7/15/24

CONVERSA SOBRE ARQUITECTURA E ESCOLA DO PORTO _ MARÇO 2022 _ (Armando Ferraz com Gonçalo Furtado)

CONVERSA SOBRE ARQUITECTURA E ESCOLA DO PORTO _ MARÇO 2022 / (Armando Ferraz com Gonçalo Furtado) / PARTE I / I. / [GF] - Agradecer a disponibilidade… entraste na faculdade em 2000? [AF] - Foi talvez há 24 ou 25 anos… terá sido em 97, 98? [GF] - Formação em pintura. [AF] - Sim. [GF] - Esse background… como é que foste parar a artes? Contexto… quando entraste aqui… [AF] - Fiz as Belas Artes na antiga ESBAP, antes disso tinha frequentado a Escola Soares dos Reis... não sei precisar quando surgiu a vontade de seguir Belas Artes, mas foi muito cedo, ainda miúdo. Fui, durante alguns anos, professor do ensino secundário e simultaneamente professor em cursos livres de desenho, depois entrei aqui na Faculdade como assistente convidado. [GF] - Quando ainda o coordenador era o Alberto Carneiro no segundo ano e o Joaquim Vieira no primeiro. [AF] - Sim. Quando entrei, estive no segundo ano de Desenho com o Alberto Caneiro, e depois passei a estar também no primeiro ano com o Joaquim Vieira. [GF] - E nessa altura quais eram os colegas? [AF] - Penso que, na altura, eram o José Grade, a Luísa Brandão, o Vítor Silva (que, quando entrei, estava de licença), o Pedro Maia, a Marta Seixas... [GF] - O Paulo Frade? [AF] - Já não estava cá quando eu entrei. [GF] - O Carneiro. Deve ter saído no ano a seguir. [AF] - Sim... eu só estive com ele no meu primeiro ano. [GF] - Como é que recordas esse ambiente dessa altura? [AF] - Tenho muito boa impressão da Faculdade dessa altura... [GF] - Era uma altura em que havia um espírito... na altura do Domingos Tavares as coisas resolviam-se quase no bar. Ele estava sempre a assinar papéis no balcão do bar. [AF] - Sim... [GF] - E conhecíamo-nos todos!… [AF] - Sim, sim... [GF] - Vinhas das belas artes… [AF] - Sim... [GF] - Tínhamos outra “organização”... comparado com esta burocracia que temos atualmente… [AF] - Pois é.. [GF] - Éramos muito recentes como Faculdade… [AF] - Sim, sim. [GF] - Vindo de Belas Artes, achavas porreiro? [AF] - Sim, achava. Acho que as formalidades e burocracias aumentaram, tudo se tornou mais competitivo também, tenho essa sensação. [GF] - E as avaliações dos professores. É um dos mecanismos desta coisa burocrática… [AF] - Sim... não quero dizer que esteja, à partida, contra qualquer ideia de avaliação de professores... simplesmente não me parece funcionar, nos moldes actuais. As avaliações dos professores, tal como estão pensadas, não servem para grande coisa, não é?... ainda por cima, parecem minimizar uma série de aspectos pedagógicos importantes... e penso que podem promover uma acção dos professores mais individualista. De qualquer forma, admito que não é fácil ter um plano ideal para isto... [GF] - Algumas faculdades discutem se se devem pôr à margem dos rankings… [AF] - Sim, as avaliações das faculdades, e das escolas em geral, também têm as suas limitações. Permitem ver algumas coisas, é certo, mas também encobrem muitas outras... com a agravante de que, ao não considerarem certas particularidades e especificidades, tendem a levar a leituras erradas. Mas o que me parece pior nisto tudo, é viver-se num certo clima de obsessão em relação a estas classificações, a estes rankings... este clima tende a deixar para segundo plano as reflexões que verdadeiramente importam sobre o que deve ser o ensino, e o que deve ser cada escola em particular, com as suas diferenças e peculiaridades. [GF] - O ambiente era mais descontraído. [AF] - Nesse ponto de vista, sim! Não tínhamos este cutelo, não é? [GF] - Mas em que momento houve essa mudança? [AF] - Terá sido uma coisa progressiva... Não se pode dizer que começou no dia x ou y… mas claro que tem a ver com uma serie de exigências de uniformização de Bolonha... [GF] - Bolonha, teve a ver com uma