writings on architecture, design and cultural studies (incl. cedric price, gordon pask and many other stuff)
5/26/23
ANTROPOLOGIA DO ESPAÇO, SOCIOLOGIA E ESCOLA DO PORTO
VIRGÍLIO BORGES PEREIRA /
ANTROPOLOGIA DO ESPAÇO, SOCIOLOGIA E ESCOLA DO PORTO /
CONVERSA DE GONÇALO FURTADO COM VIRGÍLIO BORGES PEREIRA /
PARTE I /
ESPAÇOS INSTITUCIONAIS /
Gonçalo Furtado - Desejava uma historiografia da Faculdade, na qual tu és professor. Começava com o contexto desta Faculdade, mas pode se referir episódios de outras da Universidade do Porto. Enquanto instituição, histórias da Universidade do Porto, que tem relação com a da Faculdade de Arquitetura. /
Como professor, como foi?
Virgílio Borges Pereira - A história da Universidade do Porto é complexa e já antiga. Habitualmente, começa a ouvir-se falar dela a partir de 1910, na sequência de tudo aquilo que se passa na implantação da república. Este é, de resto, um dos seus registos [o da mudança na educação], mas ela, e em particular tudo o que se faz, não apenas na Medicina, mas no domínio de Arquitetura, vem de trás, por isso, há um historial aí importante.
GF - O marco é obviamente o 5 de outubro de 1910, e tudo aquilo que se faz de reorganização.
VBP - E de criação, também de coisas novas nessa circunstância, a esse nível político. Há várias coisas que acontecem de novo, a esse nível, por isso, uma delas, é o caso da criação da Faculdade de Letras. A sequência da Faculdade de Letras remete, desde logo, para as necessidades de formação que um contexto como este, em Portugal, o do noroeste peninsular, tinha e a circunstância de não existirem formações superiores nos domínios das Humanidades, na altura, digamos assim, e depois daquilo que mais tarde vão ser as Ciências Sociais.
GF - A ausência de uma tradição de ensino; para desenvolvimento histórico…
VBP - O que é interessante discutir é precisamente o conjunto de tensões, de oportunidades e de alinhamentos e realinhamentos que se fazem, quer dentro da instituição, quer, depois, fora, para tornar possível a autonomização de fundo dessas áreas do saber. E isso, em si, é algo muito interessante, quer do ponto de vista histórico, quer do ponto de vista sociológico. E, de resto, depois também se cruza com algumas das nossas conversas laterais a propósito da nossa Arquitetura, não é. O que é que garante, em termos de densidade institucional, a existência destes espaços, que são espaços privilegiados de aprofundamento de conhecimentos e de práticas profissionais?
GF - Que passam pela autonomização do ensino de uma determinada disciplina? Aliás, várias definem-se por oposição, digamos, a outras. A escola Politécnica, de Ciências, e a Medicina, etc.
VBP - A questão é essa. É interessante verificar como essa autonomização se dá, e como é que, no interior do espaço das Faculdades, ela se configura.
GF - E como é que indivíduos e protagonistas se organizavam. Como é que se alinhavam, etc.
VBP - Neste caso, quase sempre homens. E, por vezes, como se desalinhavam, para tornar possíveis uns espaços e afastar outros. O caso da Faculdade de Letras é interessante, porque esta é conquistada, praticamente, num golpe de força institucional, sempre num registo muito tenso. Quer internamente, quer depois em relação ao país, com as outras grandes Faculdades, que disputavam e construíam estas áreas do saber. Na trajetória daqueles homens, só muito mais tarde começará a haver, mais sistematicamente, mulheres, é interessante, ver os tipos de acordos e de interesses que formavam.
GF- Compromissos foram feitos, para tornar estes passos espaços institucionais possíveis. Dizias ibérico?
No caso da Arquitetura, houve uma “Aula de Desenho”, que vem muito de trás. Depois adquiriu várias formas. Referíamos os anos 10, mas perspetiva os anos 30. E houve realmente mais transformações, depois nos anos 60/70 até aos anos 80, etc.
Mas pensava atrás, historicamente. Em França já haveria estas áreas…
VBP - Sim, a nossa tradição é interessante, porque é napoleónica. Refiro-me ao nosso modelo universitário. É evidente que as Escolas de Belas Artes tinham uma outra filiação, autónoma relativamente à Universidade, e representam uma tradição……
GF – Na Arquitetura. A tradição é transformada. A partir do momento em que é incorporado o modelo Beaux Arts, importado de França.
VBP - É importado de França, exatamente, no caso português. Há uma relação forte entre o modelo napoleónico e francês de ensino superior e aquilo que se constrói por cá. É por isso que, entre outras coisas, um dos argumentos para se criar a Faculdade de Letras é exatamente esse: uma Universidade que seja completa, não dispensa, ou não deveria dispensar uma Faculdade de Letras, porque nos argumentos assim aduzidos, tradicionalmente, a Universidade completa é a Universidade que agrega estas áreas do saber.
GF – Sim. mas por exemplo, na Universidade de Coimbra, (em que depois há uma luta e que está na base desta geração de Letras da Universidade do Porto). Coimbra não teve durante muito tempo o ensino da Arquitetura, que era nas Belas Artes no Porto e em Lisboa. Mas a escola de Coimbra sempre esteve ligada às Humanidades e ao Direito etc.
VBP - Sim, houve uma luta importante. Eu não quero desviar muito a conversa para esse ambiente polémico da criação da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, mas…
GF - Pela mão do Leonardo Coimbra. Tem muito a ver com essa disputa com a Universidade de Coimbra.
VBP – E com tradições distintas, que, para todos os efeitos, existiam, e que estão, no fundo, subjacentes à consagração dos estudos superiores no país. O nascimento da Faculdade de Letras é um nascimento complexo, tenso, de alguma forma difícil. E a própria constituição do respetivo corpo docente, pela mão do Leonardo Coimbra, é de alguma maneira, aos olhos das disciplinas instituídas, heterodoxa e, de certa forma, esta nunca se libertou desse ónus heterodoxo e, sob muitos aspetos, paradoxal que está associado à emergência da Faculdade.
GF - A outro nível (entrando na Faculdade de Letras), surgem áreas, as ciências sociais, as línguas…. Qual é a sequência com que surgem as várias áreas?
VBP - Havia as grandes áreas, que eram as de Línguas e, obviamente, as Literaturas e a História, e também a Filosofia, isto assim em termos próximos do que são os nossos nomes atuais.
GF - O Direto não estava aí…
VBP - O Direito não cabia neste pacote. Era, sobretudo, Línguas, as Humanidades, a História, a Filosofia e as Línguas antigas ou modernas. Quanto às Ciências Sociais, elas teriam seguramente feito um caminho de autonomização. Alguns daqueles professores estavam a fazer caminhos para aí. Lembro em particular uma figura interessante, muito bem estudada pelo Pedro Baptista, que escreveu um livro muito especial sobre o Newton de Macedo, que era alguém que era da área da Filosofia, um discípulo de Leonardo Coimbra, mas que, muito seguramente, teria feito um caminho, de aproximação às Ciências Sociais, à Psicologia, à Sociologia, de alguma forma.
GF - Em que década se dá essa aproximação?
VBP - Isto ocorre nos finais dos anos 20, início dos anos 30. Na verdade, quando se fecha a Faculdade. neste período, Newton de Macedo está até a fazer uma sabática no estrangeiro, entre França e Alemanha. Algumas dúvidas sobre o percurso, mas tudo indica ter sido na França. E era alguém muito interessante, que não é tão lembrado como deveria ser. Tem uma trajetória de grande interesse e riqueza intelectual. O efeito do fecho da Faculdade é especialmente difícil.
GF - O fecho da Faculdade consuma-se em 1931. Com ele cortam-se trajetórias académicas muito interessantes. Alguns professores conseguem, depois, obter postos no estrangeiro. O mais conhecido é o Agostinho da Silva, que depois vai para o Brasil. Outros, com alguma lógica de compromisso, ficam em Coimbra e Lisboa. E outros ainda, como é o caso do Newton de Macedo, são mesmo afastados do ensino.
VBP - Não apenas por razões intelectuais, mas por razões políticas. É algo sociologicamente muito interessante, porque é um misto de razões. Algumas são estritamente académicas e intelectuais, do foro daquilo que são questões específicas da academia, mas depois há também implicações políticas importantes, elas conjugam-se. O que é interessante em espaços como os das Faculdades é que, frequentemente, nós assistimos a uma espécie de cruzamento destes planos.
GF – Criticamente. De planos pessoais e biográficos com planos disciplinares, e depois planos políticos.
VBP - Cada um deles tem as suas lógicas próprias e que geram tensão. No caso de algumas dessas figuras é uma tensão muito evidente. O fim é uma crise institucional de uma Faculdade. É um momento crítico. A todos os níveis. Toda uma área do saber, biografias individuais que são seriamente questionadas, que depois têm reflexo e implicações seríssimas nas trajetórias das disciplinas, com consequências sérias do ponto de vista da tal autonomização de uma coisa que eu acho que é muito importante e que nem sempre valorizamos como deveríamos valorizar, enquanto membros de instituições, que é o privilégio que decorre de termos algum espaço de liberdade associado à produção destes saberes. O princípio da liberdade do questionamento.
GF - Em contextos como de Ditadura Militar e depois do Estado Novo.
VBP - É posto em causa. Depois, isso é de uma importância, de um valor imenso. Alguns desses homens sentiram na pele e viveram e pagaram um preço altíssimo.
GF - As memórias coletivas e até institucionais esquecem-se de algumas dessas figuras. Perde-se esse rasto.
VBP- Para mim, este é um processo muito importante. É difícil criar um espaço como estes e, ao mesmo tempo, ter presente como ele pode ser frágil, tal como foi em determinados momentos. Um interregno de décadas numa instituição como esta tem um efeito profundamente negativo.
GF- O efeito é imenso. Cortes de pessoas. Não quer dizer que os democratas não existissem em variadas áreas. Mas seria uma área de maior proteção e envolvimento político.
VBP - É, e, por alguma razão, também se acabou com ela. A questão é exatamente essa.
