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Continuidade e ruptura: Álvaro Siza Vieira (entrevista integral 2004)

Continuidade e ruptura: Álvaro Siza Vieira entrevistado por Gonçalo Furtado Porto, 2004. (Entrevista integral. Resumo publicado por Architectural Association, em "Tracing Portugal", Londres, 2004) I. [Gonçalo Furtado - GF] – Propunha-lhe que conversássemos sobre a Arquitectura Portuguesa e o contexto da sua obra, a perspectiva com que a crítica a aborda, e a produção das novas gerações. Avanço a ideia de “continuidade e ruptura”, porque a História da Arquitectura assenta nessa dialéctica e o mesmo acontece com a Portuguesa. A Arquitectura Moderna que tivemos construiu-se numa realidade cultural e política precisa. Alguns dos intervenientes estavam activos há pouco, como aqui no Porto o Arq. Fernando Távora, que participou tanto na instauração como na superação do Moderno. [Álvaro Siza Vieira - ASV] – Na escola por exemplo aqui do Porto leccionavam arquitectos talentosos, embora perante o condicionamento político de então entrassem em frustração. O Távora é exemplo de um arquitecto invulgar que influenciou a Arquitectura Portuguesa por dois aspectos: a sua grande cultura e sensibilidade e o riquíssimo período de transformações que atravessou. Quando ingressou na escola esta estava já denominada pelo fulgor Corbusiano, e era dirigida por uma pessoa consciente dos benefícios advindos da integração dos mais talentosos. Depois ocorreu outra abertura devido ao abrandamento do regime político, à maior facilidade de informação e mobilidade, ao impacto de algumas influências (o Neo-racionalismo, etc.) e obras ( de Wright, Aalto, etc.) e realizações de coisas como uma “Revista Arquitectura Portuguesa” ou de um “Inquérito à Arquitectura Portuguesa”. Deu-se uma revisão do Moderno, que assume também a cultura portuguesa. E, depois de um período de lutas académicas, com prisões dentro e fora da escola, e da “Revolução do 25 de Abril”, ocorreu uma aproximação dos Arquitectos e população na experiência do “S.A.A.L.”. [GF] – Nesse processo de evolução Moderna, protagonizaram múltiplos factores internos e externos, tal como influências arquitectónicas como o Moderno Brasileiro que circulava em revistas ou Aalto que foram estudar. [ASV] – A influência era ditada mais por afinidade que por gosto superficial, embora por vezes acontecesse isso com as revistas… A influência do Brasil nos anos 50 percebe-se por afinidades incluso afectivas. O interesse pelo Aalto e pela Finlândia, etc. deve-se à então proximidade dos dois países no que se refere à pereferização e presença do artesanal, etc. [GF] – A “Terceira via arquitectónica” de um Távora, que reconhece os limites do Moderno e o adapta, teve continuidade na sua obra? [ASV] – Os percursos e preocupações são diferentes. O Távora num primeiro período fez “Ramalde” ou outras coisas modernas que foram reprovadas por ministros…Mas a grande transição deu-se com a pequena “Casa de Ofir”. Foi nessa altura que trabalhei com ele, realizámos por exemplo o concurso do “Mercado”, no ano em que andou a viajar pelo mundo ajudou-nos assinando o concurso do “Restaurante”, ofereceu-me o projecto da “Piscina” ao ver a minha obsessão com a “Quinta da Conceição”. Era um homem que nos partilhava tudo com grande entusiasmo, as suas idas aos “C.I.A.M.”, o último puxador que o Corbusier desenhara, etc. Mas são percursos diferentes…por exemplo eu não participei no “Inquérito à Arquitectura Portuguesa” , e por isso a influência da arquitectura vernacular no meu trabalho é muito menos directa e pura. O que se transmitiu foi sim uma atitude de “continuidade” que questionou um latente espirito de conservadorismo que não convida o que é novo. [GF] – O Norte e Sul do país, que por vezes chegaram a ser apresentados como escolas ou atitudes diferentes, possuíam então ainda situações distintas de escala, tipos de