se viam caves. Uma parte da “City” toda arrasada. Tive de tirar senhas de racionamento e tudo para estar lá, embora fosse miúdo e turista. GF - Depois a escola, depois entra na Faculdade. E a sua colaboração com os ateliers. SF - É assim, o meu pai dava-se casualmente, com muitos arquitectos. Era do contra, havia o hábito das pessoas se reunirem no café e, o meu pai ia muito à Brasileira. A Brasileira era o café da malta do contra. Aliás, parte deles fizeram outro café, em que o meu pai até foi sócio, que era o Rialto, que foi projectado pelo Arq. Andrade. Era também um café de intelectuais. O meu pai não era propriamente um intelectual, mas dava-se com essa gente toda. E eu conhecia os arquitectos, portanto, a arquitectura. GF - O que é que o Pai do Sérgio fazia? SF - Era importador e exportador de couros. Fundamentalmente da América do Sul. E eu suponho que, aquela convivência com os arquitectos talvez tenha despertado alguma coisa. E eu era um menino que, dizia-se, tinha jeitinho para o desenho. E foi natural. GF - Depois colaborou com o Viana de Lima. SF - No tal grupo de arquitectos aparecia, de vez em quando, o Arq. Viana de Lima. Era mais com o Arq. Losa, mas o Viana de Lima também. E quando eu entrei para a escola entrou comigo a filha do Viana de Lima. Estudamos juntos, e sempre fomos muito próximos até ela morrer. Foi natural ir para o escritório dele. GF - Esteve lá quanto tempo? SF - Estive bastantes anos. Os estudantes de arquitectura, todos trabalhámos em escritório. Eu nem percebo como, porque nós tínhamos imensas aulas. E claro, havia os tipos que tinham mais sorte ou mais inteligência, ou mais sensibilidade, e escolhiam arquitectos melhores do que os outros. E portanto, eu tive a sorte de estar com o Viana de Lima e foi ótimo. GF - E lembra-se, mais ou menos, dos anos em que entrou e saiu? SF - Eu entrei para o Viana de Lima no terceiro ano, no princípio do terceiro ano, acho eu. E depois fiquei até ao fim, até sair para fazer a tese de fim de curso. GF - Ainda esteve nos anos do projecto da Faculdade de Economia. SF - Ainda desenhei o projecto da Faculdade de Economia. Não acompanhei a obra de todo. Já não estava lá. / III. / GF - Sobre antecedentes da Juventude, à bocado falava do Arq. Viana de Lima. Pode falar do seu contato com o workshop do CIAM? SF - Foi mesmo uma reunião do Congresso do CIAM. GF - Foi como estudante? SF - Eu não fui como estudante, fui à má fila. Fui quase de pendura. Eu estava a trabalhar com o Viana de Lima (e o meu cunhado também estava a trabalhar lá). O Viana de Lima foi ao CIAM e, com ele, a filha. O Arq. Távora também. Dávamo-nos muito bem. E decidimos aproveitar aquele intervalo no escritório para fazer uma viagem e ir ver umas coisas do Corbusier. Nós éramos todos os fãs do Corbusier e o Arq. Lousan e eu metemo--nos num carro e fomos por aí acima. Depois dissemos assim, “porque é que a gente não vai lá espreitar o CIAM?”, convencidos de que nos iam mandar dar uma volta. E foi exactamente o contrário. Fomos impecavelmente recebidos, estivemos em tudo. Só não tivemos foi opinião (porque não era connosco). Mas assistimos a tudo. Foi um deslumbramento para um estudante de arquitectura. Creio que andava no terceiro ano. /Estavam lá os autores dos livros e das revistas todas que eu conhecia. Estavam lá e a falar comigo! GF - Em finais dos anos 50? SF - 1959. Foi uma coisa absolutamente deslumbrante para nós. De repente vimos aquelas figuras que eram míticas. O Tange, o Rogers, o Van Eyck, lá connosco. Puseram-nos completamente à vontade. Era um dos dois únicos estudantes, tirando a filha do Viana de Lima, que também estava lá. GF - Então, entre esses “pop stars”, davam-se bem. SF - Os pop stars nem sempre se davam bem, eles pegavam-se bastante. GF - Hoje, um dos problemas actuais é o mediatismo, e os arquitectos comportarem-se como se fossem estrelas de rock. Cria-nos fascínio imaginar-se a ver essas estrelas de rock. Como é que eram os comportamentos deles? SF - Isso depende muito das pessoas. O Rogers era um Távora italiano, um encanto, fartei-me de passear com ele pelos bosques lá, à conversa. Era uma personagem maravilhosa. O Bakema, holandês, que era um dos principais da coisa, era um chato de primeira. GF - Ai era? Porque dizem que o Bakema e o Corbusier, é que curiosamente depois foram apoiar esta nova geração que surgiu. Mas não é essa a ideia do Sérgio... SF - Não. O Peter Smithson era um tipo simpático, ela (Alison Smithson), nem por isso. Era muito retorcida. Depois havia o Coderch, eu ia focado no Coderch, mas era um snob de primeira ordem. GF - Mas depois o texto dele é de um génio. SF - Pois, eu sei, é maravilhoso. E eu ia com isso na cabeça. GF - Mas não era bem isso. SF - Embirrei com ele solenemente. GF - É interessante essa coisa dos passeios com o Rogers. De alguma forma, a Casabella é o ambiente que eu associo em sintonia com o que vocês fazem. SF - O Rogers e o Távora eram iguais. Estava lá toda a gente importante do mundo da arquitectura. GF - E o Corbusier não foi? Não o viu? SF - O Corbusier não foi. Não o vi. Eu até fui ao atelier do Corbusier, mas ele não estava lá. Ele não foi propositadamente ao CIAM. Ele não foi ao CIAM, foi nesse ano que acabou. Vim a saber que não queria. Pressentia que o CIAM tinha chegado ao fim. / IV. / GF - O Sérgio entrou para a Faculdade, penso que em 1974? SF - Sim. Foi logo a seguir ao 25 de abril. / O professor Joaquim Machado, até aí director, saiu com o 25 de abril… E telefonaram para eu vir para escola, não sei se foi no dia 26 ou 27. Não sei se ele já