GF - À Faculdade de Letras, depois nos anos 60/70, está muito ligada à de Economia e ao que se passa.
VBP- É assim, muitos dos conflitos académicos passam por aí. No caso do Porto, tais conflitos não deixam de estar associados ao próprio ressurgimento da Faculdade de Letras. A Faculdade renasce, depois de lutas internas no regime, no início dos anos 60. Ela nasce nos inícios dos anos 60, muito antes de 1974, por isso, o golpe do fim que constituiu o encerramento da Faculdade foi difícil.
GF - A intelectualidade portuense e universitária foi sensível a isso, e ainda tentou recriar um espaço possível para uma certa afirmação.
VBP – Sim, tratava-se de um Centro de Estudos Humanísticos, que tinha o patrocínio da Câmara Municipal, e este ainda foi existindo, mas, na verdade, a Faculdade só consegue afirmar-se depois de uma série de movimentações, ao mais alto nível do regime e da própria cidade. Consegue-se reinstaurar a Faculdade no início dos anos 60, a partir de um grupo com ligações conservadoras e à Igreja.
GF - Esse grupo?
VBP - Era um grupo, muito influente, mas não há propriamente um nome. Há um grupo de professores que se reúne a partir das ações do Professor Luís de Pina, professor de Medicina e muito influente do ponto de vista político e que já tinha feito um trabalho importante, anos antes, na fundação do Centro de Estudos Humanísticos…
GF - O Centro…
VBP - É assim, houve um Centro de Estudos Humanísticos na cidade, anexo à Universidade do Porto.
GF- E funcionava na Câmara ou noutra Faculdade?
VBP - Tinha o patrocínio da Câmara e do Instituto de Alta Cultura, funcionava em anexo à Universidade e a sessão inaugural foi no Salão Nobre da Faculdade de Ciências, no que é hoje a Reitoria, mas agora não me estou a lembrar do espaço…
GF - Por exemplo, a Escola de Arquitetura funcionou durante muito tempo onde é a Biblioteca. A espacialização das instituições aporta dados que por vezes são importantes.
VBP - Vou ver, porque, sim, é importante. Eu tenho a noção da importância da geografia dos lugares.
GF - Muitas vezes possui relação com a história da própria cidade.
VBP - Remete, sim e há fotografias de eventos e uns textos interessantes do Luís de Pina sobre isso.
GF - E foi o primeiro diretor da refundada Faculdade de Letras.
Relativamente a esta história, em momento que agora não consigo precisar, penso que aparece mesmo referência à presença pontual do geógrafo Orlando Ribeiro. Que talvez por aqui também passou e teve alguma conexão. /
Houve também uma espécie de Área ou Centro de Investigação na escola de Arquitetura nas Belas Artes. /
Nessa em determinado momento também se trabalhou com a figura de “inquéritos urbanos”. Isso não deixa de estar também um bocado na génese das experiências do SAAL, entre outras que levam à Faculdade. E à idade de uma faculdade como eles a entenderam, com o desenho, a proximidade aos lugares etc. /
Proximidades existiram com Letras. O próprio Octávio Lixa Felgueiras desenvolve parte da sua carreira, através dos anos 70 e talvez até aos 90, na Faculdade de Letras, também no Centro de Investigação da Faculdade de Letras. /
Portanto, há muitas relações que alguma gente nem sempre vê.
VBP - Claro que há relações. A chave é seguir os indivíduos,
GF – Reconstituir diferentes trajetórias.
VBP - E vale a pena perceber com quem eles se cruzaram. Mas a propósito desse caminho e do que significou para estas figuras muito interessantes. Uma das figuras muito interessantes da historiografia portuense é o Magalhães Basto. Jovem professor de Geografia na Faculdade de Letras e que acabou por fazer trabalhos muito marcantes na historiografia portuense. Embora viesse do Direito. A Faculdade fechou e ele acabou por desenvolver muitos dos seus trabalhos a partir da Câmara do Porto. Ele trabalhava na biblioteca; era uma figura muito respeitada, ainda hoje é, na historiografia portuense. Isto para dizer que o fim da Faculdade teve efeitos significativos.
GF- Encontros entre a história da Universidade, as Ciências Sociais e o curso de Arquitetura.
VBP- É uma questão interessante; a história das Ciências Sociais, especificamente, da Sociologia, durante o Estado Novo é uma história muito difícil.
GF- Pois. Também sabemos quando entram as Ciências Sociais nos estudos de Arquitetura.
VBP - A história das Ciências Sociais está associada a um processo difícil. Há uma grande tradição sociológica que, de alguma maneira, vem morrer a Portugal, que era uma tradição leplaysiana, muito conservadora, que o Estado Novo acolheu. Mas a Sociologia ficou muito conotada, o próprio Salazar foi aluno de Sociologia e bom aluno, na Universidade de Coimbra, tudo o indica.
GF - Acontece que as Sociologia e as Ciências Sociais - mais sensíveis ao efeito do paradigma Marxista - foram muito cerceadas pelo Estado Novo. Por isso, não houve… /
Contrariamente ao que tinha acontecido na República - onde houve espaço para o desenvolvimento de disciplinas com base em princípios de análise sociológica.
VBP - A Sociologia, nomeadamente aquilo que diz respeito ao conhecimento sistemático do Portugal contemporâneo e do campo que o teria de suportar, foi seriamente cerceada. E o que acontece? Para além dessa parte da Sociologia que veio cá morrer e que era muito monográfica, nomeadamente sociólogos francófonos que acabaram por escrever sobre Portugal a esse nível, mas mesmo essa tradição não se desenvolveu sustentadamente. Não quer dizer que esse conhecimento não fosse necessário, porque era, e em várias regiões do espaço académico e do ponto de vista institucional, sentia-se essa necessidade. Alguns dos desafios que o Estado Novo se colocava em matéria de desenvolvimento implicaram esses conhecimentos e as tradições em que se fundavam. Claro que, em matéria colonial, este tipo de instrumentos foi potenciado, mas em matéria de abordagem interna, mais do que um carácter sistemático, a promoção do conhecimento sociológico é mais da ordem da exceção. Uma tal exceção inclui segmentos do trabalho em Arquitetura, como demonstram os trabalhos da Filipa Castro Guerreiro, e também todo o trabalho desenvolvido pelo Instituto Superior de Agronomia, na fase inicial, em matéria de planeamento e de intervenções em contexto agrário em Portugal, com preocupações ligadas à Economia Agrária e Rural. Não obstante todos esses esforços, a institucionalização da abordagem estritamente sociológica no campo académico foi muito lenta e difícil. Ela vai acabar por se afirmar a partir de um gabinete relativamente marginal, no interior do aparelho de Estado, a partir do Gabinete de Investigações Sociais que Adérito Sedas Nunes vai desenvolver.
GF – Aproveitando uma pequena oportunidade, aparentemente mais modernizadora, que já existia nos anos 50.
VBP – Na sequência de todo um esforço que, para todos os efeitos, foi existindo, de conhecimento e modernização de algumas esferas da ação do Estado.
GF - Por causa das questões agrárias e habitacionais.
VBP - Os efeitos desses esforços nos planos da Economia Agrária e da intervenção na habitação não foram muito sustentados, ou seja, tiveram realizações, mas não tiveram os efeitos pretendidos com as intervenções que procuravam gerar e também não foram suportados por mudanças de relevo no domínio académico. Por isso, é a partir dos anos 50, do final, que se começam a explorar essas oportunidades de modernização institucional, a partir dos estudos corporativos.
GF – A pluridisciplinaridade encaixava já em outras escolas. Como a escola de Frankfurt…
VBP - Em Portugal, estamos muito longe. O grupo de Adérito Sedas Nunes é pluridisciplinar, mas não é de todo próximo do modelo da escola de Frankfurt.
GF - Digo pluridisciplinar. No sentido de incluir a escola de Sociologia etc.?
VBP - Na verdade, não há propriamente sociólogos. Na verdade, neste grupo havia um. Há é gente que está interessada, a partir da Engenharia, da Economia e de outras Ciências Sociais e Humanísticas, em construir uma ciência sociológica, como é o caso do próprio Adérito Sedas Nunes.
GF - A sociologia contemporânea, portuguesa e moderna, vai ser construída no início por um economista, pelo Sedas Nunes.
VBP - O grupo que se gera à volta dele é muito marcado pela presença dos católicos sociais e onde alguém que nos é caro vai ter um treino específico um pouco mais tarde.
GF - É o Nuno Portas. /
PARTE II /
VBP - O Nuno Portas vai ser chamado a estudar com esse grupo. É assim, o Adérito Sedas Nunes era um católico social…
GF - Há relações importantes, relativamente a coisas iniciais do Nuno Portas. O Neto etc. Em Lisboa e ainda sem relação com o Porto. /
Penso que já presente na sua tese e/ou escrita. Por exemplo com o Chombart de Lauwe.
VBP – Há, sim, o Chombart de Lauwe. Vamos lá a ver, o Nuno Portas está muito à frente do seu tempo.
GF – Sim ele estava muito atualizado, O livro é escrito nessa década. Toma como problema, as questões que lhe eram contemporâneas. /
Ele tem uma curiosidade intelectual incansável, que o leva, com grande facilidade, a fazer percursos formativos multidisciplinares.
VBP - Com forte presença sociológica, ele entra em contacto com essa gente.
GF - Entra em contacto com os de Lisboa.
VBP - Com os de Lisboa; isto decorria a partir de espaços que são, relativamente, influentes no acesso ao poder e à capacidade de ação que neste se gera, mas relativamente marginais face ao que conseguem realizar junto desse poder e também do ponto de vista académico. Encaro este centro como uma oportunidade institucional, que eles aproveitam muito bem. Difícil era, contudo, questionar de modo alargado e completo a realidade social. Evidentemente, impunha-se um limite.
GF - Eles não conseguiam introduzir paradigmas marxistas ou mais críticos por isso. Não era fácil para eles, todos eles tinham uma certa ansiedade por ir lá. Mas a situação política não lhes permitia fazer isso.
VBP - Em todo o caso, eles conseguem fazer algo. Começam a fazer uma interrogação, com alguma sistematização, sobre a realidade e as contradições sociais e espaciais do país.