comissão, referências, vivacidade, etc.? [ASV] – Lisboa era muito controlada pela proximidade ao poder político. Tal fazia que muitos arquitectos dali viessem acabar o curso ao Porto, e o próprio Carlos Ramos que foi o director crucial do Porto também vinha de Lisboa….Não só se responsabilizou por arquitectos activos da oposição política ensinando na escola, como participou na defesa de alguns que se encontraram presos. Assim, no momento de transição, existia uma aproximação entre as duas cidades, pelos estudantes que passavam pelas duas escolas, pela congregação em redor da “Revista Arquitectura Portuguesa” e de acontecimentos como o “Congresso” que cria uma posição de classe, ou o “Inquérito “ que estudou a realidade arquitectónica nacional, etc. Ainda que fossem distintas as oportunidades de trabalho, as características produtivas e desenvolvimento industrial, a mobilidade e vivacidade quanto à entrada de referências, a dicotomia Lisboa-Porto é mais um invento, apenas vindo das próprias realidades da produção. [GF] – Relativamente a esse mito de “escolas” num pequeno país, fez referência num texto que uma escola que conseguira prestígio tivesse agilidade de se renovar…o que me parecia interessante estender à Arquitectura Portuguesa. [ASV] – Existiu nos anos 50/60 uma escola que melhor conseguiu contornar o aperto das pressões. Não vejo muito sentido usar-se o termo escola (do Porto) depois, é fonte de equívocos e algum elitismo. Depois de se consolidarem os focos de ensino potenciou-se como referi a mistura, e eventos como o Congresso e o Inquérito constituíram expressões de uma posição única. Claro que as diferenças de meios de produção, de oportunidades, de mobilidades castradas, etc. não são algo que se unifique de repente, e embora persistam espeficidades como a geografia, a cultura, a propriedade, etc. isso é distinto de uma ideia de “escola” que se refere mais a uma postura de “fábrica”… [GF] – Nos anos 80 o país foi permeável a referências múltiplas externas e iniciou-se a explosão da classe (em nº de escolas, profissionais, diversidade de práticas, etc.). Também ocorreu a sua mediatização no espectáculo público, o que por vezes revelou a fragilização da sua dimensão política, ou de protesto… [ASV] – Quando comecei a trabalhar em Matosinhos em 1953/54 quase não haviam arquitectos, e ocorria um conflito com os engenheiros que nos viam como algo dispensável. A grande diferença pós 25 de Abril foi a descentralização da presença dos arquitectos para além de Lisboa e Porto. Penso que existem hoje práticas de Arquitectura de protesto, tanto como de oportunismo. O que aconteceu é que a ligação da Arquitectura ao poder, que é histórica, é hoje muito forte e por vezes penosa. O nosso poder municipal que tem 4 anos de mandato, generalizadamente corta o que foi feito antes, o que explica muito a baixa qualidade da arquitectura no que se refere à obra pública. Mas mais do que a Arquitectura, (onde com esforço e energia da juventude até pode surgir qualidade), observo é uma destruição generalizada do território. Que vale uma obra de Arquitectura num território delapidado? Penso que se trata de um aspecto que não está tomado à escala devida pela muita pequenez que há na política. II. [GF] - Sim. Pensando na teoria de Arquitectura que se faz, a aplicação de outros sistemas de pensamento crítico poderia ser muito operativa no contexto cultural e político do país... O vigente “Regionalismo crítico” de Frampton surge de um pensamento estruturalista marcado obviamente pela Femenologia Heidegeriana e crítica Marxista. Claro que identifico um salto no novo livro, e isso é intuívél por exemplo na entrevista da última October em que se percorre a sua obra (A disciplina é abordável por relações de poder mais internas, por divisões de trabalho e contacto com os meios de produção. Uma análise proto-pós-estrutural, mais abrangente e profunda, que para lá de focar as dimensões