tinha saído, mas estava, pelo menos em processo de saída. / Eu vivi sempre no Porto, tinha relação com a Escola, com os alunos e até com os professores… alguns eram amigos de casa. Mas não tinha considerado muito vir para a Escola. / Aconteceu logo a seguir ao 25 de abril… E estavam as coisas muito desorganizadas no Ministério. Estive um mês ou coisa parecida, a trabalhar junto do 4º ano e, os contratos não andavam, porque tudo estava muito confuso. Tive contrato a partir de 1975. GF - Na Escola lecionou sempre em Projecto. SF - Sempre em Projecto… GF - Lecionou também em Viseu nos anos 80. SF - A não ser quando a Escola criou essa secção em Viseu… em que eu fiz também Teoria Geral da Organização do Espaço. GF - Essa “Teoria Geral da Organização do Espaço”, era a que o professor Fernando Távora dava no Porto. SF - Era a cadeira que o arquitecto Távora tinha feito cá no Porto. GF - No Porto, inicialmente o Sérgio dera Projecto também com o professor Fernando Távora. SF - Sim. Eu fui assistente do Távora em Projecto. / E, depois, bastante mais tarde, a Escola abriu uma secção em Viseu… Aí deram-me essa cadeira e, eu fiz durante dois anos. GF - Lecionou o programa de TGOE do professor Fernando Távora os 2 anos? SF - Claro. Era muito baseado na cadeira que ele dava. / O Arq. Távora tinha uma qualidade, uma amplitude que eu não tinha. GF - O Sérgio aplicava uma estrutura parecida, para assegurar a mesma formação. SF - Exatamente. GF - Até porque se previa que os alunos de Viseu só frequentassem 2 anos lá. SF - E, depois, vinham para o Porto. Portanto tinham que ter uma formação semelhante. GF - Como é que o Sérgio recorda esse programa? / As aulas de teoria existentes correspondiam a esse primeiro ano do Távora. Ainda não tinha surgido uma coluna vertical de teoria? SF - Se calhar ainda não havia. / A cadeira do Arq. Távora era uma cadeira que era fundamental, de formação geral. GF - De cultura geral arquitectónica. SF - O Távora tinha um potencial teórico e tinha uma cultura vastíssima, o que imprimia a essa cadeira um carácter espetacular. / Os alunos gostavam imenso, e ele também gostava imenso de dar essa cadeira. / Era no fundo um conjunto de conversas encadeadas em torno das questões da arquitectura, do território; por aí fora até aos nossos dias. E era muito bem feito. GF - Compreendia um lastro temporal muito amplo. SF - Tinha o condão de abrir as cabeças dos miúdos para outra perspectiva, tornava-os culturalmente abertos. GF - Aptos. SF - Exato, era isso. A estrutura era por temas, ou era por períodos… GF - A estrutura era por temas, ou era por períodos… SF - Ele começava no território e tal, mas depois ia focando coisas, o Egipto, como de repente podia ir a Versalhes e voltava. Não era uma coisa muito rígida. GF - Do ponto vista cronológico não era rígida. / Mas começava numa escala da paisagem. SF - Claro. / Eu diria que abarcava todas. Eu lembro-me de ele, a propósito de Versalhes, falar - por exemplo - nos botões que nós usamos nos casacos, nas mangas. Falava disso, contando que fora o resultado de uma legislação pelo facto dos soldados limparem o nariz às mangas. E o rei mandou pôr aqueles botões, para eles não poderem sujar as mangas com ranho. / Era tão diverso como isto, o conhecimento daquela pessoa. GF - Ele referia histórias ou viagens, bem como livros de autores ou obras de arquitectura… desenhava ao mesmo tempo. / Sabemos que, nas aulas, era assim. SF - Ele desenhava sempre, não usava slides. / Slides foi uma coisa que eu fiz em Viseu. Porque não tinha a capacidade que ele tinha a desenhar, nem a sabedoria. E o slide era uma muleta. Eu não tinha a capacidade que ele tinha. / Porque ele improvisava… ele estava a falar e também desenhava. / Eu não tinha essa capacidade e não tinha o arcabouço cultural que ele tinha. GF - Eu já esperava que a sua reiterada humildade surgisse na nossa conversa e entrevista. (risos) SF - De qualquer um de nós. (risos) GF - Tendo sido seu assistente, reconheço-o como genuíno pedagogo, em que a cultura é mascarada de humildade. SF - A cultura. / O peso cultural que o Arq. Távora tinha… realmente não se encontra em muitas pessoas. É por isso que o Távora é o Távora. Nós, os outros, realmente não éramos nem próximos! / Bem, próximos pessoalmente, éramos. Eu conheci o Távora como professor e, muito pouco tempo depois, passei a ter amizade com ele… Assim, como amigos, a visitar, a andarmos juntos, etc. / Tinha uma grande proximidade com ele, mas tinha uma grande distância cultural. Ele era muito melhor do que eu. / V. / GF - O Sérgio deu um dos contributos importantes para a história da arquitectura moderna em Portugal. Fê-lo com o seu livro… o qual de resto marca trabalhos posteriores. Pode falar sobre isso? SF - O livrinho, eu considero que foi útil. / Foi muito útil na altura, porque condensou uma data de elementos que não estavam até aí condensados e, nessa medida, foi muito útil. E pronto. Ponto final. / Eu, até aqui há bem pouco tempo, tive ocasião de o ler outra vez e acho uma chumbada que não se aguenta. / GF - Ai! (risos) SF - Além de conter alguns erros. (risos) GF - Além de ser muito pioneiro. (risos) SF - Foi talvez a primeira vez. GF - Oh Sérgio. Incluso sabemos que os meios disponíveis diferiam ainda muito dos de hoje. Muitas coisas que estão lá, na altura eram coisas inovadoras. SF - Mas tem coisas incorrectas. GF - Deverá ter incorrecções. Mas os recursos/métodos de investigação que o Sérgio tinha na altura, nada tem a ver com agora. SF - Foi realmente um trabalho de síntese que me pareceu importante