GF - Onde as questões das desigualdades espaciais e sociais, e as questões habitacionais, são muito importantes.
VBP - Isto é, de alguma forma, uma coisa que vem de imperativos cívicos, mas, ao mesmo tempo, traz consigo interrogações científicas.
GF- Paulatinamente, começam a introduzir a necessidade de um questionamento sociológico efetivo. Antes do “Inquérito à Arquitetura popular, dos anos 50, houve aquele inquérito pela geografia, da habitação rural.
VBP – Aquele da habitação rural? Claro, os resultados são tão difíceis que não são sistematicamente publicados. O inquérito, enquanto instrumento científico, é interessante e vários destes protagonistas começam a sentir ser necessário realizá-lo. Em lugar de uma interrogação, catedrática, distante, pouco comprometida, ou elaboradíssima sobre a realidade social, eles compreendem que o inquérito é um instrumento produtivo.
GF – Na administração do território, de alguma maneira, vão ter também esse instrumento que é o “inquérito”.
VBP – E do qual vão tirando partido. Há vários. A figura do inquérito é uma figura frequente em muitos sítios da Europa.
GF – Estamos entre os pioneiros, e havia influências…
VBP – Eu posso estar enganado, mas os Inquéritos Económicos-Agrícolas começam a ser publicados logo nos anos 30. Quando o Estado Novo se consolida, este tipo de abordagem existe. O que é interessante, depois, verificar é que toda esta abordagem, de alguma maneira, vai, depois, sendo travada. Eu acho que os primeiros são publicados em 1934. Embora eu não seja adepto da história contrafactual, é interessante verificar, a esse nível, que este instrumento, se houvesse liberdade e um campo académico mais instituído nas Ciências Sociais, mais concretamente na Sociologia, teria sido potenciado de outra maneira. Na verdade, os resultados do Inquérito à Habitação Rural são, depois, geridos com muito cuidado e só recentemente foram publicados na íntegra. Na altura, não foi pouco terem existido académicos que começaram, por um lado, a teorizar a importância destes instrumentos e, ao mesmo tempo, a convocarem-nos para o conhecimento aplicado. Será, contudo, bem mais tarde que estas oportunidades de autonomização do questionamento se alargam um pouco mais, nomeadamente, já num outro plano, com a criação do Gabinete de Investigações Sociais.
GF - Com o trabalho que o Sedas Nunes, depois, começa a fazer. Portanto, a partir daí, nós assistimos a um mais efetivo envolvimento deste tipo de instrumentos, e o Nuno Portas e outras figuras como ele começam a convocar, mas sistematicamente, estes saberes e abordagens.
VBP - Ainda sem os nomear plenamente. Os saberes sociológicos, obviamente, só depois, com a Revolução iniciada em 25 de abril de 1974, são livremente nomeados e potenciados, com consequências no plano das formações científicas e na constituição de um campo académico autónomo.
GF - Aquelas dificuldades institucionais que iam existindo…. Algumas destas figuras estão a construir um espaço de diálogo multidisciplinar, que convoca saberes na hora de atender a diferentes casos.
VBP - Nuns casos saberes pré-sociológicos, noutros casos, já mais orientadamente sociológicos, já nos anos 60. Quer dizer, não havia um campo sociológico instituído, que é uma situação que não só prejudica a evolução social portuguesa como prejudica, depois, a possibilidade de estudar e de os diálogos serem mais efetivos.
GF - Os autores dentro das Ciências Sociais, cultivam-se e cultivam também o Instituto Superior de Agronomia, ligado à habitação rural.
VBP - Há um grupo principal, no Instituto Superior de Agronomia, muito ligado às questões de habitação rural e da Economia Agrária. Eram conhecedores profundos dessas questões. Haverá outro grupo, com outras filiações, mais tarde, em Évora. Mas não foi por aí que a Sociologia se desenvolveu e autonomizou plenamente.
GF- No campo da Arquitetura, os arquitetos interessavam-se por uma série de autores…
VBP - A esse nível, o que vai ser muito relevante, na minha perspetiva, é o grupo do Sedas Nunes. Que vai funcionar como espaço de investigação e de formação muito significativa de sociólogos. Até porque a Sociologia, como dizia há pouco, só se autonomiza plenamente com a Revolução.
GF - O grupo que está no Gabinete de Investigações Sociais, que vai dar origem ao Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. No fundo, o grupo que se reúne à volta da “Análise social”.
VBP - É um grupo que, do ponto de vista intelectual, vai ser muito influente. Há um grupo forte de católicos sociais, mas onde, depois, se consolida uma razão sociológica de alguma maneira. Aí, começa a construir-se mais sistematicamente um ofício.
GF- Vão ser as figuras dominantes da Sociologia portuguesa das décadas seguintes. Estão a formar-se aí.
VBP - Estou a pensar na Maria de Lourdes Lima dos Santos, na Eduarda Cruzeiro, no Vítor Matias Ferreira, no João Ferreira de Almeida, no José Madureira Pinto, um pouco mais tarde, na própria Filomena Mónica, entre outros. Um grupo relativamente grande que, no fundo, corresponde aos autores que tu vês no elenco dos artigos da revista Análise social nos anos 60 e 70. Muitos deles vão contribuir amplamente para o desenvolvimento da disciplina. Alguns mantendo-se nas suas disciplinas de origem, mas dialogando com os saberes sociológicos em constituição e ajudando a delimitar temas e perspetivas. Outros, estes, tendo um papel ativo na génese da Sociologia.
GF – Com que arquitetos é que o Nuno Portas falava (ou lia) sobre Sociologia nos anos 60 e 70, e que interlocutores tinha ele na Sociologia?
VBP – O Nuno Portas, até pela sua personalidade envolvente, discutia estes assuntos em muitos dos seus trabalhos da época e julgo que todo o grupo de arquitetos de que ele se rodeava estava a par dos seus interesses e leituras. Disse-me um dia, penso que, nessa fase da interlocução dele com o grupo do Adérito Sedas Nunes, ele acompanhava com interesse o João Carlos Ferreira de Almeida, não confundir com o João Ferreira de Almeida, sendo esse, o João Carlos Ferreira de Almeida, o único sociólogo de formação que estava lá. Todos os outros vão converter-se à Sociologia, mas obviamente que o Nuno Portas os lia todos. Em particular, os textos do Raúl da Silva Pereira eram muito efetivos sobre a questão habitacional e o Nuno Portas está muito por dentro desses debates. Ele faz um caminho de questionamento, muito por dentro desses debates intelectuais e sociais.
GF - O Nuno Portas teve muitos amigos sociólogos já então? Ele estava muito por dentro desses debates. Quando o saber sociológico estava a ser construído, e ele era um arquiteto…
VBP - Com o João Carlos Ferreira de Almeida absolutamente; ele conversava e era muito informado. Estava muito atualizado.
GF - Ele publicava coisas nas revistas de “Arquitetura”. Coisas sobre a paisagem, etc., etc., etc. Na revista Arquitectura na década de 50/60.
VBP- Naquela altura, na paisagem intelectual portuguesa, o Nuno Portas era já uma figura influente, muitos daqueles debates que estão subjacentes, mais tarde, ao lançamento do SAAL e aqueles que envolvem os intelectuais, a nível da Revolução, são debates que, em muitos aspetos, para além de convocarem, como é frequentemente citado, o que se passara na América Latina, são reconstruídos a partir do legado daquilo que tinha sido feito nas experiências da Europa. No pós-guerra, desde logo em todo o esforço que esteve posto na reconstrução, ligado à própria França. A França é um país, em grande medida, construído e reconstruído. Nós não temos essa noção. Foi, à sua maneira, também dos mais afetados pela guerra.
GF - Não só pela guerra. Mas socialmente, por causa do governo etc.?
VBP - Sim, ou seja, foi afetado pela reconquista, em primeiro lugar, mas havia um sério problema habitacional em França. E as pessoas não têm consciência disso.
GF - A França vai ter um plano de construção de habitação enormíssimo. Os desafios do ponto de vista intelectual, habitacional, arquitetónico e urbano com que os franceses estavam a deparar-se naquela altura, são, de alguma forma, contemporâneos aos que a sociedade portuguesa teve. E alguém como o Nuno Portas estava muito por dentro destes debates.
VBP - Por isso, a figura do inquérito, do inquérito habitacional, acaba por não ser uma figura estranha até ao próprio período do Estado Novo. O Estado Novo fazia esses inquéritos, por isso essa figura, a auscultação das populações, mesmo quando os resultados não eram o que se pretendia, perceber o contexto e intervir na base de um plano físico e técnico, do ponto de vista infraestrutural, e de combinar este último com um inquérito, começa a fazer o seu caminho no país, Mas também era algo a que Europa do pós-guerra era sensível e é algo a que também aqui se começa a ser sensível. O Nuno Portas e pessoas como ele estão particularmente atentos a esse tipo de implicações. Importa ter presente que, em Portugal, e do ponto de vista dos saberes, digamos assim disciplinares, estava a ser montado o Serviço Social,
GF - Uma abordagem mais profissional sobre o Serviço Social.
VBP - Mas não havia uma autonomização da Sociologia. E isso obviamente tinha consequências.
GF- Ainda que, curiosamente, nas Escolas de Arquitetura destas alturas, dos anos 60 e 70… Essas sensibilidades eram algo que estava lá… essas preocupações estavam cada vez a tornar-se mais presentes.
VBP - Daquilo que eu li, e não li muito, vejo que o João Andresen tinha esse tipo de preocupações, o próprio Octávio Lixa Felgueiras também. Então, quando o Nuno Portas, enquanto estudante finalista, toma essa decisão, pode parecer uma decisão, mesmo que tenha razões internas à Arquitetura e às Belas-Artes de Lisboa para a tomar, de vir defender ao Porto a monografia de fim de curso, ele sabe o que se está a fazer neste domínio no Porto. São questões que, tendo também uma implicação política, envolvem interrogações académicas e que não são fruto do acaso. E ele está à procura de um percurso; ele é alguém inquieto, está à procura (do ponto de vista intelectual) de uma forma de encontrar, de resolver os problemas com que se defronta. É essa inquietação que o leva a ir ter com Sedas Nunes e a procurar as formações que o grupo dele dava. Esta circunstância particular de Sedas Nunes ser um economista e sociólogo e ter a possibilidade de construir essa formação é reveladora de alguma capacidade de ação, permitindo, no fundo, criar uma oportunidade institucional que aqueles que dela participavam aproveitam para cultivar uma conversão disciplinar. O Nuno Portas nunca deixou de ser arquiteto e urbanista, mas familiarizou-se intensamente com este tipo de saberes e com outros.
