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CONVERSA SOBRE A ESCOLA DO PORTO Nº25(Ricardo Figueiredo, com Gonçalo Furtado et al).

CONVERSA SOBRE A ESCOLA DO PORTO Nº25_MAIO 2022 (Ricardo Figueiredo, com Gonçalo Furtado et al). CONVERSA I/5 I. [GF] - O Ricardo Figueiredo nasceu no Porto? [RF] - Eu sou portuense, gosto de dizer que sou tripeiro, mas não sou portista (adepto do F.C.P.) [GF] - Em alguns momentos, residiu noutros locais. Coimbra, Angola, etc. O que o levou a ir para Aveiro ou Ovar? [RF] - Isso é uma longa história. Estou lá há exatamente 24 anos… foi em 2000. Porque, uma pessoa, a companheira com quem eu vivo, é precisamente de Santa Maria da Feira. E eu ainda vivi um ano em Santa Maria da Feira, e depois mudamos para Ovar. Com a certeza, de que é muito mais agradável! / Mesmo quando ainda dava aulas na faculdade. Na altura não vinha todos os dias, porque só tinha aulas duas vezes por semana. Vinha muitas vezes, mas era para outras coisas. Mas, mesmo vindo todos os dias, compensava. Uma das coisas que compensa viver em Ovar, é que eu vivo entre a cidade, a floresta (daquilo que resta ali à volta da base aérea), e o mar. Portanto, aquilo à noite é um sossego, basta dormir umas horas que é um descanso para a pessoa. Nos dias de mais agitação marítima ainda se ouve o mar de minha casa, mas de resto não se ouve nada. Absolutamente nada, nem aos fins de semana. [GF] - Entrou aqui na escola de Belas Artes em 1962. [RF] - Entrei em outubro de 1962. No ano do Plano Diretor do Auzelle. [GF] - Houvera uma greve académica na Faculdade de Ciências antes. Você esteve nessa. [RF] - Sim. Em 1962 eu vinha da Faculdade de Ciências (Faculdade de Engenharia, se quiser), do curso de engenharia, onde não fizera nenhuma cadeira. Fiz a greve académica! E em 1962, entrei na escola de Belas Artes. / Precisamente no ano da exposição dos concursos para professor da escola (anteprojeto de um Centro Comercial na Praça dos Leões). [GF] - Os três concursos para professor na escola: Arquitetura-urbanismo, escultura e pintura. / Em arquitetura, entregou o Fernando Távora, o Octávio Lixa-Figueiras e o Carlos Loureiro. Foi ganho pelo segundo. / O Fernando Távora tinha uma postura mais cultural, e o Filgueiras era mais intelectual. Havia estudantes que compreendiam melhor um lado, e outros o outro. [RF] - O Fernando Távora, elaborou um cuidado e exequível anteprojeto para o Centro Comercial. Na apresentação figurava um conjunto de perspetivas que realçavam a dimensão e a integração urbana da proposta. [GF] - Os concursos incluíam a entrega de pranchas de um projeto. Mas, pelo que se diz, muitas vezes os desenhos não seriam só feitos pelos candidatos. [RF] - Mas isso, se formos a ver… até porque aquilo era “medieval”... / Eu tenho a impressão de que todos eles, ou muitos deles, não foram eles só que desenharam. / No meu caso, eu tenho a certeza que fui eu que desenhei tudo, porque não tinha atelier (risos). [GF] - Incluíam ainda a entrega de uma dissertação, e a proferição de 2 aulas (uma escolhida e uma sorteada). [RF] - A dissertação era uma mini tese se quiseres. No meu caso, foi no ano de 1989. Das aulas, eu escolhi uma aula que era sobre o grau zero da arquitetura, e na aula à sorte saiu-me uma aula sobre a arquitetura do ferro no Porto. / Recordo-me que, sobre a segunda, comecei logo por dizer: bom, arquitetura do ferro, não é certamente sobre a Idade do Ferro no Porto… [GF] - O Bruno Zevi publicou em determinada altura Portugal, um artigo com a expressão “grau zero”, mas referia-se à atitude moderna. [RF] - O meu era o grau zero da arquitetura. Tinha a ver mesmo com o grau zero do que é a Arquitetura. O que é que era Arquitetura? O que é que não era? E tinha a ver com uma coisa, que eu exemplificava: num deserto, uma vara ao alto era Arquitetura, deitada não era. Portanto, se tivesse ao alto, espetada no deserto, tinha passado alguém que a espetou, portanto, era Arquitetura. Se estivesse deitada, abandonada, não sei o que é que era, estava ali abandonada, não era Arquitetura. Pronto, tinha muito a ver com isso. / Na altura tinha sido publicado em Portugal o livro de Roland Barthes, “O Grau zero da Escrita”. [GF] - Retomando o concurso deles dos 60s, a dissertação do Loureiro seria sobre o uso do azulejo na arquitetura. [RF] - O Loureiro na altura estava a fazer, lá em cima na rua da Alegria, o Lima 5 e tinha feito a urbanização do Luso. Na primeira fase, no Luso, os edifícios têm aqueles azulejos à volta. Eu vivi num dos edifícios, o comprido a Norte, com uma galeria de acesso às habitações, cujo interior com tijolo à vista, até nem é nada mau, na divisão dos espaços. Eu diria que o azulejo não é um material para fazer esquinas. [GF] - A dissertação do Távora era da organização do espaço, e a do Filgueiras era da função social do arquiteto. [RF] - As duas dissertações que eles fizeram para o concurso, aliás interessantes, quer uma quer outra, mostram bem qual o tipo de preocupações que tinha um e que tinha o outro. / Enquanto o Távora era mais pela arquitetura, o espaço, a tradição arquitetónica etc. o Filgueiras era mais pelo aspeto sociológico, social, político se se quiser, etc. [GF] - Diferenciação já identificável nas equipas do inquérito à arquitetura popular de 1955-1960. [RF] - Em que ambos chefiaram equipas. Essa preocupação sociológica não era só através do Filgueiras, mas através do Arnaldo de Araújo e do Carvalho Dias. O Arnaldo que era unha e carne com o Filgueiras era uma personagem com grande influência no Filgueiras e na Escola. [GF] - Arnaldo Araújo. Memórias? [RF] - Foi meu professor de teoria e história da arquitetura, e foi umas das pessoas que mais me influenciou. Foi o Arnaldo Araújo que trouxe a poética do espaço para a escola e, portanto, toda essa visão intimista, espacial - se se quiser “orgânica” da arquitetura ou do projeto - na elaboração do projeto. A arquitetura, o projeto, ainda funcionavam baseados no funcionalismo. Quando fazíamos trabalhos, no início começava-se logo por uns organigramas que definiam funções e percursos. II. [GF] - O Carlos Ramos, terá integrado o júri do concurso deles. (Após uma primeira passagem nos anos 40, este dirige a escola desde meados dos 50 ao final dos anos 60). [RF] - O Carlos Ramos veio para professor em 1940 e em 1952 tornou-se diretor da Escola de Belas Artes do Porto. [GF] - Mas era um homem que tinha uma visão do ensino da arquitetura, e da escola. [RF] - O Carlos Ramos procurou modernizar o ensino e a prática da arquitetura, num misto ou síntese, da herança que ainda pesava das Beaux Arts, mas atualizando-as pelo Movimento Moderno, principalmente bebido na influência do Futurismo e do Racionalismo italiano, nas teorias e na arquitetura da Bauhaus, e nos escritos e na prática de Le Corbusier. Mas sempre pensou o ensino da Arquitetura integrado nas Belas Artes, procurando uma “conjugação das três artes” criando uma disciplina assim chamada e que era no último ano. Que eu não fiz, mas enfim. [GF] - Porque o Ricardo coincidiu com a experiência? [RF] - Sim foi no ano da Experiência. Falaremos sobre a Experiência de 69/70 depois. [GF] - Um mecanicismo que evolui para o organicismo. Como na Casa de Ofir do Távora, onde ainda se espacializam 3 áreas-funções. [RF] - Sim. Mas o Siza já não. Já fazia casas em que se preocupava mais com o espaço interno do que dividir funções. O Siza, preocupava-se com o terreno, com o lote e com a relação entre exterior e interior. [GF] - O Siza preocupa-se com a organização no lote, e com os percursos da experiência! [RF] - Uma das coisas que o Siza faz é pegar no lote e organizar todo o lote, no que é construído e no que não está construído. / Portanto, vá, nas primeiras casas dele, ali em Matosinhos - as quatro casas - via-se perfeitamente isso. Cada uma tem o seu lotezinho, mas ele faz um percurso, tem uma parte de jardim, tem a porta da entrada. Depois entra-se na casa. Essa preocupação manter-se-á em todas as suas obras, escuso de dizer. / Siza considera toda a situação, não só a morfologia do terreno que lhe é proposto, mas sobretudo o espaço total que lhe é dado. Ou seja, os limites cadrastais, o lote, em que se insere cada projecto que deve trabalhar. Esta conformação desenvolve-se a partir de inúmeros esquissos, desenhos e maquettes com que o Siza vai elaborando e amadurecendo a sua maneira de projectar. [GF] - Vigorava a reforma de 1957 que tinha um carácter mais científico, em cuja implementação se empenhara o Carlos Ramos. (Isso está documentado por exemplo na tese do Gonçalo Canto Moniz). [RF] - Digamos assim, pronto. O Alexandre Alves Costa por exemplo, que era da antiga reforma, passou para a de 57. E o Pedro Ramalho também, acho que sim, mas não tenho a certeza. O Gonçalo Canto Moniz é filho do Jorge Canto Moniz que entrou comigo para o curso em 62. [GF] - Uma das diferenças é que, antigamente empreendiam a CODA, e depois passou a ser por um relatório de estágio no fim do curso. [RF] - Nessa altura ainda não se punha a questão da reforma. Já se punha uma questão que era crucial, que eram as cinco cadeiras na Faculdade de Ciências. / A reforma de 57 tem a ver com Le Corbusier e o que se pensava na altura - a relação entre arquitetos e engenheiros, ou melhor - os arquitetos que deviam ter uma formação de engenheiros também. Como em Espanha e por aí fora. [GF] - Introduziu-se algumas cadeiras científicas no curso. [RF] - Para além das da Faculdade de Ciências, na escola. Como estática aplicada e outras coisas do género. [GF] - Por exemplo, o engenheiro António Cândido? [RF] - Outra figura magnífica. / Aliás, eu quando fiz o primeiro exame com o Eng. António Cândido, para a oral sabia umas coisas, porque tinha estudado. E então ele começava por perguntar… tudo! “Pasta um, Pasta dois” (dos apontamentos dele)”. E eu lá fui, muito bem então. Chegou a certo ponto e eu disse: “Ó senhor Eng. Escusa de virar a página, eu daqui para a frente eu não sei raspas”. / Ele: “Mas o senhor estava a fazer um exame magnífico!?”