experienciais, contextuais, etc. da Arquitectura, aborda conscientemente a própria disciplina enquanto sistema de produção e seus impactos. (Talvez foque mais a “fábrica” que o “solo”, usando os seus termos…). O caso da sua obra, por exemplo, poderiam desenvolver-se abordagens que, para lá das comuns que privilegiam a obviedade das suas qualidades tectónicas, espaciais, etc., enfatizadas num vocabulário do lugar, contexto, experiencia, etc.; também enfatizassem as inscrições e problematizações presentes no método (quanto a pressupostos, relações e organizações). Como a presença da autoria, a relação do mundo do projecto e construção, a tensão entre prática contextualista e globalização (recordo artesões portugueses na sua obra holandesa por exemplo), que fomentaria debates importantes para a actual comunidade profissional alargada e espectacularizada. [ASV] – Falando do Frampton, acho que a sua obra como crítico é de uma “continuidade”. Oiço comentários no sentido que há uma mudança, mas claro trata-se de uma mudança em continuidade sucessivamente mais abrangente. Quanto ao termo “Regionalismo crítico”, de que julgo que ele é o autor, tenho ideia de ter dito uma vez que era um termo perigoso, ou um bocado inconveniente, porque ao chamar “Regionalismo critico”, ressalta o Regionalismo, e portanto fixou-se no detalhe técnico vindo da palavra “regionalismo” e das suas implicações históricas. A acção de Frampton está no fazer conhecido uma obra ignorada (a Arquitectura Nórdica, a Portuguesa, etc.) e é como uma recolha de qual a realidade anterior à balada da globalização. [GF] – Diz-se que teve a ver precisamente com esse fenómeno de então, e numa altura em que se supostamente se conformava uma redução cenográfica, etc. que reclamava um determinado posicionamento de esquerda... [ASV] – As razões são essas….Será uma atitude Pós-Moderna, se pensar que globalizador era por exemplo Corbusier… A obra crítica de Frampton contemporânea apresenta é uma abrangência que não víamos em escritos anteriores. Porque num livro não se faz tudo, tem a ver com as sequências e o que se fixa ... (como o caso de uma obra de Arquitectura, que não significa tudo, dado que embora possa ser um enorme manifesto, é parte de um pensamento aberto e não restrito aos seus aspectos …). E portanto esse termo “Regionalismo Crítico” foi quase que uma bandeira de ataque, por conter a palavra “regionalismo”. Quanto ao “autor”, há uma maldição quanto a essa palavra. Mas talvez nunca a autoria tenha sido tão fundamental, por um lado a Arquitectura não existe sem os seus meios de produção, por outro tal é também uma luta contra o oportunismo, etc. Há um desentendimento do que é a palavra “autoria”, quando no fundo há uma complementaridade, do que é a intervenção pessoal ou de grupo e os meios possíveis, sempre houve foi historicamente uma tensão e luta ideológica. Tomando a ideia de continuidade do pensamento humano, certas formas apresentadas como novas, não são novas, são antes novas formas de pensamento, e mudam na aparência mas não mudam tanto assim. Há revoluções, mas as revoluções só são analisáveis à posteriori. [GF] – Na publicação da Ordem dos Arquitectos Portugueses sobre “Pós-Modernismo”, escrevi que o conceito de Pós-Modernismo em Arquitectura não se deve confinar aquilo que foram as suas expressões iniciais. Iniciadas há uns ... 