série de novidades. [AF] - Que foram surgindo e impondo novas regras no funcionamento das carreiras dos docentes, e por aí fora... penso que também terá contribuído para o actual contexto de precariedade dos professores convidados. [GF] - Quando é que mudou? [AF] - Acho que foi em crescendo... Passei a ter uma maior consciência sobre a insegurança em que vivem os professores convidados quando passei a estar nessa situação - a insegurança, neste caso, tem, sobretudo, a ver com o facto das contratações serem anuais, e os convidados não terem nenhuma ideia do que vai acontecer no ano seguinte... essa ansiedade è terrível! [GF] - As avaliações dos professores começaram há poucos anos, não foi?, remetem a 2008. [AF] - Foi? [GF] - Portanto, eu não sei se aconteceu contigo... eu tive que ser avaliado 10 anos... [AF] - Não sei... acho que os professores convidados são avaliados há 3 anos, mais ou menos... [GF] - Se quiserem, ou é obrigatório? [AF] - É como com os outros professores – o formato é exactamente o mesmo. [GF] - Os itens são exatamente os mesmos? [AF] - Sim, são os mesmos. [GF] - Mas por exemplo, exigem-te investigação? Não? Exigem-te prática artística. [AF] - A investigação e a prática artística fazem parte da avaliação. [GF] - O que é que conta como item de investigação para um professor?... Por exemplo, posso apresentar uma exposição como sendo um? [AF] - Sim, sim. [GF] - A produção artística com a mesma valorização que um texto ou coisas desse género? [AF] - Não tenho memorizados os diferentes itens e o valor de cada um deles... [GF] - Mas pensei que os professores convidados não tinham de todo… Por exemplo, apresenta-se um projeto de arquitetura como produção artística, mas julguei que não tinham qualquer obrigação de dizerem se tinham escrito um livro ou o quer que seja… Mas não, tu tens os mesmos itens exatamente… [AF] - Exatamente, sim. [GF] - Compreende vários itens. O da relação com a comunidade, Transferência de conhecimento... São 4 itens. Pedagógico?... [AF] - Pedagógico, sim, também, - é igual. [GF] - Científico-artístico?… [AF] - É igual. Sim. [GF] - Gestão de cargos?… (riso). [AF] - Sim! Mas... se os professores convidados não podem exercer uma série de cargos que só podem ser assumidos pelos professores efetivos, então estão, claro, numa situação de desigualdade. Além do mais, é, por si só, absurdo, que os professores contratados, por exemplo, a 3O% ou a 4O%, estejam a ser submetidos ao mesmo tipo de critérios de avaliação que os outros professores. [GF] - Como houve esta coisa do COVID, tivemos este ano a possibilidade de ficar com a mesma avaliação de há 2 anos. [AF] - Sim, eu optei por essa possibilidade./ II./ [GF] - Há bocado perguntava-te da disciplina de Desenho I do Joaquim Vieira, que terá estado até… [AF] - Não me lembro ao certo o ano em que o Joaquim Vieira saiu e em que a regência do primeiro ano passou para o José Maria... [GF] - O Vítor está há… [AF] - O Vítor está como regente de Desenho II desde que o Alberto Carneiro saiu. [GF] - Está há muitos anos. [AF] - Logo após a saída do Alberto Carneiro, o Vítor passou a regente do segundo ano - por isso, estará com a regência há uns 23 anos... mas... espera... agora estou na dúvida se o Joaquim Vieira não terá acumulado as regências do primeiro e do segundo durante um período, logo após a saída do Alberto Carneiro... talvez não... bem, já lá vão uns anos, não me lembro... [GF] - Mas qual é a diferença de pedagogia das disciplinas e dos três? [AF] - As disciplinas de Desenho do primeiro e do segundo ano têm programas e propostas de desenvolvimento completamente diferentes. No ano em que estive com o Alberto Carneiro, Desenho II chamava-se “Desenho da Arquitetura – e penso que se chamou assim durante muito tempo. O que quero dizer é que o próprio nome da disciplina realçava diferenças entre os dois anos, o