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11/30/24
CONVERSA SOBRE ARQUITECTURA E ESCOLA DO PORTO _ António Neves
CONVERSA SOBRE ARQUITECTURA E ESCOLA DO PORTO _ ABRIL 2022
António Neves (com Gonçalo Furtado).
PARTE I
I.
[Gonçalo Furtado] - Nasceste em 1973. E, na FAUP, eras do ano do Lage?
[António Neves] - Do meu ano eram o Nuno Almeida, o Pedro Costa, o Joaquim Moreno. O João Ventura começou por ser do nosso ano. Entrei em 1991, era também do ano da Joana Ribeiro, e, sim, também do Aberto Lage.
[GF] - Referes-te aquele Ventura porreiro - o João - que por vezes aparecia… Sei lá, tipo em festas em casa do André Tavares etc? Ou seja, o outro, não o Manuel Ventura, que deu aulas de construção, dado que esse era muito mais velho). /
E do teu ano era também a Rute Carlos que dá aulas no Minho, etc, etc. /
Perguntava “do Lage” por ingressei na FAUP com ele para monitores de uma turma de projecto do Daniel. Nesse ano entraram outros monitores, já não sei para que turma entrou o Joaquim Moreno? O José Miguel ou o Mário Mesquita tinham ou estavam a entrar para assistentes.
[AN] – Sim, como costumo dizer, o Ventura Fixe, não o outro. /
Entrei no ano depois desse ano em que o Moreno foi monitor. /
Eu comecei como monitor de Projecto 3 do 3º ano. E fui monitor com o Luís Urbano. Talvez em 1999 ou 2000. Fui monitor do Madureira e do Viegas, porque eles na altura juntavam as turmas e os monitores eramos eu e o Luís urbano. E depois foi só um ano.
[GF] - Em 2003 voltaste à FAUP, como assistente convidado.
[AN] - Em 2003, convidaram-me para substituir alguém. Não estou a conseguir precisar se foi… ou com a morte do Bernardo Ferrão, ou se foi para substituir o Luís Viegas. Convidaram-me para dar um ano de Projeto 3 como assistente convidado.
[GF] - Em 2005 concorreste a um concurso para assistente.
[AN] - Depois no ano a seguir abriram concursos, em 2005. Para a contratação de uma série de assistentes. E eu entrei em Construção, aliás, entrei em um Projeto e em Construção; e depois fiquei em Construção.
[GF] - Fizeste provas de aptidão pedagógica.
[AN] - Sim. Fiz as Provas de Aptidão Pedagógica.
[GF] - E em 2016 concluíste o doutoramento “Arménio Losa e Cassiano Barbosa: Arquitetura Moderna, Nacionalismo e Nacionalização”, tendo por orientador o Carlos Machado.
[AN] - Certo.
II.
[GF] - Como estudante, fizeste parte de uma Associação de estudantes. E estiveste no Conselho executivo.
[AN] - Fui aluno do Conselho executivo em 2 mandatos.
Fiz parte da Associação de estudantes, organizava viagens de estudo.
[GF] - E fora isso?
[AN] - E fiz contestação. Eu e o Moreno passámos a vida em abaixo assinados, fizemos coisas inacreditáveis. /
Nós um ano entrámos quase em Auto-Gestão. No 4º ano escrevemos uma carta ao regente da cadeira de construção a dizer que não concordávamos com o entrega. Definimos nós os entrega e ele avaliou-nos segundo a entrega que nós definimos.
[GF] - Construção do 4º ano.
[AN] - Eram os docentes de Construção na altura, julgo que era o Soutinho e o Menéres, talvez… E o Cristiano. De Construção do 4º ano é que era o Soutinho, o Menéres. Eu acho que havia outro assistente de construção que era talvez o Cristiano.
[GF] - O Ventura era monitor de uma das Construções.
[AN] - O Manuel Ventura era monitor, tal como o Joaquim Teixeira de Construção do 2º ano. O Ventura só foi nosso monitor no 2º ano, o Ventura era monitor da minha turma como o Joaquim era. Eu ia ver à aula, espreitava. Conforme estivesse um ou outro, eu ia ou não. Se fosse o Joaquim, ia. /
Depois, Construção do 3º ano era o Madureira sozinho.
[GF] - Ah.
Andavamos sempre em tropelias, ah ah ah.
[GF] - E do 1º ano, que factos marcantes te recordas.
[AN] - O 1º ano para mim foi um ano de muito desconforto. Porque eu estive para ir para Economia. /
Sou do Porto, estava em casa. Estive até para ir para Economia. Depois, oh pá, não interessa. Tive muitas namoradas e uma delas foi para Arquitetura. Eu não queria ir porque depois chateámo-nos e não queria que parecesse que ia atrás dela. Vê lá estupidezes de um adolescente: condicionar uma decisão tão importante da sua vida por causa de uma namorada. /
Despois decidi, isto no secundário. No 11º para aí, decidi mesmo que queria Arquitetura e, como estava na área C, fiz Geometria Descritiva como aluno externo, extra-curricular.
[GF] - Já não me lembro se nesse ano, para além de geometria se podia entrar com matemática ou…
[AN] - Não. Ter Geometria era obrigatório. Eu entrei com geometria, tive que fazer a geometria como aluno extra curricular. Ou seja, eu fiz as disciplinas todas da área C, incluindo a Matemática, que era onde eu andava. E inscrevi-me em Geometria Descritiva. Era possível na altura, inscrevias-te por iniciativa própria. /
Não frequentavas, mas fazias exame. /
A área C era Economia. Mas o que eu gostava em economia, aliás tenho uma relação, muito pouco normal, acho eu, pelo menos pouco tensa com o dinheiro. O que eu gostava em economia era o planeamento. Talvez política, até… Mas nunca estive ligado a nenhum partido político. /
Não, não, nunca estive filiado. Mas fui a concorrente à Associação de estudantes e não sei quê, para aí no 11º ano, E quase que ganhámos. Houve “vigarice” na contagem dos votos, pessoas que votaram duas e três vezes, enfim… /
[GF] - Foste da associação da AEFAUP no último ano em que foi presidida pelo Calau e no primeiro do Nuno Almeida, acho que o segundo ficou depois de ser vice-presidente do primeiro talvez.
[AN] - Aqui na faculdade eu julgo que fui da Associação, entre o 2º e o 4º ano. /
Era do Calau, exato. Calau e depois o Nuno. Mas fui nos mandatos de ambos.
[GF] - No 5º ano estagiaste com o professor Manuel Botelho.
[AN] - Eu comecei a trabalhar no Botelho, fiz estágio lá, fiquei lá trabalhar. E fiz o 6º ano a trabalhar e julgo que não seria da Associação. No 6º ano acho que não era AEFAUP. /
A ideia que tenho é que já não era nessa altura. Já não me lembro, sinceramente. Mas eu fui o curso quase todo. A minha dúvida é o primeiro e o último, o 1º e o 6º ano. Não me lembro… pois é isso…
[GF] - A AEFAUP depois foi presidida pela Filipa (do ano do André Tavares), e depois pelo Rafael.
[AN] - Ah o Rafael? Esse foi meu aluno, sim. Talvez. Eu acho que houve um a meio.
[GF] - Em 1995 foram organizadas umas jornadas pedagógicas no edifício da Reitoria.
[AN] - Ainda participei nessa coisa com piada das Jornadas. Eles convidaram-me na altura… /
Foi, moderei uma mesa redonda com o Siza, acho que com o Souto de Moura e o Brandão, da Árvore. Foi interessante. E participei. Mas na altura, já estava a trabalhar. Isso foi…. Dizes tu 95, pois, foi quando eu estava a fazer estágio.
[GF] - Para além do Botelho trabalhaste 1 década com o João Álvaro Rocha, 10 anos; por exemplo na altura do Metro, desde 2001 até saíres em 2006?
[AN] - Eu com o João Rocha, fiz vários projectos e acompanhei várias obras e depois coordenei 8 estações de metro, eu é que tratava do metro, que era um trabalho…. Era o maior trabalho que havia no escritório. O João desafiou-me para isso em 2001, quando o começamos, e até eu sair em 2006, grosso modo, estive sempre a frente do metro. Eu coordenava a equipa toda do metro.
[GF] - Acho que faleceu em 2014.
Sim, 2014, eu já tinha saído de lá há algum tempo.
[GF] - Tinhas ido?
[AN] - Trabalhar por conta própria, cuidar de 3 filhas e dar aulas. Já era bastante difícil, aliás, quando o João…. Eu tinha um acordo com o João, quando o Metro fosse inaugurado, eu saía. E eu e ele íamos no metro, na inauguração da linha da Maia… até ia o Valentim Loureiro, e íamos a brincar com a presença deste, que era na altura o presidente da junta metropolitana. E o João disse: “amanhã já não vais…”, e eu: “é verdade João, já sabe que eu estou aqui atrapalhado”. Eu coordenava, mesmo supostamente em part-time, a operação toda do metro e desenhei a estação do Parque-Maia, essa fui eu que desenhei toda mesmo. Não foi só coordenar o desenho, é desenhá-la literalmente. Porque era um ritmo louco e vinha muitas vezes dar aulas com direta. Ficava a trabalhar a noite toda, deixava os desenhos ao João. E depois ele ia para a reunião com a equipa interna da Metro…
[GF] - Era muito trabalho. Eu conheci pessoas que trabalharam com ele, quando tinha associação com o Gigante o qual era porreiríssimo.
[AN] - E ele era o gajo mais “workaholic” que eu conheci. Não, acho que o Gigante não era tanto. O João, pá, eu nunca conheci ninguém que trabalhasse tanto. Era completamente obcecado. Ele saía do escritório todos os dias, à meia-noite, mais ou menos todos os dias, isto não é exagero. A nossa hora de saída é… não havia hora, mas enfim. Mas se nós saíssemos às 8 ou 8 e meia; ele dizia: “vocês vão lanchar?” Trabalhávamos sempre até às 9. Mas é, o João era completamente “workaholic”, porque eu tenho escritório na Maia e tenho família na Maia e às vezes passava em frente ao escritório ao Sábado ao Domingo e ele estava sempre lá. /
Uma coisa impressionante. Eu nunca conheci ninguém que trabalhasse tanto. E, por exemplo, já trabalhei com o Botelho. E eu próprio tenho fama de “workaholic”.
[GF] - Ele estava empenhado na carreira e obra dele, que progredia….
[AN] - Sim, estava. Ele estava-se a projetar-se bastante no ano em que aconteceu a crise do “sub-prime”, ele ganhou o maior projeto da Europa, o metro de Mérida; estações de TGV; habitação social em Madrid e uma obra em Granada.
[GF] - Quando começou a crise, para aí em 2008?
[AN] - Sim. Ele estava… Eu fui almoçar com ele e ele disse-me: “Tó, estou lixado, tenho trabalho para 14 anos, não sei como é que vou fazer isso tudo. Quero controlar, quero ter uma estrutura capaz”.
[GF] - Isto antes da crise…
[AN] - Sim, imediatamente. Passado meia dúzia de meses foi… Eu ia almoçar com ele, com alguma periodicidade. Fui almoçar com ele outra vez: “Tó parou tudo. Vou fechar o escritório.” Não tinha trabalho.
[GF] - Mas nunca fechou o escritório?
[AN] - Não fechou totalmente, mas despediu quase toda a gente. Ficaram 2 pessoas de 14. Secretária incluída. Só ficou o Alberto, que era o mais antigo e uma arquitecta que fazia de secretária também.
[GF] - Ele andava pelo estrangeiro, universidades e etc.
[AN] - Isso chegou a manter, mas manteve e tentava com isso arranjar trabalho. /
E ele manteve isso. Isso sempre foi uma forma também de estabelecer parcerias e arranjar trabalho. Os últimos anos da vida dele passou a ir para os Camarões, para aqui, para ali, para a Colômbia tentar arranjar trabalho que não havia aqui na Europa. /
E o que é irónico é que pouco antes de morrer, entregaram-lhe um Hospital gigantesco, nos Camarões. Que ele não conseguiu fazer, não teve tempo. Bem, mas trabalhei 10 anos com o João.
[GF] - Como é que foi o teu ofício, depois de acabares o curso tu montaste um escritório sozinho ou com colegas?
[AN] - Sempre tive um escritório, chama-lhe o que quiseres, podia ser eu sozinho, ou eu e o Ventura fixe, o João aventura, como lhe chama a minha filha. /
E às vezes também tive parcerias. Com mais pessoas que me convidavam para fazer coisas pontuais. Tive meu escritório desde 97; desde que acabei o curso. Aliás, ainda fiz um projeto para uma casa, com o Ventura e com o Armando Teixeira que já mostrei numa conferência, ainda estava no último ano do curso. Depois, não foi construída. /
E mais, a casa da Maia do Botelho, que é de uns amigos da minha mãe, era para ser feita por mim. Eu é que disse que não tinha ainda capacidade, no início do 2º ano do curso. Eu é que a passei ao Botelho, literalmente. Eu recomendei a esse casal que era amigo dos meus pais, entregarem o projeto, a um professor que eu tinha tido e que admirava muito, que era o Manuel Botelho, e assim foi. /
E o que é curioso é que depois, quando fui estagiar para o escritório, ainda trabalhei nesse projeto. O que também diz alguma coisa do ritmo do escritório do Botelho.
[GF] - O que é que te lembras do teu 1º ano?