. / E eu: “Pois estava, mas daí para a frente não estudei”. / Ele disse: “Não faz mal, eu ensino-lhe”. Esteve uma hora a ensinar-me e a explicar o resto da matéria. A primeira parte já era suficiente para ele. E depois deu-me 14. Uma nota brilhante. [GF] - A reforma de 57 tinha então 4 ou 5 cadeiras em ciências. [RF] - E isso já era um problema! / O Carlos Ramos já levanta - numa das exposições Magnas - já fala no assunto, dos alunos terem de ir fazer as cadeiras à faculdade e, portanto, terem que sair da escola e atravessar a cidade. / Pronto, quando nós entramos no primeiro ano da escola, o que queríamos era fazer projetos! É evidente que falo por mim, mas suponho que para todos os outros era a mesma coisa. Por isso é que tínhamos ido para arquitetura. E mais, a maior parte de nós (como eu) tínhamos mudado de curso. / Eu tinha vindo das engenharias. E era o Bernardo Ferrão, o Domingos, o Canto Moniz (o pai, do Gonçalo), o Alexandre Vasconcelos, o João Resende. O primeiro, vinha do colégio das Caldinhas. Quem mais? O Mário Bonito também, e o Rogério Cavaca. Outro era o Laranjeira. E o Miguel Silva Pinto que morreu na tropa, ainda no primeiro ano quando foi mobilizado para Angola. E ainda o Nunes da Ponte e o mais velho o Augusto Pacheco. / Foram todos os meus colegas do primeiro ano. As equipas do primeiro ano eram por ordem alfabética e em “R” era eu, o Rogério Cavaca e o Rui Oldemiro Carneiro. Este último era parente do arquiteto que projetou o antigo estádio das Antas. [GF] - Ah. [RF] - E ainda o Farrajota Um dos meus colegas era o Zé Farrajota, que depois foi para Lisboa. / O Filgueiras uma das coisas que fazia de início era um inquérito. “Porque é que veio para a arquitetura?” Quando nós entregámos esse inquérito, ele depois leu as respostas. Onde eu e muitos outros respondemos “Vim para a arquitetura pelo aspeto artístico, mas sobretudo social”, o Zé Farrajota respondeu assim. “Eu estava na cama e ouvi uma voz que me disse, José vai para arquitetura, e eu vim”. E a malta desatou toda à gargalhada. [GF] - A turma do 1º ano eram o quê, umas 20 pessoas? [RF] - 33. Mas eu ainda sei os nomes de todos ou quase todos! [GF] - Quantas estudantes estavam na arquitetura. [RF] - 3 raparigas. A Ilda Seara, uma Helena qualquer coisa que tinha uma irmã gémea em Letras, tão parecida que a gente fazia confusão, e a Alda Santos. [GF] - Então ainda restrito, 10%. [RF] - Sim. [GF] - Estava a lembrar-me de conversar com o Madureira. [RF] - Mas a nossa turma foi um escândalo porque era a maior turma desde então. [GF] - Foi atípica então. [RF] - Por causa da crise de 1962, houve muita gente que mudou de curso. Muitos vinham das engenharias, outros vinham da medicina, por aí fora. [GF] - Neste ano específico alterou-se a quantidade de alunos no 1º ano? [RF] - De tal maneira que a ocupação dos andares do Pavilhão da Arquitetura se alterou. Teve que ficar o 1º andar todo só para o primeiro ano. / E os outros estavam todos aos “bocadinhos”. Também o resto era assim: havia à volta de 15 no segundo ano, havia 4 ou 5 no terceiro ano, 2 ou 3 no quinto ano, e 1 no sexto ano. [GF] - Tinha os tais 15 no 2º ano, mas a partir daí decrescia tendo só 1 no 6º ano!? [RF] - Sim. Era o Florêncio. Era o único. [GF] - Hoje em dia 30 ou 15 já seria um grupo muito pequeno. [RF] - Há uma razão para isso. Com a reforma 57, suponho que foi com a reforma de 57, que foi exigido o 7º ano. Para a pintura e a escultura não. / Antes do Távora, só era exigido o 5º ano. Mas o Siza já tinha o 7º ano. [GF] - Ou foi antes? [RF] - Ou foi antes. Mas a reforma de 57 foi, também, que criou esse facto. [GF] - E quando se fez/criou a Faculdade de Arquitetura? [RF] - A Faculdade é muito depois. Na Escola quando eu entrei para assistente, os docentes, eram todos assistentes; só havia um professor que era o Távora, portanto erámos todos seus assistentes. Deviam ter utilizado a figura de professor convidado. [GF] - Mas havia uns docentes formados antes ou depois da reforma. [RF] - São duas fornadas. Os da antiga reforma, sei lá o Siza, o Soutinho, o Menéres e o Teles eram todos da CODA. [GF] - E o Ricca, o Viana Lima, o Castelo Branco já lá não estariam. [RF] - Já lá não estavam. Mas havia mais assistentes. O Augusto Amaral, o Jorge Gigante, o Matos Ferreira… e o Zé Pulido ainda chegou a dar aulas. Todos os outros eram depois de 57. [GF] - Que era o seu caso. Como do Alexandre Alves Costa, como do Bernardo, do Domingos, e da Beatriz e António Madureira. [RF] - Sim já eramos todos dessa segunda época, da reforma de 57 e não havia ainda ninguém do pós-experiência. / Começavam então a aparecer. [GF] - A aparecer o Carlos Prata, o Eduardo Santo Moura, etc. / Você que entrara em 1962 acabou em que ano? [RF] - Em 1970. Porque fiz três segundos anos. [GF] - Alguns repetiam para não ir à tropa? Ou pelo contrário tinham de fazer em x anos para não ir? [RF] - Se uma pessoa chumbasse podia não ter adiamento e ia para a tropa. III. [GF] - Ah. [RF] - Mas, a minha vantagem era a seguinte. Eu nasci em 7 de outubro, dia em que começavam as aulas, da instrução primária e do liceu, portanto, fui sempre 1 ano à frente. Na altura não havia essa regra de entrar na 1ª classe no ano em que se fazia 6 anos. Portanto, eu entrei mais cedo e fui sempre ganhando 1 ano. De tal maneira que fiz a aptidão à universidade no dia 10 agosto com apenas 16 anos e entrei na universidade com 17, em outubro, na faculdade de ciências. [GF] - Depois do exame do então 7º ano, como era a prova de aptidão? [RF] - Tinhas que fazer o exame do sétimo ano que eu fiz em julho ou algo assim. / Depois fazia-se aptidão que dependia do curso. Para engenharia que foi o que eu fiz, com a mania que ia para engenheiro nuclear na altura dizia-se atómico e que na altura estava muito na moda. [GF] - Ah. [RF] - Atenção, para os meus paizinhos, sendo uns pais formados - a minha mãe formada em história e filosofia, professora do secundário e depois aqui da Faculdade de Letras e o meu pai advogado - tirar cursos superiores então era: para as raparigas como as minhas irmãs Letras. para os rapazes Direito, Medicina ou Engenharia. Nós eramos 6. E o meu irmão mais velho ainda chegou a andar em direito, mas foi para filosofia, onde foi um brilhante aluno, depois de ter chumbado 3 anos em Coimbra. Por isso eu fui para engenharia, assim um pouco empurrado. / Após o meu fracasso na Universidade onde não fiz nada, não fiz cadeira nenhuma “Isto é um curso que ninguém quer, eu disse: eu quero ir para Belas Artes!”. Até porque desenhava e pintava. / Os meus pais já me tinham cortado a carreira da música, que era a minha grande paixão, quando andava a aprender tocar piano. Ia reprovar no liceu e os meus pais, disseram, “acabou o piano e fazes o liceu”, e assim foi. [GF] - Fez a greve estudantil. [RF] - Eu lembro que as vezes em que fui à Faculdade de Ciências, foi para organizar a greve estudantil. Lembro-me de, em cima de uma mesa, apelar à greve, à luta estudantil e ao Dia do Estudante. / Tínhamos um professor de geometria descritiva que até tem uma rua com o seu nome - Jaime Rios de Sousa - que era o tipo do Centro Universitário, e que era um grande pilar do regime na Faculdade de Ciências. Tinham sido expulsos professores que eram contra o regime. [GF] - Que eram os progressistas? [RF] - Por isso ele ficou com um olho em mim, no primeiro ano chumbou-me. Com toda a razão, porque eu não tinha feito nada. Já que a minha intenção era mudar para Arquitetura. Mas quando tive de fazer a Geometria Descritiva, já do Curso de Arquitetura, chumbou-me novamente. / Voltando atrás, para mudar para o Curso de Arquitetura tive que fazer outra alínea do 7º ano. Tive que fazer História. Então valeu-me eu gostar imenso de História e ter em casa uma biblioteca magnífica de História. / Estudei num mês a matéria dos livros do 6º e 7º ano e fui fazer o exame. A minha mãe não se meteu no assunto, e fui fazer o exame ao Alexandre Herculano, com uma professora que era considerada uma fera. (Eu tinha andado no D. Manuel II, o Rodrigues de Freitas). E fiz um exame brilhante, quer na escrita, quer na oral. Tive uns 16 ou uma coisa do género, na oral - perante o pasmo dos meus pais. Tinha a línea F que dava acesso a ciências e engenharia e tive que fazer a alínea H que dava acesso à Arquitetura. [GF] - E foi assim que foi para arquitetura. [RF] - O António Madureira, foi meu colega desde a primária e durante todo o Liceu. Mas o Madureira foi logo diretamente. Fez história e ciências naturais ao mesmo tempo. E foi assim que entrei para a escola. Mas entrei para a faculdade com 16 anos e ia fazer 17. / A prova de aptidão para engenharia era físico-químicas e matemática. / Entrei em engenharia, mas não tinha cadeira nenhuma feita quando mudei para arquitetura. / Tendo frequência de um curso superior podia-se mudar para outro curso. [GF] - Mas teve que voltar a fazer provas de desenho “à vista”. [RF] - Tive que fazer provas, tive que fazer um exame disso, e aquilo era um desenho de um torço grego ou romano. Como examinador saiu-me o Salvador Barata Feyo. [GF] - Que era o professor de escultura. [RF] - A prova era para todos os cursos de Belas Artes. Pois, e a prova era de 4 horas, quatro sessões de uma 1 hora. / E eu cheguei ali, na primeira sessão - eu desenhava bem à mão a carvão - e fiz um desenho da estátua que estava impecável em termos de proporções. Mas, depois, para preencher as outras sessões, como não tinha nada que fazer, fui pondo umas sombras. / E o Salvador Barata Feyo quando veio examinar a minha prova exclamou: “isso estava um desenho magnífico e você pintou-o de preto” foi a exata expressão. Mas passei e entrei em arquitetura. Nas Belas Artes. Digo isto porque Belas Artes é uma coisa. Arquitetura na faculdade é outra. / Embora eu tenha uma quota parte de responsabilidades de separar os cursos dentro da escola. IV. [GF] - Já lá vamos. Entrou ali naquele ambiente, colegas dos 3 cursos artísticos, pelo jardim e cantina. [RF] - Cantina não existia. Existia apenas o espaço. Havia os tascos como a Flor de S. Victor (conhecido por “morte lenta”), havia a espetacular ramada do Estrela de S. Lázaro, o velho Casais (hoje transformado em agência bancária), e ainda os sempre frequentados cafés: a Lobito, o café Padrão na rua que lhe dava o nome, depois o São Lázaro na esquina da rua de São Victor, o café Belas Artes na rua Visconde de Bóbeda, e ainda, um pouco mais longe, o famoso Majestic. [GF] - Era o vosso ciclo social, com pessoas das artes. [RF] - Era uma espécie de comunidade. Na geração anterior muitos foram casados com artistas plásticas. Como o Cassiano Barbosa. Na minha geração sei que o Madureira também é, e o Manuel Correia Fernandes e o Alexandre Alves Costa. / Eu por acaso nunca fui. [GF] - Ainda não pertenciam à Universidade. [RF] - Isso. Primeiro não pertencíamos à universidade. Não tínhamos de participar nas queimas das fitas nem essas coisas, que aliás achávamos uma imitação de Coimbra e muito reacionárias. / E depois a Escola de Belas Artes tinha a fama (e o proveito) da liberdade. Por um lado, politicamente, graças ao Carlos Ramos. Por outro lado, sobretudo, da tradição Beaux-Arts parisiense. Portanto andávamos todos vestidos de artistas. / E eu, finalmente, já não tinha de andar vestido de fato e gravata e essas porcarias, andava com uma camisola de gola alta, uns cachecóis, um grande casaco de couro. E eramos os de Belas-Artes. Há uma expressão do António Lobo Antunes, no seu primeiro livro, que fala nos “arquitetos cuidadosamente malvestidos” - que era como nós andávamos. [GF] - “Cuidadosamente malvestidos”. [RF] - Não era malvestido, no sentido de maltrapilhos, o cuidadosamente está lá para isso, porque eramos limpos e asseados. Eram os jeans, camisolas, casacos de camurça e couro, por aí fora. / E vivia-se ali na naquela zona, e ainda por cima ali… [GF] - Em São Lazaro, com aquela luz, ou aquelas avenidas com árvores, que tem um ar de boulevard parisiense. (Risos). [RF] - Mais, a Academia tinha sido lá no jardim de São Lázaro! Tinha ali os tascos todos. E tinha lá a papelaria que tinha o Laurentino, o dono daquilo, que chegou a ter uma coleção de quadros e desenhos fabulosos dos alunos de pintura, de escultura. [GF] - Havia alunos que traziam materiais pagando com coisas que haviam feito. [RF] - Pagavam em quadros e ele aceitava. E depois, quando vendeu metade da sua coleção, fez uma pequena fortuna. / Havia ali toda uma comunidade, e ainda por cima sim estávamos inseridos ali na zona de São Lázaro e São Victor, uma zona muito de transição de quem vem da Estação de Campanhã, que tinha o restaurante do Aleixo, os elétricos que iam de Campanhã, para a Batalha e para norte, para a D. João IV e as carreiras de camionagem vindas de Gondomar. [GF] - Portanto, ali era uma coisa muito movimentada, não quer dizer que as faculdades não fossem também. [RF] - Sim. [GF] - E? [RF] - Mas eram mundos à parte, na faculdade de ciências era fato e gravata. Ou então de capa e batina, para os que não queriam levar casaco e gravata. / Eu fiz o liceu todo de fato e gravata, e quando cheguei ao 6º e 7º ano tive a sorte de, nesses anos, tínhamos os trabalhos práticos de físico-químicas, onde tínhamos de usar bata. E, então, eu andava sempre de bata, que era para andar com camisola por baixo e não ter de usar essas coisas. [GF] - Eu também usava bata, nos laboratórios de quimicotecnia, do liceu. / Mas dizia o Ricardo, que então entrou noutro microcosmos/ambiente. [RF] - Eu já tinha uma relação, com as Belas Artes - através do Madureira, precisamente. [GF] - O seu pai era advogado, não era? [RF] - O meu pai chamava-me às vezes ao escritório dele, com uma planta de um edifício: “Ó pá o que é que isto quer dizer?”