primeiro e o segundo. Porque Desenho I remete à ideia de ano introdutório, preparatório, mais geral. O primeiro ano está associado à prática da observação direta do real explorando diferentes procedimentos gráficos, técnicas e temáticas; o segundo é vocacionado para um aprofundamento do desenho como prática de investigação e descoberta na atividade projectual. Sob o ponto de vista teórico-prático, o Joaquim Vieira e o Vítor Silva têm formas muito distintas de ver e de conceber o desenho, mas aprendi muito com ambos, assim como com o Alberto Carneiro. [GF] - O professor Alberto Carneiro estava sempre na aula. [AF] - Estava sempre. Eu nunca estava sozinho com a minha turma, estava sempre com ele. Pode dizer-se que fui, realmente, assistente das suas aulas, não é? [GF] - Ah. [AF] - E, sim, achava interessante a provocação que o Alberto Carneiro promovia junto dos alunos (em que eu, professor “principiante”, participava timidamente...). Fiquei impressionado com a veemência com que defendia certas ideias - o que me levou, na altura, a ler com curiosidade a sua prova de agregação, não me lembro exactamente do nome, qualquer coisa como “Campo Sujeito e Representação(...)”. [GF] - Paralelamente ao “Campo Sujeito e Representação(...)” do Alberto Carneiro, existe também outro livro feito pelo Joaquim Viera. O Desenho do 1º ano está muito ligado à experiência do Joaquim Vieira. [AF] - Sim, e às suas convicções sobre o que o primeiro ano devia ser e sobre o que o desenho em geral devia ser. Está muito ligado à sua prática pedagógica e à sua imensa experiencia como regente do primeiro ano. O programa atual de Desenho I é a continuação do programa do Joaquim Vieira, com alguns ajustes pontuais. [GF] - O Desenho II está muito ligado à experiência com o Carneiro ou o Quadros, e depois o Vítor. [AF] - Nunca conheci o António Quadros, ele deixou de ser professor muito antes de eu ter entrado na Faculdade. Quanto ao Alberto Carneiro, sim, acho que deixou uma marca muito forte na atual disciplina de Desenho II. E penso que o Vítor Silva é, de alguma forma, um continuador de algumas das ideias e práticas do Alberto Carneiro, mas com um estilo totalmente diferente, acrescentou-lhes outra envolvência teórica... [GF] - E eles… Os arquitetos, têm esta conversa sobre o desenho ser muito importante... para o ensino do desenho… no projeto… Por vezes quase associando a escola do Porto também ao desenho… O que é que tu achas disso? [AF] - Sim. Não há “um” Desenho, há “múltiplos” Desenhos, não é verdade? O desenho, como a escrita, por exemplo, é uma atividade múltipla, extremamente diversificada. Escreve-se com diferentes objectivos, desenha-se por razões e para fins muito diferentes. Na arquitetura, como noutra atividade projetual, o desenho pode ser utilizado com intenções muito diferentes: desenha-se para ver, desenha-se para imaginar, desenha-se para comunicar, por aí fora... A natureza do desenho altera-se de acordo com os diferentes momentos do processo. Isto também acontece fora do domínio da arquitetura. Claro que, neste universo tão vasto de possibilidades em que as funções e utilizações do desenho são múltiplas, diversas, a própria palavra “desenho” pode associar-se a coisas muito diferentes. É comum não se saber ao certo ao que o outro se refere quando usa esta palavra, não é?... digo isto para contextualizar um pouco mais a questão... Respondendo diretamente à tua pergunta... sim, nesta escola é dada muita importância à prática do desenho – quer pelos professores de Desenho, quer pelos professores de Projecto. Penso que a associação que se faz da Faculdade de Arquitetura do Porto ao desenho provém do nível de exigência dos professores destas duas disciplinas. Também terá contribuído para isso a divulgação de desenhos de arquitectos associados a esta escola, penso eu... E é curioso, porque muitos estudantes