[AN] - Lembro-me de quase tudo, mas eu lembro-me, principalmente uma dificuldade imensa para um tipo que vem da área C. Que nunca desenhou com Rotring, com pastel, com…
Sempre gostei de desenhar e, o meu primeiro sonho, assim já crescidinho, era ser designer de automóveis. Em Portugal não podes ser designer de automóveis; e eu sou muito agarrado ao terrunho (como diz o Eduardo Lourenço), à família, aos amigos. Nunca me passou pela cabeça ir estudar para Itália. Sim, mas se calhar… Sim, se fosse menos agarrado, era que eu teria feito, que era uma coisa que eu gostava muito de fazer na altura. E depois entro para arquitetura e não tive mais dúvidas… /
No 1º ano vim aqui e aqui um bocado…. Tinha outras competências que não tinham outros colegas; mas também tinha dificuldades que eles não tinham.
[GF] - O teu primeiro e segundo ano penso que foram últimos a manter contacto com Belas artes.
[AN] - O meu curso, os primeiro e segundo anos, foram os 2 últimos anos que estiveram nas Belas-Artes. Coisa que eu sinto muito falta. Aliás algo que marca, para mim, o meu primeiro e segundo ano é o contato com a malta de Belas-Artes. /
Entre os quais, tenho muitos amigos. Esse convívio com os artistas e com outra abertura e com outros temas e com outras questões, sempre me agradou muito.
[GF] - As aulas do professor Távora, decorreram no anfiteatro de Belas artes.
[AN] - Tive o Távora nas teóricas de TGOE, era um professor fantástico. As aulas teóricas do Távora eram no anfiteatro das Belas artes. E no ano seguinte, eram tão “más”, que nós íamos vê-las novamente no auditório da Casa das Artes!
[GF] - Penso que no ano a seguir ocorreram já noutro sítio…. Estava sempre a desenhar.
[AN] - Sim, na Casa das Artes. Aqueles desenhos que tu vês publicados, uma parte, foram feitos no nosso ano, e outros no tal ano seguinte. E, como disse, as aulas eram tão “más”, que no ano a seguir, no segundo ano, já com a cadeira feita, nós faltávamos a uma aula qualquer (também não é relevante), e vínhamos ver as aulas do Távora pela segunda vez ao Campo Alegre à Casa das Artes.
[GF] - As aulas filmadas… acho que há também do auditório da Casa das artes?
[AN] - Estão filmadas e nós estamos lá, um grupo de alunos do primeiro ano, do antigo primeiro ano, que no segundo voltou a repetir as aulas, apesar de já ter feito a disciplina.
[GF] - Para um aluno aspirante a arquitecto, a abordagem do Távora seria muito interessante. Era capaz de fazer-vos a ligação entre o que o Salgado estava a ensinar de arquitetura romana, grega, egípcia etc, o projeto, e a contemporaneidade…. Um discurso de síntese, dotado de capacidade de relação de coisas diferentes.
[AN] - O Távora tinha, era muito impressionante.
Estava com o Carlos Machado, na prática de TGOE. Depois tínhamos um trabalho sobre uma parte da cidade do Porto que podias escolher. Eu lembro-me que nós fizemos um trabalho sobre a Praça da Ribeira; tínhamos outro trabalho de interpretação da “Arquitetura da cidade”, do Rossi, outro do “Complexidade e contradição”, do Venturi… Coisa que eu acho bastante bem. E que foi muito importante, porque nos introduziu um certo gosto pela reflexão escrita sobre a arquitetura, sobre a Teoria. Presumo que o Távora tivesse muito trabalho na altura também.
[GF] - Os trabalhos: Havia trabalhos escritos, não havia exames.
[AN] - Ah não! Os trabalhos escritos eram obrigatórios. Não, os alunos não passavam sem eles. /
A parte teórica era conhecimento. Tu armazenavas e era interessante. o Távora era muito interessante. E o Carlos Machado, que estava na parte prática, também.
[GF] - O Carlos Machado na tua altura era assistente de TGOE.
[AN] - Sim, o Carlos Machado. E com o qual eu estabeleci desde logo uma amizade. Devo dizer que fui muito bom aluno, porque escrevia bem. Eu gostava de ler.
E tirei para aí 18, e o Ventura curiosamente também. Sim, tiramos uma nota muito boa.
[GF] - E outras disciplinas desse 1º ano.
[AN] - E tive notas dispares nesse primeiro ano, tive notas boas às disciplinas mais teóricas ou a Geometria, por exemplo, também tive boa nota. /
Mas tive algumas dificuldades, a desenho, porque não estava habituado a desenhar e em papéis tão grandes. Eu desenhava muito mas em bloquinhos, e nos cantos dos livros. Não conhecia os materiais, os pasteis, o grafite, as aguadas. /
Tive uma dificuldade instrumental. Mas tive um professor que gostei muito, apesar de às vezes ser…, era um professor duro. Era o Grade, o José Grade.
[GF] - Há pouco perguntava-te sobre a experiência das outras matérias do1º ano.
[AN] - Acho que fiz um 1º ano com notas razoáveis, Projeto. O professor era o Botelho, até me dei bem com o Botelho e tal. Há medida que o ano avançou, fui melhorando também. /
Em Geometria, o meu teste dava volta por todos os colegas que precisavam e copiavam. A TGOE tinha boas notas, Geografia, História, também. /
Curiosamente não tive grande nota a Antropologia, não sei bem porquê, até porque gostava do Cabral Ferreira, que era um tipo muito interessante. E propunha leituras também interessantes. Acho que talvez por falta de tempo também porque este primeiro ano foi para mim algo difícil, pelas razões apontadas.
[GF] - O Grade também foi meu professor. Para a semana há uma sessão comemorativa no Círculo universitário, organizada pelo Rui Tavares.
[AN] - Eu lembro-me muito bem do Grade, o Grade… Eu dava-me muito bem com ele, só que eu tinha dificuldades de desenho. Ele era duríssimo com os alunos. Era era. Mas eu achava, ao mesmo tempo, que era um tipo muito, muito interessante. Punha-nos ouvir música Marroquina nas aulas.
[GF] - Sim, depois de se reformar, quando conversava com ele, contava-me as viagens que ainda recentemente fizera a Marrocos.
[AN] - Pois, algum gajo ria-se e ele dizia, “estás-te a rir de ti, não sei se já percebeste”. Muito interessante. Foi muito prestável também depois quando nós começamos a organizar a viagem a Marrocos; estivemos juntos no Conselho Directivo e demo-nos sempre muito bem.
[GF] - Tu entraste na faculdade no último ano da direcção do professor Alexandre Alves Costa. /
Foste representante de estudantes do primeiro mandato do professor Manuel Correia Fernandes. O Grade foi vice-presidente deste conselho executivo.
[AN] - Sim. Portanto, do 1º ano eu lembro-me da figura do Távora e do Botelho que era um homem incrível, que me marcou.
[GF] - O Távora… e o Botelho sobre quem recentemente organizaste a sua exposição retrospectiva.
[AN] - O Távora como disse, de “Teoria Geral de Organização do Espaço”, sim, nós adorávamos as aulas do Távora. Ele é uma personalidade. /
E do Botelho, claro. Aliás, no 1º ano, decidi logo: vou fazer tudo o que puder para trabalhar com este homem, porque fiquei marcado por aquela personalidade, fiquei muito marcado pelo que ficou do 1º ano. Fiquei muito marcado por uma… as exposições, os livros e todas as outras actividades. /
As exposições e o livros foram um agradecimento, mas, antes de mais e também a tentativa de combater o injusto esquecimento da sua obra. Não ganhei nada com aquilo, nem um tostão, e deu muito trabalho.
[GF] - Havia lacuna de Teoria?
[AN] - Sim! Nós fizemos abaixo-assinados para a ter! Porque nós - eu pelo menos, mas não era o único - sentíamos a sua necessidade.
[GF] - Ah.
[AN] - Vou-te explicar porquê, é muito simples e está ligado com o primeiro ano. No primeiro ano eu senti 2 coisas. Primeiro essa dificuldade, um certo desenquadramento do ponto de vista instrumental mais do que propriamente dificuldade. Eu gostava muito de arquitetura. /
Não é tanto ao nível do Projeto que eu senti isso, mas ao nível do Desenho senti muito. E sentia ao mesmo tempo…
[GF] - E…
[AN] - Sentia…, não é desconforto, é enquadramento. E a falta de domínio instrumental de que te falei, traduziu isso também numa dose de trabalho extra. Tive de dar à muito à perna e nem sempre foi uma coisa confortável, como é natural, para dar a volta áquilo. Mas uma das cadeiras que eu senti que não altura não prestei a devida atenção, talvez, foi a Antropologia. Que eu depois li as bibliografias, e ainda hoje tenho esses livros e até já reli alguns, mas na altura acho que não prestei a devida atenção. Estava mais dedicado aos trabalhos práticos. /
Fiz aquilo para passar, estava muito atrapalhado a Desenho principalmente. A Projeto eu passava na boa… e na altura nós tínhamos aquela coisa, que hoje não me parecia totalmente descabida: Os alunos… era por ciclos, só passavas para o 2º ano com as cadeiras todas do 1º ano feitas. E por isso não me apetecia nessa altura ficar para trás. E depois…
[GF] - Mas não deste a devida atenção a Antropologia?
[AN] - Antropologia. Fiz apenas para passar com um 10, para aí. /
E o Cabral Ferreira, era um tipo fantástico, eu gostava muito das aulas dele, gostava da figura. Não sei, até de certa maneira, na altura achei quase deselegante tirar uma nota tão baixa à cadeira dele, uma coisa que eu de facto lamento.
[GF] - Ah. E…
[AN] - É isso… E depois também era, também falta de maturidade eventualmente não sei, mas acho que é mais isso: Nessa altura sentir-me muito apertado a Desenho. O Grade apertou-me os calos e eu tive que pedalar muito para passar a Desenho. Depois, até passei se calhar com uma nota até melhor que a Antropologia, mas pronto. /
Isso na altura, condicionou um bocado. E depois com Antropologia houve ali também alguns problemas da ordem administrativa. Acho que tivemos uma parte do ano sem aulas e depois daquilo apareceu muito no fim e numa altura em que estávamos muito atrapalhados. Não fui o único a ter esse problema, foi o ano todo. A Antropologia. houve ali qualquer coisa, que nós até achamos a certa altura que nem iríamos ter que fazer a cadeira ou qualquer coisa assim, já não me recordo, mas não é importante…
[GF] - Dizias que houve problemas de ordem administrativa… /
Nessa altura do teu 1º e 2º ano decorreu quase tudo em Belas artes.
[AN] - Era tudo lá nas Belas Artes, foi lá tudo. No segundo ano, também… /
O projeto também.
[GF] - Mas então explicavas a questão de quererem ter mais Teoria?
[AN] - Essa questão da Teoria, portanto o que é que acontece: no 1º ano, um gajo cai aqui, anda aqui, digámos, um bocado aos trambolhões até perceber onde é que está, como é que esta coisa se faz. A Malta que gostava de ler. Eu e outros, começamos a pensar que isto, afinal, era por vezes assim um bocadinho superficial… Uma das coisas que já então, me fazia um bocado de impressão… Não tanto o Botelho - pelo contrário! - ou o Távora... /
Bem, mas vamos ao 1º ano, que aconteceu? Eu ao fim do 1º ano estava assim, com um bocado de entusiasmo. Já a reequilibrar-me. Já a ler algumas coisas sobre arquitetura, porque eu antes do curso não tinha lido quase nada nessa área na realidade. O Rossi, o Venturi, eram obrigatórios, depois havia uma série de bibliografia paralela. E sentia-me também um pouco, como é que hei-de dizer? Impressionado, não é bem o termo. Mas com alguma perplexidade para uma certa subjetividade com que se falava da Arquitetura, uma coisa muito vaga… Então o meu exercício de férias de Verão do 1º para o 2º ano foi, e que mudou a minha vida, do ponto de vista do que é arquitetura e da maneira como eu a entendi, foi ler uma “História da Arquitetura Moderna”. Na altura selecionei a do Benevolo.
[GF] - E depois, com mais maturidade vai-se ler Zevi e, depois, Tafuri.
[AN] - Pois O Tafuri, abre ali uns nós que eu nunca tinha percebido como é que se abriam. Nomeadamente a importância do Wright na Europa, que tinha que ser conhecido: Como é que alguém não refere à exposição que o Wright faz em 1911? Que contamina tipo banho toda a arquitectura que se faz na Europa? Preciso do Tafuri quase para explicar isso; se calhar, quando eu li o Tafuri estava mais atento a isso, não sei.
[GF] - Ah.
[AN] - Mas voltando atrás, então, nas férias do 1º para o 2º ano, decidi ler a “História da Arquitetura Moderna”, do Benevolo. E para mim, foi não só um exercício fantástico como mudou, por um lado, a minha forma de ver arquitetura, e por outro… Acho que se pode dizer que me colocou num grau de maior conhecimento da História da Arquitetura Moderna…
[GF] - No verão antes do 2º ano dedicaste-te a obter mais cultura arquitectónica, empenhando-te sobretudo na leitura de uma História da arquitectura moderna com dimensão considerável.
[AN] - Sim. Obtive mais conhecimento, não digo que fosse o único aluno, mas era algo que não era comum. E isso mudou a minha forma de discutir com os professores, mudou a minha forma de… Não tanto de fazer os projetos. Mudou a minha exigência com o projeto.
[GF] - Pois. Interessante.
[AN] - Eu lembro, por exemplo, chegar ao fim do 2º ano, em que tive o Rui Pinto como professor, que gostei muito. Mas, eu tinha até uma boa nota e, queria chumbar, porque não gostava do meu projeto. Os meus colegas é que disseram: “És maluco, vais agora aturar os putos do primeiro?!” A questão é que eu achava que não estava bem o Projeto, que conseguia fazer melhor. E os meus amigos:” És maluco? Então tens uma boa nota”. Nem era má nota, era uma nota média. É o primeiro ano em que estava um bocado mais exigente, já não tentava só passar.
