3/21/23

O ESPAÇO/FICÇÃO E NUNO CAMARNEIRO

O ESPAÇO/FICÇÃO E NUNO CAMARNEIRO Gonçalo Furtado No concernente ao tema “espaço/ficção”, interessa recordar a abordagem de Nuno Camarneiro em ciclo na FIMS – onde foi o palestrante convidado de uma primeira conversa ocorrida a 18 de Março de 2023, explicitamente intitulada “O Espaço da Escrita”. Como apontamento biográfico, sumariza-se: “Nuno Camarneiro nasceu na Figueira da Foz em 1977. Licenciou-se em Engenharia Física pela Universidade de Coimbra, trabalhou no CERN e doutorou-se em Ciência Aplicada ao Património Cultural pela Universidade de Florença, Itália. Foi investigador no Departamento de Química da Universidade de Aveiro e é actualmente docente da Escola das Artes da Universidade Católica do Porto e investigador integrado do CITAR (Centro de Investigação em Ciência e Tecnologia das Artes). Em 2011 publicou o seu primeiro romance, No Meu Peito Não Cabem Pássaros, em 2012 venceu o prémio Leya com o romance Debaixo de Algum Céu. Em 2015 publicou o livro de contos Se Eu Fosse Chão e em 2018 publicou o seu mais recente romance O Fogo Será a Tua Casa. Publicou ainda três livros infantis: Não Acordem os Pardais, O Que Veem as Estrelas, e A Casa das Perguntas.É autor e co-autor de diversas peças de teatro, entre elas Ainda Hoje Era Ontem (Teatro Académico Gil Vicente, 2015), Eu, Salazar (Teatrão, 2018), O Que Vêem as Nuvens (CCB, 2020), Amanhã ou Depois de Amanhã (Comédias do Minho, 2021) e Ónus (Convento de São Francisco, Coimbra, 2022)”. Fig - Nuno Camarneiro Interessando atender às palavras de Camarneiro, avançadas em sinopse no âmbito do ciclo do FMIS: “ ‘Uma história são pessoas num lugar por algum tempo’, assim começa o romance Debaixo de Algum Céu, que escrevi em 2011. Onze anos passados revejo-me ainda na afirmação e dou igual valor às três premissas necessárias para que uma história aconteça: Pessoas, lugares e tempo. O lugar é o palco onde as vozes, as acções e o drama podem acontecer, onde se confrontam e mostram, num diálogo difícil e profícuo entre exterior e interior. Falemos então desses lugares e das múltiplas e complexas geografias da ficção”. A abordagem do autor no âmbito do FIMS surgiu então sumariada como infra: “… Nuno Camarneiro, cientista e escritor, em diálogo com os organizadores/moderadores, Gonçalo Furtado e António Oliveira, falou do conceito e da sua apropriação enquanto ferramenta de compreensão do real e simultaneamente mecanismo de criação. Partindo do seu percurso, da sua obra escrita e dos seus autores de referência, abordou as múltiplas aceções do espaço: real, simbólico, imaginário, do jogo de espelhos que sempre se estabelece entre a construção teórica e a experiência individual, social e política do mundo. Neste território comum à literatura e à arquitetura, com as suas interseções e transposições, contrapôs a liberdade ficcional da escrita e o seu potencial antecipador de outras realidades, ou até mesmo o exercício sinestésico de quem lê, aos constrangimentos inerentes à sua objetualização, à projeção do arquiteto, até quando esta permanece idealizada. Falou-se da memória e dos modelos que vão filtrando a nossa perceção do espaço e da forma como este, nas suas diferentes escalas, vai ditando as nossas vidas, sem deixar de referir a recente experiência de confinamento e a globalização do imaginário que marca o nosso tempo”. Fig – sessão 1 No meu entendimento, interessa salientar-se relativamente a este autor, sua abordagem e sua obra, alguns aspectos. i. Biograficamente, como já aludido, Nuno Camarneiro nasceu a 17 Agosto 1977, de pais provenientes de Montemor o velho, sendo irmão de Marco e Rita Camarneiro. Em 2007, formou-se e, engenharia física pela Universidade de Coimbra, e em 2010 doutorou-se em Forneça na área da ciência aplicada ao património cultural. Realizou Posdoc na Universidade de Aveiro, tendo em 2015 passado pelo CERN – organização europeia para pesquisa nuclear. È certo que num seu curriculum vitae constante da plataforma CienciaVitae constam cerca de três dezenas de comunicações científicas (papers e posters). Mas no entanto e não curiosamente, todos os livros ali enumerados são antes de foro literário. Actualmente é investigador e professor convidado em Escola de Artes, da Universidade Católica do Porto. Fig. Nuno Camarneiro, 1990s. (Fotos GF). ii. Focando o conceito de espaço com o ofício do autor, a relação depara-se com uma convivência entre ciência e arte, o que recorda discussões como a dos anos 60s de CPSnow, acerca da distinção entre duas culturas, as humanidades e as ciências, ou entre as artes e ciências sociais e as ciências exactas. O ofício da escrita de Camarneiro ocorre nessa oscilação entre a extrutura/ciência exacta da Física (ainda que numa aplicação ao mundo cultural do património), possuindo latente interesse por uma escrita dirigida à divulgação científica. Simultaneamente desenvolve a artisticidade da escrita literária, interesse nascido da ávida leitura desde tenra idade. No mundo da ciência, o conceito “espaço” remete para as reiteradas tentativas de descrição do mundo. Por exemplo pela mecânica de Newton, bem como posteriormente por Einstein numa escala micro ou macro escala distante do quotidiano