Erasmus chegam, de facto, com ideia de que o desenho tem, aqui, uma grande importância, muitos deles procuram matricular-se nas disciplinas de Desenho. [GF] - O desenho pode ser múltiplas coisas? [AF] - Sim, o desenho pode ser múltiplas coisas. Acho correcto dizer-se assim. [GF] - Desenho I como representação do real e Desenho II como representação e imaginação. [AF] - Desenho I como representação, como atuação gráfica, técnica e expressiva; Desenho II como campo de especulação espacial, como campo de exploração do imaginário - diria assim, para simplificar. [GF] - Os professores de Projeto, quando falam de desenho, estão a falar da concepção arquitetónica. [AF] - Sim, e, nesta faculdade, a concepção arquitetónica implica esta palavra “desenho”, não é assim? Esta palavra é usada desta forma. Também é usada como “o desenho deste espaço”, “o desenho deste edifício”, “o desenho desta rua”... [GF] - E o desenho no ensino da arquitetura, também falando no futuro, como é que... como é que tu vês isso? [AF] - ... [GF] - A propósito da conversa de Bolonha, têm havido várias transformações nos planos de estudo. [AF] - Sim. [GF] - Como é que tu vês a história destes 20 anos? [AF] - Concretiza mais a pergunta... [GF] - Eu não sei que transformações… [AF] - O Desenho do segundo ano mudou muito porque a sucessiva redução de horas da disciplina tornou inviável o desenvolvimento de uma série de matérias que antes tinham outro aprofundamento. No Desenho do primeiro ano, a redução de horas não foi tão significativa e, por isso, o desenvolvimento das matérias não foi tão prejudicado. [GF] - Houve um período que se reduziram as aulas de Desenho para 3 horas, com 1 hora extra... [AF] - Sim, houve um ano ou dois, talvez, em que isso aconteceu. Mas depois chegou-se à conclusão que não funcionava e as aulas passaram a ser novamente de 4 horas. [GF] - Penso que tem havido uma redução do número de aulas ao longo do ano em muitas disciplinas. [AF] - Ou seja, o ano letivo passou a acabar mais cedo, e com mais paragens pelo meio - Perdemos aulas, sim! [GF] - Pois… Acho que isso não aconteceu assim de repente, mas progressivamente… [AF] - Sim, sim. A sensação que tenho é que, de ano para ano, perdemos mais aulas. [GF] - E continua a haver esse discurso de que não há tempo para nada ou para tudo o que se fazia… [AF] - Pois... [GF] - Menos tempo de trabalho. Menos corpo docente? [AF] - Sim, sim... [GF] - Nestes anos, contactaste com centenas de alunos que se formaram nesta área. O desenho integrou a formação. A escola tem entre outras esta especificidade... [AF] - Sim, tem. [GF] - E até se “vende”, e estuda isso… No estrangeiro há pessoas que olham para a forma como se desenha nesta faculdade, etc. E por vezes identificam-na com o Siza, que desenha muito… Dentro da escola, criou-se uma pedagogia projetual… que é muito através do desenho… [AF] - Sim! [GF] - Como é que tu vês este contributo? Porque há escolas onde nem sequer se desenha … ou que não se atribui ao desenho qualquer importância... [AF] - Sim, há. Mas acho esse contributo determinante. [GF] - E isso tem sido uma das especificidades desta faculdade…. Foi sendo associada, durante muito tempo, também a isso. [AF] - Sim, essa ideia tem, de facto, contribuído para que a Faculdade usufrua de uma opinião externa muito favorável. E essa também será uma das razões que faz com que tantos estudantes a procurem. [GF] - Num mundo global vingam as especificidades, as particularidades, as diferenças… ou, pelo menos, pode ser o que mais seguramente assegura visibilidade, etc. [AF] - Sim! Num tempo em que tudo parece tender para um certo nivelamento, não é?... Acho que as faculdades que marquem uma posição forte, que consigam manter características próprias, terão vantagens sobre as outras, e talvez se venham a destacar nessa tendência de nivelamento geral – isto se