[GF] - O Rui Pinto era muito afável e um bom conversador.
[AN] – Sim, fiquei também amigo dele, até hoje, por via da música…
[GF] - Passando para o 2º ano continuaste a usufruir de pessoas marcantes, como me disseste uma vez, por exemplo o António Quadros.
[AN] - Nós no 2º ano, o 2º ano é um ano muito importante para mim. Para mim, as grandes figuras na faculdade são essas: o Távora, e talvez ainda mais, o Quadros e o Botelho… para mim, na minha formação… e o João Álvaro Rocha a seguir .
[GF] - No 2º ano começas a actuar na Associação de estudantes?
[AN] - A partir do 2º ano começámos a organizar merdas e viagens e festas e churrascos e... /
Sim, a Associação. Eu julgo que no 2º ano, já estava na associação. Se não tivesse diretamente, estava já ligado a tudo o que se fazia. O 2º ano foi um ano de mudança radical, porque o 1º ano andei um bocado a ver o que isto era.
[GF] - O Nuno Almeida era uma pessoa super afável, era alguém que ajudava… Tu também tens esse teu perfil simpático!
[AN] - O Nuno era…, dava-me muito bem com o Nuno. /
Sim, eu sempre, modéstia à parte, eu tento ser… Eu tenho uma certa sociabilidade… /
Então fiz algumas coisas.
[GF] - Em 1995 editámos a “Unidade 5”. Mas antes o Moreno do teu ano com o meu conterrâneo Pedro Bandeira tinha feita a “Unidade 4”, em redor do tema do desenho. Talvez em 1993?
[AN] - Colaborei com a “Unidade” também, mas de uma forma modesta. No número 4. Em que tem o texto do Quadros. Temos que voltar ao Quadros que ele é aí muito importante!
Os projetos do Botelho estão nessa “Unidade” em que eu também colaborei, na altura; enfim, eu falei com o Botelho apesar de ainda não ter nenhum vínculo com ele.
Tem, tem várias coisas interessantes. Tem até um texto meu, do Moreno e também do Miguel Reis, que eu nem percebo muito bem como entra nele. Retrospectivamente não percebo muito bem como, porque o Reis, que era talvez o melhor aluno do nosso ano, a quem eu vim substituir aqui na faculdade, porque não lhe interessou a carreira académica, era um tipo muito distante de todas as contestações e actividades colectivas. Aliás, nem nunca foi muito do nosso grupo de amigos. Não sei muito bem o porquê e como é que ele caiu ali naquele texto. Não sei, já não lembro. Mas lembro-me de fazer esse texto com o Moreno e com o Reis…. mas o Reis também participou e não sei se com o Laje, já não me recordo bem. Mas esse texto tem vários autores. É um texto curto; e até é estranho, um texto tão curto ter tantos autores. Mas, entretanto, ao longo, a partir do início do 2º ano, recomeçamos as Páginas Negras.
[GF] - As “Páginas negras”, publicação com trabalhos de alunos.
[AN] – Sim, e participei na “Unidade”, deve ter sido em 93; porque é o meu 2º ano, 92/93. Eu, aliás, fui buscar as revistas com o Moreno. Eu acho que era, tem que se ver os números. Mas eu lembro-me… Mas aquele tema do “desenho” do 2º ano era muito importante.
[GF] - Ainda me lembro de ir eu buscar a prova da capa da “Unidade 5” - em cartão não cortado ee com as guias de corte impressas - que tinha design do Mário Moura.
[AN] - No meu 2º ano, no 2º ano confluem muitas coisas. Eu lembro-me de ir buscar as revistas no meu Mini original, não é dos minis pipis, que andam por aí agora. Fomos também buscar a “Unidade 4” à gráfica, e o carro vinha…, estás a ver o que é um Mini com a mala e os bancos de trás cheios de Unidades acabadas de imprimir. Entre outras coisas, não foi só isso que fiz na unidade. Mas também não fui… não tive um papel determinante. Participei nas discussões, fiz algumas coisas, nunca gostei muito de me por em bicos de pés. Gosto de participar nas coisas, mas depois não lido bem com excessivo protagonismo.
III.
[GF] - E retomando o 2º ano.
[AN] - Mas no 2º ano…. Depois do percurso do 1º ano que te referi, e depois com a leitura da “História da Arquitetura Moderna”, que 1100 páginas não é qualquer puto numas férias ou numa coisa do gênero que se aventura assim a ler aquilo de enfiada… E depois, com os outros livros que o Carlos Machado recomendou do Rossi e do Venturi.
[GF] - O Rossi e o Venturi. Nessa altura também se estava com fascínio no Grassi.
[AN] - O Carlos é uma pessoa, como tu sabes, muito peculiar nos teus gostos, muito estrito e nós sempre do contra. As discussões contra e a favor do Grassi, por exemplo, que era um fantástico arquitecto. O Grassi é nessa altura, era um personagem absolutamente central. Como o Rossi, não é? /
E relativamente a ele, Grassi, tinha uma relação amor-ódio com os edifícios do Grassi… a qual ainda tenho, acho incríveis e ao mesmo tempo desesperadamente secos. Por vezes monocórdicos, mas enfim. Fico ali dividido, sempre fiquei. Mas nesse ano foi muito engraçado, porque fizemos uma viagem qualquer a Santiago e não gostei nada da escola do Grassi, lá, na altura. Sempre achei que no Grassi a parte da pormenorização arquitetónica, aquilo…, os que eu vi ao vivo… Nunca fui a Chietti, dizem que é fantástico; mas eu só vi 2 edifícios ao vivo: o de Santiago e depois em Berlim, há pouco tempo. Mas nem um nem outro me encheram as medidas. Em Berlim, atenção, não foi o IBA, foi o mais recente que ele fez naquela zona junto à praça Potsdamer. Aquela parte nova da zona do muro. Bem, mas voltando ao 2º ano…. /
Em Santiago de Compostela. Uma escolinha que ele tem ao lado, na Galiza, uma coisa muito pequena, não gostei nada daquilo… /
Até viemos um bocado a pegar com o Carlos Machado na camionete. Nós éramos um pouco provocadores.
[GF] - Ah.
[AN] - Respeitei sempre muito os professores, principalmente os bons! O Botelho era outro deles ainda para mais, eu tive os 2 no mesmo ano, estás a ver o que era… para mim isso foi absolutamente marcante. /
Mas no 2º ano, o que é acontece? Já sabia umas coisas sobre arquitetura não é? E enfim, cada vez sentia que nos fazia falta a Teoria, e foi por isso que eu e o Moreno decidimos…. Mas eu acho que na altura era... Não quero dizer que eramos só nós, mas… /
Mas repara que o Moreno nem era do meu círculo mais próximo amigos, mas como eu e ele nos revíamos numa certa insatisfação e… De uma certa vontade de fazer coisas e de agitar as águas, porque achávamos aquilo um pouco chato, superficial até. /
Havia mais malta que alinhava. Ou que, pelo menos, que partilhava desta inquietude. Mas fazer, na altura de fazer e não sei o quê, eramos quase sempre nós. Espero não estar a ser injusto com ninguém, mas eu no outro dia até encontrei os rascunhos dessas cartas, da autogestão que eu escrevi na altura. /
Eu até escrevi, cartazes para pôr a malta refletir, participação nas AGE´s para as pessoas participarem, para discutirem… E cartas ao conselho executivo, pedagógico, científico. Éramos muito contestatários, mas não o éramos gratuitamente. Eu acho que havia razões para isso, não?
[GF] - Ah.
[AN] - Depois, o nosso 2º ano foi muito peculiar, e foi um 2º ano incrível, porque havia 2 pisos nas Belas artes. Eram 6 turmas, num piso estavam 3 turmas. No outro, estavam outras 3.
[GF] - O regente de projeto era o Ricardo Figueiredo, e os assistentes o João Álvaro Rocha, o Rui Pinto etc.
[AN] - Sim, e o Carlos Machado. Isto era o piso onde eu estava. Nós dizíamos os “Cá de cima”. Isto é muito interessante também. Repara, então no piso de cima, se quiseres, tinhas o Ricardo Figueiredo como regente de projeto. Só regente, dava as aulas teóricas e as aulas práticas de vez em quando, mas depois tinhas 3 turmas, uma tinha o Carlos Machado, outra o João Álvaro Rocha e outra o Rui Pinto, 3 professores de projeto.
[GF] - E lá em baixo tinhas o Manuel Correia Fernandes com a Madalena Silva, o Pedro Alarcão etc.
[AN] - Com o Daniel, que julgo que veio substituir o João Mendes Ribeiro na altura que se foi embora. Ainda hoje, estão no nosso 2º ano, não é?
[GF] - Pisos distintos também a Desenho, com o António Quadros e o Aberto Carneiro.
[AN] - Sim! Havia quase 2 escolas no ano. Os do piso de baixo diziam os “de lá de cima”, e nós dizíamos os “ de lá de baixo”. Havia claramente 2 anos. /
O Quadros era o nosso professor. Claro que nós, eu o Moreno, em particular, mas talvez outros, aproveitávamos e íamos beber do Carneiro também. Porque víamos que era, apesar de ser uma personagem, enfim um bocado petulante, que era um tipo inteligentíssimo e cultíssimo. Interessantíssimo, pelo que também bebíamos o que podíamos das aulas do Carneiro. E foi um ano de bastante efervescência. /
Foi nesse ano em que as aulas pararam uma semana, incluso a Projecto, por iniciativa do Quadros, dedicando-se o piso de cima a uma semana só para Desenho. Era o último ano que estava alguém nas Belas artes e por isso deixaram-nos fazer algo que foi incrível. Muita gente talvez não se lembre ou não saiba sequer, mas aconteceu que o piso de cima parou e fez uma coisa chamada “A semana do Desenho”. Em que o grupo de pessoas que organizava coisas, e que se dava bem com o Quadros - eu, o João Ventura, o Luís Vieira, o Armando Teixeira - enfim um grupo de malta e esses, sim talvez os meus amigos mais próximos...
[GF] - O irmão do Joaquim Teixeira.
[AN] - Sim. Constituímos o grupo que ajudámos o Quadros a fazer - porque nós queríamos fazer - uma Semana de desenho. Parou tudo e fizemos pintura durante uma semana, até body painting fizemos. Púnhamos papel de cenário nas paredes, e era de balde, com o corpo… Foi uma semana de desbunda total! Fantástica, uma libertação fantástica. E eu lembro-me de irem lá o Ricardo Figueiredo, o João Rocha, o Carlos Machado, o Rui Pinto, ou seja, os professores de projeto; e dizerem: “estão tão felizes”! Porque nós andávamos, sabes como é o 2º ano, com os dramas do mês da entrega por esta altura. E de repente para tudo (há incuso alguns slides disso ou fotografias) e faz-se uma semana de desenho total. Não se fez uma linha, não se falou uma vez do Projeto, só pintar e desbundar, e pôr música. E o Quadros ia para lá pintar também. /
Eu tenho um quadro do Quadros que comprei num leilão para uma das viagens que eu organizei com o grupo das viagens. Mas eu comprei-o; até nem fui eu que o licitei para evitar comentários. E esse quadro foi feito sobre um desses desenhos que nós fazíamos. Nem é meu, é de uma qualquer pessoa do meu ano. Pintávamos umas coisas, depois o Quadros ia lá e pintava por cima. E algumas coisas guardava porque achava que ficavam interessantes. Eu tenho um quadro assim. Comprei num Leilão que fizemos depois, no ano a seguir, para financiar uma viagem qualquer. Eram organizações que nós fazíamos e em que o comprei. ah, tudo isto funcionou lindamente até o dia… em que chegamos ao fim do ano.
[GF] - E?
[AN] - Não tem nada a ver com notas. Um pouco… Houve uma coisa que causou uma enorme revolta, principalmente nas turmas de cima, que foi o seguinte. Os professores decidem fazer uma série de trabalhos conjuntos, ok? Com História, com Construção, com Desenho e com o Projeto, ou seja, englobando todas as disciplinas, menos Geografia. Era só esta que ficava de fora, assim?
[GF] - A professora de Geografia, era a Lurdes.
[AN] - Sim. Lurdinhas, nós chamávamos-lhe a Lurdinhas. Ela até era interessante e competente, mas ninguém, ela própria, tinha noção que ninguém ligava muito. /
Mas, na realidade, tentaram unificar os trabalhos de todas as outras disciplinas, mas havia uma rivalidade grande entre o Quadros e o Carneiro.
[GF] - Dizes que havia uma rivalidade a certa altura entre o Quadros e o Carneiro. O assistente do Quadros eram o artista plástico Pedro Maia, e o do Carneiro era o designer Francisco Providência.
[AN] - Havia uma rivalidade muito grande e a certa altura… /
Era só um assistente, se bem me lembro, era só um. Porque estamos a falar de 4 - 2 regentes e 2 assistentes. Se bem me lembro era só um. O do Quadros era o Pedro Maia tenho a certeza absoluta, lembro-me perfeitamente, também um tipo muito interessante. /
A partir do meio do ano, mais ou menos por esta altura… isto coincidiu tudo um pouco…
[GF] – Dizias que em determinado momento do ano decidem lançar um trabalho conjunto envolvendo a maioria das disciplinas.