. Ele era um zero em arquitetura. / Não o era em arte. Um dos colegas de escritório dele era o Alberto Luís, o marido da Agustina. [GF] - A escritora Agustina Bessa Luís? [RF] - Eu conheci a Agustina quando era miúdo. Uma vez perguntei-lhe: “Ó Agustina, como é que você escreve” - já que ela fazia aquelas páginas inteira, onde só rasurava uma palavra, quando - ou se - rasurava. Ela respondeu “é muito simples eu comecei a escrever para as minhas amigas, umas cartas” e, só depois, é que passei a escrever livros. E escrevia, realmente, ao correr da pena num magnífico português. Vale a pena ler pela maneira como ela escreve. Eu achava e dizia que “você escreve, mas diz pouco”. Não era verdade, mas ela achava piada. [GF] - A irmã do António Madureira já estaria nas Belas Artes. [RF] - A relação com esse ambiente das Belas Artes, foi ainda quando andávamos no Liceu através do António Madureira. / A Beatriz Madureira (que havia frequentado o D. Manuel II) já estava nas Belas Artes, onde íamos ver as exposições e as conferências que havia lá. Eu lembro de umas conferências magníficas do Robert Smith. [GF] - O homem que fez o primeiro trabalho sobre o Nazoni ou Barroco Portuense? [RF] - Sim. / Mas, quando estava a fazer esses trabalhos fez umas conferências na escola de Belas Artes, com slides, uma novidade. (Na altura não havia computadores nem nada que se parecesse). / Essas conferências das obras do Wright eram acompanhadas por magníficos diapositivos. [GF] - Do Frank Lloyd Wright? [RF] - Sim. O Carlos Ramos aproveitou que ele estava cá, no Porto para lá fazer essas conferências. Foi para mim uma coisa extraordinária, ver essas fotografias das obras do Frank Lloyd Wright! [GF] - De arquitetura moderna orgânica e da América. [RF] - Eu estava então no 6º ano do Liceu. / Foi nesse ano também, que pela primeira vez eu fui a Paris e a Itália com os meus pais. / Também há aqui outra coisa: o sair de Portugal nessa altura - para além das questões políticas e depois do serviço militar havia a dificuldade de ir daqui até Paris. Tinha que se atravessar a Espanha toda, em más estradas, não havia autoestradas. / Demorava-se dois ou três dias. Na Itália a mesma coisa. Eu lembro-me que para fazer essa viagem com os meus pais, a Itália (ao norte de Itália já que em Roma se realizavam os Jogos Olímpicos) e depois Paris, foi mais de um mês. Foi em agosto e uma parte de setembro. / Aí fui ver aquelas coisas todas. Os meus pais por acaso levaram-me - e eu ainda não andava em arquitetura - a ver a Unidade de Habitação de Marselha, quando íamos para Itália. [GF] - Foi ver a Unidade de habitação de Marselha logo no final dos anos 50? [RF] - Foi em 1960. Porque os meus pais francófilos, ouviam falar de Le Corbusier e também pelas repercussões que aqui tivera nos prédios do Mário Bonito, do José Carlos Loureiro e do Viana de Lima que eles, os meus pais, conheciam. [GF] - Seria a principal influência para a maioria dos arquitetos portuenses. [RF] - O meu pai era advogado, mas pertencia a essa elite cultural do Porto e foi com a minha mãe, fundador do TEP, Teatro Experimental do Porto, com colegas e amigos advogados como o Ramos de Almeida, o Meneres de Campos, o Orlando Juncal e o Alexandre Babo e os arquitetos Mário Bonito e o Losa. Era dai que vinha essa relação. [GF] - O Teatro Experimental, criado no inícios da década de 50. [RF] - Sim. Em 1953. / E os primeiros arquitetos que eu conheci foram o Cassiano Barbosa, o Losa e o Viana de Lima. [GF] - O Cassiano Barbosa e o Arménio Losa encontram-se entre os que estão a representar a arquitetura moderna e estavam a contruir cidade. [RF] - Por exemplo, foi quando se construíram os bairros camarários, o Estádio das Antas, o Pavilhão dos Desportos, o Banco Português do Atlântico, a rua de Ceuta. Já o Távora, que tinha publicado um artigo sobre o Porto moderno, não era da relação dos meus pais. É um homem de Guimarães e depois um homem da Foz. Com o Távora comecei a conhecê-lo bem através do Bernardo Ferrão, meu colega no 1º ano quando entrei nas Belas Artes. [GF] - Seriam familiares (tio e sobrinho). [RF] - Sim. Mas isso foi quando da entrada na escola. Só depois, como eu digo muitas vezes, depois quando se passou para a faculdade, perdeu-se alguma coisa. [GF] - Já lá vamos. V. [GF] - Falámos da sua entrada, desse ambiente, de colegas, e de matérias. [RF] - Mas houve outra coisa interessante no ano em que eu entrei, é que, os “quatro vintes” tinham acabado o curso nas Belas artes. [GF] - Os “4 vinte” - José Rodrigues, Ângelo Sousa, Armando Alves e Jorge Pinheiro - que se tinham tornado assistentes da escola. [RF] - Os 4 que faziam os “quatro vintes”, tinham acabado o curso e foram nossos professores, meus professores de desenho. Um dos quais foi o Jorge Pinheiro, e outro foi o Armando Alves que eu conhecia pessoalmente, do café Magestic ainda antes de entrar para a Escola de Belas Artes. [GF] - Também data de 1964 a fundação da Cooperativa Árvore. [RF] - Tinha-se tentado fundar, tinha-se fundado, estava-se a fundar, a Árvore, a cooperativa Árvore, na qual, diga-se de passagem, eu participei, mas porque eu tinha apenas 17 anos, não pude ser oficialmente fundador. / Mas a ideia já vinha de trás de 62 de uma altura de outras instituições como o TEP e o Cineclube. [GF] - Com o pai do professor Alves Costa? [RF] - Henrique Alves Costa era o principal animador do Cineclube, e estava-se a fundar a Unicer. Era, o pai do Alves Costa, e não só. No Batalha nós víamos os filmes neorrealistas italianos, era o período do neorrealismo puro e duro, isto ainda nos anos cinquenta princípios dos anos sessenta. [GF] - Ah. [RF] - A Unicer pretendia ser… como é que chamava? Uma Editora Universitária à semelhança de França - uma espécie de Presses Universitaires de France - que publicava a coleção “Que sai-je?”, uma espécie de livro de bolso. Era na Praça Gomes Teixeira, aliás em frente à Faculdade de Ciências. Nem sei se ainda existe. [GF] - Quer dizer, outras coisas, que têm a ver com o PC ou? [RF] - Não, não. Claro, que tudo tinha a ver com o Partido Comunista, deixemo-nos de tretas. / Andava a mão invisível e clandestina do Partido comunista. Tínhamos contactos e tudo o mais recebíamos o “Avante” e outras publicações, líamos e trocávamos livros proibidos, quer fosse nas Belas Artes quer fosse na Universidade. [GF] - O pai do Ricardo tinha a atividade política, se não é descrição? [RF] - O meu pai (e a minha mãe) tinham atividade política no sentido que pertenciam àquilo que era a chamada Oposição democrática, a que pertenciam sobretudo os profissionais liberais muitos advogados, mas também médicos, engenheiros, arquitetos, professores dos vários graus de ensino, jornalistas, artistas, alguns empresários, etc. Mais ativos nas campanhas eleitorais! [GF] - Do Humberto Delgado? [RF] - Pois, os meus pais, que eram amigos, amigos íntimos do Ramos Almeida, que era formado em direito, mas sobretudo jornalista. / Era de origem brasileira, mas depois veio para cá viver. Os meus pais conheceram-no em Vila do Conde, (como os irmãos Reis Pereira). O Ramos de Almeida veio para o Porto onde trabalhou no Jornal de Notícias e fundou outras publicações culturais. / Foi mesmo um dos membros mais ativos da campanha do Humberto Delgado. / E portanto, havia essa oposição democrática, que depois deu no Partido Socialista, vão quase todos para o Partido Socialista. A que pertenciam o António Macedo, os Cal Brandão, o Mário Soares, em Lisboa, que tinham relações com o partido comunista. Do PC era o Armando Castro e o Óscar Lopes. O Óscar Lopes era colega da minha mãe, quer na universidade em Coimbra, quer depois no Liceu e na Faculdade de Letras. O filho Rui foi meu colega no liceu. [GF] - Os seus pais estudaram ambos em Coimbra, porque no Porto não havia já Faculdade de letras. [RF] - Estudaram em Coimbra nos anos 30. Os meus pais eram de Barcelos. Como no Porto não havia Faculdade de Direito e a Faculdade de Letras na casa amarela, a quinta da casa amarela tinha sido encerrada em 1929. [GF] - Décadas interrompida. Só reabriu no início dos anos 60. [RF] - Em 1961 voltou a abrir, precisamente 1961/62. Para onde foi lecionar a minha mãe. / E, o meu irmão Pedro que tinha estado em Coimbra a estudar direito e que tinha sempre chumbado, no ano em que eu entrei para Arquitetura ele resolveu ir para Filosofia onde se tornou um grande aluno e depois docente. [GF] - O Direito não havia então no Porto. [RF] - Então, os advogados de cá, nesta altura iam estudar para Coimbra. Alguns para Lisboa, mas a maior parte estudava em Coimbra. Todos eles, até quando abriu o curso de Direito, na Católica e na Portucalense. Isto já nos anos noventa. / Assim, quando a faculdade de direito abriu foi na altura em que o Marcelo era presidente do PSD. Eu lembro-me porque ele veio cá falar com professores universitários, e eu lembro de pôr a questão da faculdade de Direito. Sim, quando já havia três faculdades de Direito no Porto - a Lusíada, a Portucalense e a Católica. E a católica, ainda por cima, de grande prestígio, embora as pessoas fossem todas formadas em Coimbra, ou professores de Coimbra. É que resolveram abrir a pública; diziam que era uma questão da pública ser mais barata. Já nessa altura a discussão era entre público e privado. VI. [GF] - Mas retomando instituições como o TEP, que criavam o ambiente cultural da altura. [RF] - Para além do TEP e do Cineclube fundou-se o Círculo de Cultura Musical, que realizava concertos no Rivoli. Trouxeram cá do melhor do mundo: o Wilhelm Kempff, o Isaac Stern, o Mstislav Rostropovitch e sei lá quem mais? É que havia mais. Estou a dizer pianistas, violonistas, violoncelistas que eu ouvi em concerto. Nos anos 50 a Orquestra Sinfónica do Conservatório de Música do Porto foi dirigida pelo maestro italiano Ivo Savini e atuava em concertos do Círculo de Cultura Musical no Rivoli (eventualmente no Coliseu). O Auzelle na introdução ao Plano Diretor faz uma boa descrição desse ambiente cultural dos anos 50. [GF] - O Ricardo ficou com a paixão pela música da adolescência? [RF] - O meu pai (que tocava piano de ouvido) tinha uma enorme coleção de discos de música clássica. E de música francesa. / Os meus pais eram, como toda a gente, francófilos. O Instituto Francês no Porto tinha por isso um grande prestígio e atividade. [GF] - A sua geração também ainda era. [RF] - E a nossa geração também era. Tínhamos dois anos de francês no primeiro ano e no segundo ano do Liceu. Mas eu em particular. Os meus pais tinham uma enorme biblioteca e recebiam revistas em francês. Por exemplo eu sempre estudei por livros franceses, e o francês para mim é a segunda língua. Ainda hoje, há livros que eu não sei se li em português ou em francês. / Os livros franceses, a literatura francesa, li em francês de certeza. Lia sempre os originais. [GF] - Falámos de teatro e música, mas também de