na altura. E que eu achei útil. / Neste momento, aqui há tempos, quiseram reeditar aquilo. Parece-me que não tem sentido. GF - Sérgio! Data daquela altura. O livr /o foi logo publicado em 1983! SF - 1983. GF - Ao que acresce que décadas depois, o Sérgio contribuiu para o inquérito da arquitectura do século XX. SF - Sim. / VI. / GF - Mas recuando e regressando atrás. / O professor Fernando Távora veio para a escola, com outros jovens na altura, por convite do então director e pioneiro da arquitectura moderna Carlos Ramos. SF - Sim. GF - O Carlos Ramos num primeiro concurso acho que escolheu o Octávio Lixa Filgueiras… Ou o Távora? SF - Não… GF - O Távora já tinha sido seu professor? Já tinha tido aquele cadeirão de teoria e história? SF - Era “Teoria Geral da Organização do Espaço”. GF - Não, na altura não era. SF - Não, era Teoria e História. GF - O Arq. Carlos Ramos, antes de sair, deixou o Arq. Arnaldo Araújo, etc.? SF - Eu acho que não. Foi talvez o Filgueiras. GF - Isso. / Os alunos tinham as aulas com o Távora de que falámos, bem como outras. Por exemplo “Arquitectura Analítica”, onde empreenderiam uma espécie de abordagem teórica. SF - As aulas de Arquitectura Analítica. GF - Do Arq. Filgueiras, que o Sérgio também já mencionou. SF - O Filgueiras até fez alguns projectos, com o Arq. Soutinho. / O Filgueiras também não era um tipo virado para o projecto. / O Filgueiras era um tipo também muito culto. Tinha espírito de jesuíta. / GF - Como o professor Fernando Távora, o Filgueiras e o Arnaldo Araújo tinham ambos passado também pelo inquérito de 1955. SF - O Filgueiras, tive em projecto nos meus últimos anos. / O Arnaldo Araújo era um tipo muitíssimo culto. Como arquitecto, fez pouca coisa. Era um académico. / Eu nunca tive o Arnaldo como professor directo. Foi meu orientador de tese, mas nunca o tive como professor mesmo. GF - Sim. A partir de determinado momento surgiram na escola teses ou trabalhos de fim de curso que não consistiam num projecto, mas antes tinham natureza teórica. O do Sérgio foi orientado pelo Arnaldo Araújo, no seu trabalho de 1965. SF - O Arnaldo foi orientador do meu trabalho de tese final. GF - Dizia que tinha um ênfase mais académico? SF - O Arnaldo Araújo era um tipo muito interessado e muito ligado ao inquérito. / Eu estava a fazer um trabalho na sequência do inquérito e, portanto, foi natural escolher o Arnaldo e demo-nos muito bem. GF - Como é que o Sérgio recorda essas conversas? SF - Era muito interessante, muito interessado nas questões da sociologia e principalmente nas etnografias e, portanto, nadava bem naquilo. / Depois coincidiu que ele foi viver para Bragança. Nessa altura, portanto, já não estava na Escola. E ele orientava, tínhamos conversas, de como se ia fazer, em relação à tese. Foi ele que orientou a minha tese. GF - Falámos já de vários nomes. Não haveria mais personagens digamos teóricos? SF - Eu acho que, nesse ponto de vista, a escola era muito fraca. Havia depois os professores de história. História da Arte, História da Arquitectura. GF - Ainda não tinha havido esta autonomização da história da arquitectura, que o Alexandre e outros depois vêm a fazer. SF - Havia uma História da Arquitectura. GF - Por um “historiador de arte” nato. SF - O professor Gusmão, era bastante bom. Era muito virado para a história, não era arquitectura, era para a história. Portanto, tinha essa vertente mais de história do que doutra coisa. / VII. / GF - E depois, o regime experimental? SF - Eu já cá não estava. Porque eu estava fora da Escola, por isso não tive nada a ver com isso. GF - Em certos momento também houve afastamentos mais ou menos voluntários… SF - Penso que em determinado momento o Arnaldo Araújo se auto afastou. / O Arnaldo não foi posto fora. / Depois, teve problemas, doenças e tal. Era um tipo complicado. / GF - Aqueles levantamentos que faziam em “Arquitectura Analítica”, tinham alguma preocupação social? SF - O Filgueiras… / Reagiu muito mal ao 25 de abril, contrariamente àquilo que seria de esperar, porque era um tipo contra o regime e que tinha subscrito uma série de coisas contra o regime, etc. Mas depois (e eu estou a fazer uma caricatura, pode não corresponder exactamente à verdade), achou que a Escola tinha entrado numa rebaldaria e reagiu muito mal. / E ele também se auto excluiu. / GF - Ninguém foi saneado dessa gente. SF - A única pessoa que foi mais ou menos saneada aqui e, não foi por razões políticas, foi o Ricca. / Que os alunos detestavam. Eu fui aluno dele. O Ricca foi o único que foi mais ou menos empurrado para sair. GF - O Ricca dava projecto. SF - Projecto. VIII. GF - Naturalmente ao longo dos anos 60, 70 e 80, expandiu-se a equipe docente, incorporando muitas pessoas que concluíram o curso nessas décadas. / O Sérgio entra em 1974. SF - Sim. GF - E depois… A experiência do SAAL, que aglomera todos outra vez à volta do desenho/projecto. SF - Foi no imediato do 25 de abril. E a escola, de repente, sentiu-se politicamente obrigada, entre aspas, a sair para fora e tratar das condições reais da habitação. GF - Já antes havia preocupações sociais na escola, ainda que quiçá por via de abordagens mais etnográficas. A recusa, foi assim uma coisa… SF - A recusa de? GF - A alegada “recusa do desenho”, pretenderia constituir-se como uma espécie de impasse em prole de alguma reflexão ou crítica? SF - Eu acho que a recusa do desenho foi exactamente esse interesse especial pela sociologia e pelas questões sociais, que passou a dar menos importância ao desenho. GF - Diz interesse especial pelas questões