40 anos… [ASV] – Sim, no mínimo sim… [GF] – O Pós-Modernismo foi contemplando atitudes e posturas muito diferentes. Inicialmente foi pensado como estilo anti-ortodoxia e afrontou o positivismo universalizante do Moderno, com uma ambição de comunicabilidade que extremou a referenciação histórica. Mas depois não deixou de resultar numa idêntica homogeneização, devido a uma certa “relatividade”, dúbia politicamente. Se pensássemos em continuidade esse momento de ruptura, talvez ainda pudéssemos refundar uma espécie de modernidade-pós ou pelo menos problematizar uma nova capacidade interventiva para a disciplina. Creio que, desde os anos 70 se desenvolveu uma corrente que, embora paralela á estruturalsita-femenológica igualmente de oposição aos “Grey”, que avançou para um debate sobre a própria disciplina, e cuja aplicação à Arquitectura Portuguesa ou mesmo à sua obra seria bastante produtiva dado o contexto cultural que atravessamos. [ASV] – O termo (Pós-modernismo) foi criado e usado pelos críticos para marcar algo. A Arquitectura é uma forma lenta de pensamento, que evolui com o conhecimento e acontecimentos não exclusivamente arquitectónicos, com o tal alargamento do conhecimento. A dada altura, nessa interligação da Arquitectura com outro campos, acontece a necessidade de ordenar o que se foi descobrindo no pensamento debaixo de um nome. Em determinado momento pôs-se o nome Pós-Modernismo. Recordo-me que, a par das quantas, certas coisas abriram caminho a todo oportunismo, e numa colectânea de Pós-Modernismo podia aparecer uma obra de Stirling ao lado de outra desastrosa. Hoje já não se fala no sentido superficial de estilo em Pós-Modernismo, ou sem uma ideia e sensibilidade ao tempo. Passou a ser um estilo Internacional, com os mesmo tiques na América, Portugal ou China, e nesse aspecto a palavra não interessa. Agora quanto às novas preocupações e alargamentos, sim, fazem parte da evolução do pensamento em geral e do Arquitectónico. As classificações são muito fluídas, daqui a uns anos fala-se Pós-pós-modernismo... [GF] – Um impasse reincidente. [ASV] – Depois diz-se “Desconstrutivismo” e é preciso mudar. Existem acontecimentos que tem a ver com o tal alargamento geral, e com as relações da Arquitectura com as outras actividades. Mas na Arquitectura, por ter um ritmo lento, esses manifestam-se em sobressalto. Em actividades como a poesia por exemplo que anda a passo com o que se vai passando, não vejo esta fragmentação e divisões completas, embora claro também existam conflitos entre facções de profissionais. As denominações são redutoras ... ainda que necessárias. [GF] – E para além disso por vezes não são bem entendidas, sendo apropriadas pela Teoria da Arquitectura, tanto à margem de um pensamento em evolução como do seu significado estratégico intrínseco, como um estilo. A sequência do Jonhson vem-me à mente. [ASV] – Atravessou tudo… O levar artesãos a trabalhar na Holanda, é a maneira contemporânea de actuar, há uma mobilidade de materiais e mão de obra também. A globalização e mobilidade existiram historicamente, ainda que com outro ritmo, e Portugal é prova disso. Tudo é vertiginosamente novo mas também não é totalmente novo... [GF] – Isso parecera-me algo tipo “Pós-Regionalismo Critico”. E pensando nas exposições que se tem feito, defenderia que o momento contemporâneo deve ser visto segundo a complexidade de uma coexistência de continuidades e rupturas, mais que o atropelo de gerações. E pensando em literatura e política…creio que a Desconstrução permitiu analisar exclusões (como institucionalizações ideológicas presentes em textos, por exemplo a oposição marxista individuo-coletivo) e em Arquitectura pode ser uma estratégia-exposição produtiva. [ASV] – É a complexidade. Vejo projectos feitos que, perante uma mudança de maioria política, são liminarmente afastados. Perversidades, e coisas impressionantes…talvez por sermos uma jovem democracia, mas acontece isso constantemente… [GF] – Oportunismo. Há uma aceitação da Arquitectura em que o pretendem é a chancela de um “autor”, e perante o pragmatismo da eficácia, os próprios projectos se tornam numa entidade indefinida e mutante ao serviço do apoio dos poderes. [ASV] – Vejo gente que repete os projectos dando-lhe feição de acordo com as administrações. A Ética anda em muito maus dias… III. [GF] – Agora reflectindo sobre esta exposição que comiserarei, vimos vendo desde os anos 80 panfletarem-se “geração” atrás de “geração”. Houve