GF – Se tu vires a evolução teórica do Nuno Portas, em grande medida corresponde a um afastamento da materialidade, da forma de escala arquitetónica. Primeiro, historiógrafa uma parte da arquitectura moderna. Passa por um campo, de aproximação com essa Sociologia; e já preocupado com as coisas da habitação, /
Mas rapidamente tu vês que ele desenvolve outros vetores de trabalhos. No LNEC, está a pensar conceptualmente no que tange à criação, do projeto automático etc., E, depois, em termos de política e Urbanismo. Atendendo à distinção das temporalidades e capacidade de previsão das escalas do projeto e do plano. Desejando operar num futuro real e social, em grande medida é acompanhado por um menor interesse relativamente às formas e meras arquitecturas.
VBP - Sim, é verdade. Tem a ver com essa inquietude que é simultaneamente política, intelectual e pessoal. E é bastante curioso.
GF - O Nuno Portas inicialmente era crítico de Arquitetura, historiava, teorizava e criticava obras de Arquitetura. Depois a sua teorização foi para aspetos mais abstratos e centrados na conceptualização criativa e dimensão projetual.
VBP - Faz esse percurso. Mas presenciará e estará envolvido na turbulência política que foi a Revolução, o SAAL. Eu acho que ele estaria de acordo comigo, este último é, de alguma maneira, uma oportunidade perdida. Algo muito original, na verdade, é um passado que decorre no quadro de uma experiência nova. Experiência daquilo que está inscrito na Revolução, mas uma experiência que é construída com as ferramentas intelectuais que ele e os outros que o acompanham tinham vindo a construir durante 10, 15, 20 anos antes. No quadro dessas experiências, julgo que também aqui se percebe que eles andavam a explorar as margens da respetiva capacidade de ação institucional, intelectual e arquitetónica, no prolongamento do que tinham feito no período anterior à Revolução.
GF - No pensamento de Arquitetura - mesmo em termos do ensino da Faculdade, nesta altura da Revolução – constata-se uma clara aproximação pelos arquitetos às problemáticas sociais. Não só da habitação. Mas, às vezes, até do nível geográfico-paisagístico ou agrícola… Provem de muitos locais e pelo menos dos anteriores anos 50.
VBP - Dos anos 30, inclusivamente!
GF – Quando se refere que nos anos 70s se postulou um “abandonar do desenho” e não sei quê, interessa atender às questões políticas em redor da revolução e debate em torno do papel e de como fazer Arquitetura. /
Penso que o Jacinto Rodrigues, por exemplo, foi importado e convidado pela escola por ter então formação sociológica e urbana. Penso que o que ele veio lecionar passou por falar sobre escolas da Alemanha/Áustria, do Construtivismo Russo, etc.), bem como da utopia/ revolução, sobre autores de Sociologia urbana etc. /
A história dessa área na Faculdade compreende muitos detalhes… Dizíamos antes que o Nuno Portas fora inicialmente um crítico de Arquitetura, de quem só depois se esperou que operasse em Urbanismo… E havia pessoas como o Andresen, que eram arquitetos. /
Se nós formos ver o pensamento da altura… Os alunos obviamente estavam todos politizados naquela altura e, portanto, envolvidos com leituras sociológicas afins aos anos 70. Mas, mesmo os professores,
Talvez não haja suficiente memória do que realmente havia. Do que já se andava a ensinar. O discurso era também sociológico, e marcava qualquer área no ensino com pouca exceção. /
Parece-me que a maior parte dos estudantes captava energia para a escola, e mesmo para os professores. Indubitavelmente havia protagonistas com discursos muito sociológicos. /
VBP – Eu concordo, é um discurso muito sociológico, mas o que é interessante é que, numa determinada altura, é o discurso que é próprio de uma determinada corrente da Sociologia.
GF - É uma Sociologia de alguma forma de inspiração Marxista, muito marcada pela dinâmica dos movimentos sociais, muito inspirada pelo Lefebvre.
VBP – Há outras Sociologias que entram menos. E sabes, isso é bastante interessante porque, ao mesmo tempo, percebe-se que ainda assim a Sociologia…
GF – Claro, o uso instrumental.
VBP – Na sequência da Revolução, este uso instrumental é muito marcado pelo marxismo. Por essa abordagem, que também não esgotava a Sociologia. Num plano de reflexão mais geral, isso é normal, porque essa era a Sociologia que era menos conhecida e que era a proibida em Portugal, aquela que era seriamente objeto de censura e de crítica. Percebe-se o que está a acontecer nos anos iniciais, de institucionalização da disciplina, mas, de alguma maneira, o que me parece, depois, é que a intensidade de que a Sociologia portuguesa se vai revestir é, em parte, o efeito da combinação do marxismo com outras abordagens, que permitem novas sínteses e a intensificação da análise da realidade social. O que acontece é que nalgumas abordagens, nomeadamente no marxismo mais elementar, o risco de o do diagnóstico ficar, de alguma maneira, à tona daquilo que existe e do que pretende analisar e, eventualmente, transformar, existiu. Muito provavelmente, esse lastro de síntese original e inovadora, feita de intenso debate epistemológico, teórico e metodológico, de alguma forma, foi-se esgotando. Em todo o caso, em benefício de um trabalho muito significativo de conhecimento da realidade social portuguesa, que se encontrava subinvestigada e que ganhou muito com essa síntese original, que se inscreveu na matriz fundadora da Sociologia em Portugal. Talvez se pudesse, hoje, voltar a recuperar, pelo menos uma parte, dessa tradição de debate epistemológico, paradigmático… Isto é a minha leitura…
GF– Mudando. Há reflexão, também expressa em torno da forma de planos de estudo. /
A Faculdade depois, por volta de 1979, tenta autonomizar-se, o que consegue em 1985. Nessa altura, haveria o diálogo e debate destas correntes de que a gente está a falar. /
Ocorrerá, uma substituição de alguns professores.
VBP - Eu entro muito depois disso, já em 2003. Perceber o que sucede, de 1980 até 2003 é muito interessante. E eu acho que quem lá está…. Seria um bom tema de tese… /
PARTE III /
GF - A nível de planos de estudo, da orientação científica, muito aconteceu de 1980 até 2003. Até porque o Nuno Portas era o diretor científico, etc. /
Mas é em torno da fundamentação para a criação da “Antropologia do Espaço” que gostaria que falássemos.
VBP - O Portas é o criador, acho eu, não tenho a certeza, mas, em todo o caso, eu sei que ele estava amplamente envolvido na dinamização destas áreas do saber na Faculdade e lembro-me bem das explicações que ele me deu sobre a génese da designação.
GF - Antes do professor José Maria Cabral Ferreira, houve desenvolvimento de disciplinas com teor…
VBP - Elas não surgem do nada, que eu saiba. Quando eu entro, havia uma tradição de ensino destas áreas, que está associada ao Jacinto Rodrigues e, no que me envolve, ao José Maria Cabral Ferreira.
GF - O professor Jacinto Rodrigues, já ingressara na escola a seguir à revolução de 1974. /
O José Maria Cabral Ferreira só entra na Faculdade mais tarde.
VBP - O José Maria Cabral Ferreira é um jesuíta, por isso, com uma formação de base do ponto de vista sociológico. Acho que se forma na Universidade Gregoriana, em Roma. Lembro-me de conversar com ele e de ver o plano de estudos da disciplina por ele usado enquanto dava cá aulas. Muito marcado por figuras que eram frequentes da Sociologia e da Socioantropologia. Baseado em referenciais que, sendo património comum da disciplina, não eram os que eu mais usava.
GF - Era o Fichter, também ele jesuíta; e o Lévi-Strauss.
VBP – Sim. E depois um conjunto de abordagens decorrentes daqui. Ele depois teve o apoio da Carolina Leite, ela, quando sai, ele também. Ela já era professora na Universidade do Minho, e tinha relações fortes com França e com os debates de Antropologia e da Sociologia francesas sobre a construção social do espaço. Foi influenciada por um legado, de abordagens alargado, mas reflete o tipo do legado lefebvriano e de outras correntes.
GF - É a partir de um estudo conhecido, que ela e a Isabel Raposo fizeram, sobre as “casas dos emigrantes”.
VBP - E seguramente diálogos com o próprio Nuno Portas. Essas abordagens, nos anos 80, prolongam um legado lefebvriano e do Chombart de Lauwe. E todos esses debates intelectuais.
O Jacinto Rodrigues tinha feito também outros caminhos pelo que eu tinha percebido, naquele momento estudos ligados à Ecologia Urbana.
GF- O Jacinto Rodrigues introduz o discurso sociológico na década de 70. E introduz o discurso ecológico na escola.
VBP - Lembro-me, quando entrei para lecionar na Faculdade de Arquitetura, de que havia coisas desse género. Percebera a lógica, uma certa intuição da feitura da própria Sociologia a partir da apropriação dos debates americanos. Não era exatamente os que constituíam a minha referência. Entro a partir de um percurso feito na Sociologia portuguesa. Fui orientado pelo José Madureira Pinto.
GF- Acho que é o José Madureira Pinto, formado no grupo do Sedas Nunes. E é o doutoramento feito em Sociologia, pela primeira vez numa Faculdade e Universidade portuguesa, com orientação de Boaventura de Sousa Santos. Foi no ISCTE, no início dos anos 80.
VBP - Concluiu em 1981. Mas demorou alguns anos até defender a tese em 1983. O José Madureira Pinto e o João Ferreira de Almeida foram os primeiros a fazê-lo em Portugal.
GF- Já havia portugueses com doutoramento em Sociologia, que tinham estudado no estrangeiro.