do homem. Já do ponto de vista filosófico, de um absoluto em Kant a um rizomático em devir em Deleuze. iii. Em termos de referências literárias, as referências de Camarneiro são variadas. Incluiem autores com proximidade afim área da arquitectura - de Italo Calvino a J Luís Borges – mas poucas pistas nos deixam para além do privilégio pelo género do conto. Se em termos da história da literatura, às grande narrativas e interpretações sociais se sucedeu experiências modernas de um Pessoa ou outros, a pós-modernidade diversificou-se simultaneamente em expressões individuais e independências geográfico-culturais. Curiosamente, para a sessão do ciclo da FIMS, sugerira-se o termo “ficção” em vez de “escrita”. A ficção engoba os espaços, recordando-se a título de mero exemplo, o género da ficção científica desde o entre-guerras, ou a Banda-desenhada academizada no Pratt Institut. Ora, como bem salientou Luís Urbano , também o próprio ofício da arquitectura é em si mesmo ficção. Neste sentido, poder-se-ia ainda recordar a leitura estruturalista e semiótica da realidade. O mundo simbólico, no sentido que Morris atribui ao signo, como “tudo o que está em lugar de outra coisa”. No pequeno livro “O signo”, o romancista e professor de semiótica Umberto Eco, recorre amiúde a referências do mundo da arquitectura, por exemplo quando fala num funcionamento primário e secundário do signo. Já no pós-estruturalismo, toda uma série de questionamentos - como em Foucault “O que é um autor etc” – exponenciaram a sua ideia de “Obra aberta” do predito Eco. Na contemporaneidade, a vivência do hipertexto e do virtual (no sentido dado por Proust de “virtus” como algo em potência), desafia áreas humanas múltiplas, que vão da literatura à arquitectura. iv) – Gostaria de remeter o leitor para a interesse de Camarneiro, como autor, e seu pensamento. Desde logo pela abordagem interessante que deu aos 3 motes lançados a titulo de interpelação no ciclo da FMIS – sobre analogia entre espaço em literatura/arquitectura; a introdução do tempo da existência/experiência, e no que tange à interpretação da própria experiência. Por outro lado, obviamente, pela obra literária, que vem desenvolvendo há mais de uma ´década. Mas vejamos mais perto. Em 2011, Camarneiro publicou o seu primeiro romance - “No meu peito não cabem pássaros” (pela Don Quixote). História em que nos deparamos com homens distanciados no espaço e (se me recordo) no tempo. Um a lavar arranha-céus na metrópole Nova Iorquina, e outro, uma criança que inventa coisas que depois acontecem. Esta ideia de multi-temporalidade, espaços/sonhos, e gerações, é o que sempre vai reincidir na sua obra. Em 2013, publicou - “Debaixo de algum céu” – segundo romance com que venceria o Prémio Leya atribuído por júri presidido por Manuel Alegre. Aqui, temos a vida de vizinhos, por exemplo um velho que inventa o futuro. Mas mais elementos arquitectónicos, neste caso casas, bem como janelas viradas para dentro. Já em 2018, publicaria o seu terceiro romance – “O fogo será a tua casa” – (pela Don Quixote), onde nos remete remete para a escala da viagem e para um contexto do conflito do médio-oriente. Novamente, concebe um espaço concreto, um barracão que alberga o pesadelo do encerramento e o escape do imaginário. Para além de romances, Camarneiro tem publicado contos, em vários livros. Já em 2015, publicara uma compilação de contos em livro intitulado - “Se eu fosse chão” (pela Don Quixote). Narração de várias personagens, e ocorrências num Hotel, per si um equipamento arquitectónico simbolicamente específico. Sendo que, em 2016, contribui com outros 8 autores, para o livro - “Uma terra prometida” -, marcado pelo enfoque no drama dos refugiados. Já no seu blog - “Acordar o dia” -, dedicou-se entre Janeiro de 2009 e Julho 2015, a partilhar micro literatura, nos formatos de poesia e conto, acompanhada de ilustrações do seu irmão Marco. Por último gostaria de salientar a interessante literatura de Camarneiro dirigida a um público infantil. Data logo de 2015 a publicação de “Não acordem os pardais” (com 56 páginas), em que surgem questões. Como “para onde vão os sonhos?”, “onde mora o papão?”; e festas com passarada em pleno sótão da casa. Em 2021, publicou “O que veem as estrelas”(com 32 páginas, pela Minotauro), novamente marcado pelo imaginário fértil da pergunta das crianças. Já em 2022, publicou a “A casa das perguntas” (com 40 páginas pela Minotauro), desta dedicado a um público ainda mais jovem de 6 anos. Novamente surgindo perguntas de crianças, num espaço em que algumas janelas olham para fora e outras para dentro. Enfim, uma metaforização epistemológica da questão exterior/interior com que qualquer arquitecto e habitante se depara no seu mundo arquitectónico. Escrita. Espaços. Pensamentos. Nuno é somente um amigo, e querido. Mas a sua escrita inquestionavelmente é de interesse para um mundo mais amplo, que vai da literatura à arquitectura. Camarneiro, actualmente encontra-se a escrever para teatro, área como sabido cara à arquitectura. O que de resto já acontecera, em 2015, com a publicação de “Ainda hoje era ontem” (pela Don Quixote). Fig – Seleção de obra do autor.

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