[AN] - Sim. De arquitetura… de Projeto, Desenho, Construção e História. /
Não me lembro se História entrava ou ficava de fora, mas o Salgado nunca era um problema. O Salgado era um tipo porreiro. E o Quadros diz que não falam com ele; que ninguém falou com ele, que marcaram um encontro e não apareceram e não sei o quê, e que não chegaram a acordo, mas decidem avançar. Os de baixo faziam com o mesmo trabalho, faziam 3 disciplinas e nós tínhamos que fazer o mesmo trabalho, mas fazíamos só com duas disciplinas apenas, e ainda tínhamos que fazer um terceiro trabalho! Nós atiramo-nos ao ar. Fizemos uma reunião primeiro, porque fazíamos as coisas bem, Primeiro convocamos o regente da cadeira para uma reunião connosco e com os alunos todos. E, em anfiteatro, levantamos as questões em público.
[GF] - O regente de construção era o Teles.
[AN] - Sim, foi com ele; ele foi impecável e prestou-se a vir falar connosco. Levantamos esse problema, que era injusto, porque nós íamos ter que fazer dois trabalhos em vez de um. E que no fundo, os outros eram avaliados com o trabalho de Projeto, Construção e Desenho. E nós ainda íamos ter que fazer um trabalho extra, o que naquela fase do ano era delicado. E ele disse, enfim na altura, que a culpa era do Quadros e do Carneiro. E eu na minha Inocência ainda fui tirar satisfações ao Providência. A saber se era verdade o que o Quadros dizia. Eu era um bocado assim. Não interessa, ainda fui tirar satisfações com ele. /
Mas então convocamos o Teles para uma reunião. Explicamos que não estávamos satisfeitos, frente a frente. E ele ouviu, respondeu. E nós chegamos ao fim e dissemos: ”Professor, desculpe, continuamos a não estar satisfeitos, vamos escrever uma carta ao Conselho pedagógico e ao Conselho científico dar conta de nossa insatisfação.”
[GF] - Mas estava essa metade do ano, ou eras tu e o Moreno?
[AN] - Nós tentávamos mobilizar o mais pessoas possível, porque, muita gente concordava, mas várias vezes nós fizemos abaixo-assinados sem muitos dos colegas, assinaturas que se reduziam a 1/3 do ano, pois as pessoas tinham medo. Eu até acho estúpido, eu nunca me senti minimamente menorizado. Está aqui a prova, estou aqui a dar aulas! Ironia do destino, fui dar aulas para uma das cadeiras que eu contestei. E de que eu não gostava na altura, até digo às vezes isso aos alunos: “Deixa lá pá, eu também não gostava disto” ah ah. Depois lá fizemos umas cartas ao Conselho executivo e ao Conselho de pedagógico.
[GF] - Acho que no Pedagógico devia estar o Domingos Tavares, e no executivo o Manuel Correia Fernandes.
[AN] - Eu acho que era. /
E o Quadros… nem toda a gente, sabe que foi o Quadros… (O Conselho pedagógico… não respondeu. As aulas vão acabar, eles que se amanhem). E o Quadros lá fez um pichagem em Belas artes: “Dom Mingus estava a ares”, ah ah. “Estava a ares” Escreveu lá assim, não assinou, mas toda a gente sabia que tinha sido ele. Pronto, mas isso aconteceu no 2º ano, aconteceu com Construção. Julgo que com mais nenhuma disciplina.
[GF] - Ah.
[AN] - E ao mesmo tempo fizemos, eu julgo que foi no 2º ano também, esse abaixo assinado para termos Teoria porque sentimos falta de uma cadeira assim.
[GF] - Dizes que fizeram abaixo assinado porque sentiam fata de disciplinas de teoria.
Eu penso que no meu segundo ano o Manuel Mendes era novo a dar a cadeira de MLAC.
[AN] - Nós éramos 120, não assinaram todos. Eram 120 alunos, mas o número de subscritores era baixo. As pessoas tinham medo de contestar, enfim…
[GF] - Ah.
[AN] - Depois havia professores, que vinham dizer, quando um gajo tirava uma nota menos boa e reclamava: “Ai querem contestar e ter boas notas, é impossível” não sei quê. Eu nunca achei muito, também não era… nunca me preocuparam assim tanto as notas. Na realidade eu fazia, quando tinha gosto fazia, quando conseguiam motivar-me fazia com gosto e até fazia muito. Entusiasmava-me e fazia diretas e era exigente com o trabalho, mas não estava ali preocupado se um teve 15. Se eu tinha 16, ou se eu tinha 16 e ele tinha 17. Nunca me preocupei muito com as notas sinceramente. Esforcei-me e tirei algum proveito, tinha uma média porreira, que na altura não tinha nada a ver com as de agora. Havia 2 pessoas no nosso ano de com média de 16. Que era a Rute Carlos e esse Miguel Reis, e a Joana Ribeiro, E depois havia médias de 15, que era eu, o Moreno, o Laje… a malta que está a dar aulas agora. Tínhamos todos média de 15. E havia talvez mais algum, não sei de cor.
[GF] - Seria como acontecia então. Eu acho que tive média de 16.
[AN] - Eram muito diferente as médias. Na altura, quando havia um 16 a Projeto a malta ia ver tipo: “houve um 16!” Há ali uma sala que teve 16, e íamos lá ver quem teve 16 a Projeto.
[GF] - Ah. E então a passagem do 2º para o 3º ano.
[AN] - Bem, mais adiante, entretanto, nesse 2º ano, convergiu uma série de coisas. Eu julgo que a entrada para Associação, se não foi um 2º, foi no 3º ano. Fico agora um pouco indeciso porque o 2º ano, ao mesmo tempo, teve uma peculiaridade. Que é, nós estávamos sozinhos em Belas artes. Era o último ano que ia estar em Belas artes e o 1º ano seguinte já estava cá. Por isso é que nós vínhamos ao Campo Alegre pelas aulas do Távora.
[GF] - Eu já não tive nada nas Belas artes.
[AN] - Eu tive 2 anos e nós estávamos sozinhos lá e Conselho executivo já gostava muito de nós. Porque nós, por exemplo, nessa semana do Desenho… Nessa semana borramos tudo e eles acharam que nós íamos destruir aquilo, só que devem ter pensado “Oh pá é o último ano, isto vai para obras e vai”. Mas nós deixámos as salas melhor do que estavam quando nós chegámos. Tal como passamos uma semana a desbundar, passamos por uma semana a limpar. Mas a limpar de escova as paredes e o chão! E a partir daí o conselho executivo ficou muito bem impressionado com o nosso ano, e sempre teve uma relação excelente. Desse ponto de vista da organização de coisas, deixavam-nos fazer tudo o que queríamos.
[GF] - Na direção estava o professor Alexandre Alves Costa ou o Manuel Correia Fernandes? O segundo está durante o meu tempo de curso; bem como o Domingos Tavares.
[AN] - Não me lembro se era o Alexandre; como estudante ainda foi ele, mas julgo que só no 1º ano… ou o Correia Fernandes. Mas lembro-me que eles gostavam muito de nós.
O nome Alves Costa era assim distante então, porque quer dizer, nós estávamos lá em baixo em Belas artes. O Alves Costa era assim uma figura mítica, sabíamos que era o diretor e que era importante. Toda a gente falava no Alexandre Alves Costa. Mas para nós era uma relação distante.
[GF] - O professor Alexandre Alves Costa encabeçava a direção da FAUP, seguramente parece-me ainda no tempo do ano do Bandeira e do Camilo Rebelo.
[AN] - Para o meu ano… porque nós estávamos com eles em Belas artes.
O ano anterior a nós também é um ano que tinha essa malta, tinha uma série de malta que também se mexia muito e que acho que teve alguma importância nesse sentido, de nos mostrar também que se podia fazer coisas e mexer.
[GF] - Havia alguma relação entre anos. Eu lembro-me perfeitamente de ti. A “Unidade 5” envolvia-me a mim, ao André Tavares do ano abaixo (chegámos a circular uma fotocopia tipo manifesto), ao Moreno do ano acima, e até ao Bandeira que devia estar a ou já ter acabado. /
Incluso na vida fora da faculdade, lembro-me de festas e saídas. Aquele teu amigo, o João Ventura acho que era um amigo da júlia do ano do André Tavares?
[AN] - Sim, sim.
[GF] - E havia uns churrascos, e festas num bairro onde estavam hospedados alguns estudantes italianos.
[AN] - Sim, no Bairro Inês. Sim, eu dava-me muito bem com essa malta toda.
[GF] - Portanto havia ligações entre uns anos e os outros.
[AN] - Havia, mas que tinham mais a ver com essas afinidades.
[GF] - Ah.
[AN] - Eu nunca me identifiquei com o[outro] o grupo de “Amigos de Alex”, como lhe chamávamos. Brincando com esse título do filme. /
Nós não, não… /
Há uma certa Independência. Eu sempre fui um bocadinho do contra. Se toda a gente gritar branco, eu começa-me a dar vontade de dizer preto. Se toda a gente gritar preto… Isto não é num sentido de uma contradição pura, sem motivo; mas não gosto muito da carneirada e até às vezes um gajo também faz erros ao fazer isso. Nunca está sempre do lado da verdade, mas é uma coisa que sempre me irritou: fazer as coisas só porque os outros fazem. /
E depois, há uma coisa que sempre eu fui contra. E aí fui sempre inflexível. Que é com a vassalagem. Como tu já tiveste várias oportunidades de testemunhar, há coisas que eu nunca gostei. E como às vezes, enfim, havia alguns grupos que faziam um pouco de vassalagem e eu afastava-me desses grupos e até preferia participar apenas no que me interessava. Sim. Eu às vezes preferia participar nas coisas com low profile.
[GF] - Mas isso presumo que houvesse sempre, em todos os anos, pessoas com maior tendência para, em situações concretas, se disporem a tal vassalagem.
[AN] - Mas eu; apesar do repúdio da vassalagem, no âmbito de uma determinada ação podia ser próximo de membros desse grupo; até a protestar. Até já estive em situações com esses grupos quando estamos a falar de acções com essas pessoas. /
Mas quando começava a haver exibicionismo ou vassalagem eu afastava-me. Chegava-me 3 metros para trás. Não, eu não fiquei para ver como estava na fotografia.
[GF] - Algumas situações cómicas.
[AN] - Eu também achava. Agora estou a pensar durante o 2º ano. Muitas vezes isto era confundido com menos protagonismo, com menos inteligência e com menos cultura. Eu lembro-me de uma vez, fui com o Moreno a casa do Carneiro em que ele pura e simplesmente me ignorou, e vira-se para o Moreno, e estava a ouvir uma suite de Bach que eu conhecia muito bem, isto é lindo e depois olha para mim e diz: tu não… e eu farto de conhecer. Enfim, por vezes a Escola podia ser um pouco preconceituosa, também…
[GF] - Mas vê, se calhar alguns desses estudantes quiçá de resto até eram é manipulados de alguma forma.
[AN] - Eu nunca me senti manipulado, talvez por nunca ter prestado vassalagem; mas admito que sim, que isso pudesse existir.
[GF] - E também pelo contrário, presumo que muitos docentes expressassem e expressem hoje respeito pelo estudantes que os criticavam, e vice-versa.
[AN] - Sim e claro que há algumas coisas que percebo hoje e que não percebia na altura.
[GF] - Muitas dos que enquanto estudantes não deixaram de tecer críticas, também não deixaram de ser pela própria faculdade integrados na instituição, seja aqui ou em escolas congéneres.
[AN] - Repara, eu também vim cá ter.
[GF] - Em qualquer instituição presumo que haja os que comam da mão e os que não comam da mão.
[AN] - Não como da mão. Nem nunca tentei comer.
[GF] - Não me refiro a ninguém em particular. E menos a ti. Eu seguramente que nesse sentido não devo nada a ninguém.
[AN] - Eu também não, já disse isso muitas vezes em público. Eu não devo nada a ninguém.
[GF] - Acontece também é que muitos pessoas quando foram críticas, por vezes fizeram-o nem sempre genuinamente mas por uma espécie de jogo duplo.
[AN] - Sim, sim.
Completamente, mas eu… Até me afastava e muitas vezes até isso era confundido até com: “Este gajo está no meio destes gajos tão brilhantes e é tão low profile”. Nunca mais me esquece. Uma vez que fui a casa do Carneiro, podíamos eu e Joaquim moreno, estávamos a organizar o leilão… Ou melhor eu estava organizar com outro grupo de amigos, no qual o Joaquim não participava a Viagem de Estudo, nós organizávamos as viagens, não os professores. /
O grupo que organizava as viagens, não tinha nada a ver com o Joaquim. Era, olha, eu tenho mais de 2 ou 3 nomes, talvez também alinhassem um pouco por esse diapasão.
[GF] - Parece-me que, por exemplo, devia ser essa a atitude do Nuno, do Luís e tantos outros que tiveram participação na escola e no associativismo etc.
[AN] - Sim, sim, sim. Por isso é que eu só com eles fui da Associação. Porque eu achei que era uns gajos que não tinham Hidden agendas que eram o que eram. E eu sempre apreciei essa frontalidade. Portanto…
[GF] - Os que ficam, nem sempre foram essas pessoas. Mas ficam muitos, com múltiplos perfis e por distintas competências. /
E desviando-me agora para o domínio da crítica arquitectónica, por exemplo, é muito importante manter a capacidade de meta-análise, com consciência que ao teorizar interferimos como observadores no sistema que observamos.
[AN] - Eu perdi a ligação. Quer dizer, o contacto. O Calau estava em Espanha, tu sabes.
[GF] - Mas ficam muitos.
[AN] - Por exemplo, a Rute. A Rute Carlos era a melhor aluna do meu ano, e está, no Minho.
[GF] - Porto, Minho ou outras escolas congéneres.