VBP - Mas eram obtidos no estrangeiro. O José Madureira Pinto fez o doutoramento em Portugal, em 1983, já era professor na Faculdade de Economia do Porto. Mas ele tinha feito o seu percurso no Gabinete de Investigações Sociais, com Sedas Nunes. Depois é orientado pelo Boaventura de Sousa Santos, de Coimbra, mas com defesa no ISCTE.
GF - O Boaventura de Sousa Santos tinha passado pelos Estados Unidos?
VBP - Sim, passa depois a orientador do José Madureira Pinto e do João Ferreira de Almeida. A defesa da tese deles faz-se no ISCTE. O Madureira Pinto é o primeiro. Eles fazem teses sobre o mundo camponês, a partir do estudo do arrendamento rural. É curioso porque esta inauguração do sociológico em Portugal, na fase da institucionalização da disciplina, parte do estudo da questão camponesa e é rural. Que era um tema de arquitetos, engenheiros agrónomos, economistas agrários e antropólogos. A meu ver, julgo que não exagero, nós, na Sociologia portuguesa, estivemos envolvidos numa das últimas grandes Sociologias Rurais que existiram no mundo, nomeadamente, no Ocidental. Que é a natureza do objeto específico que aqui terá um papel preponderante no desenvolvimento de uma vertente decisiva da institucionalização académica de uma disciplina, como é a que passa pela atribuição do grau de doutor. São várias as teses de doutoramento de Sociologia Rural que se apresentam em Portugal de seguida e a Sociologia portuguesa contará, entretanto, com contributos de relevo de vários especialistas nesta área. Ora, quem vai fazer a apresentação da tese do Madureira Pinto quando publicada em livro é o Nuno Portas. O Nuno Portas é alguém que está muito por dentro dos debates da Sociologia e faz a apresentação pública do livro.
GF- A primeira tese de doutoramento de Sociologia feita numa Universidade portuguesa.
VBP - O Nuno Portas foi o apresentador público da obra.
GF - O Madureira Pinto, por seu lado, seria depois o teu orientador.
VBP – Sim. Eu chego à Faculdade Arquitetura, porque um dia o Madureira Pinto recebe um telefonema do Nuno Portas, segundo o que sei.
GF - No início dos anos 2000, o Nuno Portas era o presidente do conselho científico e o Domingos Tavares era o presidente do conselho diretivo da FAUP.
VBP – Sim. Estamos no início dos anos 2000 e eles têm a notícia de que a Carolina Leite vai sair e que o José Maria Cabral Ferreira se jubila. Estava no limite idade e não pode continuar a dar aulas. O Madureira Pinto era um sociólogo que eles conheciam bem; o Nuno Portas telefonou a perguntar o que é que ele pode fazer por eles, se tem um nome. Basicamente, ele diz que tem uma pessoa que fizera toda a sua formação e que trabalhara com ele. Sempre sobre relações entre o espaço físico e espaço social, que era o perfil de que estavam à procura.
GF - Esperando-se alguém com atenção à relação espaço social e físico.
VBP – Sim. Nomeadamente, eu tinha feito um conjunto de trabalhos sobre o Vale do Ave e, em particular, sobre o Porto. O estudo sobre o espaço social da cidade constituíra o tema da minha tese de doutoramento em Sociologia. Esta tenta levar a teoria de Pierre Bourdieu sobre o espaço social para o estudo da cidade, neste caso do Porto, numa altura em que a teoria de Bourdieu era discutida apenas num plano teórico. Tentei perceber e discutir o seu plano teórico-prático, a partir do caso do Porto. O Madureira Pinto é um dos grandes especialistas sobre a teoria da prática bourdieusiana, em Portugal. É um dos grandes recetores e promotores da teoria e que a desenvolve, inclusivamente, em planos muito originais. Tinha sido meu professor, no quarto ano do curso de licenciatura em Sociologia da Faculdade de Letras, de teoria sociológica contemporânea. Discutia com ele estes autores e foi o meu orientador de seminário do fim do curso. Tínhamos uma formação de 5 anos e, no último ano, fazíamos uma grande investigação. Tive-o também como professor e orientador na tese de mestrado em Sociologia. Ele teve importância em todo o meu processo de formação, porque eu tinha interesse por questões rurais, muito motivado pela leitura dos trabalhos dele, do João Ferreira de Almeida, do Brian O’Neill, e ele, Madureira Pinto, convenceu-me, não obstante, a fazer uma investigação sobre o meio urbano e, em particular, sobre o Porto, com argumentos de grande lucidez e que resultaram plenamente, desde logo, do ponto de vista formativo. Atrás disso veio todo um conjunto de investigações, que depois, mais tarde, culmina na investigação que eu faço sobre a cidade do Porto a partir da teoria do Bourdieu, que ele orienta novamente. /
No ano de 2003, o Nuno Portas e o Domingos Tavares contactam-me. Basicamente numa conversa que tinham tido o Nuno Portas e o Madureira Pinto, este último descrevera o que é que eu fazia. O Nuno Portas fica curioso e pede para reunir comigo. Esta é uma boa história porque o Nuno Portas e o Domingos Tavares fizeram questão de vir ter comigo à Faculdade de Letras. É um momento que eu nunca irei esquecer. Eu tinha 32/33 anos.
GF - Pois, é um bocado inusitado.
VBP - Vêm ter comigo para me conhecer e para discutir o ensino das Ciências Sociais, da Sociologia, aqui interpretada a partir de uma leitura mais vasta, enquanto Antropologia do Espaço, em Arquitetura. O que é curioso, porque, algumas das pessoas de quem fui muito próximo e que eu conheci durante o curso de Sociologia, eram estudantes de Arquitetura na FAUP, com quem discutia, detalhadamente, os aspetos mais variados da produção e da apropriação do espaço nas suas dimensões físicas e sociais. Não imaginava, nessa altura, que ia dar aulas na Faculdade de Arquitetura. Convivi com estes amigos nos finais dos anos 80 e início dos 90 e seguintes anos. Sabia que, do ponto de vista deles, havia também afinidades imensas. /
Eles, Nuno Portas e Domingos Tavares, vêm ter ao meu gabinete na Faculdade de Letras, apresentar-se e ouvir-me, e tivemos ali uma conversa absolutamente magnífica, de apuramento de questões, prioridades, coisas analíticas que podem estar associadas aos passos a dar no ensino. Do ponto de vista sociológico, como é que pode tudo convergir com a Arquitetura. Foi uma conversa interessante e muito rica, inesquecível sobre vários aspetos. E que, depois, se materializa na decisão deles de propor que eu viesse lecionar Antropologia do Espaço para a FAUP.
GF – Na altura ainda era licenciatura.
VBP - Sim. Na altura havia uma urgência porque eram nada mais nada menos do que 140 alunos do primeiro ano que enchiam o auditório Fernando Távora. Eles quase não cabiam. Eu, pelo menos, tenho memória de, em dias mais complicados, haver gente a improvisar lugares sentados…
GF - Na Faculdade de Letras tu tinhas a quantidade de alunos da FAUP? Fazes uma aula para mais de 140 alunos, mas em Letras também era no auditório? Não estou a dizer que não tinhas experiência…
VBP - É assim, eu já tinha alguma experiência docente, até com os assuntos do programa. Vi que eu tinha uma experiência com uma abordagem diferente. Mas percebi que havia fortes compatibilidades. E algo relativamente curioso. Paulatinamente, e ainda que investigasse permanentemente em questões rurais e urbanas, em que tinha sido professor, nos anos iniciais na FLUP, de Sociologia Rural e Urbana, deixava, progressivamente, de dar estas aulas na Faculdade de Letras.
GF - Eras talvez um dos sociólogos mais apto para virem para Arquitetura, sentiste-te intimidado digamos assim?
VBP - Nunca me senti intimidado. Mas percebi que era muita gente, muito trabalho e que tinha de encontrar uma resposta que fosse compatível com o tipo de desafios de formação em que estava envolvido. O que me parecia ser interessante, porque tinha de cativar o interesse dos estudantes e, por outro lado, tornar possível algum tipo de diálogo.
GF -Também já fui dar aulas a outras áreas e claro que conseguimos falar com outras pessoas, o que implica misturar coisas, e um cativar para a área noutros locais que não a nossa faculdade e em que estudámos. E nas cadeiras de áreas teóricas é um desafio. /
Pensando em ti, sei que deve ser um desafio permanente. Já tivemos uma orientação em conjunto, de uma rapariga. Alguns alunos trazem-me leituras da tua disciplina, mas dos 100% que têm interesse em desenhar, só 40% é que têm interesse em matérias mais teóricas ou conceptuais. Imagino em Sociologia…
VBP - No início, era muito desafiante e um trabalho árduo. Por isso é que eu tentei cativá-los a partir da imagem, e instituí um trabalho em torno da imagem.
GF – Imagens que acompanhem o discurso? Alguns alunos contam que há uma parte da aula em que estás concentrado digamos a fazer coisas mais arquitetónicas, e que possam ver no concreto, e que tenham maior facilidade de aprender rapidamente. E numa outra parte em que desenvolvem conteúdos mais da Sociologia. Pensava que tu não usavas imagens (eu antes usava 10 slides e agora estou a usar 50).
VBP – Eu uso imagens; depois faço um exercício com eles, obrigo a pensar com a fotografia. Instituí o exercício, que passa por trabalhar uma fotografia e que tem dado e gerado coisas muito interessantes. Obriga, ao mesmo tempo, a pensar com uma câmara e depois a escrever um pouco sobre aquilo que se fotografa. É o caminho que se faz a partir de um ponto de vista… No fundo uma sensibilização para as Ciências Sociais.
GF – As Ciências Sociais têm um conjunto de ferramentas teóricas e metodológicas.