sociais, que passou a dar menos importância ao desenho. SF - Mas que foi retomada completamente com o SAAL… Porque quando se teve que vir cá para fora, começou-se a pensar que, realmente, não se sabia fazer nada útil, sabia-se muito pouco. GF - Tinham que desenhar e assegurar a habitação. SF - A malta sentia que havia lacunas relativamente à capacidade de projectar. GF - Começou-se a perceber que não se sabia ainda projectar/construir? SF - Foram os próprios estudantes que reconheceram isso, que a gente não tinha, não era muito considerado. Era um bocado à maneira italiana, um bocado de teoria, de fala. As pessoas realmente consciencializaram que precisavam de saber projectar. Portanto, voltou tudo ao desenho. GF - Possuíam preocupações sociais. E tornaram-se mais neo-realistas, mais próximos da realidade. Mais realistas, porque tinham que lidar com as coisas, queriam intervir mesmo. / Perante o imperativo de projectar/construir, os estudantes apercebem-se de deficiências que tinham de formação. SF - É uma visão geral, não sei se posso especificar. Mas, realmente, genericamente, foi isso que aconteceu. GF - No que tange à reestruturação do ensino, apresentaram propostas 2 listas (uma penso que incluía o Alexandre, etc)? / Uma das listas, tinha essa ideia muito centrada no projecto. A outra sugeria uma abordagem diversa. / Uma das listas apresentava-se um pouco mais organizada que a outra. / Mas ambas acabam unindo-se, em torno do consenso em redor do desenho-projecto. SF - A importância do desenho realmente foi redescoberta após o 25 de abril. E a importância da história… A história e o desenho foram fundamentais. / IX. / GF - Nessa altura, houve um reitor que penso que provinha de Letras ou Humanidades, penso que pode ter sido o único com tal proveniência até hoje. / A criação da FAUP ocorrerá entre 1978 a 1980 e tal. SF - Eu não participei nisso. / Era o Távora, o Alexandre Alves Costa e o Domingos Tavares. GF - A comissão de instalação foi presidida pelo professor Fernando Távora, o qual defendeu que a constituição da comissão incluísse em maioria arquitectos. / Primeiro penso que eram mais afim de engenharia, quiçá até desejariam conduzir o curso de arquitectura para a alçada da engenharia. / O tal reitor diz ao professor Fernando Távora que presida tal processo. Este aceita, ressalvando que a comissão tivesse uma maioria de arquitectos. / Tais arquitectos foram, para além do Távora e do Domingos, penso que o Alexandre. Segundo me contou o Domingos, em pouco tempo os arquitectos que integravam a comissão começaram a usufruir de compreensão e respeito dos outros. / Instaurou-se a Faculdade que, nessa altura, teve como director o professor Fernando Távora. O Sérgio também foi elemento de uma direcção desse. SF - Era o Távora, o director, e eu também estava na direcção. Era um dos elementos da direcção. / GF - Como é que o Sérgio recorda esse momento importante da história? SF - Foi algo conturbado, porque havia muita gente com receio da nossa integração na Universidade. Inclusivamente, havia problema de resistência. Pois… Eu não estava nada de acordo com isso. GF - Alguns receios. SF - Havia receio. Poderia conduzir à perda da independência do vector artístico e da história que nós tínhamos. GF - De… quase se retomar aspectos da reforma de 1957. SF - As pessoas tinham essa experiência, reagiam muito mal a essa ideia. / Depois, o trabalho, foi impormo-nos na Universidade… / E passamos a ser, ao contrário, a ser tratados como elementos de importância. A Escola passou a gozar de bastante prestígio na Universidade. Venceu-se! GF - O professor Fernando Távora terá continuado sempre a dar a sua cadeira de Teoria. SF - O Távora fazia só essa cadeira. / Eu passei a ter Projecto, durante uns anos. GF - Só um aparte por curiosidade, o arquitecto Alfredo Matos Ferreira estava consigo? SF - Não, o Arq. Matos Ferreira entrou depois. / O primeiro ano era muito grande. E estivemos os dois de acordo, juntos, em partilhar a gestão do primeiro ano. GF - Dizíamos então que, neste período coincidente com esta fase após 1978, o Sérgio esteve na direcção com o professor Fernando Távora. SF - Sim. Ainda antes de haver Faculdade, estive na direcção com o Távora. / E, depois, estive muito mais tarde na direcção da Faculdade. GF - O professor Fernando Távora foi seguido pelo professor Alexandre Alves Costa como director. O Sérgio assumiu uma vez mais a vice-direcção. SF - Com o Alexandre, eu era vice presidente. GF - Não houve quase interregno nenhum… integrou órgãos por períodos longos. SF - Pois, porque eu estive na direcção da Escola… / Aliás, até era uma coisa engraçada, porque eu tinha nacionalidade espanhola. E fui director de uma escola pública portuguesa, o que era uma coisa impensável antes do 25 de abril. GF - A isso podia chamar-se globalização. (risos) SF - Exato, era impensável. (risos) / Depois naturalizei-me português… e tenho, desde então, as duas nacionalidades. GF - Logo no início dos anos 80 o Sérgio requereu nacionalidade portuguesa. SF - Ah, quando eu fiz as provas, ainda era espanhol. Acho eu... Não sei se 1983. Não sei, em 1980 e tal. GF - Em 1982 ou 83 o Sérgio apresentou as suas provas académicas. SF - Foi em 1982, 1983. GF - Vivia-se o tal processo de transição para Faculdade, compreendido entre 1979 e 1984. / A data das provas tem alguma coincidência com a criação da Faculdade? SF - Não. GF - Ou com uma necessidade de haver agregados? SF - Nós fizemos as provas antes da Faculdade existir. GF - Fizeram porque queriam fazer, ou era uma necessidade