política. Antes referia aquilo de subir à cadeira na Faculdade de Ciência e recordei-me da foto de um abaixo-assinado que o Ricardo pôs no seu blog. [RF] - Foi no ano a seguir. Foi logo a seguir, foi no dia do estudante, em que eu participei em Lisboa… / Coloquei aquele texto por alguma razão. Fala-se no dia dos estudantes, fala-se na greve de 1962, fala-se em Lisboa e no Jorge Sampaio também. E fala-se em Coimbra. Mas esquecem-se do Porto, como se no Porto não tivesse havido greves e manifestações. Veja-se o número dos estudantes que assina lá aquela coisa, embora fosse aparentemente inócuo politicamente. [GF] - Depois, a influência das contestações do Maio de 68. Em Coimbra é 1969. Não estou certo, mas penso que inclui greve de fome, carga pela polícia, a descer as escadas monumentais a cavalo, etc. [RF] - Isso é em 1969. / E, antes 1962. / Costumo dizer que eu fiz o meu curso entre duas graves académicas. A de 1962 tem sobretudo a ver com, quer com a campanha do Humberto Delgado, quer com a guerra colonial, que provocaram grandes transformações. [GF] - A guerra colonial começara antes em 1961. / O Paquete Santa Maria… [RF] - A perda de Goa Damão e Diu… O assalto ao quartel de Beja… Uma das consequências fundamentais, foi a movimentação nas oposições democráticas, da oposição mais moderada, mas que era anti-regime e anti Salazar. / Depois há uma grande transformação na Igreja católica, com o bispo do Porto, o Dom António Ferreira que fez em 1958 a carta para o Salazar. Foi mandado para Roma e só voltou com o 25 de Abril… Mas os católicos mudaram, começaram a aparecer manifestações oposicionistas de católicos, conhecidos pelos mais à esquerda como os “peixinhos vermelhos a nadar em água benta”. [GF] - Eram católicos anti-regime. Tem relação com o movimento de renovação da arte religiosa, que integrava o Nuno Teotónio Pereira, o arquiteto paisagista Gonçalo Ribeiro Telles, o Nuno Portas, etc. [RF] - Movimento das artes independente, movimento de renovação das artes, acho eu, e da arquitetura religiosa. / Eram esses dois, era mais o Costa Cabral, e acho que também, o Vítor Palla que tinha tirado o curso aqui. Mas o Victor Palla era mais ligado ao PC. O Celestino de Castro também. Tirou o curso cá e depois foi para Lisboa. [GF] - O Vaticano II ocorre em finais dos anos 60. [RF] - Essa transformação é muito importante. É preciso dizer que entretanto, em 1953, é eleito o Papa João XXIII. Que é o papa da grande abertura e que resolveu fazer isso. / O que também transformou os próprios rituais católicos. Portanto, o altar passava para a frente e o padre ficava voltado para os fiéis, o que provocou algumas questões na arquitetura, na organização do espaço da igreja. VII. [GF] - Ah. [RF] - Aproveito para contar uma história. Quando fui trabalhar no meu 4º ano de arquitetura com o Januário Gordinho, um dos trabalhos que ele me deu para fazer, foi por causa do Vaticano II, se bem me lembro. [GF] - Em 1968 o Ricardo seria aluno do Siza. [RF] - Mas, ainda fui uns tempos trabalhar com o Januário que tinha uma igreja no Furadouro. Passo muitas vezes lá. Tem uma planta em forma de peixe, entra-se pelo rabo, com uma pala, o peixe que tem a haver com a própria religião católica, diga-se de passagem. O peixe, também tem a haver com o Furadouro, uma terra de pescadores. E, tinha o altar na boca do peixe, não é? / E para cumprir o Vaticano II, tinha-se que passar para a frente o altar e meter lá o ambão para as homilias e as leituras. / E então ele deu-me aquilo para fazer. E eu, de régua e esquadro tentei e “não cabia”. / E ele: “Oh sr. Arquiteto, qual não cabe”. / O Januário que desenhava primorosamente, pegava num lápis grosso e dizia - “Quer ver?” - e desenhava ali um ambão magnifico e o altar, e o padre se fosse preciso, um desenho magnífico. “Está a ver como cabe”, e eu passava aquilo para um desenho rigoroso e não dava. / E às tantas como era aluno do Siza, e estava muito interessado no curso e no projeto, acabei por dizer ao arquiteto Januário - “vou-me embora, gostei muito da experiência”. Conheci aí o Júlio Anciães que tinha o curso de Farmácia e depois se formou em Arquitetura. [GF] - Dessa geração mais antiga, deve ter contatado ainda com o Rogério Azevedo, etc. [RF] - O Rogério de Azevedo, foi meu professor. O Rogério de Azevedo, aliás um encantador professor, foi no meu 3º e 4º ano. Acho que no 3º, já não sei se foi nos dois. [GF] - Era então professor de higiene e equipamento. [RF] - Aquilo era magnífico, nós íamos para as aulas e ele sentava-se na secretária, enrolava o tabaco e depois adormecia. E nós, aproveitávamos para fazer os projetos, os desenhos de projeto, e fazer os trabalhos todos, sei lá... Ele depois acordava e ainda falava umas coisas de arquitetura, quer da história do Porto, quer de projetos e obras de arquitetura. / Ele já estava perto da reforma. Reformou-se no ano em que foi meu professor, e chegou lá e disse “eu vou deixar um rastro e santidade”. Foi tudo corrido a 18 e 19. Eu tive uns 18 e cheguei a casa... Quem tinha 18, como o meu irmão, que teve vários, tinha direito a almoço no “Escondidinho” ou jantar. E mais outras alcavalas. E os meus pais nunca souberam que aquilo foram os 18 mais fáceis que eu tive na minha vida. Embora tivesse boas notas nas outras disciplinas, particularmente em História de Arte. Mas na Escola as notas iam no máximo ao 14 ou 15. [GF] - O Ricardo referiu antes que trabalhara no Januário Godinho, autor do Armazém Frigorifico. Estagiou? [RF] - Não! Apenas trabalhei no atelier do Januário no meu 4º ano. Depois do curso fui dispensado do estágio porque fiz o serviço militar como arquiteto e legalmente contava como estágio. [GF] - Todos arquitetos de considerável obra prática e que, maioritariamente, também ensinaram na escola. [RF] - São dessa geração ainda o Mário Abreu. O Júlio de Brito também. O Júlio de Brito dava aulas na escola, mas morreu antes de eu ir para a Escola. Quem eu conheci foi a filha do Marques da Silva e o David Moreira da Silva e por aí fora, portanto, essa geração. [GF] - A geração que o marcou mais foi a geração do Távora e Siza. [RF] - Com certeza. Mas sobretudo o Siza, quando foi, meu professor. / O Siza no ano em que foi meu professor, os alunos finalistas organizaram uma viagem de curso. Eu estava no 4º ano, era um aluno do Siza, em 1968. A viagem foi até à Holanda, a Alemanha de passagem, a Dinamarca, a Suécia e a Finlândia. [GF] - Viagem de estudo? Diz-se que o Siza levou uma garrafa de Whisky para oferecer ao Alvar Aalto uma vez. [RF] - Não era de whisky, mas de Vinho do Porto. Mas atenção, que não o encontrou porque o Aalto… não estava lá. / Mas, nessa viagem, os alunos do 6º ano, convidaram o Duarte Castel Branco que desistiu de ir à última hora, fora de tempo e atrasado! E os alunos que organizavam a viagem, porque tinham um lugar vago, vieram-me perguntar, já que eu tinha sido colega de muitos deles, se não queria ir. Eu achei ótimo, e fui no lugar do Castel Branco. / E, eu como ia no lugar de um professor ficava sempre em hotéis num quarto com o Siza e eles ficavam nos albergues de juventude e naquelas coisas universitárias. E o Siza que era o meu professor, estava a fazer a casa dos Combatentes, se bem me lembro, e tinha-lhe sido encomendado a Avenida da Ponte. E quer se acredite quer não, quando chegávamos aos hotéis, em Helsínquia (é que nuns sítios nem sempre ficávamos, mas em Helsínquia ficamos), o Siza punha uma corda, daquelas da roupa com molas onde pendurava as plantas da Avenida do Ponte, deitava-se na cama: “Isto é aquilo que eu tenho que fazer”. E fez, aliás com algumas influências de coisas que viu. Mas isso foi um dos aspetos. O outro aspeto foi visitar as obras do Aalto, algumas das quais eu visitei, numa tarde só com o Siza já que os outros tinham ido para a uma excursão com o Távora. / E eu e Siza não fomos, já não sei porque razão, e o Siza disse-me: “vou ver as obras do Aalto, venha comigo”. E lá fomos ver a Casa das Pensões, o Rautatalo, e a Casa da Cultura. [GF] - No revolucionário ano de 1968. Tratavam-se por você? [RF] - Sim. O Siza tem mais onze anos do que eu. Agora trato-o por tu, só passei a tratá-lo por tu agora. Na altura, até porque era meu professor e nessa altura não se tratava os professores por tu. E quando eu fui para professor não deixava os alunos tratarem-me por tu. Eu dizia-lhes: lá fora podem-me chamar Ricardo e até acrescentar alguns palavrões. Mas, cá dentro, somos “professores, ou arquitetos ou assistentes”. [GF] - Alvar Aalto que, em conjunto com Frank Lloyd Wright são os expoentes da arquitetura orgânica. [RF] - E o Siza, o que era impressionante ao visitar as obras do Aalto - os edifícios construídos - que o Siza conhecia, mas que nunca os tinha visto, porque ele nunca tinha ido a Helsínquia - conhecia-os ao pormenor. Só das revistas e outras (poucas) publicações. / Aliás nessa altura, ele ainda era para além do Aalto, bastante influenciado pelo Wright. [GF] - Mas a primeira influência talvez continuasse a ser Le Corbusier? Ainda nele? [RF] - Sim. Basta ver as casas. Vai ver as casas de Matosinhos, uma das fachadas, a fachada poente acho eu, tem um desenho que lembra a fachada de Ronchamp com as pequenas aberturas. Mas do Le Corbusier o que ficou no Siza foi o pensar a arquitetura como uma “recherche patiente” e o “Ostinato Rigore” do Leonardo da Vinci. [GF] - O Corbusier tardio, orgânico. [RF] - Sobretudo Ronchamp de 1955. Ronchamp foi uma grande coisa. Foi uma obra marcante na arquitetura. / Quando o Corbu faz Ronchamp, o Argan e outros como o Pevsner, o Rogers e até o James Stirling, ficaram todos furiosos! Então ele que era o teórico do ângulo reto, vai fazer uma coisa daquelas, uma escultura? Não acharam piada nenhuma, e escreveram nas publicações de então umas venenosas críticas. Mas foi uma grande viragem. Muito influenciou a arquitetura em Portugal por duas razões. Primeiro, a ideia do edifício compacto de reboco branco contrastando com o betão. Contraste que se aproximava da arquitetura popular do norte do país, “descoberta” pelo Inquérito, onde o reboco branco se combina com o granito. O que depois foi aqui usado e abusado nestes anos, por muitos dos arquitetos portugueses, inclusive de outra maneira, pelo Siza e pelo Távora. [GF] - Isso também tinha a ver com o barroco português, recorde-se o contraste do caiado a branco com a pedra de granito. [RF] - Sim, mas ali não era pedra, (mas até, podia ser), mas era betão. / Por outro lado, a segunda razão refere-se sobretudo à ideia do “genius loci”, do espírito do lugar, que o próprio Le Corbusier em Ronchamp potencia. A capela lá no alto, a forma como a ela se acede, aquelas orelhas para apanhar o vento... / Eu já fui duas vezes a Ronchamp, uma das quais não foi há muito tempo, em que a própria aproximação tem a ver com as obras de do Siza, em que há sempre essa ideia de valorizar a aproximação. / Aliás o Távora também claro, como disseste. Mas, de facto, o Le Corbusier foi a primeira influência do Siza, o que está expresso pelo próprio Siza. / O Siza conta que o Carlos Ramos disse “você tem que ver umas revistas”. Nessa altura, só se falava no Le Corbusier, mas por acaso, uma das revistas era sobre o Aalto, que tanto influenciou o Siza. Porque o Siza, como eu e muitos outros, queria ir para escultura e foi para a arquitetura. Não é por acaso que a arquitetura dele tem muito a ver com o escultórico. VIII. [GF] - Na Arquitetura analítica? [RF] - Como eu não tinha na família nenhum parente que fosse arquiteto, quando um dos