exposições interessantes (penso que a do Rodeia, do Vítor, etc.) Mas também urge questionar se não se contribui para uma sequência-ruptura frágil. Parece-me produtivo e lúcido identificar a coexistência de “continuidades e rupturas” que é uma dialéctica da Arquitectura como Instituição. [ASV] – Sim. São, são… [GF] – Seleccionámos obras que constituíssem um balanço de continuidades e rupturas. Por exemplo nas casas do Pedro Maurício, esse expõe muitos aspectos convencionais da postura portuguesa mais comum, mas há uma liberdade de jogo a faze-lo (o alçado não tem nada a ver com a traseira, elementos tradicionais como o pátio são deformados, dilui a sua autoria da obra, partilha a autoria da obra com o cliente, e projecta com a circunstâncias impressionantemente supra-humildes, etc.). [ASV] – Há muitas maneiras de organizar uma exposição. Como é natural não é tudo ruptura e há continuidades legíveis aqui e ali. Numa exposição de gente nova são importantes muitos aspectos, como contar com a sua dificuldade de aceder ao trabalho. Sei que não é nada fácil! (Um presidente hoje já não aceitaria dar trabalho a um jovem assim, como me chegou a acontecer devido a sugestão do Távora.) Há mais trabalho, mais oportunidades, os arquitectos já são reconhecidos e trabalham em todo o pais, mas há muito mais dificuldades, muito mais burocracia e formalismo. A difusão da Arquitectura está sujeita a pressões políticas, os concursos são um processo não transparente, mas há outros tipos de dificuldades… [GF] – Mas as novas gerações tem demonstrado capacidade de aceder ao trabalho e conquistar visibilidade. Há coisas que melhorarão, a facilidade de acesso a referências, a disponibilidade para coexistir com a diferença dentro da própria geração, etc., que se expressa numa inquestionável diversidade da Arquitectura actualmente. [ASV] – Há realmente condições, a tal abertura à informação, mobilidade, etc. Mas em Portugal há uma coisa que é a desordem do território e que afecta que Arquitectura for. Formam-se bons arquitectos, mas é aquele o grande problema existente hoje. [GF] – É algo que tem a ver com todas as gerações...interroga as relações entre a Arquitectura e Sociedade. A nova geração esta marcada pela informação e mobilidade, e veio demonstrando mérito no construir, etc. Mas por vezes parece estabelecer uma relação com a cultura meramente mediática, e muitos jovens arquitectos acabam sendo postos a participar num debate mais espectacular que cultural ou… Se houve uma altura em que a Arquitectura chegou a representar incluso a oposição a um regime, a cultura da disciplina desvanece-se hoje de dimensões políticas. [ASV] – Tudo se alargou muito, e não existem campos, tão extremados, e tão definidos em que se torne claro o assumir de problemas políticos. Mas no essencial há mais informação, as escolas são melhores, e há mais contacto. Veja se tomarmos o exemplo e implicações que pode ter um programa Erasmus. Evidentemente há aspectos muito positivos e arquitectos de enorme talento... [GF] – Os arquitectos que procurámos seleccionar têm referências distintas, embora sejam publicados lado a lado neste país tão pequeno. Se o Pedro que ganhou o prémio nacional Secil apropria referências em continuidade, os As que trabalham em Lisboa aportaram as suas experiências fora para os sucessivos concursos que ganharam. [ASV] – Uma exposição organizada assim representa uma escolha e balanço do que se está a produzir. Tem valor documental e será também desencadeador de debate. [GF] – Procurámos fazer coexistir “continuidades e rupturas” na Instituição da Arquitectura Nacional actual. Os AUZ cujo percurso recente acompanho no Norte surgem como um contraponto irónico oportuno no contexto de “mediatização” actual. Quase no limite critico do Didier, que me comentava que a sua encomenda se aproxima da arte. [ASV] – Isso está a acontecer e é curioso, como há muitos artistas a aproximarem-se