VBP – Que eles, obviamente, devem conhecer e estar disponíveis para, mais cedo ou mais tarde, aprofundar. Elas vão ter seguramente de se cruzar com estas ferramentas nos percursos deles. Por exemplo, a entrevista de arquitetos, desde logo, enquanto estudantes. Quanto mais não seja à medida que se aproximam do final e têm de fazer uma dissertação. Ou num projeto. Mesmo, depois, do ponto de vista profissional, para as suas atividades, há um conjunto de ferramentas intelectuais que é importante que eles conheçam e que não estão muito presentes no plano curricular. Atualmente, estarão, inclusivamente, menos presentes do que estavam nos anos 70 e 80. Por aquilo que eu sei, muita desta gente, que fez Arquitetura neste período, fez grandes trabalhos de inquérito…
GF – São… Nos anos 60 e 70. Lembro-me de uma reunião em que o Manuel Graça Dias levantou questões quando hipotetizaram eliminar uma cadeira de conteúdos sociais.
VBP – Esta componente das ferramentas conceptuais das Ciências Sociais, da Sociologia, de Antropologia, foi-se perdendo, por razões de tempo. É evidente que, apesar de a minha colaboração na Arquitetura já ser prolongada, faz este ano vinte anos, esta passou de uma disciplina curricular a optativa. Antes tinha os alunos todos e agora, metade, que me escolhe. Uma das coisas que eu devo dizer é o seguinte: uma parte das problemáticas espaciais que lecionava, tive de deixar de as dar, incluindo essa dimensão mais atenta ao método. No início, eu acompanhei…
GF – A discussão da reforma de Bolonha.
VBP – Eu acompanhei essas reuniões. Mas, depois, deixei de ser convocado, quando começou a institucionalizar-se o novo plano de estudos, deixei de ser chamado para as reuniões. O tempo do curso diminuíra e, com isso, a disciplina deixa de ser curricular e passa a optativa, de anual a semestral, os conteúdos diminuíram…
GF – Sentiste pessoalmente?
VBP – Não me ofendeu. Eu valorizei sempre muito o facto de o Nuno Portas e de o Domingos Tavares me terem convidado e de terem feito aquela visita. Agora, o convite é válido enquanto a entidade que convida achar que faz sentido, que é interessante e relevante. Eu compreendo, seja qual for a decisão. Agora do ponto de vista intelectual…
GF – Serão pontos de vistas, quanto à formação, quanto à Arquitetura, quanto à evolução . Como manténs a opcional?
VBP – Eu acho que este tipo de formação, é uma formação que devia ser imprescindível no percurso do arquiteto. Não digo por ser eu a lecionar a cadeira. Não o digo por mim, evidentemente, estou a falar de um ponto de vista mais completo de formação. E acho que é óbvio. Mas compreendo também que os tempos se encurtam e que não se pode percorrer todos os temas, como gostaríamos. Será importante reconhecer também que outros colegas da FAUP são sensíveis a estes assuntos, aos dispositivos de conhecimento que geram e sei que eles os integram nos programas das respetivas disciplinas.
GF – O arquiteto passa por um conjunto preocupações, que estão adjacentes, aquando da sua intervenção no espaço.
VBP – Esta cruza-se, de uma forma impressionantemente intensa, com preocupações dos sociólogos que estão nestas áreas. Nunca me faltam temas para discutir numa aula para arquitetos. É muito estimulante. Um dos aspetos fundamentais da minha atividade como investigador social passa, precisamente, pelas relações entre o espaço físico e o espaço social. Eu, atualmente, quase não leciono estes temas na Faculdade de Letras. Ou seja, um dos aspetos fundamentais da minha atividade. Não deixa de ser curioso, acabo por lecionar na Faculdade de Arquitetura temas essenciais da minha investigação, e onde nunca falta assunto… /
PARTE IV /
GF - Pois, em Letras também lecionas outras disciplinas.
VBP - Sim, em Letras leciono outras, de âmbito mais sociológico ou socio-histórico e político, com forte enfoque na problemática das classes e das desigualdades. Estes são domínios importantes da minha pesquisa, mas o recorte que se traduz na aplicação de conhecimentos em torno das relações entre espaço físico e espaço social acabo, hoje, por desenvolver mais na FAUP.
GF - Retomando a relação entre o espaço físico e o espaço social. Para a Arquitetura, para esta experiência aqui, vieste devido à proximidade que desenvolvias desde o teu doutoramento. Como é que tu e os teus pares comunicam? Continuas a proferir um discurso 100% sociológico? Ou és um professor de Sociologia que tem um discurso muito especializado e diferenciado? Acham que estás a falar como ou só com arquitetos?
VBP - Eu consigo fazer uma distinção, mas, em todo o caso, acho que a conjugação de saberes que se concentra em mim, pelo facto de lecionar na Faculdade de Arquitetura, é algo original. Um caso de amálgama? Não sei…. Sou algo suspeito, porque acho interessante aquilo que faço. Ainda assim, acho que os meus colegas de Letras percebem isso, que também estou em Arquitetura. O mais relevante a destacar será, contudo, que esta articulação entre a Sociologia e Arquitetura é inteiramente congruente. É, de resto, uma articulação muito frequente em Universidades de referência nacionais e estrangeiras.
GF - O Nuno Portas interessou-se por várias outras coisas, por exemplo também por tecnologia. Pode-se gostar de diversas coisas, mas também terá de haver interlocutores e atender a eles?
VBP – Eu acabo por ter. Tenho interlocutores especializados nos diferentes âmbitos, desde logo. Há colegas da Sociologia e das Ciências Sociais com quem tenho diálogos específicos destas áreas. Há outros, da Arquitetura, que têm preocupações próprias, que procuro acompanhar e com quem vou dialogando. Alguns, talvez sejam poucos, são capazes de entender com especial acuidade o que significa este cruzamento de saberes, mas, quando tal acontece, é muito produtivo. É muito original e é uma experiência muito rica. Bastante exigente também, na medida em que é preciso acompanhar universos de saberes que têm lógicas próprias e bem elaboradas. Mas se houver disponibilidade para ouvir e ler, consegue-se.
GF - Ficas grato por teres tido oportunidade destas diferenciações?
VBP - Sim, acabei por desenvolver coisas, que sempre estiveram no centro dos meus interesses e que seria mais difícil desenvolver a partir de uma posição mais estritamente centrada na Sociologia. Há uma série de coisas que se acaba por fazer, quase naturalmente, por força destes novos convívios. Estas articulações de saber ajudaram no resto. Algumas das pesquisas vão gerando estas investigações, mais intensas e precisas.
GF - Um nível de intensidade afinado permite diálogos multidisciplinares que, de outra forma, não seriam feitos.
VBP - Nós falamos muito em multidisciplinaridade, mas ela nem sempre é praticada e, entre outras coisas, o que isso permite é eu poder convocar pessoas com perfis de especialização distintos e elas convergem para diálogos que não são diálogos de surdos. Há diálogo e é diálogo que se traduz no afinamento dos olhares. Isso tem acontecido. Para concretizar um pouco o raciocínio, os estudos que fui realizando a partir da Sociologia sobre habitação social emergiram da necessidade de conhecer em detalhe o modo de estruturação das relações entre espaço social e espaço físico na cidade do Porto, que tem um papel relevante na história do país neste domínio. Fiz esses estudos em várias vagas de investigação, em fases anteriores à minha ida para a FAUP e em fases em que já lecionava na FAUP. Procurei que essa presença na FAUP tivesse um impacto na produção da pesquisa sociológica sobre a habitação social na cidade.
GF - Tem sido produtivo para ti e possivelmente para as duas instituições?
VBP - Para mim, seguramente. E espero, sinceramente, que seja também produtivo para as duas instituições.
…
GF- Montaram-se coisas, abordaram-se, expuseram-se.... Qual foi a tua experiência?
VBP - Tem sido uma luta, no melhor sentido da palavra. Um domínio onde se podem também retirar consequências é o que diz respeito às provas finais e às dissertações de mestrado. Têm sido experiências interessantes. Tenho conhecido jovens em Arquitetura, nas disciplinas em Arquitetura, muito interessantes e uma experiência muito rica.
GF - Como percecionas as competências de escrever dos arquitetos.
VBP - Um desafio que eu faço desde o início e para o qual alerto, é a necessidade de os estudantes dominarem a capacidade de escrever. Têm de saber escrever, e de saber desenhar e projetar, obviamente, mas também têm de saber colocar por palavras o respetivo pensamento. Esse compromisso entre a imagem e a palavra é fundamental. Alguns deles têm dificuldades, é verdade.
GF - Em Sociologia, na Faculdade de Letras não encontras igualmente algumas pessoas com dificuldade em escrever?
VBP - É, assim, às vezes acontece, mas é menos. Na Faculdade de Letras, onde leciono há quase trinta anos, houve momentos em que se encontravam estudantes com dificuldades de escrita, mas diria, e espero que a tendência não se inverta, que nos últimos anos encontro estudantes com um domínio mais alargado da escrita. Na Faculdade de Arquitetura, o que acontece é que há alguns segmentos dos estudantes que têm muita dificuldade, por não a cultivarem sistematicamente. Deve reconhecer-se, contudo, que há alguns, muito adultos, muito maduros e que têm muito boa capacidade de escrita. Aquilo que é preciso fazer é sempre um trabalho de socialização da escrita. Em certos casos, é difícil, dá muito trabalho, mas é algo que se cultiva, que se treina, e disciplinas como aquelas que leciono são excelentes para fazer isso.
GF - Bem, eu também dei aulas noutros locais/áreas. Mas na Faculdade do Porto por muitas dificuldades que alguns alunos possam ter, estamos sempre a lidar com pessoas que tiveram muito boas notas no secundário. Quem dá aulas noutros sítios acaba por reconhecer isso. Neste universo, os alunos adquirem coisas facilmente, porque são muito trabalhadores.
VBP – Isso é o que acontece. Alguns têm dificuldades em pensar e em escrever pensando, mas superam. E há casos muito interessantes, diria mesmo, inesquecíveis, de superação. Não me lembro de um ano sem ter um orientando na FAUP e em que, por isso, temos a possibilidade de acompanhar de perto a evolução da construção das competências. Alguns foram meus alunos, outros recorreram a mim por estarem interessados nos mesmos assuntos. Todos os anos eu tenho pessoas muito interessantes. É evidente que alguns fazem trabalhos notáveis. Surgem coisas interessantes e essa experiência é muito enriquecedora. Dá muito trabalho, obviamente.