[AN] - O Miguel Reis também nunca esteve ligado a nada. Até ao contrário, Miguel era um tipo que não se interessava muito por nada disto. Na realidade, nem participava em nada mas esteve cá a dar aulas, e só saiu porque quis. Era muito bom aluno, até um tipo simpático… Por exemplo, essas questões da teoria ele era culto, não era um gajo básico daqueles que só é muito bom a projeto… mas não era um tipo que não se metia nas coisas, participava pouco na vida da faculdade.
[GF] - O José Miguel Rodrigues, era mais velho que nós, do ano do Nuno Brandão.
[AN] - Sim, o Nuno Brandão ainda é mais velho que o Camilo. /
Acho que quem é mais novo que o Brandão é o Valentim. Mas esses conhecia mal nessa altura.
IV.
[GF] - Ah.
[AN] - Portanto, nesse 2º ano, convergiu em uma série de coisas e depois começou-se a montar também um outro grupo, que era o que eu te ia falar a propósito do Carneiro, Que era o grupo que organizava as viagens de estudo, mas não organizava com os professores, como acontece hoje. Nós é que organizávamos sozinhos e depois convidávamos os professores para ir. E organizámos várias a partir do 2º ano. No 1º ano eu não participei, porque, como te disse andava um pouco atrapalhado, e até acho que a viagem a Évora terão sido os professores a organizar, mas daí para a frente fomos sempre nós…
[GF] - Organizaram uma viagem a Barcelona no 2º ano.
[AN] - Sim, no segundo ano organizamos uma ida a Barcelona, que ficou 8 dias, ou 10 dias por 8 contos (40Euros) na altura, que era baratíssima, e foi um sucesso. Toda a gente foi. Um dos nossos objetivos era organizar viagens em que toda a gente pudesse ir! E quem não pudesse ir pagava com o trabalho, participava na organização e ia de borla. Havia gajos que faziam caricaturas, havia gajos que faziam isto e aquilo. E ninguém, não havia ninguém que dissesse, só se tivesse vergonha de admitir, mas que dissesse eu não vou à viagem porque não tenho dinheiro. Esse era um dos pontos de base da organização das viagens. /
Mas a partir das viagens também se criou ali um grupo de malta que fez uma série de coisas. Que era eu, a Joana Almendra, o Laje, a Susana Machado, que está na ordem, o Filipe Assunção, o madeirense, a mulher dele, que era a Dani. Havia ali um grupo, o Guido, o Armando, o Abílio. Esses é que eram, talvez, verdadeiramente, o meu círculo de amigos. E esse era o grupo com quem eu era mais próximo durante a faculdade e que também fizemos uma série coisas.
[GF] - O Pedro Costa era do teu ano, é porreiro.
[AN] - Pedro Costa também era desse grupo, era do nosso grupo de amigos, mas o Pedro Costa depois afastou-se um pouco. /
[GF] - O Pedro Costa é um arquiteto que adquiriu alguma projeção em Lisboa. Tanto que em 2004 esteve na exposição “Tracing Portugal” que comissariei com o pedro castelo na Architectural Association com apoio da Gulbenkian.
[AN] - Pedro Costa, que era no meu ano. Eu fiz a prova de entrada da pré-requisitos ao lado dele e conheci-o, foi a primeira pessoa que eu conheci, até ficamos amigos logo desde o início.
[GF] - Ah.
[AN] - Pá, só que é assim, um tipo cá vai convivendo com as pessoas que estão aqui mais próximas. Houve um início do curso em que eu saía muito e dava muito com 4 ou 5 tipos, que eram os que eu conhecia na altura e eram os que saíam mais. Depois, comecei a selecionar as pessoas que eu achava mais porreiras, mais genuínas. E até deixei quase de me dar com esse grupo. Ou com quase todos os desse grupo. Só se manteve um, ainda há pouco tempo, fiz um projeto para ele. Mas, passei a andar o meu grupo de amigos era o irmão do Joaquim, o Armando. E o Ventura, que é o meu sócio. Aliás, sempre pensamos em montar os 3 o escritório. O Armando é que depois começou a trabalhar na Gaiurb. E ficou por ali e não quis montar escritório. É uma pessoa também peculiar desse ponto de vista. /
E depois um outro colega, o Luís Vieira, que foi morar para Paredes, e que casou. Foi uma história engraçada, uma história tipo Romeu e Julieta. Casou às escondidas com uma colega nossa que não queria que os pais…. os pais não queriam que ela casasse com ele. Casaram às escondidas, só nós é que fomos ao casamento. Foi uma coisa fantástica e depois esse meu amigo acabou por dirigir a empresa do sogro. Casou às escondidas do sogro e acabou por ser ele a ajudá-lo…O nosso grupo era esse grupo de amigos, que ainda hoje são.
[GF] - Era esse grupo que organizava as viagens. E que fazia outras coisas completamente desinteressadas.
[AN] - Esse é que era o meu grupo de amigos. O Moreno não estava nesse grupo.
[GF] - Não estava nesse grupo de amigos?
[AN] - O Moreno é também um bom amigo meu, mas não é daquele núcleo. Organozámos e fizemos muita coisa juntos…Mas nessa altura, meu grupo de amigos era este grupo, o meu sócio, meu grande amigo - o Ventura, o Armando Teixeira, que ainda hoje é, Joana Almendra, a Lila que que era uma outra amiga, a Rute Carlos, o Guido Gouveia, o Abílio Mourão, a Susana Machado.
V.
[GF] - Recordações.
[AN] - A Rute era, sempre foi uma…. era a melhor aluna do nosso ano, ou andava ali taco a taco com o Miguel. Eu acho que ela sabia a qualidade que tinha, mas não andava também a prestar vassalagem. Eu acho que a Rute entrou, eu concorri a um concurso onde a Rute e julgo que a Joana Ribeiro entraram no Minho, mas fui lá e sabia que não tinha hipótese. Então a dar aulas estava ela, estava o Miguel, o Miguel Reis já estava aqui, mas estava a malta com notas melhores que eu. Até disse ao Sérgio, que era na altura que estava a fazer as entrevistas e era o Alexandre. “Bem eu vim aqui, mas sei que não tenho grandes hipóteses de entrar, na realidade, porque vocês tem quem tenha melhor média que eu e só há 2 lugares.” Mas fui a muitos concursos demonstrar o interesse que sempre tive em dar aulas. Sempre foi uma coisa que eu achei que gostaria de fazer. Sempre foi um dos meus objetivos, mas depois de acabar o curso.
[GF] - Mas retomando o geral.
No 1º, 2º ou 3º ano do curso, conforma-se tudo não é?
[AN] - É sim.
[GF] - Mas não me fales da vida só de alguns, mas do ambiente geral da faculdade.
[AN] - Pois ainda não falei muito disso. /
Ambiente da escola. Aspetos fundamentais, primeiro a presença em Belas artes. Convívio com Belas artes: os nossos amigos eram artistas plásticos. Nós, nos tempos livres, o que fazíamos era ir ao cinema e ver exposições desses nossos amigos. Eu posso dizer que durante a minha formação, não deve ter havido praticamente nenhum filme de cinema de autor no Porto, ou nenhuma exposição de artes plásticas que eu não tenha visto. E isso tinha a ver com esse convívio com essa vibração, com essa ligação. Eles iam às nossas viagens, nós íamos às deles, às festas uns dos outros. Por isso é que muita gente é casado, na nossa geração, com artistas, sejam casais bissexuais, homossexuais, heterossexuais. São casais que se fizeram, casados ou não, não interessa, que se fizeram nessa altura. E isso para mim é absolutamente determinante na minha formação. E é uma coisa que eu sinto falta.
[GF] - Esses 2 anos?
[AN] - Esse convívio com Belas-Artes, que eu, acho que a faculdade perdeu muito em sair desse convívio. Brutalmente. Não é muito enriquecido hoje, o perfil do arquiteto.
[GF] - E eu percebo que tu vês como positivo.
[AN] - Como positivo, como muito positivo. O perfil do arquiteto mudou radicalmente com essa saída e eu acho que o perfil do arquiteto, hoje em dia, de há uns anos para cá é muito mais “mainstream”, muito menos alternativo. Em todos os aspectos do consumo de cultura, da música, do cinema, do que vê, do que era nessa altura. Claro que há exceções felizmente, não é? E tu em Teoria deves sentir isso. Mas hoje em dia um aluno de arquitetura é muito diferente.
[GF] - O meu ano teve muitíssimas coisas interessantes, mas já não aulas na Belas artes.
[AN] - Ai pois sim! Pensando retrospetivamente, acho que aí uma perda enorme nessa saída… é determinante. Voltando ao ambiente da escola. Até ao 2º ano, a relação com poder institucional é muito distante. Nós estávamos lá desterrados nas Belas artes, estávamos felizes, não sentimos falta. Mas eu não sabia quem era o Alexandre, sabia que havia um diretor chamado Alexandre Alves Costa; para mim, se calhar não era assim para todos os do meu ano. Mas para mim, era algo muito distante, percebes?
Não tinha presença. Tanto é que quando viemos para cá no 3º ano, até tínhamos uma certa curiosidade porque ouviamos falar do diretor. E aí, as reverências, aquelas conversas. Para nós, aquilo era absolutamente irrelevante, sinceramente. Começou a ser relevante, quando nós começamos a contestar, tínhamos de saber a quem dirigimos as cartas! E nunca nos preocupou se era este ou aquele. Nós dizíamos o que achávamos, às vezes com razão, outras vezes, se calhar, sem, mas dizíamos o que achávamos
[GF] - O Correia Fernandes então deve ter assumido a direcção nesses anos?
[AN] - O Correia Fernandes, acho que ele só se tornou diretor no fim do 3º, ou até já no 4º ano.
[GF] - Tiveste relação.
[AN] - Com o Correia Fernandes?
De repente, eu passei para a Associação de estudantes que temos aqui. Através da associação de estudantes, vamos tendo alguns contactos, porque estávamos a mexer com… a organizar as coisas, e eu acho que já era o Correia Fernandes. Estávamos sempre a organizar coisas e com a Associação e não sei o quê. E sempre tivemos um maior acolhimento possível a tudo o que queríamos fazer. A partir dessa semana de Desenho nas Belas artes tudo o que nós dava na telha fazer, diziam-nos que sim. Porque também sabiam que nós fazíamos um churrasco e arrumávamos. Fazíamos uma coisa qualquer de não sei o quê e limpávamos. Então, não dávamos chatices, fazíamos às vezes umas coisas fora do baralho, mas depois deixávamos tudo bem, não era do género “está feito, agora, olha, quem quiser que limpe”. Sempre tivemos, aí posso dizer, que sempre tivemos o maior acolhimento para tudo. Exposições, leilões, as viagens, festas. Tudo o que quisermos fazer, fizemos. Tínhamos esse compromisso e portávamo-nos à altura. Éramos um grupo, malta que se alguém tivesse, por exemplo, um comportamento menos correcto, nós intervínhamos. Eu lembro-me de impedir pessoas de roubar mobiliário da faculdade. Encostavam ali o carro, abriram as portas e começaram a carregar. E dizíamos - “Então? essa merda é de todos!”, e impedíamos - havia esta postura também, não era só contestar. /
O que se pode retirar disto é também uma preocupação com o contributo que pode dar a isto, não é? Portanto, isso acho que foi importante. Mas desse ponto de vista nunca tivemos, com nenhuma das direções, nenhuma espécie de conflito e mesmo depois de fazermos essas cartas contestatárias no 2º ano e noutros. Curiosamente, agora que vejo retroativamente, teve muito a ver com a disciplina Construção e com ausência de disciplinas de Teoria. /
É, no 3º ano, voltamo-nos a chatear com os docentes de construção. Entramos em autogestão como eu te contei. Mas sinto que isso nunca mudou, nunca perturbou. o que eu até achava…
[GF] - No 3º ano estavam professores como o Alcino Soutinho.
[AN] - Era o Soutinho, o regente. Era um tipo que sabia imenso de construção quando ele queria dar aulas dava aulas fantásticas, mas isso acontecia muito raramente!
[GF] - Na altura, era uma Estrela internacional. Muitos estudantes, por exemplo Erasmus italianos, adoravam-no. /
[AN] - Os Erasums. O Soutinho era, na altura, uma Estrela internacional, mas não estás a ver O gajo chegava à Casa das Artes, dava meia hora de aulas e dizia “Bem, está provado que o cérebro humano só consegue concentrar-se durante meia hora, precisamos de acabar. Para a semana estou em Veneza, a seguir em Milão, a seguir não sei o quê, vemo-nos daqui a um mês”. Depois chegava e fazia o mesmo… /
E isto quando nós tínhamos chegado a uma altura, em que sempre tentamos e até nos interessava bastante o problema da construção e da relação com a arquitetura.
Ele faz uma entrega, um pedido de entrega, que é sobre o trabalho do ano anterior. E nós mandámo-lo passear, entramos em autogestão: “Nós queremos trabalhar sobre o projeto que estamos a fazer, por isso vamos fazer um corte, um pormenor, não sei quê”; fizemos uma ficha de entrega… e era uma entrega exigente! Fizemos, e eles avaliaram-nos com isso. Mas na realidade, assim foi. Depois desentendiam-se, há imensas histórias dos desentendimentos deles. /
[GF] - Deles quem?
[AN] - Do Soutinho com os assistentes.
[GF] - Assistentes de Construção?
[AN] - Era o Adalberto… eu não me quero enganar, mas acho que nesse ano era o Adalberto e o Menéres. /
Pois o Soutinho, nós convocávamos para essas reuniões de contestação. E ele usava linguagem deste género, “mas querem que eu abra mais as pernas”. E uma vez aconteceu uma cena gaga.
[GF] - Nós no meu ano não tínhamos dessas cenas.