que a própria Faculdade tinha? SF - Tínhamos que fazer, para prosseguir a carreira académica. / X. / GF - O professor Alexandre Alves Costa é um dos teóricos fundamentais para esta ideia de “Escola do Porto”. SF - O Alexandre é um tipo muitíssimo culto. É um tipo muitíssimo culto, como digo, e tem uma formação cívica que lhe deu realmente uma capacidade de agir sempre num sentido que eu considero correcto. GF - E sobre o períplo do Siza, Alves Costa e Nuno Portas pelas universidades italianas? Peso que nos anos 70/80s. SF - O Nuno Portas é outro tipo, que foi muito importante para arquitectura, no lançamento de uma abertura às questões do urbanismo, tanto como o Siza às questões do desenho. GF - Primeiro da orgânica, da terceira via e, depois, da Escola do Porto. SF - E com o qual eu discordava imensas vezes. GF - Administrativamente? SF - Não só administrativamente, mas com a questão de urbanismo e não sei o quê. Discordava muitas vezes, mas continuo a achar que é um tipo fundamental na nossa formação e na daqueles que nós todos somos e fazemos. Aliás, fomos nós que o trouxemos. GF - A direcção do professor Alves Costa, esteve em 2 mandatos. SF - Tivemos, salvo erro, 8 anos. GF - Portanto, nos anos 80, até ao final dos anos 80. SF - Deve ter sido. GF - Como é que evoluiu a Teoria… há bocado dizia-me que aquilo antes era algo mais deficiente. Mas passado mais de uma década desde os anos 70 e, chegando a plenos anos 80? SF - Eu suponho que começou a nova Teoria. Não sei quem a dava. GF - O Arq. Távora, etc. E havia mais aulas teóricas… essa coluna. SF - A teoria começou a ter mais peso. A Teoria começou a ganhar uma certa importância. Também porque o curso começou a ter mais peso. / Não sei precisar como, nem sobre decisões nesse sentido. GF - Posteriormente, no início da década de 90, as disciplinas da coluna de Teoria, adquirem novas designações. Com denominações próximas a cada ano/projecto (Por exemplo, a Teoria no terceiro ano - seria “formas de habitar ou de habitação” - deste género). SF - E então teve o Arq. Domingos, teve o Arq. Ricardo Figueiredo, era? Deve ter sido isso. GF - Essas designações persistiram durante mais de uma década, e até há pouco. SF - Eu acho que isso é uma necessidade sentida de dar peso. GF - O Sérgio integrou outros órgãos para além do directivo de que já falámos. / Por exemplo, o científico. Não sei se nesta altura? SF - Estava. Isto foi uma necessidade sentida de dar peso… Quer dizer, fazer projecto sem chamar à atenção para as bases teóricas, que estão por trás dele, não tinha muito sentido. Não tinha e não tem. GF - A coluna de projecto, organizou-se com tais programas - introdução, habitação, equipamentos, urbano, etc. SF - Sim. GF - A introdução do lado da teoria geral, era a concebida pelo professor Fernando Távora. / No lado da Introdução ao Projecto ou Projecto I, era o Sérgio. / Eu fui assistente do Sérgio no 1º ano e, tal introdução começa na escala grande e desce à pequena do edifício e do módulo/quarto. Vai de um ponto de vista mais abstrato a um ponto de vista mais concreto. SF - Sim. GF - Depois passei - ainda que apenas um ano - por TGOE. Tal constitui uma espécie de teoria e cultura geral para o 1º ano. SF - Programa p’ra gente. GF - Nos outros anos (do 2º ao 5º), o Projecto fica ligado a um programa. / Por exemplo, no 3º ano fica ligado ao programa da habitação e etc. / A paralela cadeira de Teoria, foi dada no 3º ano pelo Arq. Manuel Mendes (antes fora dada pelo Arq. Domingos Tavares, depois pelo Francisco Barata, etc.). SF - As teorias mais ligadas. GF - Ligadas ao programa da habitação, no caso da FAUP focado no 3º ano do curso. SF - Não me lembro muito bem. GF - Teria a ver com isto… com reforçar a componente de pensamento do projecto. SF - Exatamente. GF - E só depois, já em 2008, é que ocorreu a renomeação das disciplinas. Sofisticação… O Sérgio ainda estava. Só se aposentaria em 2010. SF - Acho que sim. GF - Em 2010 aposentou-se. Mas posteriormente, ainda proferiu uma “última aula”. Uns professores proferem-na, outros não. SF - Eu não queria fazer aula. Depois o Francisco Barata chagou-me a cabeça, aí eu lá fiz a aula. A última aula foi passado 1 ano ou 2. GF - Ao que acresce que foi-lhe atribuído o prémio de professor emérito da Universidade do Porto. / Na nossa área, há o Domingos, o Alexandre, o Sérgio... SF - O Quintão. E mais não sei. Foi mal. Saí. / Ser professor emérito é uma coisa. GF - É uma coisa honorífica Sérgio! SF - É. / XI. / GF - Mas retomando o período/assunto que falávamos… por um lado sucederam-se direcções, houve evoluções na coluna de teorias, etc. / Ah! E avançámos para uma reformação da Licenciatura em Mestrado integrado. SF - Nisso tudo eu já não interferi. GF - Já não estava nos órgãos da direcção. / Ao que acresce, em 2008, a criação do programa de outro ciclo, o PDA. SF - Isso são exigências que decorrem da nossa permanência na Universidade. A Universidade tem essa estrutura, e nós temos que ir atrás. GF - E como é que o Sérgio viu isso? SF - Não me pareceu mal. GF - A criação do PDA, do CEAU - Centro de Estudos de Arquitectura e Urbanismo - ou centro de investigação. SF - Eu até presidi o Centro de Estudos inicial da FAUP… GF - O CEAU, o CEFA? SF - E eu achei que isso eram aportações positivas. / Nunca vi isso como defeito, antes pelo contrário, o Centro de Estudos não funcionava mal. Quando eu lá estive… / Não sei se agora funciona melhor, é capaz de funcionar. GF - Tinha poucos meios? SF - Tínhamos poucos meios e não sabíamos muito bem como mexer com aquilo. GF - Mas