GF- Alguns podem chegar com um bocadinho de dificuldades na escrita, enquanto outros não e mais em organizar e disciplinar o respetivo pensamento e/ou em montar um dispositivo de conhecimento em torno do mesmo.
VBP - Mas, em todo o caso, são experiências que foram sempre positivas. No doutoramento, neste momento, eu tenho duas orientações, uma que tu conheces bem, muito desafiante.
GF - Já passaram anos.
VBP - Tenho uma orientação, de um estudante galego muito criativo e que tem uma investigação muito interessante. E depois tenho uma série de coorientações, projetos diferenciados, mas necessitados de uma componente sociológica ou socio-histórica. Vários. Sob esse ponto de vista, o meu Seminário costuma também ter gente; houve alturas em que chegou a ter umas 18 pessoas, mas neste ano tem 8. É opcional e vai tendo procura.
GF – Pois, no doutoramento lecionei nessa dimensão.
VBP – No ano em que tive menos pessoas eram uns sete estudantes. Vai variando. Mas julgo que tem potencial e está montado ali à volta de temas que estimulam o pensamento sobre a realidade da produção e da apropriação do espaço. Tudo o que nós podemos fazer a partir daí, fazemos, para planear e valorizar pensamentos, e como há investigações que acabam por tocar aspetos que pedem forte componente social, o que eu tento fazer é demonstrar que existe todo um conjunto de dispositivos analíticos, já disponível e que entre outras coisas lhes facilita imenso a vida quando querem estudar aspetos até pequenos e concretos, da ordem material (já nem falo da política nem de outras coisas, onde essas componentes são fulcrais). Ajuda levar um arcabouço bem definido do ponto de vista analítico. Essas pessoas usam esses recursos analíticos para afirmar e afinar algumas das questões mais técnicas dos seus projetos de tese.
GF - Ajudam a situar bem o problema
VBP - Obrigando-os, sobretudo, a não ter de fazer tudo sozinhos. Há uma generosidade que vou encontrando sistematicamente nos estudantes de Arquitetura, e que é frequente nos que fazem estudos avançados de doutoramento, que os leva por caminhos muito exigentes. Como são generosos e corajosos, e estão habituados a trabalhar muito, não temem tarefas complexas. Algumas são mesmo muito exigentes e, por vezes, não beneficiam totalmente do caminho que, entretanto, as Ciências Sociais fizeram sobre determinados domínios, garantindo economias de esforço e precisão na análise. As Ciências Sociais são uma produção coletiva. Há que saber beneficiar desse esforço coletivo. É nessa perspetiva que o seminário está montado e tem sido uma experiência onde acabo por falar mais de Sociologia. Normalmente, no Seminário tenho alunos de vários perfis. Esta socialização do conhecimento sociológico sobre o espaço físico é uma coisa que tento fazer, quando pressinto que eles têm já uma ideia da tese. Quando tal não é possível, desenvolvo outras abordagens, de transmissão analítica mais sistemática.
GF - Encontrar um dispositivo analítico que os ajude a definir melhor o problema de tese que eles têm.
VBP - São sessões muito intensas, são, praticamente, seminários de um dia inteiro. Depois há todo um conjunto de trabalhos de alunos que decorre a seguir… /
PARTE V /
GF- Existem planos de estudos, com que se desenvolve o ensino e a formação dos arquitetos. No da escola, identificam-se várias colunas, que dividem áreas. Uma coluna é a do Projeto, da História, e da Teoria; outra coluna é a das Tecnologias. Outra coluna é a de Desenho e Geometria. Há algum feedback teu, etc.?
VBP - Quer dizer eu tenho uma noção. Essas discussões, já participei nelas em muitos sítios, inclusivamente em França. Lembro-me de estar em várias reuniões, em diferentes escolas, e sei que esta questão, entre arquitetos, tem sempre tendência para gerar grandes discussões. Dito isto, tenho dialogado sempre bem e de modo sistemático com colegas da FAUP provenientes dos diferentes grupos. Por outro lado, habitualmente as pessoas consideram de ordem técnica, consideram a Tecnologia como algo à parte, e, por isso, eu sei que as instituições têm tendência para funcionar na base de corpos separados. Importa, contudo, ter presente que as tecnologias estão inscritas numa divisão social do trabalho. Esta dimensão social das tecnologias permite que diálogos substantivos se desenvolvam também neste domínio… As pesquisas sociológicas em que tenho estado envolvido sobe a indústria da Construção beneficiam disso. Um bom aferidor desta capacidade de dialogar talvez se possa verificar também no modo como me vou cruzando com colegas de diferentes grupos do Centro de Estudos de Arquitetura e Urbanismo.
GF - Seria interessante se nós pudéssemos integrá-los pontualmente. Eu acho que a Teoria pode, por vezes, estar ligada a Projeto. Poderia ser produtivo, independentemente da possibilidade da existência de um pensamento teórico mais abstrato-formal, ou autonomamente desenvolvido. Ele, o Projeto, é tanto mais interessante quando nós ligamos ao aprofundamento dos questionamentos.
VBP - Lembro-me, a propósito de discussões que acompanhei em Faculdades de Arquitetura em França, de haver a expectativa de fazer uma tal articulação. De conseguir inscrever aquilo que habitualmente nós chamamos como da ordem da Teoria no trabalho dos professores de Projeto. Quando comecei a lecionar na Faculdade de Arquitetura, este tipo de questões era uma preocupação relativamente presente. Com o tempo, eu deixei de ver tanto essa preocupação e atribuo isso a uma espécie de evolução e de formalização dos planos de estudos. Atribuo isso aos próprios planos e às agendas próprias, normais, dos protagonistas e dos grupos disciplinares que constituem, que tendem a funcionar de formas distintas e que apelam, de modo quase inevitável, à especialização. Antigamente, quando comecei a lecionar na FAUP, parecia mais coeso. Reconheço, no entanto, que a Arquitetura, enquanto domínio formativo, consegue continuar a lutar por essa coesão, numa conjuntura académica geral que apela cada vez mais à especialização.
GF - Provavelmente, a evolução dos planos de estudo também expressa o desenvolvimento ou autonomia das áreas, a substituição dos agentes etc. Como é que tu ligas isso como sociólogo?
VBP – Por mais paradoxal que possa parecer, esta continua a ser uma das dimensões do trabalho que eu tendo a encarar com alguma esperança. Julgo que várias das dificuldades decorrentes destes processos poderão ser resolvidas pela supervisão de estudantes e pelo seu acompanhamento circunstanciado em sede de trabalhos de projeto, de preparação de dissertações e de teses. Quando se cruzam orientações e supervisões, há muitas destas coisas que acabam por ser ultrapassadas aí. Se estas possibilidades de trabalho não existissem e se não houvesse, sobretudo, a disponibilidade de alguns professores para fazer esse tipo de partilhas, esse trabalho seria mais difícil. Tenho receio que no futuro essas dificuldades aumentem, mas enquanto existir uma disponibilidade para cruzar saberes, tenho esperança.
GF - A especialização tem vantagens e desvantagens.
VBP - Não nego que a especialização é algo que pode ser positivo. O que me parece importante frisar é a necessidade de se ser capaz de aperfeiçoar o ponto de vista através da articulação com outros pontos de vista e de dar a volta. Agora, se não se o fizer, se não houver essa disponibilidade para articular, julgo que aí é que é grave.
…
GF - Uma família de áreas com relações complexas, uma comunidade mais nova, momentos de transição ao longo dos anos. Com Bolonha tudo passa por um processo de transformação. O desenvolvimento também teve aspetos positivos, como deixar de ser muito masculina, só portuguesa, etc., e incorporando algumas novas gerações etc.
VBP – A Faculdade de Arquitetura feminizou-se no plano dos discentes e também no dos docentes. Eu julgo que tenho uma particularidade. Julgo que vou conseguindo falar com toda a gente. Fui sempre entrando e conversando com outros colegas. Digamos que a geografia das pertenças e das posições, eu tento tomá-la, para que possa ser positivo para aquele perfil… Para tentar passar uma mensagem, ou um saber e procurar ajudar a construir perfis profissionais mais completos.
GF - Conheces e falavas também da Faculdade Letras.
Inclusive como sociólogo, como percecionas tais lógicas?
VBP - Julgo que vivemos numa fase da história das instituições de ensino superior em que é especialmente importante estar sempre atento. As situações que vivemos são exigentes, as instituições são complexas e os processos de decisão que as constituem têm de ser acompanhados. As dificuldades associadas a estes processos têm de ter um espaço de verbalização e de resolução. Sabendo disso, é importante poder falar sobre o funcionamento das instituições, objetivar problemas e enfrentá-los. E na Faculdade de Letras é igual. As instituições universitárias são, por definição, lugares difíceis. Não é por acaso que se associa ao funcionamento da academia uma certa sofisticação, no sentido tático e estratégico: quem é capaz de se habituar a viver na academia, está preparado para enfrentar múltiplos desafios ao longo da vida, por causa desse grau fino dos interesses que estão em disputa. Por outro lado, estamos na presença de pessoas que são hiperespecialistas na produção de discurso. E trata-se de pessoas que são hipersensíveis, habituadas a conhecer a partir de pequenos indícios…
GF - Num círculo de pessoas inteligentes em diálogo sistémico.
VBP - São lugares exigentes, difíceis, por definição, é essa perspetiva.
GF - Onde há interesses, nessa perspetiva, coisas complexas, finas e sofisticadas, bem como pessoas que muito delas são altamente habilitadas.
VBP - E que também são treinadas para isso, não é? Nessa perspetiva, as instituições, para serem fortes, precisam de objetivar bem os respetivos problemas e necessitam que se discuta e que existam espaços importantes de discussão dos assuntos que nela são pertinentes e elegidos como de relevo. Claro que há um problema aqui, neste momento, por força do desenho institucional a que as universidades estão sujeitas, hoje, muitos desses espaços são pouco povoados. Esses espaços de tomada de decisão. Os órgãos de representação são círculos mais fechados e isso deveria aumentar ainda mais a necessidade do alargamento da informação que circula, do conhecimento disponível sobre os assuntos, para que as pessoas estejam envolvidas. Mas esta lógica decorre do funcionamento das instituições universitárias.