[AN] - É, íamos aqui, até foi aqui. E o Adalberto chega e nós convidámo-lo para ir beber uma cerveja connosco à Ribeira, e ele diz: “No dia da entrega ?! e nós: o Soutinho adiou a entrega e ele não sabia! E diz: “Aí o filho da…”
[GF] - O Soutinho fui uma personagem importante da escola do Porto. Com a Câmara de Matosinhos e demais, tendo em determinado momento protagonismo incluso Internacional.
[AN] - Era um arquiteto… era uma estrela Os italianos vinham cá.
[GF] – Protagonismo então ainda superior ao Souto Moura.
[AN] - Conheciam o Siza, o Italianos exaltavam-no.
O Souto Moura, pouco, e nessa altura era muito contestado na faculdade, coisa que hoje muita gente esquece. A muita gente custou-lhe muito aceitar o Priztker do Souto Moura. Muita gente hoje em dia é: “O Eduardo, o Eduardo”, mas não foi sempre assim.
[GF] - Eu lembro-me e na altura as estrelas da faculdade, era o Siza, obviamente, e depois o Távora e o Soutinho.
[AN] - Pois é.
[GF] - Mas o Souto Moura vinha logo ao lado e era já então uma estrela em ascensão.
[AN] - Para os alunos que já viam naquilo algum interesse, era aliás o meu caso; comprei logo o livrinho da Gustavo Gilli e a monografia da Blau.
[GF] - Eu também o da Blau e acho que o outro quadrado.
[AN] - Começou 3 anos depois disso que estás a falar, já no fim do meu curso: O meu ano, copiou já muito o Souto Moura. Mas com bastante resistência de muitos professores. Não era uma personagem consensual, de todo.
[GF] - No meu ano interessava a muitos de nós.
Mas até pouco antes que o meu ano… houve uma altura que que a escola ia sendo Rossiana, não é?
[AN] - Sim, havia muito .
[GF] - Essa estética…
No meu ano o Nuno Sotto Maior, que era quem melhor desdenhava, fazia uns desenhos, assim com marcadores à Grassi. E eu também desenhava e fiz a entrega de Projecto do 2º ano assim. Desenhávamos a 0.13 mas o contorno era mais grosso.
[AN] - Sim, nós também. Tentámos todos a copiar os desenhos do Grassi.
[GF] - Mas em anos posteriores isso depois desapareceu.
[AN] - Foi? Eu não tenho essa noção, o Grassi ainda veio cá quando nós éramos alunos.
[GF] - No 3º ano, a Sónia da minha turma do 3º ano por exemplo era uma das que também gostava de Souto Moura. Namorava com o Camilo, que anos mais tarde trabalharia no Herzog e de Meuron.
[AN] - Sim, a Sónia Neves.
[GF] - A onda italiana já perdia força. Por acaso ainda fui ver coisas, em Espanha e Itália e nos EUA.
[AN] - O Rossi e o Grassi eram centrais naquela altura, centrais. No meu segundo ano, os professores eram malucos por Rossi e pelo Grassi. E mesmo o João…
O João Rocha era muito, era um admirador. A habitação social do João Rocha. Ainda tem muito a ver, as implantações e tudo com Grassi. Nos buraquinhos quadrados, na relação cheio/vazio, no tijolo, os pentes e as implantações em pente, aquilo é muito Grassi. Mais Grassi que Rossi. E a geração do Machado é uma geração também influenciada pela Tendenza. O Zé Miguel.
[GF] - O Zé Miguel traduziu o Grassi.
[AN] - Mas nessa altura, o Grassi era muito forte e o Souto Moura era uma pedrada no charco, não é? Porque às vezes as pessoas parece que esquecem que nessa altura o próprio o Soutinho, e até o Siza, piscavam um olho ao Pós-moderno, piscavam o olho e andavam ali.
[GF] - No final dos anos 80 é que essa vertente também se experimentou. Mas o pós-modernismo comporta diversos vectores, sendo que o “regionalismo crítico” não deixa de ser um deles.
[AN] - Diziam que não queriam ser Pós-modernos mas nos desenhos, na forma de trabalhar, acho que não se pode dizer isso. E, entretanto, o Souto Moura, na Casa das Artes.
[GF] - E antes, lembra-te que o Gregotti associou o Siza a alguns aspectos de Venturi em meados dos dos anos 70, e que Siza trouxe do estrangeiro uma cópia do “Complexidade e contradição em arquitectura”. Ou que Souto Moura foi ao workshop do Rossi em Espanha, e que no início incorpora detalhes de capitéis e colagens.
[AN] - Mas o Souto Moura, quando faz a Casa das Artes foi uma pedrada no charco. Tendo havido outras propostas no concurso. As pessoas hoje não tem bem noção da importância da Casa das Artes no contexto da arquitetura, então. O júri, eu falo disso no doutoramento porque me interessa muito. Eu ando há anos á procura do resumo das propostas que entregaram, porque eu tive numa altura qualquer com a Publicação disso na mão e nunca mais encontrei, Eu gostava de ter isso.
[GF] - Já vi.
[AN] - Tu vês. O Souto Moura está noutro planeta. Aliás, conta-se que o júri, está escrito, o Siza tem isso escrito num texto, e isto pode ser verdade ou não, que o júri achou que era um modernista que tinha feito um projeto de tardio. Isso para mim é muito significativo do ponto de vista da teoria e da história da arquitetura portuguesa.
[GF] - A Casa das Artes é um edifícios com importância chave dentro do panorama da história da arquitetura portuguesa. O muro, bem como o conceito de ruína etc.
[AN] - Eu falei nisso no doutoramento, mas isso vale o que vale. /
Na minha opinião, para nós a Casa das Artes era… ainda para mais, tínhamos a sorte, ter aulas lá que com aquilo acabado de construir, estás a ver o que é os putos? De repente; aquilo é uma explosão.
[GF] - A materialidade, a organização em planta que é uma coisa muito bem feita, e a maneira como é inserida ali.
[AN] - E depois lá é um edifício irresistível. Portanto, a Casa das Artes é um edifício muito importante. Coloca Souto Moura na última parte do curso a par do Grassi e do Rossi e dessa relação… entre as referências da altura.
[GF] - Depois há uma costela que provem da Europa central, que está a adequirir corpo nessa altura. Refirmo-me aos Herzog, ao Koolhaas, e depois ao Zumptor. E que está na altura também a tornar-se muito importante como referência.
[AN] - Sim, atenção, ao mesmo tempo que o Souto Moura mais ou menos. Nessa altura, que o Herzog emerge, pelo menos para mim foi no 3º, 4º ano.
[GF] - A mim acho que… No 4º ano já tínhamos ido á Holanda e havia muitas referências.
[AN] - Mas eu ainda apanhei o Koolhaas.
Então nós fomos no 3º ano; um dos edifícios que me marcou mais, até na viagem que organizámos à Holanda. Dos edifícios contemporâneos da altura, porque o Movimento Moderno para mim sempre foi fundamental, talvez pelo Benevolo, fiquei com um fascínio enorme…Mas um dos edifícios contemporâneos que me marcou na viagem, foi o Kunsthal.
[GF] - Pois. A casa da piscina na cobertura, o Kunsthal etc.
[AN] - O Kunsthal em Roterdão, do Koolhaas. A maneira de como o gajo na altura, usava materiais que nos aqui criticávamos como os plásticos ondulados, os alumínios. Para fazer um edifício incrível, e que depois é implantado uma forma magnífica no parque, na continuidade do percurso, convidando quem passa a entrar. O contrário do que ele faz aqui no Porto ah ah Mas lá, em Roterdão, é um edifício que convida toda a gente a entrar no museu, aqui na Casa da Música é o contrário.
[GF] - A Casa da música.
[AN] - Aqui é um edifício que diz “eu sou”: em cima está gente que ouve música erudita e em baixo, a gentalha, que só ouve pimba e Quim Barreiros. Eu gosto do edifício mas acho de uma certa agressividade com as pessoas que passam. Não acho acolhedor com as pessoas, não acho um edifício nada inclusivo: é o contrário da ideia das casas da música que se estavam fazer na Europa, na altura. Que era puxar as pessoas que passavam para o mundo maravilhoso da música! /
Eu por acaso já ouvia concertos de música erudita desde a adolescência. Levei até muitos amigos lá e não houve nenhum dos que entravam lá, a rir-se não é? Daquela coisa velha, de tipos de entrar de tramelinho e afinar instrumentos com o aro. Mas, nenhum deixou de sair lá completamente viciado. Porque é uma experiência absolutamente fantástica, tu vês uma interpretação de uma peça orquestral. Eu acho que é uma coisa fantástica, qualquer pessoa que tem essa oportunidade, pode não ficar viciado, mas indiferente não lhe fica. E esta casa é tudo, menos isso. Ninguém que vá passar ali a apanhar o seu metro para ir para o seu trabalho, vai deixar de o fazer para entrar na Casa da Música porque ela está completamente longe dos circuitos, não deixa ver nada do que se passa lá dentro, não te puxa para dentro. Não ouves a música. Isso é que para mim é que…. Aquela casa está, a única justificação para aquela casa naquele o sítio é essa. É ser um edifício que puxa as pessoas para a música. /
Seria isso. Que é o que não é.
[GF] - A gente passa ao pé de um anfiteatro noutra cidade da europa…
[AN] - Sim e aqui não ouves. Uma das coisas que eu achava incrível, era quando passavas na rua do conservatório, ouvir os gajos a fazer as escalas. /
[GF] - Olha acabámos por falar de 3 obras marcantes na minha opinião no Porto - A Casa das Artes nos anos 80, a FAUP nos 0s, e a Casa da Música nos 2000s. /
De resto, há um momento que parece que em Portugal se está defronte da eminência de: ou escolher Koolhas ou Peter Zumthor. /
E depois, eu acho que é uma obra importantíssima é o Metro. Porque Souto Moura demonstra à metodologia da escola do Porto a capacidade de pelo desenho controlar a escala metropolitana. /
Bem, pelo meio, depois de sensíveis intervenções patrimoniais pelo Távora etc, o Souto Moura também atravessa a fase em que aumenta de escala desde sofisticadas casas unifamiliares para grandes equipamentos (incluindo também intervenções em vários edifícios patrimoniais). /
A questão foi se o dito método do desenho da escola do Porto que se aplicava à escala do edifícios, também poderia servir com rigor o controle de problemas complexos de grande escala. O controle das cotas, das linhas, das estações…
[AN] - Sim claro, sem dúvida. Sabes, quando o João me convida para coordenar as oito estações de metro, ir às reuniões com os presidentes da Câmara, com aquelas equipas gigantescas de engenharias, eu fiquei apavorado, confesso. Mas verifiquei que com o mesmo método dos outros projectos e com estudo e rigor se fazia, igualmente.
[GF] - Até diria que isso revalida o que tinha acontecido antes com o Chiado desde final dos anos 80. A entrega desse problema a Siza, representa uma vitória, e para muitos uma afirmação da escola do Porto relativamente à de Lisboa. A meu ver, obras de Souto Moura como o Metro representa uma revalidação dessa competência.
[AN] - Desde logo, quando Souto Moura vai ao encontro de arquitetos na Galiza apresentar as obras que tinha na altura. E o Portas em público, diz, talvez acicatado pela sua costela ainda anti-moderna: “Estou para ver se isto não serão umas casinhas para burgueses sem importância nenhuma”. /
Viu-se que não eram! O grande fotógrafo Luís Ferreira Alves faz mais tarde um documentário sobre o Souto Moura e termina a dizer “assim se viu que não eram só umas casinhas para burgueses, como alguém disse”.
[GF] - Portas também já tinha cortado com o Siza nessa altura ou pelo menos com criticava a tentativa de mimésis da sua estética (a seu ver pela escola(. No entanto, como crítico de arquitectura, numa fase inicial foi importantíssimo para a promoção incluso internacional da escola do Porto.
[AN] - Com o Siza e com o Souto Moura ainda mais. /
O Souto Moura é um exemplo… quer dizer num encontro de arquitetos dizer que o colega da delegação faz umas casitas sem importância para burgueses ricos. de uma total da falta de oportunidade.
[GF] - O Portas veio para a escola do Porto nos anos 80. Quando eramos estudantes em início dos 90 ele acho que já era o presidente do científico?
[AN] - Sim.
[GF] - Por vezes sentimos clivagens internas.
[AN] - Sim, o Portas tem essa costela que nunca abandonou, completamente; uma costela anti-moderna.
[GF] - Nos 90s vivíamos já com várias escolas?
[AN] - Sim, acho que esta costela anti-moderna quase todos têm. O Alexandre também tem, o Sérgio menos…. O Correia Fernandes de forma um pouco diferente .
[GF] - Eram subescolas parecidas, pelo que se calhar ainda sentimos que havia ou há uma escola?
[AN] - Há, eu acho que há.
[GF] - Havia sobretudo a escola dos protagonistas que atrás fomos aludindo. Mas havia também uma escola do urbanismo que era o professor Nuno Portas.
[AN] - Sim.
[GF] - O Portas é uma coisa incrivél. /
Foi um crítico de arquitectura notável, passou pelo LNEC, e pessoalmente na minha altura gostei muito das suas aulas concernentes á escala e escola urbana. Era um intelectual excecional.
[AN] - Era outra coisa, eu gostei de ter aulas com o Portas Era….. não, É! um homem excecional e eu gostei muito ter aulas com ele e era um professor impecável.
Discordo com muita coisa do que o Portas escreve, ou diz sobre a Arquitetura Moderna, então, valha-me deus!
[GF] - E tem uma carreira do caraças, saltaou entre mútiplas áreas de foco ao longo da sua vida.
