Figueira da Foz #2: Do
Esplendor urbano
Gonçalo Furtado
A Figueira da Foz, que se tornou
cidade em 1882, constituía-se já como uma comunidade tipicamente urbana no
início do século. Em grande medida, o desenvolvimento urbano ocorreu intimamente
ligado à própria deslocação da centralidade urbana. Isto é, em direcção ao mar,
bem como a afirmação de uma vocação citadina virada para o veraneio e para o
turismo.
De facto, atente-se ao facto que
uma requalificação sequenciada de espaços públicos importantes, ocorreu em
direcção à foz. Primeiro, com
a Praça do Comércio (na ex-Praça da Reboleira)
e, mais tarde, com o Jardim (na ex-Praia da Fonte). Um processo de
urbanização inicia-se com o Bairro do Teatro conquistado ao mar e o Bairro da
Estação. Sendo que, o próprio centro da antiga Vila, localizado no Cais para que se viravam as duas
referidas praças, fora abalado pela construção de um apelidado “Bairro
de Santa Catarina”. Um “bairro novo” que surge no extremo ocidental da cidade, no
decurso da década de 70, enquanto resposta ao adquirido estatuto de “Praia da
Moda”. Estatuto que conjuntamente com operações no extremo ocidental da cidade,
seria responsável pela forte urbanização e impulso especulativo que seria registado
na segunda metade do século XIX.
Neste conspecto, gostaria de recordar
e remeter o leitor para o ensaio “Grande Hotel da Figueira da Foz: Viajando
no tempo” (1997) de António J. Lé, bem como para “Figueira da minha infância”
(1999) de António dos Santos e Silva. A cidade e o seu bairro transpirariam um
ambiente balnear, que Santos e Silva evoca nas suas memórias escritas
concernentes aos anos 30/40. Recordando-nos: “O bairro novo, no seu
novo riquismo (…) – as ruas em esquadria, alguns prédios com laivos de Art Déco,
a produção de hotéis e cafés, o estranho linguajar das espanholas… - compunha
uma ambiência mundana e fascinante”. Pelas transversais à Rua da
Liberdade, que desciam para a praia sem o ruído dos automóveis, “subia a
voz rolante das ondas e o cheiro salgado da maresia”. Ao fundo, no enfiamento da ex-Rua dos Banhos,
três rampas laterais posicionadas na esplanada de baixo (actual avenida) davam
acesso à desejada praia…
Para além da evolução urbana, o
desenvolvimento da vocação turística, constitui aspecto de
interesse enquadrante e central. Podemos dizer que a Figueira da Foz começa a
tornar-se uma estância balnear por volta de 1860. E, como notavelmente referiu
o historiador Rui Cascão, o período entre 1860/80 é adjectivável como “a
passagem da estalagem ao hotel”. De facto, entre 1870/90 e o início do século
XX, o fluxo de veraneantes aumentou 50%, designadamente de 2 para 3 dezenas de milhares.
Sendo que, entre 1870 e 1911, duplicaram os hotéis figueirenses (quatorze).
Por outro lado, foi na década de
1860 que se assistiu ao desenvolvimento da indústria do espetáculo, requerendo
a construção de uma variedade de espaços e eventos. Espaços como o Teatro Príncipe
Real em 1872, o Teatro Circo Saraiva de Carvalho em 1884 (posteriormente
reformulado como Casino em 1900) ou o Coliseu Figueirense inaugurado em 1855. E
eventos como a “animatógrafo”, etc em 1896. Tudo, em conjunto, suscitando a
ampliação e qualificação das formas de sociabilidade.
Tal desenvolvimento urbano e
turístico, não terá sido também independente da melhoria das acessibilidades. De
facto, a década de 1870 foi também a “Era da diligência”, a qual, recorrendo a
uma nova estrada, liga a cidade da Figueira da Foz a Coimbra em 5 horas. Pouco
depois, apareceu o caminho de ferro. (Recordando-se que em 1882 foi inaugurada
a Linha da Beira Alta entre a Figueira e Pampilhosa e, em 1888, a Linha do Oeste, entre Figueira e Leiria. Sendo
que, em 1889, o ramal
entre Alfarelos e a Amieira junta a Linha do Oeste à “Linha do Norte”).
O Caminho de ferro veio culmina condenando tanto o anterior transporte fluvial
como o novo a cavalo. E, a inauguração de variadas linhas férreas, exponenciaram
o contacto da cidade com o exterior. Rafael Calado (responsável pelo estudo da
azulejaria das Estações de Caminho de Ferro, identificou e salientou-nos
precisamente tal azulejaria dever ser vista como o surgimento de um verdadeiro postal
turístico. Uma publicidade dos lugares chave do Portugal de então.
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