GF - Há reuniões, claro que uns sabem mais e outros menos.
VBP - A informação circula pouco, está muito concentrada em pessoas que sabem muito e outros que sabem menos. Por isso, muitos dos processos são assim e isso não é inteiramente produtivo, bem pelo contrário. Não digo isto como diagnóstico acabado ou veredicto final. Mas há uma necessidade de aprofundamento democrático do funcionamento das instituições.
GF - O que podes dizer quanto a isso?
VBP - Eu digo e procuro envolver-me, trazendo estes assuntos para o centro da minha própria intervenção. Eu falo daquilo que vejo na FAUP, mesmo sendo mais pequena do que outras Faculdades. Eu identifico isto, por definição, na Universidade do Porto. Ou mesmo na FLUP.
GF - Com pouca participação ou envolvimento?
VBP - Quer dizer, a participação democrática não é tanto uma preocupação; há um segmento muito importante dos professores e dos corpos profissionais da Universidade que vota quando é chamado a votar, embora, evidentemente, a participação pudesse ser mais elevada. O problema mais premente, nesta fase, é que há uma série de órgãos responsáveis pelo funcionamento das instituições que funciona com dimensão reduzida, o que tende a aumentar o fosso entre quem está por dentro dos assuntos e quem está fora. Não apenas na Faculdade de Arquitetura, evidentemente. Estou a falar da Universidade, em geral.
GF – Votação, interessante.
VBP – Há abstenção, seguramente… Contudo, na Faculdade Arquitetura, na Faculdade de Letras e noutras Faculdades, as pessoas votam. A questão é que, quer dizer, é preciso algo mais do que votar. Era importante… Eu não estou a fazer uma crítica às pessoas, estou a dizer é que o atual desenho institucional representa pouco e concentra decisões em grupos restritos. Eu sei que isso é feito em nome de um princípio de eficácia. Mas estas pessoas e grupos restritos concentram em si múltiplas responsabilidades, que as cansam mais, evidentemente. Tenho a convicção de que com um bocadinho mais de redistribuição de responsabilidades, envolvendo-se mais gente, se contribuía para romper um certo sentimento de desfasamento, de não envolvimento, que, por vezes, muitos colegas têm. Não romper com este sentimento de desfasamento contribui para um certo mal-estar que nós encontramos nas instituições. Eu aqui não falo em particular da Faculdade de Arquitetura, falo um pouco daquilo que vou ouvindo, das Faculdades por onde circulo.
GF - Mas referes-te a grupos pequenos a concentrar responsabilidades?
VBP - No geral, vemos círculos pequenos. É um efeito deste modelo de governação.
GF – Todos conhecemos pessoas de outras Faculdades, áreas e histórias. Há fases, neste sentido, de construção.
VBP - Há graus de tensão que se encontram. Onde se percebe que há tensões, por vezes, duras.
GF – Quiçá por vezes dramatizações. Acho que os sítios demoram tempo…
VBP - Claro, depende dos momentos, e também das conjunturas. Quantas Faculdades têm de fazer grandes planos de restrição financeira e tudo o mais. Por exemplo, na Faculdade de Letras chegou a ser necessário fazer isso, e não era pequena essa tensão, obviamente.
GF - De um ponto de vista sociológico, Acho que podes ter uma leitura do que é um estudante de Arquitetura ao longo das duas décadas na Universidade do Porto. Do que é que se está a falar? São pessoas com carga crítica, uma comunidade interessante. Já falaste sobre instituições e professores, mas e os estudantes? /
Há algumas características que eu admiro muito nos estudantes. Pessoas empenhadas (ainda que alguns demasiado pelas notas), e há a pressão e o desemprego… Mas muito empenhados e há sempre uma grande expectativa pelo conhecimento.
VBP -. Os estudantes da FAUP estão sujeitos a cargas de trabalho muito significativas, têm, provavelmente, uma gestão do tempo mais relaxada nuns momentos e depois mais stressante e intensa noutros, a fazer entregas. Um cenário de exaustão…
GF- Há pouco tempo circulava uma…
VBP – Infelizmente, deve ser verdade. Não sei se tal resulta da falta de organização nos processos de estudo e de preparação dos trabalhos, ou se é mesmo exaustão pela vontade, empenho. Sei que essa componente de empenho, em picos de atividade, está, inevitavelmente, presente. Ainda há pouco tempo estava em Nantes a discutir um estudo sobre o uso do tempo pelos estudantes de Arquitetura numa Faculdade francesa e o cenário que os colegas estavam a descrever; era de grande intensidade, no limite vai até à exaustão, em ciclos produtivos de grande intensidade.
GF - Os alunos de Arquitetura conseguem ser apaixonados e empenhados.
VBP - Sim, entendo-o como uma relação amorosa com esta arte, na velha tradição do ofício. Julgo que ela faz parte dos habitus profissionais que os estudantes ali vão construindo. É gratificante e claro que, quando as pessoas gostam e têm essa capacidade, é gente altamente preparada e com grande capacidade de entrega. Habituada a pensar e a agir em termos complexos. Tal como com outras formações, necessitávamos de um mercado de trabalho mais denso e com maior capacidade organizacional para absorver profissionais com estas capacidades. /
PARTE VI /
GF - A historiografia oral consiste numa metodologia.
VBP - A história oral é uma ferramenta muito importante a que sociólogos e historiadores recorrem, e ela está codificada. Do ponto de vista metodológico, há um conjunto de referenciais habitualmente utilizado para a balizar. Há referências para te sentires confortável a usar. É inteiramente adequado que a utilizemos e que a cruzemos com a história das instituições. Podemos estar perante escolas, como uma Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto, e toda uma narrativa a propósito da construção da escola. De resto, os próprios arquitetos se têm encarregado disso, de construir e desconstruir esta história. Curiosamente, nem sempre o registo é feito por autores que sejam professores de outras escolas a propósito destas. Algumas histórias da Universidade do Porto estão por fazer. E seria interessante fazê-las.
GF - Há referenciais mais oficiais ou oficializados, por vezes internos, e menos visíveis.
VBP - Sim, quer dizer, oficial, como poderá ser a história da Universidade do Porto do Cândido dos Santos. Que vale a pena ler para ter os referenciais mais estabilizados. Estes são trabalhos muito fundamentados, feitos a partir de extenso trabalho de arquivo. Pensando na divisão do trabalho que é necessária para desenvolver uma tarefa como esta, depois, há várias histórias de instituições e de Faculdades que valia a pena, de alguma maneira, ir consultando. Algumas delas estão publicadas até pela própria Universidade do Porto. Do Jorge Alves, do Pedro Baptista, que escrevem, em registos diferentes, sobre várias histórias da Faculdade de Letras, em particular. A partir dali dá para perceber que tipo de caminho nós podemos fazer. Claro que eles utilizaram fontes documentais, mas o Pedro Baptista chegou a utilizar depoimentos orais também.
GF - Esta perspetiva poderá depois ser, até por, por outros, complementada com conjugação de fontes documentais.
VBP - Desde logo, aquelas que passam pelos arquivos da Universidade. Mais tarde, com fontes impressas e depois com estes documentos de história oral, quanto mais se conseguir conjugar essas diferentes fontes, mais intensa vai ser a análise.
GF – A história está construída por as pessoas, documentação por vezes confinada a próprios. Há intervenientes, algumas das fontes podem estar controladas, Deve se tentar que a história não seja enviesada. A história não é só uma, há vários lados.
Os anos de formação da faculdade estão refletidos numa história, uma história oficial ou oficializada
VBP - A história é sempre multidimensional, não há só um lado.
GF – A historiografia oral é uma forma possível de restituir algum tipo de informação, é uma tarefa trabalhosa e de onde podem resultar mais entendimentos.
VBP – Eu tenho uma estudante de Arquitetura, que está a fazer uma tese de doutoramento sobre o SAAL, Ana Catarina Costa, ela foi assistente na FAUP, e uma das coisas que ela tem estado a fazer e que é fundamental, a dada altura, neste caso quando se trabalha esses temas, é falar com o arquiteto e tratar os respetivos arquivos, mas é fundamental cruzar isso com outras fontes e aqui é importantíssimo ir à procura de algumas dessas fontes documentais também. É um trabalho extremamente árduo.
GF – Pois, na perspetiva de verificar aquilo que se diz.
VBP - Uma das coisas que ela fez, por exemplo, foi ver os programas e os sumários das aulas. O que é que ficou disso? Para isso, é importante, depois, consultarmos os arquivos da Escola Superior de Belas-Artes e da Universidade e tudo mais. Em particular, nesse período da transição para a Universidade, nós temos uma série de depoimentos orais, mas importa ver o que está no arquivo das Faculdades e da Universidade,
GF - No fundo para tentar dar depois mais consistência, Claro, que não se pode fazer isso para tudo, mas deixar algumas pistas para depois serem explorar vale a pena, É um exercícios que depois será produtivo fazerem.
VBP - Nessa altura, eu até falei sobre o arquivo da Universidade com o Gaspar Martins Pereira, que é nosso colega historiador e é especialista nestas questões de que estamos a falar. É um esforço que… Mesmo sendo um mar de documentos, é daquelas coisas que vale a pena fazer…
GF - Faz todo sentido o aprofundamento depois de algumas…
VBP - Por exemplo, o João Bénard da Costa concorreu, apresentou-se a concurso à Faculdade de Letras do Porto nos anos 60 e é afastado por razões ideológicas, coisa que uma pessoa só sabe se for aos arquivos e verificar o resultado do concurso e se cruzar estes elementos com os seus depoimentos e de outros que conheceram o processo. As decisões que foram tomadas e que têm propriedades precisas, tiveram consequências para o destino do indivíduo. E para a própria instituição.
GF - Por exemplo quando se lê uma ata de um órgão, as declarações para a ata, o que fica lá, vertido. as datas dos conselhos etc., não diz tudo, mas dá dicas para compreender as sementes de funcionamento institucional. Obter-se depois informações cruzadas. A história oral. Não é a história total.
Subscribe to:
Post Comments (Atom)
No comments:
Post a Comment