[AN] - Sim. Claro! Foi de uma grande inteligência, foi uma grande carreira, sem dúvida.
[GF] - Passou por várias fazes, já viste? Como historiador, como investigador, na urbanística.
[AN] - Que não tem nada a ver com o Siza; o Távora trazê-lo o para a mesma escola, (o Portas), foi de uma inteligência fantástica que fez muito da nossa escola. Por que seria uma pessoa que até teria todas as condições para estar no campo oposto ou em qualquer campo. E ele conseguiu…
[GF] - Parece-me que a nossa escola e seus tempos resulta também dessa pluralidade.
[AN] - Pois é.
Que é muito interessante, porque o Portas, quer dizer, o que o Portas e o Távora propõem para a arquitetura portuguesa não tem nada a ver um com o outro. /
Só com muito esforço é que se podem pôr no mesmo desígnio (também me diverti a explorar isso no doutoramento) mas só com muito esforço…
[GF] - O Portas e o Siza são também, respetivamente, as criaturas de gênio do Teotónio e do Távora, que são outros dois homens incríveis.
[AN] - Contemporâneos, sim. /
Que por sua vez, são os filhos queridos. Ou pelo menos, muito, muito em contato. E muito relacionados com o Losa.
[GF] - O Portas e com o Losa?
[AN] - Bem. Há aqui uma espécie de paralelismos entre Porto e Lisboa, na minha opinião. Mas não vai haver tempo para falar disso, mas existem.
[GF] - Porque o Losa e o Barbosa, que tu saberás melhor!
[AN] - Ah.
[GF] - Nessa geração, estavam entre os ateliers do Porto, sobressaiam como arquitectos competentes. Estavam a fazer muito habitação etc, dentro e mesmo nas colónias. Marcaram o Porto.
[AN] - Sim sim. O Losa e o Barbosa faziam tudo.
[GF] - Ainda fizeram a ODAM.
[AN] - E articularam-se com os lisboetas para participar nas Exposições Gerais de Artes Plásticas. Tem uma participação brutal em tudo o que aconteceu na arquitectura portuguesa do Século XX e depois foram um pouco esquecidos.
[GF] - Abriram gabinete em 1943, e só se separam em meados dos anos 60s.
[AN] - Por isso é que o meu doutoramento é de “1943 a 63” , separam-se em 63. Não está no título, mas está na lógica. Que era um escritório conjunto. Antes, não há Arménio Losa e Cassiano Barbosa em conjunto. Há Arménio Losa e Cassiano Barbosa, bons arquitectos mas que, juntos, superam largamente em qualidade o que cada um deles fez (e viria a fazer) sozinho. /
O Cassiano Barbosa trabalhou com José de Brito. E o Losa trabalhou com o Godinho e com o Marques da Silva. /
Não sei se vamos falar do doutoramento. Mas, portanto, eles juntam-se em 43. /
Têm umas primeiras colaborações, em 43 com o Fábrica das Sedas, que o Cassiano usa como seu CODA, juntam-se. E fazem um escritório conjunto.
[GF] - Logo em 45 fazem a Carvalhosa.
[AN] - Já no escritório conjunto, que é o primeiro projeto com visibilidade que faz o escritório depois de um projeto falhado para um hotel na Figueira da Foz, já em 1945.
[GF] - Eu cresci na Figueira.
[AN] - Eu sei. O Grande Hotel da Figueira era para ser projetado pelo Losa e pelo Cassiano. /
E nunca lhes foi pago. Foi um calote. Em que eles investiram brutalmente. /
Sim, sim. Há desenhos e documentos. Está na tese, e está no centro de documentação. Há desenhos disso. Era para ser projetado por eles.
[GF] - Posso ver?
[AN] - Sim, claro.
[GF] - E é só por curiosidade, porque eu o primeiro artigo que publiquei foi quando iam demolir uma Piscina ao lado, da autoria de um arquitecto chamado Isaías Cardoso. De resto projecto que surge mencionado como CODA num catálogo das Magnas. Trouxe-se o arquivo para a FAUP.
[AN] - Eu estudei o projecto. É Feito em 44 ou 43, ou entre 43 e 45, antes da Carvalhosa. E é o primeiro grande desaire deles. Eles apostam tudo naquele projeto e levam um calote monumental. E o projeto ainda para mais, não é construído. Depois aparece o gajo de Lisboa que lhes encomenda a Carvalhosa e o mesmo gajo encomenda o DKW, o mesmo cliente.
[GF] - Eu não sabia nada dessa…
[AN] - Mas é de Lisboa o gajo, não é da Figueira. Acho que não é da Figueira. Isso não sei.
[GF] - Ah. O IBM?
[AN] - O IBM, também, se não estou em erro. 48 a 53. O início do projeto é 48. Tem também outro nome. DKW? /
Esse tem outro nome… sim, ou IBM, como também é conhecido.
[GF] – E o de Ceuta é dos anos 50?
[AN] - Sim, e o da Rua de Ceuta é a obra-prima deles. Nunca foi publicado. O da esquina com a Picaria. /
Esse começa em 50. Mas começa em 50 o projeto. Esse edifício já está em maquete na exposição da ODAM de 51. Essa é, para mim, a obra prima deles. /
Para mim é o melhor. E por que é que nunca foi publicado? Sabes o que é que o Portas faz; a primeira coisa que acontece quando o Portas toma a direção da revista Arquitetura?
[GF] – Não imagino.
[AN] - O escritório do Losa deixa de ser a delegação no Porto.
[GF] - Por que razões.
[AN] - Não sei. Talvez porque para ele, os modernistas estavam ultrapassados no tempo. /
É a velha questão que depois de cruza lateralmente com aquela altercação entre o Banham e o Rogers . O que o Portas nunca diz, é o que o Zevi diz sobre essa controvérsia relativa à suposta retirada da Itália do Movimento Moderno, e está farto de saber porque é publicado na “L´A”, na revista do Zevi . Sabes o que é que este diz? O Portas Nunca publicou isso. Divulga muito a questão dos italianos. Mas o Zevi diz: talvez o Banham tenha um pouco de razão, num texto com o incrível título da “Andropausa dos arquitetos modernos italianos”. E diz assim, esquematicamente: talvez o Banham tenha um pouco de razão…
[GF] - Bem, o Zevi até teve alguma proximidade anglo-saxónico, a relação com Wright da América, o orgânico.
[AN] - O que o Portas dá a entender é que o Zevi aceitava a via que, depois a arquitetura italiana, seguiu, dos cantos cortados, da Liberty.
[GF] - E tu estás a dizer que….
[AN] - Que não é nada pacífico. O que o Zevi diz, dessa polêmica do Banham e o Rogers, e de que nunca ninguém fala.
[GF] - Eu falo dos textos deles nas aulas de Teoria.
[AN] - Sim, a polémica entre Banham e Rogers é bastante citada, mas o que Zevi sobre ele diz é o seguinte: talvez o Banham tenha um pouco de razão. Não lhe vamos chamar,(como é que ele diz?) Doença crónica, mas doença passageira da arquitectura italiana. Mas que não fique nenhuma dúvida entre o Liberty e a Bauhaus, os arquitetos italianos escolheriam sempre a Bauhaus. /
Isto é que o Portas nunca diz a ninguém. O Zevi é o ídolo do Portas e inspira-se na revista do Zevi na revista que dirige: Arquitetura Portuguesa. Até graficamente, os arquitetos que aparecem, os artigos e nunca dizia isso. Por quê? Porque para o Portas, de facto, para ele, o modernismo era como ele chamava “Estiolado”.
[GF] - Era uma via estiolada?
[AN] – Sim, Ou seja, enquanto Rogers tem sempre aquela hesitação. /
E entre o que é que…. /
Eu percebo o drama, quer dizer; De cá, a história bonita em que há os grandes arquitetos modernistas, que eram anti-regime. Mas em Itália, os grandes arquitetos modernistas eram pró-regime, portanto é um problema. É um imbróglio do caraças. A dificuldade da relação com a história é muito mais difícil do que cá. /
Mas sempre tiveram a história toda, todo o modernismo. Desde os anos 20 em Itália.
[GF] - Oh, Terragni. E os futuristas.
[AN] - Em Itália…. para já o Mussolini é muito mais esperto que o Salazar. Não tem comparação possível e Mussolini é fino. Se tu recordares a história da arquitetura italiana. Agora estamos a derivar. Isto é muito interessante. Tu vê como o Mussolini, primeiro dizia: “os neorromanos é que são” Mal os gajos começavam a arrebitar cachimbo “Agora os modernistas. Agora os de Milão” - A arquitetura moderna! Depois, agora os de Roma”. Embora se possa notar também um paralelismo, entre a primeira e segunda cidade relativamente à relação com a arquitectura moderna e o regime.
[GF] - Ficar com… esse paralelismo: primeira e a segunda cidade.
[AN] - Mas pronto, mas tás a ver? O Mussolini, é muito mais esperto e foi mantendo ambos na mão. Cá os modernistas também andaram a tentar comer do Salazar…
[GF] - Sim?
[AN] - Claro, mas isso não é nenhuma novidade. Losa incluído.
[GF] - E o Carlos Ramos moderno.
[AN] - O Carlos Ramos é um gajo genial, de uma coragem… /
Mas sim. Claro não havia outra hipótese. Claro, mas o que eu acho corajoso do Carlos Ramos, é receber o Salazar... Um jogo duplo. Mas era fantástico receber o Salazar e mostrar arquitetura moderna feita pelos alunos. É preciso tê-los sítio também.
[GF] - É que não era só recebê-lo, seria hoje mostrar-lhe uma Anuária. Mostrar-lhe que ali aprendiam moderno, o que em Lisboa era mais proibido.
[AN] - Isso é de uma coragem enorme… /
Em Lisboa, não faziam.
[GF] [AN] - hoje, está escrito, os de Lisboa, em determinado momento vinham ao Porto para ver arquitectura moderna.
Ao Porto, porque queriam fazer arquitetura assim. Não tinham hipótese, o Cunha Bruto, como era conhecido, não havia sequer a hipótese. Achava que aquilo não era arquitetura. Não era permitido, tolerado, não era valorizado, era proibido. Está descrito por muitos arquitetos. O Teotónio, todos falam… /
Nos Escritórios era outra coisa, tinham outra independência.
[GF] - Em Lisboa havia maior proximidade do poder político. /
Mas também a questão da escala… não é escola que controla a produção. /
Pardal Monteiro….
[AN] - Mesmo assim, o Pardal Monteiro ainda foi dos que teve maior independência.
[GF] - Cristino da Silva com o Liceu de Beja.
[AN] - O Cristino, a partir dos anos 30, começou a fazer Neo-manuelino.
[GF] – Desculpa queria dizer Cassiano branco.
[AN] - O Cassiano era uma figura peculiar…
[GF] - Mas contruía para o privado e com escala.
[AN] - Para os promotores ricalhaços da altura. /
Mas fazia moderno? Fazia e bem, mas também fez muito português suave o Cassiano, atenção. /
[GF] - Não te esqueças, a maioria eles acabaram por fazer, em períodos simultâneos ou coincidentes.
Mas retomando o que que eu estava dizer, era que numa escola poderiam não fazer moderno…
[AN] - Mas ele torceu a orelha a todos. /
Acho que o Pardal Monteiro talvez seja mais distante, o Cristino, o Cassiano todos fizeram… o próprio Carlos Ramos… Salazar torceu a orelha todos.
VI.
[GF] - Ainda estou curioso. Mas como é que foi isso da tal carta a reclamar Teoria no teu ano?
[AN] - Nós fizemos um abaixo assinado. Acho que entre o 2º e o 3º ano. Não te consigo precisar . Envolveu cartas. E o teor, era: Termos uma disciplina de Teoria, que no 2º ano não tínhamos. E no 3º havia professores….
[GF] - E o que aconteceu? Eu tive MLAC.
[AN] - Absolutamente nada. Havia professores, dizia, que ainda hoje cá estão alguns e até em cargos importantes - Por princípio prefiro não dizer nomes - absolutamente básicos… Do ponto de vista da teoria, que impossibilitavam uma discussão dizendo, “mas esse senhor não é professor na escola do Porto”. O que queria de facto dizer: ”Que eu sou,” por isso a autoridade é essa. Não é o saber, nem o convencer, nem argumentar. Quando tens interlocutores a discutir arquitetura assim: Desculpa lá, tragam lá um bocadinho Teoria para nos temperar os dias. Prefiro não dizer nomes…
[GF] - E depois, que professores de Teoria é que tivesse no 4º e 5º?
[AN] - Professores se bem me lembro tive a Anni Gunther com o Jacinto Rodrigues.
Sim. /
Para já eu já conhecia o Jacinto. Porque ele era amigo dos meus pais. É. Mas isso não teve grande importância na minha apreciação. Questão de correção devo dizer. Mas; e conhecia aquelas coisas todas de antroposofia e não sei quê… Não sei que mais, algo que nunca me interessou especialmente, hoje até acho que é pena.
[GF] - Acho que começava com o trabalho inicial da Bauhaus.
[AN] - Bom. Sim.
Retrospetivamente falando, eu acho que o Jacinto é muito bom. O que é… houve uma altura que também a bibliografia dele tinha demasiada preponderância.
[GF] - Incluía matérias de ecologia, que é uma área importante.
[AN] - Sim sim. É o que eu digo retrospetivamente pensando, eu acho que ele era extremamente avançado para a época. E interessante, tem aquela coragem de saber que estava a pregar aos peixes, quase sempre; mas não desistia.
[GF] - E nas práticas havia um par de sessões mais performativas, por exemplo com yoga?
