4/11/23

Perfácio de Nuno Camarneiro

Todos os Lugares São Passados [Prefácio a: Gonçalo Furtado, Coimbra II, APBC:Coimbra, 2023. Nuno Camarneiro O som de passos no empedrado das ruas. Os passos de quem olha, os passos de quem é olhado, os passos escondidos, os passos passados. A cidade ressente-se porque é mais lembrada do que pisada, é cidade-eco, cidade-memória, pedras que guardam e dormem. Aqui e ali homens e mulheres que não falam, adereços da cidade que habitam. O fotógrafo desistiu há muito dos homens e das mulheres, o fotógrafo conversa longamente com o calcário, discute ângulos, cornijas, frisos e janelas, colhe as imperfeições, os musgos e as fendas como se fossem apuros do tempo ou incúrias de um deus cansado. Tudo o que se diga foi já dito - rumores, vento, palavras despedaçadas, coisas escritas que nunca disseram nada, silêncios tristes, resmungos, acenos, livros fechados por onde bichos passeiam. Todos os lugares são passados, todos são beijos, cigarros, cervejas, festas que outros fizeram, amores malditos, memórias também. Um acervo de erros, equívocos, vontades goradas, ideias precoces ou tardias, sorrisos estúpidos, gestos exagerados, incontinências, pulsões, desperdício e frustrações. Alaridos, enganos e fados. Há-de haver aqui um riso de cair e levantar-se. O prazer sádico e cínico de ver um pé tropeçar numa cidade, qualquer pé, qualquer cidade. Somos todos iguais um a um, e se não somos, paciência. Éramos tão novos e há quem ainda seja. Sabe o fotógrafo que a arte é a de ficar à porta, do lado de fora é onde tudo não se passa, o lado das perguntas sem resposta, dos berros que não se ouvem, dos olhos que atiram, mas não colhem. São precisos muitos cinzentos para queimar uma cidade, nenhum branco se salva, ninguém sai que lá tenha entrado. Nem tu, fotógrafo, nem nós, nem nada. Todos os lugares são passados, todas as pedras foram tocadas, pisadas, cuspidas, raspadas, cobertas de tinta, cobertas de nós, cobertas de sal, de água, de ideias e de olhares. Podem bem com isso, as pedras, podem bem connosco, o tempo adere-lhes como um fresco tosco e mal desenhado. Se ombros tivessem estariam sempre encolhidos, que venha o tempo e outros também. É tarde, é sempre tarde nesta cidade. Pág. 8 As fronteiras são líquidas, quase todas são inventadas. Pág. 12 O som antigo de um sítio sem mim. Pág. 44 Lugares que são como homens, que são como lugares. Pág. 66 Não subas tanto que não te sobre o céu. Pág. 76 Um presente mais antigo. Pág. 99 Do outro lado de aqui. Pág. 119 O futuro vai ser assim, ou então outra coisa.

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