se julgar importante ter projeção internacional, claro... [GF] - Então, se identificarmos aqui o desenho como uma das especificidades de uma certa tradição da escola e não sei o quê… Manter isso, para ti, seria uma questão também de sobrevivência da escola? [AF] - Não diria “sobrevivência”, mas “afirmação”... Sim, acredito que sim. Não será a única coisa... nem o desenho se pode resumir ao desenho manual, não é? O desenho manual continua a ter a sua potência original, que não deve ser menosprezada, e continua a ser, na sua simplicidade técnica, o recurso de muitas áreas da criação... mas isso não é tudo, naturalmente... [GF] - E em relação ao número de alunos?... aumentou o número de alunos, em determinado momento. [AF] - Sim, parece que sim. [GF] - Entravam 60 e passou a entrar quase o dobro... [AF] - Pois... a sensação que tenho é que, em contrapartida, parece discutir-se, mais do que nunca, e em primeiro lugar, a necessidade de se reduzir o corpo docente... [GF] - Argumentos economicistas. [AF] - Sim. Mais isso do que propriamente... [GF] - Do que a questão cultural. [AF] - E do que a própria qualidade, em si. Parece que ninguém quer falar de qualidade atualmente, e parece que as faculdades seguem a tendência... [GF] - Mais recentemente houve reuniões onde já se ouviu “vamos reduzir isto e aquilo” com argumentações iniciais de foro economicista. Quase temos de o fazer “senão vamos entrar na bancarrota”, coisas deste género… [AF] - Sim, e imagino que esse discurso terá aumentado nas faculdades, seguindo uma tendência geral decorrente de muitas pressões dos governos... [GF] - Há a ideia atual de que as faculdades têm que ser rentáveis, passou a haver rankings. [AF] - As classificações das faculdades estão quase sempre associadas a critérios economicistas e demagógicos... Depois, baseiam-se em princípios que tendem a uniformizar e a reduzir tudo ao mesmo... sem considerar as especificidades e particularidades de cada caso... Sem atender também a uma série de fenómenos de ordem económica e social que escapam à responsabilidade de cada faculdade. Esta simplificação é problemática porque, na sua cegueira, abre campo a conclusões generalistas e aproveitamento de interesses meramente económicos. [GF] - Pois, isso é o problema da cultura e dos 2% do PIB... [AF] - É… Imaginemos que a Faculdade de Arquitetura tem menos alunos, menos procura, mais gastos, etc., do que a Faculdade de Engenharia.... Imaginemos que a Faculdade de Arquitetura até dá prejuízo ao estado e a Faculdade de Engenharia, pelo contrário, dá muito lucro... E agora? Vai exigir-se que a Faculdade de Arquitetura se equipare à Faculdade de Engenharia? Mas não se pagam impostos para garantir o funcionamento das instituições que se consideram importantes para o país? Ou a Faculdade de Arquitetura, porque dá prejuízo ao estado, é menos importante para o país do que a Faculdade de Engenharia? [GF] - Pois!... o estado não pode excluir a cultura que não seja rentável - os museus, o ensino artístico e por aí adiante, não é? Faz parte da civilização… [AF] - Claro! Mesmo que pouco rentáveis no imediato. Mas as visões são curtas... parece que tudo o que não é instantâneo interessa pouco... . Teria que ser o estado e os seus governos a definir estratégias consistentes a longo prazo. Isto é um lugar comum, mas é verdade. [GF] - Eliminam o latim do ensino secundário, e coisas assim… E então já ninguém sabe latim!? [AF] - As classificações das faculdades... a faculdade que tem, ou não tem, procura; a faculdade que dá, ou não dá, lucro... a faculdade que está mais acima ou mais abaixo nisto ou naquilo… faz tudo parte de uma obsessão por resultados imediatos dos tempos de hoje, não é? [GF] - Tão homogéneo… Homogeneização… Esse discurso da rentabilidade, da produtividade, da avaliação, do ranking tornou-se mais intenso. [AF] - Sim! [GF] - Como