primeiros trabalhos que eu fiz para o Filgueiras… foi o levantamento do Pavilhão de Ténis, na operação Matosinhos, eu tive de fazer o levantamento todo, enquanto muitos dos colegas limitaram-se a copiar o projeto a que tiveram acesso. [GF] - Ah. [RF] - Sim. No primeiro ano. Quando conheci o Bernardo Ferrão, que era sobrinho do Távora, ou o Rui Oldemiro Carneiro que era filho do arquiteto, que projetou o estádio das Antas. / Os que eram filhos de arquitetos, como o Mário Bonito tinham outra vantagem: já sabiam o que era uma planta, sabiam como é que se dobrava uma planta, sabiam desenhar. E eu, como nunca tive grande jeito para passar a tinta desenhos, tive alguns sofrimentos na Arquitetura Analítica. [GF] - A disciplina era no 1º e no 2º ano, não era? O Ricardo dizia que a operação de Matosinhos foi então quando entrou em 1962. [RF] - Foi em 1962/63. Foi uma ideia do Carlos Ramos de pôr a escola toda, do primeiro ao último ano e de todos os cursos, a trabalhar em Matosinhos. / Foi numa altura importante para Matosinhos então em grande desenvolvimento. Quer pela construção da Doca nº 2; quer pelos projetos dos acessos concebidos pelo Távora, como o percurso que vai depois para a Maia, ao fundo da Doca nº2. [GF] - A Casa de chá da Boa Nova, a piscina, a Quinta da Conceição são projetos ou obras iniciadas ou concluídas nessa altura. [RF] - Sim. [GF] - Em Matosinhos, a anterior Doca nº 1 já vinha dos anos 30. Mas a Doca nº 2, foi inaugurada em 1961 ou 1962. [RF] - De facto. Com as consequências que teve na cidade. Isso está tudo codificado nos livros sobre o Porto de Leixões. [GF] - E como a operação Miragaia veio logo a seguir, o Ricardo novamente participou? [RF] - Isso. Depois, no ano seguinte em que eu passei para o 2º ano, fomos para Miragaia fazer levantamentos. / É o que eu digo. Por um lado, aquilo era uma chatice, porque nós estávamos fartos de levantamentos. Nós queríamos era fazer projetos, e com o Filgueiras nunca fazíamos. Mas, por outro lado, tinha a grande qualidade de nos pôr a par do que é a cidade do Porto, dessa outra cidade do que era a vida e a degradação de zonas como Miragaia, e outras. / Ainda existem desenhos feitos por mim, do ano seguinte, em que no meu segundo 2º ano o Filgueiras lançou a Operação Barredo. [GF] - Ah. [RF] - Aquele anos, em Miragaia e no Barredo, como eu tinha chumbado na cadeira de Geometria da faculdade por causa do Jaime Rios de Sousa e que davam precedência a duas cadeiras do curso de arquitetura não podia passar para o 3º ano. Só fiz a Geometria à terceira, porque já sabia toda a geometria. / Começou a minha prova escrita por me dizer: “Por onde é que você copiou a sua prova?”, e depois disse: “É que está tudo certo”. Eu respondi: “Oh senhor professor, tem outra qualquer prova como a minha, não, então eu copiei por quem?”. E ele engoliu, mas fez-me uma oral com as coisas mais difíceis que havia neste mundo; a que eu respondi, bem ou mal respondi. E por fim deu-me um 10 ou um 11. Só para não dizer que não me chumbava pela terceira vez porque eu tinha fama de comunista. [GF] - Esteve filiado no PC? [RF] - Na altura muitos estudantes tínhamos contactos com o PC. Filiado só quando vim da tropa, e por razões várias. / [GF] - Ainda outro bairro degradado do Porto que foi estudado foi o Barredo. O Ricardo dizia que as “operações” ajudavam a conhecer a cidade e a vida. / Criaram uma consciência social-política, que ecoará tudo no que depois ocorrerá na escola (incluindo o SAAL)? [RF] - O Barredo foi no ano seguinte, ou seja, eu estou a falar da escola, da Arquitetura analítica. No ano da Operação Barredo os meus colegas tinham entrado no curso no ano a seguir ao meu. Eu era de uma equipe com o João Godinho, que era o filho do Januário e o Francisco Guedes de Carvalho, ambos infelizmente já falecidos. Quando no ano seguinte fiquei com um ano só com as duas cadeiras a que a descritiva dava precedência, uma espécie de geometria aplicada aos projetos, para fazer sombras e perspetivas e ábacos solares… aproveitei para ir trabalhar no atelier do arquiteto Germano Castro Pinheiro Assim quando cheguei ao meu terceiro 2º ano, eu, o Bernardo Ferrão e o Chico Guedes do 3º ano e o Nicolau Brandão do 4 º, resolvemos fazer uma equipa para estudar a cadeira da Faculdade de Ciências que nos faltava, a Física, onde o professor, que era o Pires de Carvalho, chumbava quase todos os da arquitetura. Então, estudávamos todos os dias, em casa dos pais do Chico Guedes de Carvalho. [GF] - O professor Pires de Carvalho daria Física? [RF] - Sim. Depois, chegamos ao exame. Eu e o Nicolau Brandão - que éramos os mais atrevidos - fizemos umas orais brilhantes. O Bernardo assim-assim, mas o Chico Guedes - filho de um professor de física e química - chegou às orais e não abriu a boca fazendo uma figura de urso. (Um dos irmãos dele, aliás seguiu a pisadas do pai e é catedrático na Faculdade de Engenharia). Nós tivemos 14, que na altura era uma nota brilhante para alunos de arquitetura. [GF] - Ah. [RF] - Também é importante no plano pessoal, que nessa altura comecei a fazer vela em Leixões. [GF] - Então e a sua proximidade ao Lixa Filgueiras que se interessava por arquitetura náutica? [RF] - Foi depois quando comecei a fazer vela, e quando já não era aluno dele. / E antes de ele morrer até nos dávamos bem. Ele um dia trouxe aí um uma pessoa qualquer, um italiano especialista de barcos, e convidou-me - sabendo que eu falava italiano - para tomar um café com ele e depois almoçar. Fomos para o Barredo, para o bar do Campos, aquele barzinho, que é todo vela. Ele praticava vela também. [GF] - Refere-se ao Café do cais projetado pelo? [RF] - Sim, o Vieira de Campos. Lá tem uns pormenores, manilhas e outras coisas da vela. Falta ter umas velas para enfunar. Embora tenha umas na cobertura. [GF] - Isso provavelmente quando o Lixa Filgueiras voltou do centro de investigação da Faculdade de Letras para a jubilação na FAUP. / O bar do Vieira de Campos, isso acho que já é quase na minha altura. / No curso tivera, para além dele, também o professor Távora. [RF] - Eu apanhei o Távora no 5º ano. No 4º ano tive o Siza. / No meu 4º ano há uma coisa que é importante. É que eu, o Bernardo, o Jorge Barros (que foi meu colega no 1º ano das Belas Artes, o homem que foi diretor da Cinca em Fiães e o Chico Guedes, entre 1967 e 1970 alugamos uma sala para a elaboração dos trabalhos escolares. Era no prédio da Casa Inglesa na esquina de Santa Catarina, uma sala voltada para a rua Passos Manuel em frente à entrada lateral do Magestic. / E de seguida outros estudantes, um deles o Nicolau alugaram a sala adjacente voltada para a rua de Santa Catarina. / Estas salas, tinham sido ocupadas pelo pintor e professor Augusto Gomes que as libertou por razões de saúde. Estas salas como ateliers funcionaram como verdadeiras escolas pela colaboração entre os estudantes, dos vários anos do curso e com visitas esporádicas de alguns professores. [GF] - Como a salas-atelier da geração anterior - com aquela do Matos Ferreira com o Siza, etc. [RF] - Era algo que os pais apoiavam, e nós dividíamos a renda por 4. Aliás, a entrada era por uma tabacaria e, quando nós não pagávamos a tempo a conta da luz, o homem ia para lá cortar a luz. E como tinha que desmontar tudo até da tabacaria, disse-nos “eu pago-vos a luz, mas depois vocês pagam-me a mim já que assim não tenho que desmontar esta porcaria toda”. / Mas o atelier acabou por ser um verdadeiro, atelier onde aos que saiam no fim do curso sucediam outros como o Lucena Sampaio, que também foi meu colega. [GF] - Alugavam estes sítios, depois comiam por ali, trabalhavam, os professores iam lá. [RF] - O Gigante ia lá ver, como é que estavam a andar os trabalhos. E, nestes ateliers, fazia-se trabalhos para a escola, trabalhos escolares. [GF] - Acompanhavam-se a estudar e trabalhar. Presumo que a os alunos de cada turma arrendassem vários ateliers na cidade [RF] - Sim, estariam organizados em pequenos grupos por salas que nessa altura ainda se podia arrendar. / Mas relativamente à minha turma do 3º ano era uma turma ótima, porque estávamos reduzidos a 8 ou 9. E porquê? Porque a turma que devia alcançar o 3º ano, do Nuno Guedes de Oliveira e outros, não cumpriu os prazos de um trabalho para o Filgueiras. Este não esteve com meias medidas chegou ao fim do ano e chumbou todos. E assim a minha turma ficou constituída pelos como eu, que tinham feito cadeiras atrasadas, ou pelos que regressaram do serviço militar. / Era uma turma magnífica. Era eu, era a Helena Albuquerque, que tinha vindo de Coimbra de fazer as cadeiras de ciências, (o pai dela era o professor de matemática, Luís Albuquerque, que se dedicou-se à cartografia e à história dos descobrimentos). E de Coimbra veio também o João Marta e o Ilídio de Ílhavo. / E o Rosado Correia que vinha da tropa (depois do 25 de Abril chegou a ser vereador no Porto e ministro do mar), a Delmira mulher do Rosado Correia, o Lucena Sampaio que também veio da tropa, e a Cecília, que era a filha do Soares da Costa, e a Alda Santos regressada dos Estados Unidos. [GF] - E esse era o ano todo? [RF] - Este era o ano todo. Um grupinho, o que era ótimo e facilitava a vida aos professores de projeto. As aulas teóricas eram um problema porque no máximo eram só estes 9 alunos. Mas muitas vezes estávamos apenas dois ou três. [GF] - Era a aula teórica só para esses? [RF] - Nas aulas de História de Arte no anfiteatro, juntávamo-nos aos alunos de pintura e escultura. / Eu era um brilhante aluno, porque tinha a grande vantagem de ler os livros em francês e dava explicações a alunos de pintura e de escultura. [GF] - Havia história internacional e história de arte ou arquitetura portuguesa? [RF] - No 1º e 2º ano era História de Arte com o Pais da Silva para os três cursos. E depois no 3º e 4º ano era História de Arte em Portugal com o Flávio Gonçalves. Eu estudava com o Lucena Sampaio. Íamos para casa dos meus pais, os livros em cima da sala de jantar, cervejas (que aquilo acabava com muitas cervejas), e nós estudávamos História da Arte em Portugal. E a grande vingança do Lucena Sampaio foi, quando chegámos ao exame, ele teve uma nota um ponto acima da minha. Eu tive 14, ele teve 15. Ele estudava mais. / E depois trabalhávamos juntos no atelier. Entretanto também foi lá para o atelier, e uma coisa com imensa graça, porque, nas aulas de projeto o Lucena perguntava-me “o que é que achas do meu projeto?”. Eu respondia invariavelmente “Está uma merda, faz outro” e ele caía sempre. Mas eu, também tinha a mania que era o melhor, não é? Mas assim se criou uma boa amizade. [GF] - Ah. [RF] - Com o Siza era lixado, porque sempre que lhe mostrava o projeto, ele dizia “Faça-me aí uma perspetiva deste cantinho” e aquilo não dava, ou ficava uma coisa incrível. Eram umas belíssimas aulas de Projeto. / Porque ele, o primeiro projeto que nos deu, era um arranjo da Boa Nova. O passeio, não é?