fizeram muitos projectos, muitas coisas. SF - Fizemos, mas exactamente, às tantas, aquilo teve um pendor que me parecia um bocado tolo. Não digo tolo, mas que era mais de projectar do que era um ateliê da faculdade, e isso não me parecia muito correcto. GF - Prestava-se serviços, etc. / XII./ GF - Nos anos 90, a escola teve um período de direcção pelo Manuel Correia Fernandes (que sucedeu a direcção do professor Alexandre Alves Costa). SF - O Manuel, também conheço de jovem, porque quando fiz a tese em Rio de Onor, esteve lá comigo. GF - Porquê? SF - Fizemos um trabalho em Rio de Onor. Eles eram ali de Vinhais, terras ao lado. O Manuel Correia Fernandes era outro tipo super inteligente. Eu acho que é coerente a agir, a acção dele é um bocadinho mais difusa. Acho que o Alexandre é mais. GF - Um excelente projectista de habitação. SF - Tem, tem coisas bem feitas. O tipo era bom. Ele sempre foi bom aluno, etc. GF - O Manuel Correia Fernandes esteve na direcção da FAUP. SF - Como director não sei o que dizer. / Nós tivemos algumas dissidências. Tiveram bastante carácter administrativo… Como digo, tivemos algumas dissidências de carácter mais ou menos administrativo, quando chegou. GF - O Sérgio também provinha das direcções anteriores. Portanto, é normal que isso acontecesse. SF - Pois é. Não foi aquela coisa do tipo que quer mudar tudo porque os outros fizeram tudo mal. Foi assim um bocadinho. GF - Mas houve rupturas a que níveis? SF - Coisas administrativas, que não deviam ter sido autorizadas e que foram, umas coisas sem interesse. Mas não aconteceu nada de especial. GF - Opções ideológicas ou problemas laborais? SF - Ideológicas sempre tivemos. Esta Escola tem esta coisa também. GF - E com o professor Alexandre Alves Costa? SF - Nós éramos os dois directores. GF - Pois, o Sérgio era vice-director. SF - Tivemos umas ligeiras, já não sei dizer. GF - São muitas esquerdas. Uma vida muito longa com momentos muito... SF - Não, eu ia dizer o contrário. Como a escola nasceu relativamente pequena, isto foi sendo uma família de continuidade. Pois agora, com a dimensão conquistada, não sei se corre tudo bem assim ou não. GF - Eram poucos, era fácil contá-los pela mão. SF - Conhecemo-nos, somos amigos, etc. É um bocado difícil estar a explicar. GF - O professor Domingos estava numa esquerda, mais do PC. E o Siza Vieira, passou pelo PC? SF - Passámos todos. Eu nunca fui filiado no PC, mas fui um colaborante, até ao 25 de abril, porque era a única estrutura. Nunca fui filiado, mas apoiei sempre o Bloco de Esquerda. Pronto, o Siza está de acordo, como eu estou muitas vezes de acordo com o PC, é uma questão de estar contra uma série de coisas, com razão da maior parte dos casos. GF - O professor Domingos Tavares vinha de Aveiro e, também chegou a assumir a direcção da escola. SF - Nunca me pareceu mal. Não sei fazer críticas. GF - Ah. SF - Eu acho que a Faculdade estava lançada e estava a andar, pelo que não sei se os directores por aí fora se marcaram muito, em termos de alterações. GF - Em termos históricos? SF - Não me parece que se tenham marcado muito, nem o Manuel, nem o Domingos. Acho que é uma sequência natural do que estava feito. / Havia uma sequência muito directa da malta velha. Quando saíram todos os velhos, talvez isso tenha alterado um bocadinho. GF - O Barata faleceu infelizmente. Tivemos agora uma exposição interessante dele na FAUP. SF - Sim. GF - O Sérgio referia-se à “sequência da malta velha” - após o Alves Costa, o Correia Fernandes e o Domingos Tavares, etc. - como uma “sequência natural do que estava feito”. / Mas acrescentou: “Quando saíram todos os velhos, talvez isso tenha alterado um bocadinho”. Mas estava a referir-se a estas saídas, desta “malta”… a qual saiu por volta da mesma altura que o Sérgio saiu. Ou seja já em 2010, recentemente… SF - Sim, saí eu, saiu o Alexandre, o Domingos, saiu não sei quem. / / Aí talvez tenha havido uma ligeira alteração. / GF - Não asseguram essa transição, até com gerações intermédias? SF - Eu não sei se não assegurámos. / Aliás, eu acho que essa coisa das crises só faz bem. As crises só fazem bem. As crises vencem-se e nós não éramos melhores do que os outros. Éramos talvez diferentes e, em muitos casos, se calhar antiquados. É natural, as coisas evoluem. GF - Mas a geração do Sérgio, só há meia dúzia de anos é que saiu da Faculdade, e vêm aqui muitas vezes dar aula, orientar coisas, etc. / Como é que vê estes últimos 8 anos da faculdade? SF - Eu acho que é natural. Nessas actividades, o último foi o Carlos Guimarães. Acho que foram tipos que deram, mais ou menos, continuidade. GF - O Carlos Guimarães também saiu no ano passado. Agora tivemos uma alteração para uma geração mais nova. SF - Daqui a pouco já serão velhos. Isto vai andando. Não assusta nada. GF -E outras gerações também estão a entrar. SF - Claro! / XIII. / GF - E no que tange à produção arquitectónica, que perceção tem? SF - A perceção que tenho em relação à arquitectura… / De modo geral, acho que se faz arquitectura de qualidade, que está muito mais disseminada, há muito mais arquitectura de qualidade. / O que eu duvido é da qualidade dessa arquitectura. Parece-me muito mais espectacular. Há muito espectáculo. / Mas isso não é problema da Escola, é um problema geral. Na Europa toda. Portanto, a Escola vai um pouco atrás. E depois, o mandato de universidades por aí fora. E muitas delas não se sabe bem como…. / [...] XIV. / GF - A explosão coincidiu com as décadas que estávamos a falar. A nossa Escola sempre ficou… sobressaiu? SF - Eu acho que esta