tu dizias, o contexto económico também mudou. Numa perspectiva de esquerda deve haver mais a ideia de ser o Estado que sustenta o ensino… e isso tem os seus dias… [AF] - Pois... [GF] - Isso parece, para o bem e para o mal, que tem os seus dias contados… [AF] - Sim. A questão é saber se é possível contrariar a tendência. [GF] - Tem que se tomar uma posição quanto isso... [AF] - Penso que sim. [GF] - Independentemente do curso ser este ou não, não se tem de acompanhar em tudo o curso da história (risos)… [AF] - Pois, há que tentar! III. [GF] - Olha, no grupo de desenho há várias matérias. O curso sempre foi estruturado em áreas científicas, sendo uma delas o desenho , que engloba várias coisas, não é? Também no grupo de desenho se encontra englobada a geometria e outro género de coisas… [AF] - Por defeito, quando falo no grupo de Desenho refiro-me ao grupo de professores que dão aulas de Desenho, não aos professores que dão aulas de Geometria - são considerações enraizadas que surgem sem sequer pensar... [GF] - No Desenho estão englobadas outras disciplinas, por exemplo o AutoCAD... (penso que já não estão, porque se tornaram opcionais, ou se calhar nunca estiveram)... [AF] - Sim eu sei. Mas, como te disse, tendo a associar o Desenho às disciplinas de Desenho 1 e Desenho 2. [GF] - Tu chegaste a conhecer o Fernando Lisboa? [AF] - Sim, cheguei… [GF] - Até tinha bastante proximidade, penso eu, ao Vítor… [AF] - Sim, talvez. [GF] - Sobre a forma dele pensar o desenho, e os computadores… [AF] - Sim, identifiquei-me com a sua opinião sobre a utilização do desenho digital. [GF] - E como é que tu vês esses desenvolvimentos? Em geometria, houve primeiro cadeiras que faziam geometria perspética… Monge… Havia essa no 1º ano, a regente era a professora Alcântara e depois passou a ser o João Pedro Xavier que actualmente é diretor da faculdade. [AF] - Sim... [GF] - Neste momento, acho que há em mais anos, opcionais, ou com outras designações. [AF] - Não sei... [GF] - Mas nunca sentiste proximidades entre as áreas? [AF] - Sim, claro que há proximidades, há matérias comuns nas duas disciplinas, mas as abordagens são completamente diferentes. [GF] - E também há umas opcionais, como Fotografia, com o Pedro Leão, que também já teve em AutoCAD. Com isso também não tens relação? [AF] - Não conheço o conteúdo desta opcional. Mas parece-me interessante haver a disciplina de Fotografia num curso de arquitectura - um arquitecto está sempre a trabalhar com imagens, não é? [GF] - Quando tu entraste, ainda havia aqui um laboratório, acho eu... [AF] - Havia? [GF] - Era mais da associação de estudantes, mas depois passou para a faculdade o equipamento… [AF] - Sim... [GF] - E eu lembro-me que a faculdade tinha um funcionário “fotógrafo” que era o Joaquim… (risos). E havia arquivos de fotografia, e um laboratório que se podia alugar e usar... [AF] - E não faria sentido continuar a haver esse laboratório, apesar da simplificação da fotografia digital? E, por exemplo, não faria sentido haver, na Faculdade, uma oficina bem equipada para construção de maquetas mais elaboradas e para desenvolver outros projectos? Por vezes vejo os alunos a construírem coisas nos pátios exteriores sem o mínimo de condições. Nas Belas Artes há oficinas bem equipadas com máquinas e ferramentas. Não faria sentido haver aqui, também, um espaço de oficina para os estudantes? Não deveriam os estudantes de arquitetura ter uma relação mais próxima com os materiais? [GF] - A manualidade, não é? [AF] - É. Não só, mas também. Não sou nada saudosista em relação à manualidade, acho é que, em qualquer formação, é melhor ter acesso a um maior número de práticas, sem preconceitos ou discursos de supremacia de umas sobre as outras. [GF] Sim. / IV. / [GF] - Já agora, só mesmo para acabar… Esta experiência do COVID… Dos últimos 2 ou 3 anos. [AF] - Sim... [GF] - Se