… a avenida da Liberdade, a partir da piscina. E eu fiz um muro por ali fora com mais umas tretas e não sei quê. Ele disse: “Eu vou medir este muro”, tem um quilómetro de cumprimento. Na verdade, estava a ser feita a Refinaria e era necessário fazer algo que contrastasse. IX. [GF] - E depois, no 5º ano teve então o professor Távora. [RF] - E no 5º foi o Távora, já vou explicar. No 4º e 5º ano fazíamos dois ou três projetos. [GF] - Faziam 3 exercícios nessa disciplina de projeto? [RF] - Um primeiro projeto normalmente com uma escala maior, a partir do 4º ano e 5º ano. / Depois, no segundo período, fazíamos um outro projeto. / E muitas vezes tínhamos um terceiro projeto. Como não havia exames na disciplina de projeto, entre junho e julho, fazíamos um projeto, normalmente de uma escala mais reduzida. [GF] - Então por exemplo, no 4º ano? [RF] - O muro de Leça que, portanto, era a avenida toda. Fazer uns sanitários e os equipamentos de praia. / O 2º projeto era o remate sul de Brito Campelo onde havia um terreno junto a um edifício do António Menéres e para onde o Siza estava a fazer um projeto de um edifício de habitação. / Eu fiz um bloco de andares com uma fachada também toda à Aalto assente numa grande plataforma. / E lembro-me, no 4º ano, o meu 3º projeto foi o projeto em que me valorizei mais. Era uma habitação para um pintor da escola que tinha comprado um terreno ali na entrada para Matosinhos. Era um terreno com árvores, e eu projetei uma casa Wrightiana. Com um caminho existente que atravessava o átrio da casa. De um lado, tinha a parte pública e, do outro lado, tinha a cozinha e outros espaços de serviço e ao longo desse caminho uma ala de quartos. Mas aquilo era tudo pormenorizado com janelas de canto inspiradas no Aalto. Eu trabalhava com os livros em cima da mesa, sabia o que estava a fazer. Os primeiros desenhos eram todos à Mies. Prolongava as paredes para dividir os espaços à Mies, naquelas suas primeiras casas. Enfim, ingenuidades. [GF] - O Siza já tinha constituía influência. Nessa altura, o que me impressiona nos projetos é esse detalhe da construção das madeiras e preocupação com os remates. [RF] - Todos, é tudo isso que… [GF] - E no 5º ano. [RF] - Depois no 5º ano, tive um primeiro projeto que era um plano para o centro de Matosinhos. / Eu tinha a teoria que o urbanismo, tal como era praticado não existia, que as cidades cresciam por razões diferentes. / E depois o segundo projeto foi um centro cultural para ali ao lado, do museu de Serralves para a praça onde tem a Escola Francesa do Luís Cunha. E o meu projeto, para mim, era brilhante. A fachada era toda em vidro, mas fazia uma parte, depois entrava fazendo as varandas, e depois o pano de vidro voltava a sair. / Na parte de trás tinha uma escada que ligava os dois pisos. Lembro-me que como não tinha maneira de fazer aquilo em maquete, e era fundamental e importante… como não conseguia fazer o redondo da escada em balsa, por falta de jeito, cortei o miolo de cartão de um rolo de papel higiénico que dava mais ou menos, a dimensão da parede da escada, mas tive de adaptar os desenhos todos para a escala que o meio rolo definia... Depois aquilo era tudo pintado à pistola ficava tudo uniforme e branquinho. O Távora gostou… [GF] - No 4º e 5º ano, a projeto pelo que percebi apanhou o Siza e o Távora. E depois construção, foi o Viana de Lima? [RF] - Nessa altura o professor, de construção foi ele. E o Viana de Lima mandava fazer pormenores de caixilharia em madeira. Lembro-me de fazer uns pormenores com uma economia enorme. As portas não tinham batente, só tinham batente em cima. O Viana perguntava “e o batente? Ao que respondia que não é preciso! [GF] - Ou seja o curso era destas áreas, e digamos as cadeiras de história. As de história eram sobretudo história de arte, não era? [RF] - Sim. [GF] - E as científicas, digamos lá da faculdade de ciência? [RF] - Pois, mas essas estavam feitas, a cadeira principal era o projeto. Um bocadinho de construção… [GF] - Um projeto, que tinha pouco de construção, construção era ao lado? [RF] - Chegava-se à parte da construção, mas era o projeto que nos ocupava. Chegava-se à conceção estrutural, tinha que ter pilares e vigas ou paredes portantes, e lajes. Mas o que era o mais importante era o projeto. Detalhes de Impermeabilizações ou do mobiliário, saneamento e águas, tudo isso era posto de lado. Ou feito à parte, na cadeira de construção, onde se discutia essas coisas. E depois havia aquelas cadeiras subsidiárias, a topografia; sei lá, já não me lembro sei que havia mais. Havia visitas às obras, dos professores, é claro. [GF] - Portanto esta organização que temos hoje, assim em colunas verticais, por exemplo de tipo “teoria”. Isso na altura não se encontrava definido por grupos. Pelos professores… [RF] - Isso foi resultado da Experiência, de que falaremos. [GF] - O projeto da Câmara ou complexo de edifícios e praças no centro de Aveiro do Távora do final dos anos 60? [RF] - Em 1968 ou 1969, que é um plano que se inseria no plano de Aveiro do Auzelle. / O Távora projetou uma parte do centro de Aveiro, uma intervenção, um desenho urbano que ele no fundo resolveu com três ou quatro edifícios, e na sua relação com o canal. Tinha uma torre que não se fez, que não se construiu. E depois tinha aquele que era a biblioteca e mais o palácio da justiça (acho eu), e a câmara. [GF] - Os exercícios que eles davam eram próximos a essa prática profissional, portanto eram edifícios, não é? [RF] - Normalmente eram projetos que eles estavam a fazer nos ateliers, porque possuíam material, como plantas, levantamentos e programas. [GF] - Ou melhor tem as aulas práticas com o Gigante e… [RF] - No Urbanismo ou Urbanologia, o professor era o Duarte Castel Branco. O Gigante era o assistente e nas aulas práticas tínhamos de fazer pirâmides de idades e outras coisas do género. Eu recusei completamente a fazer … não havia desenho, não havia não. Tudo isso contribuiu para a contestação à Reforma de 57. [GF] - Alguns até já paralelamente ao curso estavam a fazer projetos, ou pelo menos a trabalhar em ateliers, etc. [RF] - Sim. Começamos todos a lutar por arquitetura, pela importância do projeto… o resto é à volta. Foi isto que veio dar a Experiência Pedagógica no meu 6º ano. [GF] - É a experiência do Ricardo, mas só para perceber aqui uma coisa. Havia essa… vocês queriam mais projeto, e as áreas técnicas (redes ou o que quer que seja) como me disse antes, eram feitas depois noutras cadeiras. Estavam interessados é em modelar o espaço por via do projeto. / Também o diria relativamente às dimensões teóricas da arquitetura?, que queriam desenhar mais e refletir/debater teoricamente menos? / Era menos técnica e mais espaço? Era dinheiro? Era o quê? O que é que era a teoria e preocupações teóricas da altura? [RF] - A teoria, teoria e história, tinha por exemplo no 3º e 4º ano o professor Arnaldo Araújo. / A dimensão social teórica e prática da arquitetura baseada na catividade de Danilo Dolci. / E a dimensão da casa vivida, dos espaços habitados, do habitar uma dimensão da poética do habitar colhida em Bachelard e Heidegger. [GF] - Depois temos aqui as ciências sociais, superimportantes. [RF] - O Arnaldo Araújo não seguia, não tinha um programa. / Numa das primeiras aulas chegava e pegava num jornal ou numa revista. / Eram aulas soberbas do Arnaldo Araújo pegar numa revista de arquitetura e pedir para a ler... E perguntava: “página um, O que é que está aí? É a publicidade”. / “Porquê?”; e de porquê em porquê, aprendíamos a ler uma revista. Ou que podia ser um jornal diário. E pegar no jornal e analisar os anúncios de venda e aluguer de habitações na secção de vendas ou do imobiliário! / Ou podia ser um livro. Uma das coisas que ele, como um teste, nos propôs foi o livro do Portas, e tínhamos de fazer um comentário. [GF] - O primeiro livro do Nuno Portas, acho que de quando ele fez o concurso, intitulado “A arquitetura para hoje”? [RF] - Sim. Acho que se chama assim, “Arquitectura para hoje”, Lembro-me no meu texto de escalpelizar o conteúdo não subestimando a importância do livro numa época em que os arquitetos pouco ou nada escreviam e teorizavam. [GF] - Foi o único externo que veio à faculdade nesse período? Ele escreveu em determinado momento um artigo sobre “uma experiência na ESBAP” na revista “Arquitetura”. [RF] - Sim, convidado pelo Arnaldo Araújo. Na altura era professor em Lisboa e trabalhava no LNEC. Veio cá por causa da revista “Arquitetura” querer publicar um artigo sobre os bairros camarários. [GF] - Ele passou pelo LNEC. Penso que o Alves Costa estagiou com o Nuno Portas. [RF] - É isso. E quem estava a fazer o estágio era também a Beatriz Madureira, os primeiros estágios que a Reforma de 57 obrigava. [GF] - Era em formato de debate. Se não iam todos, entre 6. [RF] - As aulas do Arnaldo eram tipo mesa redonda. / Havia também aulas magistrais, no anfiteatro. [GF] - Mas então no anfiteatro, as principais aulas magistrais? No vosso ano inicial, o Filgueiras e Távora ainda estavam a fazer o concurso? [RF] - Já tinham feito o concurso em 1961. Expostos na Magna de 62 no ano em que eu entrei na Escola. O Távora só foi meu professor no 5º ano, só surge mais tarde no curso; não é? X. A Experiência 1969/70 [GF] - A experiência, quiçá alegados “saneamentos” e as demissões de professores? [RF] - No final de 68, no ano letivo de 1968/69, foi a aposentação do Carlos Ramos e posteriormente a sua morte. / E depois, no ano seguinte, ano em que eu faria o meu 6º ano, os professores e os assistentes, por causa dos concursos e dos problemas de carreira, demitiram-se em bloco. Os alunos de arquitetura aderiram a esse conjunto de reivindicações entre as quais o fim das cadeiras na Faculdade de Ciências. Nessa altura, como eram proibidas as assembleias de Escola, inventámos as Aulas Magnas. Que consistiam numa “aula” com todos os professores e todos os alunos de todos os cursos. E como na época havia faltas, todos eram obrigados a juntar-se no anfiteatro. / Veio cá o Ministro da Educação, na altura o José Hermano Saraiva a quem foram expostos os problemas da Escola. [GF] - Juntavam as aulas todas num mesmo sítio, no mesmo espaço e no mesmo tempo como pretexto. Professores e alunos. [RF] - Todos. Foi nessa altura que se propôs a separação dos cursos. [GF] - Vamos cá discutir a escola, e começava ali. [RF] - Foi por isso que se deu o colapso quase completo da Escola ou pelo menos do curso de arquitetura. [GF] - “Foi por isso que” ou surge como consequência de? / E o surgimento dessas aulas também começou relacionado com os professores se estarem a demitir? Um encerro eminente… [RF] - Foi a acumulação de um conjunto de situações pedagógicas, de carreiras docentes, a saída de Carlos Ramos, e da própria política: a queda de Salazar, a Guerra colonial, o Maio de 68. [GF] - A “Primavera Marcelista”, e o primeiro ministro da educação tinha que resolver o problema rápido, portanto, era o que vocês quisessem. [RF] - E então o ministro da Educação passou a ser o Veiga Simão (que depois do 25 de Abril foi para o Partido Socialista), que tinha uma diferente visão das crises universitárias. Entretanto dá-se a crise de 69 em Coimbra. / Tudo levou a que no ano letivo de 69/70 o Curso de Arquitetura entrasse num Regime Experimental, do qual, curiosamente, hoje ninguém fala. [GF] - Mas foi a primeira vez que o ensino superior foi dirigido para uma comissão paritária dos seus alunos. [RF] - Havia o diretor. Na altura era o António Cândido Brito, que era uma figura neutra, passiva. E eramos realmente nós, que dirigíamos o curso de arquitetura. [GF] - A comissão paritária eram 6, incluindo por exemplo você representando os alunos, e o Távora, o Filgueiras inicialmente, etc... [RF] - Sim, era uma comissão coordenadora, de 3 professores e 3 alunos. Os professores eram o Filgueiras (que logo abandonou), o Távora e o Gigante. Os alunos era eu do 6º ano, o Rui Louro do 4º ano e o Zé Garrett que já tinha o curso de escultura, mas estava no 2º de arquitetura. [GF] - O que ficou conhecido por regime experimental. [RF] - No fim do ano tínhamos de apresentar um relatório! [GF] - O relatório