Escola, apesar de tudo, continua a ser uma referência. / Eu acho que, evidentemente, há uma série de coisas que não beneficiam esta escola, nem nenhuma, como por exemplo, a necessidade de concorrência entre as pessoas que cá trabalham. GF - Era a burocratização que falávamos há bocado ou noutro dia. SF - Não beneficia ninguém, não serve para nada, só serve para abafar a espontaneidade, para falar dos interesses, etc. E só serve para tornar isso uma obrigação. O que eu acho um erro. GF - Ah. SF - Essa é a ideia que eu tenho. Posso estar errado, porque eu não estou agora. Mas é um bocado a ideia que eu tenho disto. E eu não culpo ninguém, não é por estar este director ou que o director nunca é um “mainstream”. GF - Pois, é o/um “mainstream”. E retomando a produção da arquitectura, o Sérgio dizia? Estávamos agora a referir também o ensino privado… / Para esta escola, o período desde os anos 80, foi importante. Coincide com uma maturação da internacionalização da escola. Bem como do nome do Siza, etc. SF - O nome do Siza. GF - Muitos de vocês contribuíram para uma certa construção identitária, que se demonstrou decisiva para uma ideia de Escola do Porto. SF - Eu acho que a Escola tinha um peso, que eu acho que ainda tem, apesar de tudo. / Agora acho que não está tão sozinha quanto estava. / [...] GF - Estávamos a falar dos anos 80 e…. (Coincide com a ocorrência daquela exposição em Lisboa “Depois do modernismo” a que vocês não foram). / Sucedeu-se a criação de muitos cursos no privado e, a criação de alguns no público. SF - Escolas, como por exemplo Coimbra, têm dignidade. / Portanto, as coisas vão se alterando. / Quanto às escolas privadas, não sei, não as conheço bem. / GF - O Sérgio acho que não lecionou em Coimbra, mas lecionou em Guimarães. SF - Guimarães também é razoável. Creio que Coimbra é melhor. Não tenho ideia. Guimarães conheço porque estive lá. Eu estive durante anos lá a dar aulas. Fui emprestado pelo Reitor para dar aulas em Guimarães. GF - Algumas personalidades da FAUP participaram na criação dos cursos congéneres nas Universidades púbicas de Coimbra e do Porto. SF - A faculdade também foi criar o curso em Guimarães. Foi criado por nós e depois eu fiquei lá a dar aulas de Projecto. GF - Com o Bandeira e outros que eram os seus assistentes. SF - Acho que Guimarães tem boas hipóteses de crescer. Às vezes parece um pouquinho mais imatura que Coimbra, mas, é também uma hipótese bastante boa. GF - Ah. [...] GF - Retomando a ideia que indagava, da Escola do Porto ter sobressaído. / Por exemplo, em termos de projecto… muitos dos melhores arquitectos da vossa geração, anos 70-80-90, estavam na FAUP. / Acresce que o Siza inquestionavelmente ganhava exponencialmente reconhecimento internacional. / E vendo as revistas da altura, etc. SF - Não éramos dos piores. / Claro que nunca tivemos esse padrão do Siza, que realmente é excepcional e, que eu considero acima de todos os outros. Uma distância absolutamente abismal, não tem nada a ver com os outros arquitectos portugueses, por mais que se esforcem. Realmente o Siza é o Siza, o resto é paisagem, mesmo que boa. GF - É uma paisagem, composta por considerável quantidade de qualidade! SF - Sim, aliás, Portugal é um sucesso ao nível da arquitectura, um sucesso internacional. Não tenho dúvida nenhuma sobre isso. GF - Nessas gerações houve um consenso no que tange ao projecto, de fazer bem, pelo desenho. Bem como havia uma rede de conceitos - do contexto ao lugar, etc. SF - E é o que eu acho que é preciso. / Eu quero crer que ainda se mantém. Porque a Escola do Porto continua a ser uma Escola de prestígio. GF - Há bocado falava de uma transformação na produção da arquitectura, constatando que se tornou-se agora mais espetacular. Isso não corresponde a esse período? SF - Não. Eu dizia mais actualmente. XV. GF - Na transição do século, talvez anos 2000 para a frente. SF - A questão dos Erasmus também contribuiu um bocado para isso… E eu acho que a experiência Erasmus é extraordinariamente positiva. Não tenho a certeza que seja para aprender a fazer arquitectura, mas para aprender coisas da vida. Acho que sim. / Mas trouxe uma série de modelos com que não lidávamos e que passámos a lidar e a integrar. Há um certo culto do desenho, mas que agora não é bem do desenho, é… GF - Imagéticas? SF - Da imagem, exactamente. E é geral, realmente. Isto não é defeito da Escola, desta escola, nem é deste país, é em todos. / Mas o nosso país continua a ser considerado... GF - De grande qualidade arquitectónica. SF - Continua a ser considerado um país com grande qualidade arquitectónica. GF - Ao longo deste períodos/anos, como é que viu o Associativismo da nossa área? Tal passou pelas transformações de um Sindicato em Associação, bem como a posterior evolução para uma Ordem. 