nós pensarmos antes tivemos vacas loucas, depois tivemos troikas, depois tivemos não sei quê… Tivemos uma pandemia há poucos anos, agora estamos com a guerra na Ucrânia… Como é que tu viste este período, não só em termos sociais, mas em termos de ensino da arquitetura? foi muito desafiante e também muito… Vocês, particularmente, devem ter sentido uma… [AF] - Sim, a pandemia, o confinamento, foi tudo um problema, e os professores de Desenho foram colocados perante muitos dilemas. Questionamo-nos de que forma poderíamos dar continuidade ao programa de Desenho programado, como abordaríamos o desenho de espaço estando os alunos confinados, que exercícios propor sem cair em repetições monótonas? [GF] - Estando eles a desenhar em casa. [AF] - Sim, estando eles a desenhar em casa... [GF] - Utilizaram a fotografia para mostrar os desenhos… e como é que tu vias a expressão no desenho? [AF] - Percebe-se muita coisa através das fotografias, mas, naturalmente, não é a mesma coisa como ver os desenhos ao vivo... [GF] - Houve muitas situações distintas, ao longo destes dois anos. Houve situações de absoluto isolamento, depois de isolamento parcial em certos momentos... [AF] - Mesmo nos momentos de total isolamento, acabámos por poder ver os desenhos no final do ano, o que ajudou a ter uma visão mais realista dos trabalho desenvolvido. [GF] - As pastas deviam ser deixadas… [AF] - As pastas foram deixadas na Faculdade no final do ano. Mas durante os períodos de confinamento, os estudantes tinham que carregar as imagens dos seus desenhos numa drive e desta forma, os professores, durante as aulas online, puderam comentar o trabalho que cada um ia desenvolvendo. [GF] - Os alunos, em todas as aulas, punham os desenhos na drive. [AF] - Sim, sim... mas.. claro que não foi tudo uma maravilha... No início, foi um processo complicado... muitos deles não sabiam fotografar os desenhos... havia desenhos fotografados de lado, em cima da cama, estás a ver? (risos). Muitas vezes não dava para perceber rigorosamente nada! Enfim... depois as coisas foram-se afinando... [GF] - Ver um desenho ao vivo não tem nada a ver. [AF] - Sim. Quando vimos os desenhos ao vivo tivemos, por vezes, percepção diferente de certas respostas. [GF] - Ah. [AF] - Foi uma limitação com que tivemos que lidar. Mas o desenvolvimento de matérias adaptadas a esta realidade teve, por outro lado, muitos aspetos positivos. Obrigou-nos a desenvolver uma série de exercícios de recurso que tiveram bons resultados e que ampliaram a nossa perspetiva sobre exercícios a desenvolver no contexto de aulas presenciais. [GF] - Vocês tinham exercícios de desenhar na rua… e coisas assim… [AF] - Não se desenhou na rua nesse ano, claro!... Tivemos que inventar alternativas. Em vez de uma praça ou de uma rua, desenharam-se relações espaciais entre objectos. [GF] - Aprenderam no isolamento desde o seu quarto. [AF] - Sim, propusemos muitas variantes para que fosse sempre possível, a partir de casa, explorar novas matérias. Foi um desafio. [GF] - É… [AF] - E fez-se o blog “Finestra Desenho”, que corresponde a um arquivo de desenhos feitos durante a pandemia. [GF] - O blog que fizeram como arquivo de desenhos “Finestra desenho”. [AF] - Sim. Onde se podem ver as matérias desenvolvidas durante este período. [GF] - Pois... Mas estás mais confortável, agora que retomámos? [AF] - Ah!, sim, claro! [GF] - Foi um desafio. [AF] - Foi um desafio... dentro das limitações, claro. [GF] - Mas não é uma solução? [AF] - Não!, nem pensar, nem pensar... [GF] - Mas houve coisas que trouxeram desses dias para as aulas de hoje. [AF] - Houve experiências positivas que inspiraram exercícios que hoje desenvolvemos. Mas, claro, agora com outras possibilidades. [GF] - Bem, Armando, acho que te vou deixar. [AF] - Ok, vou para a aula...

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