é uma espécie de programa para um novo ensino de arquitetura, mas quem o escreveu? / Havia 4 pilares: projeto, História/Teoria e construção e desenho... [RF] - Que era assim, era. Eu nem sei se o urbanismo fazia parte… se bem me lembro era Projeto, Teoria e História, Construção e Desenho, [GF] - E o que é o que foi escrever este relatório? Foi feito em reuniões? [RF] - Envolveu-nos a todos. Mas o relatório propriamente dito foi escrito pelo Távora e por mim. Sem dúvida com a achega dos outros já que, mais ou menos semanalmente, íamos a Lisboa reunir com o ministro Veiga Simão. Houve uma vez que eu não fui, já não sei porquê. E eles resolveram ir de avião, e convenceram o Zé Garrett a andar de avião. O Zé Garrett era completamente avesso a aviões. E foi o fim do mundo, porque ele meteu-se no avião “aí mãezinha no que me meti!” [GF] - E, ainda por cima, isto é no princípio do Marcelismo, em que havia uma necessidade de alegada abertura política a vários níveis. [RF] - “Conversas em família” o raio que os parta… [GF] - Foi autorizada a experiência, e como correu nesse ano? [RF] - Só que a experiência foi muito bonita, porque nós, não havia disciplinas… [GF] - Ou havia disciplinas mas… Para projeto e não sei quê quem dava aulas? [RF] - Eram os alunos do 6º ano, porque já estavam a acabar o curso, com a categoria de monitores e eu lembro-me de ter um grupo de alunos do 1º ano onde estava o Carlos Prata, o António Moura e o Chico Barata. Lembro-me desses três pelo menos, não sei se havia mais. [GF] - Lembra-se de lhes dar aulas aos alunos mais novos, como o Carlos Prata ou o Barata. [RF] - Eu é que lhes dava aulas de projeto. Depois no fim do curso, discutiu-se as avaliações. Como é que vai ser? Foi tudo corrido a 10. Eu tinha uma média bastante alta e, assim, passei para o 14 ou 13. Eram as convicções revolucionárias. XI. [GF] - Depois fez logo ali o edifício Mutual em coautoria com o Pulido Valente e o Nicolau Brandão. [RF] - Ainda em 1970 abriu um concurso para a sede da Companhia de Seguros Mutual, e eu, o Nicolau Brandão e o Pulido Valente resolvemos concorrer. [GF] - Muito tipo Brutalismo inglês. [RF] - Brutalista inglês sim… mas sobretudo inspirado no James Stirling que o Nicolau conhecia bem… e eu mais das revistas, e depois fizemos aquilo. Já havia uma grande preocupação com a ligação com o contexto… havia ingenuidade. Pensávamos nós vamos fazer aqui este edifício baixinho e isto vai obrigar a ser tudo baixinho. Não aconteceu. / E olha que o concurso nos pôs quase incompatibilizados com o Ricca que também concorreu. E que tinha ganho alguns concursos no Porto. [GF] - Na altura da arquitetura triunfalista. [RF] - Digamos assim, sobretudo porque foi antes da crise do petróleo e o edifício era todo fechado, nenhuma janela de abrir, tudo ar condicionado. [GF] - Mas quando foi feito, entretanto houve a crise da energia do petróleo. [RF] - O edifício com aqueles panos de vidro, todo fechado, ficava por um preço bonito, de tal maneira que quando se instalou a companhia de seguros acabaram por abrir umas janelitas pelo menos na parte da administração. / Os primeiros pisos eram no concurso para um hospital. No entanto logo nas primeiras reuniões, depois de ganho o concurso, o médico da Companhia acabou por demonstrar que era impossível do ponto de vista clínico e económico realizar-se. / Um hospital é um edifício com regras muito exigentes. E acabamos por eliminar o hospital e projetar um centro comercial. O Brasília estava em construção. / Outras das qualidades do projeto era ser completamente modulado em módulos de 75 centímetros, metade 37,5 e duas vezes 1,5 metros. E depois não tem um único roço nem nenhuma parede de tijolo; os canos estão todos numa coluna vertical e em caixas horizontais. O edifício de escritórios era em “open space”, um espaço amplo com divisórias, e tinha um corredor central por onde tinha toda a tubagem. É uma megaprojeto. Portanto na altura era um grande avanço que punha os empreiteiros todos em pânico. [GF] - Que fosse uma obra tipo megaestrutural não é? [RF] - Sim, sim, e foi tudo calculado no computador da Faculdade de Ciências. Tinha um sistema de lajes em caixotões, outra novidade da época. / Ao excelente engenheiro que fez os cálculos algumas vezes pregávamos uma partida. “Nós tiramos aqui este pilar”. “Não pode ser!”. E começava logo a fazer cálculos. “Para isso eu tenho que fazer…” Olhe lá, nós estávamos só a brincar consigo. / Nós sabíamos exatamente o que queríamos. / Lembro-me ainda de uma junta de dilatação que passava por uma escada e que não era possível evitar. Então sugerimos ao engenheiro que pendurasse a escada de um lado e pusesse umas rodinhas do outro. “Umas rodinhas não, mas posso pôr um sistema para que deslize” respondeu o engenheiro. / O edifício encontra-se agora em obras que ignoro a que se destinam. CONVERSAS 2/5 XII. [GF] - Mas retomando a escola. / Inicialmente o Carlos Ramos fora buscar todo um conjunto de assistentes, bons jovens arquitetos da cidade. Partilhou já memórias sobre o Távora, o Figueiras, e tantos outros. [RF] - Quando foi para o diretor, em 1952. [GF] - Em determinado momento realizou-se uma exposição sobre o Carlos Ramos, vida e obra. / Existe um catálogo na escola. [RF] - Uma exposição na Gulbenkian com textos entre outros, do Pedro Vieira de Almeida e um texto do Filgueiras sobre a Escola de Belas Artes do Carlos Ramos. [GF] - Uma das coisas que realizou foi as exposições Magnas. Nos catálogos mencionam-se disciplinas e professores. [RF] - As Magnas que eram um acontecimento na cidade! XIII. [GF] - E o Barredo e depois o SAAL? [RF] - Quando vim de Angola, no início de 75, estive um ano a trabalhar na Câmara de Ovar. Depois fui procurado pelo Gigante e pelo António Madureira para ir para o CRUARB onde o Gigante era ainda o Comissário. [GF] - Outros já tinham trabalhado lá com os alunos? [RF] - O Távora? Ele tinha feito, um programa de recuperação, mas era uma coisa mais social. / Um plano encomendado pela Câmara Mas porque denunciava as condições dos moradores o regime meteu-o numa gaveta e nunca mais falaram no assunto até dia 25 de abril, quando é criado o CRUARB ainda em 1974. Quando fizemos esses levantamentos para o Filgueiras, só muito dificilmente entrávamos nas habitações e era porque éramos uma malta nova. / Depois por razões políticas partidárias quando foi para lá o Gomes Fernandes que tinha sido secretário de Estado o SAAL foi extinto e o CRUARB modificou-se. XIV. [GF] - Entretanto mais tarde o Siza tinha feito o pavilhão Carlos Ramos e estava em construção aqui o edifício da faculdade… [RF] - Em 1977, quando entrei para as Belas Artes como docente, já se falava na hipótese da faculdade. / Havia os que não tinham a certeza, e haviam os que como eu defendemos que devia passar tudo para a Faculdade de Belas Artes; com cursos autónomos, mas uma faculdade única. Mas todos os cursos das Belas Artes e que se devia chamar Escola de Belas Artes da Universidade do Porto mantendo o nome tradicional e porque sempre foi conhecida. / Ainda nos anos setenta fez-se uma reunião, no anfiteatro da Escola de Belas Artes. Não no anfiteatro grande, mas naquele pequeno da arquitetura. Aquele da história de arte. Aquele que havia no rés-do-chão, do pavilhão de arquitetura. Uma reunião feita ali dos docentes. Não eram muitos. Portanto oitenta lugares…. e nessa reunião fez-se uma votação e só três é que votaram por uma faculdade ou escola de Belas Artes mantendo todos os cursos: o Pulido, o Álvaro Siza, e eu. De resto votaram todos pela faculdade, pela autonomia completa da arquitetura. O Siza…. Basta ver a obra e o que ele desenha para se compreender porque sempre se considerou um artista, e porque que diz que a arquitetura é arte. Basta ler as coisas dele. [GF] - Uma escadaria a integração universitária, e quiçá uma questão de poder de afirmação de status social. Não, questão da autonomia… [RF] - Desde o princípio, no ensino, procurou-se uma autonomia em relação às belas artes… / Foi numa altura em que havia a ideia que a arquitetura, nasce arquitetura e morre arquitetura, não é? / E aqui a faculdade era uma espécie de mosteiro onde estávamos ali todos fechados a fazer iluminuras, a fazer projetos de arquitetura sem uma relação com a Arte, havia um bocado essa ideia de autonomia completa disciplinar. Um dos grandes erros para mim perder-se a dimensão artística no bom sentido como o Siza tem. Na tradição do Le Corbusier, do Alvar Alto, e cá em Portugal, do Rui Pimentel, do Frederico Jorge, do Victor Palla, já que todos eles faziam pintura… Sem falar no Nadir e no Lanhas. / Realmente a única coisa que se safou que restou aqui na faculdade foi o desenho.… / E esta tradição, foi algo que se perdeu. / Basta ver que aqui na Faculdade há História da Arquitetura e não há História de Arte. / Quando comecei a dar aulas de História da Arquitetura ou da Cidade, perguntava-me como é que eu podia falar de história da arquitetura, sem ter que meter as artes plásticas e a cultura. Era uma questão de necessidade, de se perceber as coisas. / Houve uma última batalha, que ganhei, foi no último ano em que dei aulas, propus e foi criada uma cadeira chamada História das Artes Visuais, no primeiro ano com grande sucesso entre os alunos. Esta disciplina metia tudo: a história da cidade da arquitetura, do design, das artes plásticas, do cinema. Tudo o que quisessem de visual. Ainda por cima tive a sorte de que os alunos nessa altura, precisavam de uma média alta para entrar, e muitos deles tinham já uma boa preparação de história. / Esta cadeira acabou quando me reformei. Nesse ano ainda fui convidado para dar aulas na Faculdade de Letras de História da Cultura do século vinte, para substituir uma professora que estava em doutoramento. E também o Carlos Machado e o Victor Silva. / [GF] - É? A honra seja feita: ao desenho e à manualidade do primeiro e segundo ano. Ainda não falámos dessas. / O Ricardo falou sempre da área de projeto, falou de construção, mas não falámos disto do desenho. [RF] - Le Corbusier nos seus desenhos, junto com croquis de arquitetura, desenhava figuras humanas e animais, como as vacas sagradas em Chandigard, e o Siza desenha anjos e animais, como os gatos de Veneza… E ambos desenham quaisquer outros elementos e que são uma forma de captar a atmosfera do lugar. E o Siza para além desses desenhos digamos operativos, desenha muitos outros que nada tem a ver com projetos. Como o Alvar Aalto que fazia desenhos e pinturas para descansar da projetação. [GF] - Quais foram as áreas onde o Ricardo lecionou. / Eu fui seu assistente ou monitor de projeto. E seu aluno de uma cadeira teórica. Sei das aulas que o Ricardo dava de história da cidade. [RF] - Eu entrei para a escola em 1977 e, durante vários anos dei o projeto do segundo ano… assistente de projeto no segundo ano, com o Alberto Carneiro. Depois houve um ano, precisamente quando eu estava a fazer o concurso para professor, em que dei aulas no primeiro ano. E depois fiz o concurso para professor em 1989. / Quando passei a professor, houve um ano com três turmas. Uma do Manuel Correia Fernandes, outra do Alexandre Alves Costa e uma outra em que era eu. Nesse ano para a minha turma o professor de desenho era o António Quadros, regressado de Moçambique. Fizemos uma experiência de pôr os alunos a desenhar livremente tudo o que lhes viesse à cabeça, e depois fizemos uma sessão no anfiteatro em que projetamos diapositivos que tínhamos feito desses desenhos ou parte deles relacionando-os com obras de arte