[AN] - Sim, e eu conheço essa parte porque a minha mãe estava ligada à sociedade antroposófica e conheço Jacinto do género: “Olá Jacinto”. Nas aulas, aliás, nas aulas quem dava, era a Anni Gunther as práticas, nem fui aluno dele, dele, só nas teóricas, Ok. Pronto, não era bem o que nós queríamos ainda assim, não senti que fosse uma coisa… Acho que hoje, retrospetivamente pensando, acho muito interessante o Jacinto e até por ser fora do baralho. Acho muito interessante. Mas acho que a maioria não se interessava, no geral…
[GF] - Dizias que a Anni Gunther daria as práticas./
Nos anos 70 e… os alunos tinham apreço por ele. Nos anos 80s veio o Portas para a escola.
[AN] - O Jacinto, era um tipo que nos tratava bem, era um tipo educado, era um tipo simpático, sempre disponível para falar com os alunos. Estava no bar e metia conversa. Era um tipo de quem se gostava, mas na realidade tenho que admitir que não nos interessavam muito as coisas que mostrava. Na altura, eram-nos muito estranhas, em geral, algumas das obras que mostrava… /
E depois acho que aí sim, aquela questão que antes falávamos das hidden-agenda e dos activismos e não sei o quê… /
Foi… era um tipo muito mal amado aqui. Assisti a uma cena gaga no anfiteatro, numa reunião geral de docentes…
[GF] - Ah.
[AN] - Sim o Alexandre dirigia uma reunião e não se ouvia nada do que ele estava a dizer. O Jacinto pediu-lhe para falar mais alto e ele percebeu outra coisa qualquer sem importância… Declarou interrompida a reunião por não haver condições para a mesma com as pessoas a criar confusão propositadamente… Foi claramente um mal entendido, mas saiu tudo, fui praticamente o único que não saí daqui, fiquei sentado... Talvez fiquei eu, o Joaquim e o Jacinto…Sim, mas eu achei incrível. /
Outro exemplo, Quando o Barata concorreu para diretor, convidou-me para fazer parte da lista. Eu disse: ”Francisco (e eu até tinha bastante apreço pelo Barata); disse: comecei a dar aulas este ano e queria perceber o meio onde estou antes de eu estar a ser arrebanhado.” E recusei. Ele pediu-me várias vezes e disse-lhe sempre “não”, “não é nada pessoal… E não era, pelo contrário, até gosto muito. Sinceramente, admiro o Francisco, mas não quero fazer já parte de uma lista. Quero primeiro perceber o contexto em que estou”. Nunca gostei de ser arrebanhado. É isso que te digo.
A direcção do Francisco barata é para aí a partir de 2007.
[GF] - Pronto, voltando à Teoria. No 3º ano, tínhamos a Anni Gunther com o Jacinto. Ela dava as práticas.
[AN] - Nós fizemos um trabalho sobre uma obra que eu gosto muito, até fiz uma maquete incrível com Alberto Lage e com o Armando Teixeira da Maison de Verre, do Pirre Charreau, para aí na escala 1/10 ou 1/20, uma maquete gigantesca que ainda deve andar por aí em restos numa arrecadação. Gostei de fazer aquilo, mas não gostei muito da parte… a parte teórica não tínhamos grande interesse… A parte da Bauhaus, sim gostamos todos muito. Mas depois aquela parte mais ligada a antroposofia e a ecologia não era pela ecologia em si, que até é uma questão em que o Jacinto foi o primeiro a falar, que me recorde… era principalmente porque aquelas arquitecturas nos pareciam algo estranhas…
[GF] - A ecologia é um interesse característico dos período dos 60 mas é um problema que claramente subsiste! É umas das problemáticas relevantes hoje.
[AN] - É. É um problema que subsiste e incontornável!… mas relativamente a isso há uma espécie de fissura entre arquitetura que tu consegues conectar-te a nível disciplinar e arquitetura dita verde. Parece que a arquitetura ecológica…Há poucos bons exemplos de arquitetura simultaneamente interessante e ecológica.
[GF] - Está bem, é uma das problemáticas a atender ao nível do projectar. Há que reflectir como é que se faz boa arquitetura que seja sustentável.
[AN] - Mas isso é que eu estou sempre a dizer aos meus alunos: o vosso desafio é esse. É fazer arquitetura sustentável interessante porque já não se pode sequer pensar em não fazer arquitetura ecológica, e pensar que é boa…
[GF] - Bem, e neste século, simultaneamente à arquitetura de raiz afronta-se a necessidade de reabilitação etc.
[AN] - Sim, mas isso é outra luta minha e de Joaquim há anos que andamos a pedir para isso ser considerado no Programa do curso.
[GF] - Acabámos por falar muito até ao teu 3º ano e pouco do a partir do 4º ano.
[AN] - No 4º ano…
[GF] - E no 5º ano era estágio.
[AN] - Por isso não eram aulas porque eu tinha estágio.
[GF] – No 6º ano tinhas a história, História da cidade do Porto.
[AN] - Com o Ricardo Figueiredo e o Rui Tavares e…
[GF] - No 6º ano.
[AN] - Nós não tínhamos Teoria. Tínhamos Economia Urbana, com o Rui Brás…
[GF] - O Urbanismo, na tua altura, estava no 4º ano?
[AN] - Era no 4º ano. Então é isso tínhamos urbanismo. Era o Portas, só o Portas. Muito interessante as aulas.
[GF] - E a História da cidade. Com o Ricardo Figueiredo?
[AN] - O Ricardo Figueiredo era no 6º, a História da cidade do Porto. /
E também é interessante falarmos um pouco sobre isso. O nosso 6º ano corresponde ao 5º ano actual; e nesse ano tivemos Rui Tavares como assistente e o Ricardo Figueiredo como regente de História da cidade do Porto. Que era interessante porque também abordava a questão da arquitetura portuguesa moderna. /
Tínhamos algumas aulas, e ele aflorava um bocado, aquilo que depois acabou por fazer até talvez melhor do que nas aulas, no seu blog, que é bestial: “Do Porto e não só”. Era um pouco o que ele fazia nas aulas. /
Com o Ricardo Figueiredo; e o Rui Tavares dava as práticas. Nós fizemos um trabalho que ele, Ricardo, ainda tinha no gabinete. Que ele disse: “Vou-vos roubar o trabalho para por no gabinete”. Fizemos uma coisa simplicíssima, mas que na altura nunca ninguém se tinha lembrado de fazer. Quero dizer, fazer em transparência, sobre acetatos a expansão da cidade e podias, com meios muito, muito antiquados, fazer uma sequência com sobreposição das várias manchas. Ou comparação entre períodos não sequenciais…Fizemos isso, foi o nosso trabalho de 6º ano. E ele gostou muito disso.
[GF] - Ah.
[AN] - Então Teoria…. por isso eu acho que não havia. História foi o Quintão. Não havia teoria no 4º ano, se bem me lembro. /
Havia Urbanismo que substituía, vinha a seguir a Teoria.… Mas o Portas do 4º ano era História da cidade.
[GF] - No 5º ano era estágio.
[AN] - No quinto, nós tivemos estágio, por isso o nosso 5º é o 6º ano actual.
VII.
[GF] - Mais tarde esse estágio, que estava intercalado no 5º ano, passou para o fim do curso.
[AN] - Retomando e recapitulando.
Então. Tivemos Urbanismo com o Nuno Portas. /
Tivemos História com o Quintão que depois tinha a Marta Oliveira e 2 monitores. Na altura um deles era muito amigo do Fernando Lisboa, um Paulo qualquer coisa… Eram 2.
Tínhamos também CAAD com o mesmo Lisboa.
E Projeto…
Sim, eu acho que era isso. Projeto, CAAD, Urbanismo.
[GF] - Ah.
[AN] - História da arquitetura portuguesa e Construção. Depois aqui na construção isso debate-se um bocado.
[GF] - Construção.
[AN] - No 2º ano, foi o Teles com o Manuel Ventura… e com o Joaquim Teixeira como monitor. Foi quando nos chateámos… /
Não me lembro se o regente no 4º ano era o….
[GF] - 3º ano.
[AN] - Eu lembro que no 3º ano... era o António Madureira, é isso! 3º ano, Madureira sozinho. Práticas e teóricas. Sim, foi no terceiro. O Madureira correu muito bem, porque ele tinha consciência da dificuldade melhor que ninguém, que tu também tens, que era dar aulas a 180 macacos sozinho. Então punha-nos a fazer exercícios nas aulas que nós entregávamos no fim da aula. Também dava as suas teóricas, não sei como é que ele conseguia fazer aquilo sozinho, mas na realidade conseguia.
[GF] - O que é notável, e durante anos. Eram desenhos de 2 horas, num A4. Pormenores de coisas concretas. E no 4º ano…
[AN] - Sim sim, eram coisas concretas. Pormenor da caixilharia da sala, da porta, de uma platibanda. E funcionava. Eu já pensei em voltarmos no 2º ano a alguma coisa deste género. Mas não interessa, não vamos agora falar do ensino actual.
No 4º ano foi o Soutinho, o Adalberto e o Menéres, como te descrevi…
[GF] - 5º ano.
[AN] – 6º. Depois no 6º ano ainda tivemos aulas com o Vítor Abrantes porque havia ali uma confusão.
[GF] - Ah.
[AN] - Com o ano anterior a nós. Não, esse era o Medeiros. O Victoria Abrantes veio dar Construção ao 5º dessa altura e ao nosso 6º ano… se calhar até foi ao teu ano. Ao ano que vem a seguir a nós.
[GF] - O engenheiro?
[AN] - Sim sim.
[GF] - Que veio dar Construção?
[AN] - E nós tivemos também porque os outros do outro ano não tinham tido assim uma confusão qualquer. Que até teve umas coisas bizarras do vir aí um gajo com índices de qualidade arquitetónica? Um gajo que te metia um quadro que preenchias com algumas características do projecto e que te media a qualidade arquitetónica do projeto! / Escrevi logo um texto a constestar!
[GF] - Redes.
[AN] - Redes acho que era o Medeiros já na altura. Nem sei o Medeiros foi nosso professor. O Vítor Abrantes, sim…. o Medeiros acho que não era; o Vítor Abrantes é que substitui o Medeiros. /
E estava a dar, ao mesmo tempo, a construção ao vosso 5º ano.
[GF] - Ah. /
Havia ali alguma coisa, uma mudança de plano…
[AN] – Sim. Houve ali qualquer coisa na altura, nós voltamos a ter aulas de Construção com o Vítor Abrantes.
[GF] - E o Rui Brás, de Economia Urbana.
[AN] - Ricardo Figueiredo e o Rui Tavares, História; Projeto o Carlos Guimarães e o Mealha. Eu fui aluno, do Carlos Guimarães…
VIII.
[GF] - Quando é que re-entraste na escola.
[AN] - Tinha sido monitor de projecto de 3º ano. Mas quando voltei, foi já como assistente, primeiro convidado de Projecto do 3º ano e logo a seguir, na sequência de um concurso, de Construção do 2ºano, aliás na mesma altura em que o Barata estava a concorrer para as eleições. Fui acabado de contratar eu quase na mesma semana ele ligou-me porque ia ser candidato.
[GF] - Sobre o período antes de direção do Domingos Tavares não sabes nada, porque estiveste uns anitos estiveste uns 3 anos afastado da escola.
[AN] - Não, no período do Domingos Tavares de direcção da escola não sei.
[GF] - Memória dele?
[AN] - Ele é uma pessoa que eu gosto muito pessoalmente, adoro conversar com ele e gostei muito das aulas dele. Depois, no 4º ano, Construção é que foi aquilo que te contei. Foi no 4º ano, de autogestão e não sei quê, foi no 4º ano. Agora estou-me a lembrar perfeitamente. No 4º ano, o Soutinho era o regente e os assistentes eram o Adalberto e o Menéres. E aí foi uma série de peripécias e foi no 4º ano que nós entramos em autogestão.
[GF] - Ah.
[AN] - Foi o último ano, porque nós voltávamos só no 6º ano à faculdade.
IX.
[GF] - Estudaste no tempo da direção do Alexandre ou Correia Fernandes de que falamos anteriormente. Tens memórias do período que se segue que corresponde ao período de direção do Barata.
[AN] - Isso já vivi como Docente…
[GF] - Como professor. E depois já estavas cá no período que corresponde á direcção do Carlos Guimarães.
[AN] - Sim.
X.
[GF] - Dos pedagógicos, não tens mais nada a acrescentar?
[AN] - Não, fui representante dos alunos, mas no Directivo.
[GF] - Estavas no diretivo.
[AN] - O Conselho executivo, com quem tive mais proximidade, porque era o aluno representante dos alunos, eleito; foi o do Correia Fernandes. Estava. Era vogal. /
E tínhamos reuniões semanalmente. Era eu, e o Fareleira. Acho que era o Fareleira, o outro… Eram uns dos anos do ano anterior. Que tinham sido da Associação. Quem é que era? O Nuno Almeida não sei se chegou a ser…. Foi muito interessante, foi a altura da conclusão das instalações… eu até acho que estive em dois mandatos do Correia Fernandes, um com o José Grade como vice-presidente e outro com o Rui Póvoas… ou então seriam ambos, com o José Salgado do mesmo executivo, tudo pessoas de quem fiquei a gostar muito.
[GF] - E para acabar, referir que também passaste pela Assembleia de representantes, outro dos órgãos da escola.
[AN] - Retrospectivamente vejo que acabei por passar por quase todos os órgãos da Escola: Associação de Estudantes, Assembleia de Representantes, Conselho Directivo, etc. Foi de facto um percurso muito rico, e continua a ser.
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