7 E no que tange à relação desse Associativismo… ou da disciplina e comunidade profissional com a sociedade que lhe é contemporânea? SF - Antigamente, a “Ordem” era uma… era um organismo de Estado. Portanto, sujeito ao regime. Até ao 25 de abril era um organismo de Estado em que as pessoas eram submetidas, eram politicamente aprovadas, etc. Era absolutamente reprovável. Nós não íamos à ordem, senão em grupos. Porque éramos atacados como comunas e não sei quê. Era uma coisa absolutamente de terror. / Depois, com 25 de abril, essas coisas alteraram-se e passaram a ser relativamente democráticas. GF - Diz que o associativismo deixou de ser refém do Estado ou afim, depois da revolução democrática. [...] SF - Os arquitectos eram prestigiadíssimos. Mas não havia um único arquitecto num lugar de destaque em parte nenhuma, antes, nas estruturas estatais, etc. E isso modificou-se muito. / Quando eu quis ir para arquitectura, dizia-se que… E os meus pais eram super liberais… os meus ainda fizeram uma espécie de reunião do conselho de família com a presença de um amigo de casa, engenheiro e arquitecto, professor na Escola, que rematou a reunião, dizendo “Se o rapaz quer ir, deixai-o ir, paciência”. GF - Relativamente a estes últimos tempos e Escola… / Penso que o Sérgio já disse que (por altura da direcção do Francisco Barata, etc.) a escola seguiu o caminho normal. SF - Uma continuidade. GF - Dado que o Sérgio esteve ali nas 2 ou 3 décadas antes, ao nível ao ensino (e especificamente quanto à área da Teoria que antes referíamos), viu alguma transformação? SF - Eventualmente vi. Não tenho consciência disso propriamente, mas muito provavelmente as coisas foram aprofundadas e melhoradas. GF - São 30 anos de existência de uma coluna. Tais melhoramentos chegavam a sentir-se no projecto? SF - Não. Eu estava no primeiro ano. Portanto, o que eu tinha era a influência que vinha do liceu. Não tinha reflexos disso diretamente ainda. / Mas acho que sim nos anos seguintes do curso e, acho que os estudantes saíram conscientes daqui. Acho que isso melhorou muito. GF - Tem optimismo. SF - Não é optimismo, as coisas têm altos e baixos, mas não andam para trás. / E eu acho que é melhor em termos da teoria. Não piorou, de certeza absoluta. / Há coisas em que eu não gostaria de não sei o quê, mas são pontuais e não influi em nada na qualidade geral das pessoas. Eu acho que estamos bem melhor do que no tempo da pedra lascada. Não creio que a Escola se está a estragar… Se está, pode ser temporário. GF - Vê com optimismo o futuro da escola? Da Arquitectura portuguesa já percebi que sim. SF - Mas não estou assim muito aflito com isso. XVI. GF - Por último, referir que o Sérgio sempre fez muito projecto! Fez os primeiros projectos com o Pedro Ramalho? Antes desta segunda fase de colaboração com o professor Alexandre Alves Costa. SF - Esteve muitos anos a trabalhar em sociedade, até 1974. Trabalhámos juntos. GF - Até 1974? E depois disso? SF - Passados uns anos, estive a trabalhar com Alexandre e, posteriormente, fizemos mesmo a sociedade. GF - No início dos anos 80? SF - Sim, 80 e qualquer coisa. GF - Eu conheci pessoas que trabalharam lá no “Atelier 15”, e sei que o Sérgio continua a acompanhar. SF - Isso acompanho. GF - Acompanhar projectos e obras. Ainda hoje, o Sérgio vem com botas com lama, porque acaba de vir de uma obra. SF - Acabo de vir do Cinema Batalha. Entre mim o Alexandre não fazemos distinção e, até entre os colaboradores não fazemos. Agora já não se trata de colaboradores, porque o escritório está a mingar. Só temos um colaborador permanente. Na altura éramos 7. GF - Esta obra do Cinema Batalha é muito importante. SF - É importantíssima. GF - O Cinema Batalha é dos anos 40? SF - É de 1946. Fabulosa, mas está num estado absolutamente inimaginável, agora é que se começa a descobrir. GF - Do ponto de vista da dificuldade técnica do reconstruir? SF - A arquitectura contemporânea é muito mais difícil de reconstruir ou de reabilitar. Nós temo-nos deparado com coisas inacreditáveis. E, no Batalha, eu não percebo como é que as pessoas nunca caíram até ao rés do chão devido à degradação de alguns elementos de betão armado e coisas assim, é um inferno. Por vezes apetece dizer: “se fosse eu que mandasse, mandava arrasar tudo e construir um Batalha novo”. Igual, mas novo. Quer dizer, é uma blasfémia, mas é isso que apetece. GF - Até politicamente é ícone. SF - Eu acho que eu mantinha a imagem. GF - É uma das grandes preocupações da geração actual. A arquitectura realmente em termos do projecto orienta-se muito para a reabilitação. / Vai-se fazer muita reabilitação, porque as obras estão num estado... Quiçá nós devíamos ter mais formação. SF - Muito mal. Eu acho que o betão até tem uma duração específica, mas não é só o betão. GF - A duração deste parque edificado está a chegar ao limite. A grande missão daqui para a frente será a reabilitação das cidades. SF - E depois outras coisas que são (e ainda bem) as exigências de conforto, da acessibilidade, etc. GF - Ainda bem, mas é um excesso de burocratização. Frequentemente oiço arquitectos de várias gerações a criticarem-na. SF - Quando isso é aplicado é outra coisa. GF - Haver regulamentos. SF - Agora, que é preferível que uma pessoa possa ir ao cinema, sem ser levado ao colo por não sei quantas pessoas, é bom e um benefício. E não era. Não sei como é que faziam antigamente. No Batalha, não iam a parte nenhuma porque há imensos degraus. GF - O Sérgio continuará a desenhar e coordenar projectos como sempre. Mas ao coordenar uma obra complexíssima como por exemplo o Batalha, não sente a prática da arquitectura muito senão demasiado regulamentada, burocratizada? SF - Terrível. GF - Gastar-se mais tempo com coisas paralelas, do que com a arquitectura. SF - E depois há outras coisas. Há realmente um desenvolvimento científico da construção. Obrigam-nos a coisas que de que nem se fazia ideia há uns anos, mas que são precisas para ter em conta uma data de fatores. Os regulamentos oficiais são um quebra-cabeça em qualquer projecto. GF - No entanto, o Sérgio é optimista quanto à disciplina. SF - Sou. Acho que há muita coisa a corrigir, principalmente a desburocratizar. GF - A nossa actividade, vai ser cada vez mais complexa. Obrigado Sérgio.

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