da Arquitectura. Parece-me um aspecto positivo e que se opõe à tendência de total especialização. Pode parecer dialogar com outras áreas, como por exemplo falar com um físico em abstracto, mas não é. Na prática arquitectónica por vezes há dificuldade de relacionamento dos diferentes especialistas, e penso muitas vezes no surgimento de uma ideia de abertura, de relacionamento, rompendo com esse espírito terrível da especialização. Há aspectos muito positivos. [GF] – É um debate actual, numa comunidade que cresceu e se diversificou profissional e academicamente. Na prática profissional por exemplo assistimos ao aparecimento de múltiplas figuras que medeiam o arquitecto na sua actividade profissional, por vezes até fincado resumido numa peça de uma engrenagem. [ASV] – Num campo tão vasto haverá especialização, mas vejo que o desafio é o relacionamento e complementaridade em curso. Relativamente ao que refere é algo que por vezes aparece de uma forma terrível… Mas se pensarmos outra vez em continuidade, também o estabelecimento destes relacionamentos leva tempo. Hoje apreciamos tudo sujeito a esta vertigem do imediato, mas o tempo é arquitecto, o tempo trabalha muito, e cada vez menos se aceita a sua existência e importância. Tudo é mais intenso na vida contemporânea. Há uma ansiedade de novo em que o que parece novo já é antigo. Acaba o tempo por ganhar… [GF] – Isso recorda-me algo que o Souto Moura tem escrito na sua prova de fim de curso. [ASV] – Ai é? É natural… [GF] – Recordo-me de há uns anos circular a ideia que o arquitecto falara em se recluir para desenvolver o seu sonho de escultor de sempre. Seria uma prática menos dramática? [ASV] – Não é só uma questão de recordações, tenho uma necessidade, quase uma espécie de substituto ao desgaste, uma compensação ou complemento com o desenho de objectos, etc. São coisas igualmente exigentes, mas que permitem rapidez na realização, na observação, na constatação, e possibilidade de crítica. É uma espécie de libertação, é quase um tratamento. Não é uma raridade que uma obra de Arquitectura chegue a demorar 10 anos, o que não é uma raridade, porque são tais as oscilações, as dificuldades, de aprovação, financeiras, etc. No outro dia tive um telefonema para acudir ao início da construção de um bocadinho da Giudeca, e o meu comentário foi que já fizera isso há 15 anos, já não me lembrava de nada, e se calhar não gostava. Parece que dois terços já estão feitos de forma diferente, infelizmente má...podia ser melhor, mas não é…Vou fazer um bocadinho lá na ponta, mas… [GF] – Se pensarmos na vida de um arquitecto e os seus tempos de institucionalização, as gerações que exponho são muito jovens. Após a dedicação de uma vida e a notabilidade que essa lhe conferiu, para que é que lhe parece que serve a Arquitectura, e porque é que faz Arquitectura? [ASV] – Em princípio faz-se para as pessoas viverem melhor…ou às vezes pior não é? (risos) Por outro lado o interesse por construir faz parte da natureza humana e suas necessidades, concentrando-se em pessoas que são insubstituíveis para isso. Se calhar em cada arquitecto existe o desejo que não fosse necessário arquitectura. Mas, por exemplo, aqui há uma ânsia de construir no centro histórico, e não era necessário (visto termos uma percentagem de construção altíssima relativamente à de recuperação noutros países.) No Porto é isso, e depois o orgulho vai-se destruindo paulatinamente… (Há bocado falámos de autoria, e há situações em que também não se percebe que isso não é necessariamente inovação. Recordo que o meu “Plano do Chiado” que entendeu o centro histórico como um todo arquitectónico foi atacado de pastiche) Bem, mas não me devia deixar terminar a entrevista tão pessimisticamente… [GF] – Não. Parece-me bonito que talvez a Arquitectura seja esse desejo sublimar de que não sejam necessários arquitectos.

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