de artistas conhecidos. / Ainda houve um ano em que fui professor de projeto no 4º ano. [GF] - Mas era projeto de que ano? 4º ano? [RF] - Era eu e o Gigante. O Gigante estava teoricamente na construção, e eu na arquitetura; mas ele falava mais de arquitetura e eu também falava de construção. O Luís Soares Carneiro era um dos alunos. / Só nunca dei projeto no 3º ano. As aulas eram ainda em S. Lázaro. [GF] - Então, mas entre 1989 e 1989, o Ricardo esteve em teoria e história. [RF] - Em oitenta e nove quando fiz o concurso para agregação da escola de belas artes, como se chamava na Reforma de 57, e como tinha estado no Concelho da Europa, no Departamento do Património, fui encarregado por uma cadeira de recuperação de património. / Na altura nós entramos para o Conselho da Europa. Que é em Strasbourg num edifício próprio. A Comunidade Económica Europeia (assim se chamava na altura) eram dez países e com a entrada de Portugal e da Espanha passaram a doze, o que passou a ser uma maioria da União Europeia no Conselho da Europa de então. / O Conselho da Europa nessa altura perdeu muito o sentido. / De qualquer modo ainda continua a ser um encontro de países de todos os países europeus incluindo a Rússia. / O Viana de Lima que então era o consultor do CRUARB nomeou-me para o ir substituir e representar Portugal, com o intuito de realizar no Porto um Encontro de recuperação do Património. / Eu obtive uma bolsa para ir visitar recuperações urbanas; em Itália, em França, na Bélgica. Fiz um percurso e participei ainda em 1978 num desses Encontros do Património, em Ferrara na Itália. Conheci lá muitos arquitetos italianos da velha geração o Samonà, o Bruno Zevi, o Benévolo./ Uma das minhas vantagens era falar francês, inglês, italiano e espanhol. / Devo dizer que na Escola de Belas Artes por essa minha relação com o Viana de Lima puseram-me numa espécie de lista… O governo curiosamente era do Sá Carneiro. [GF] - É seu primo? [RF] - Segundo. É primo direito do meu pai; mas em idade era até mais perto de mim, do que do meu pai. [GF] - Eu cresci na Figueira da Foz. Ali ao pé da praça, onde está uma homenagem ao seu familiar. Praça onde o meu pai ia tomar café. Há aí um banco. [RF] - O Fernandes Tomaz de quem tenho o nome, vem do lado da minha mãe. A minha avó materna era da Figueira da Foz e era parente do Fernandes Thomaz da revolução liberal. Caiu o H mas ficou o Z. XV. [GF] - A Câmara. [RF] - Desde 1986 até 1998, eu participei na Assembleia Municipal do Porto. Primeiro pela CDU, substituindo o Óscar Lopes, era o tempo em que a assembleia tinha reconhecidas personalidades da cidade, depois como independente e ainda um mandato como PSD. [GF] - Em 2000 estive no mestrado, e depois em 2004 a 2007 no doutoramento. Vim tive um ano ali em TGOE (antes de ser regente de Teoria 1), antes de você sair outra vez. [RF] - Em 2000 eu estava num ano sabático. / Nas eleições de 2001 fui convidado para integrar a lista para a Câmara do Rui Rio, que ganhou as eleições beneficiando, no meu entender, do desastre da Porto 2001. [GF] - O Porto, cidade europeia da cultura, 2001. [RF] - A Porto 2001 pôs a cidade, os utentes e sobretudo os comerciantes a protestar pelos incómodos e prejuízos causados. Foi um fator, não o único, mas um dos fatores que nos fez ganhar as eleições. [GF] - E pronto quando é que esteve na câmara, 2002 a 2004, como vereador. [RF] - Estive como vereador do Urbanismo e da Mobilidade entre 8 de fevereiro de 2002 e 23 de setembro de 2004, quando renunciei ao mandato. XVI. [GF] - E chegamos à década de 2010. [RF] - Quer dizer, em 2009 eu fiz 65 anos no dia 7 de outubro e pedi a Reforma! Ainda fiz o primeiro semestre, e reformei-me em abril de 2010. Ainda me pediram para fazer o segundo, mas não eu não tinha disposição para isso. Depois uma vez telefonou-me o João Pedro Xavier a perguntar se eu não queria vir para a Faculdade dar o curso de história da arquitetura contemporânea. Disse-lhe que estava e estou disposto a vir à Faculdade para fazer parte de júris ou umas conferências de vez em quando, isso sim. Mas uma disciplina, nem pensar. Tinham o Carlos Machado que ficara responsável pela cadeira. [GF] - A história da cidade, só é depois de voltar da Câmara. [RF] - Pois eu quando estava na câmara ainda dei um ano aulas de história do arquitetura. Depois fui para a Câmara, em 2002. Isto é, eleições foram em dezembro de 2001, e depois tomei posse em fevereiro de 2002. XVII. [GF] - O que ficou das Belas artes, foi o desenho. / Pronto essa é a ideia que até ao 3º ano não se usa um computador; e quando apareceu um computador… [RF] - Atenção quando apareceu o computador, eu lembro-me, que aconselhei ao António Meireles de se candidatar à Faculdade. O homem dos computadores, que eu conhecia a quem eu disse - oh pá vai lá à faculdade diz o que fazes, o que és capaz de fazer, porque ele já andava a informatizar alguns ateliers e escritórios! E a faculdade de certeza que precisa de entrar neste jogo da informatização. E ele foi, não sei como decorreu, sei que ele entrou. E mais do que isso, eu sempre defendi e defendo que os tribunais, as escolas, as escolas secundárias, deviam ter sempre um técnico de informática. [GF] - Um técnico de informática, para resolver desde o problema de um computador que avaria, até apoio a um funcionário ou a um aluno com dificuldade em trabalhar com computador… quando de repente apareceu uma coisa que ele não sabe resolver, até às internets e outras coisas. [RF] - Isso fazia. Uma vez, um disco externo daqueles que se ligava à parede, onde eu tinha lá tudo, as minhas aulas todas, pifou, e eu vim aqui ter que com ele e ele esteve ali cuidadosamente conseguiu tirar pelo menos aquilo que eu queria ter, ou quase tudo. Ainda ficaram lá umas coisas, mas também não eram importantes. E eu a partir daí, tenho para aí uma centena de pen’s, para não acumular tudo no mesmo suporte. [GF] - Na questão da informática, o Fernando Lisboa foi particularmente relevante. [RF] - O Fernando Lisboa tinha sido meu aluno, tinha feito a prova final comigo, e tinha feito a prova de aptidão pedagógica comigo. / Mas ele é que trouxe para cá o desenho por computador. [GF] - Diz uma prova sobre os movimentos culturais do Porto… talvez a prova final da altura seja sobre essas gerações. [RF] - Saudades. É sobre o Marques da Silva e o Teixeira Lopes no Porto e o Raúl Lino, e o Ventura Terra em Lisboa. Entre dois modelos de pensar arquitetura. [GF] - Ele fez as provas pedagógicas sobre computadores. [RF] - Aí é que ele foi brilhante. Acabou tudo em discussão, se o computador era realmente capaz de tudo ou não. Na altura ninguém pensava ainda na IA, mas foi quando o Deep Blue um supercomputador feito para jogar xadrez, ganhou uma partida, julgo que ao campeão Kasparov. O xadrezista depois ganhou ou empatou as outras. Eu argumentei dizendo para eles assarem sardinhas num micro-ondas; para ver se são como num assador de carvão… / [GF] - Ainda não se sabia muito nesses anos… Eu não sei se é ainda 1989, os primeiros desenhos são no atelier de Siza e outros, a computador. Nos concursos na Alemanha, talvez já haja coisas em computador. Plotter. / Alguma coisa até noutros ateliers, não é? / Aqui na faculdade começou a entrar, acho que no 3º ano, depois com as disciplinas do CAD. [RF] - Ah. [GF] - Apesar de tudo foi entrando. [RF] - A que eu também estou ligado porque fiz parte do júri da admissão de um assistente [GF] - Era o Vasco Branco, o Fernando Lisboa, e depois o Pedro Leão, etc. [RF] - Para assistente do Fernando Lisboa concorreu o Pedro Leão e um que outro que era da Rádio Nova. Foi o Pedro Leão que ficou. A certa altura através da Assembleia Municipal, um deputado da Assembleia Municipal responsável pela Fundação Luís Araújo, que é em Gaia, como precisava de um professor convidou-me para organizar um curso de computação gráfica. Eu fazia a supervisão e a parte teórica e convidei o Pedro para ele fazer as aulas práticas. Estivemos lá um ano. [GF] - Penso que se tornaram em cadeiras opcionais. [RF] - Já não é comigo, já foi pela altura em que eu saí. Mas os computadores, nessa altura o CAD já estava consolidado na Faculdade, e nos ateliers profissionais, apesar de se ter salvaguardado, e bem, o desenho, a importância do desenho e da manualidade do desenho nos primeiros anos do curso. O uso do computador só a partir de 3º ano. [GF] - Mas pronto, a escola foi discutindo, atendendo a vetores como a informática, o urbanismo etc. E nos finais dos anos noventa, princípios dos anos dois mil… Recordo que a Internet entrou aqui por volta de finais dos anos 90. [RF] - Isso quanto ao desenho o CAD. A internet foi depois. Sim eu fui um dos primeiros a usar ali numa salinha que havia em baixo ao lado do teu gabinete, há um gabinete, não sei que era da Clara Vale na época, e em frente havia uma salinha onde estava o servidor. / Era nessa sala que inicialmente havia a Internet, e só depois começaram a pôr um computador em cada gabinete. [GF] - Eu estava sempre na sala do Meireles e do Lisboa, onde a Marta também estava a trabalhar, nos computadores. [RF] - Eram ainda aqueles pesadões, que depois foram sendo substituídos por portáteis, pelos transportáveis. Era o meu caso. Primeiro dava as aulas que levava digitalizadas em CD, depois em DVD que fornecia aos alunos. Depois levava o meu portátil. Eu devo ter sido o primeiro que dava as aulas com computador que depois colocava no site da Faculdade apenas para os alunos. Tenho em casa essas aulas tudo em discos, antes de surgirem as pen’s. [GF] - Sim, havia discos/drives portáteis, depois surgiram pens, e hoje pode-se armazenar numa nuvem. [RF] - Quando chegava ali, montava o televisor, ou projetor, ligava ao meu aparelho e dava as minhas aulas. / Muitas das aulas terminavam com umas piadas. Ainda possuo um final com umas galinhas que cantavam e tocavam o Glenn Miller. / A nuvem já não é do meu tempo da Faculdade. Nas minhas aulas, insistia nas imagens. História de Arte, de Arquitetura ou da Cidade sem imagens não me parece possível. Até porque se fixa na memória mais facilmente as imagens do que as palavras escritas ou ditas. Mas a acompanhar essas imagens punha legendas e falava sobre elas. Houve um ano em que um aluno me abordou dizendo que era surdo e me veio perguntar como é que podia fazer para assistir às minhas aulas. Eu respondi que não se preocupasse porque as aulas eram projetadas e para ele eu daria os meus apontamentos. XVIII. [GF] - Nos anos oitenta começa a surgir a necessidade de planos e depois há grande discussão nos anos noventa, e depois sobre a 2001. [RF] - A Porto 2001 para mim, do ponto de vista de intervenção na cidade, foi algo falhada. / Uma intervenção francamente positiva foi a remodelação da Praça de D. João I, e das ruas Sá da Bandeira e Passos Manuel, (o projeto do Alves Costa e do Sérgio). Lembro-me que então estava na Câmara e tive de resolver muitos problemas relacionados com a 2001. Um exemplo foi toda a zona da Cordoaria com a Praça dos Leões (Gomes Teixeira) para onde existia um projeto do Camilo Cortesão e a Praça de Carlos Alberto, com um projeto do Virgílio Moutinho. E se a Praça dos Leões e o Jardim da Cordoaria estavam praticamente concluídos (lembro-me do problema das duas palmeiras!), a praça de Carlos Alberto era um buraco que incomodava os comerciantes e todos os que aí tinham de passar. [GF] - No ano em que fui o seu monitor, final dos anos 90, havia o ambiente das nossas reuniões. Era uma equipa enorme. / Deixou-me dar a minha primeira aula teórica. [RF] - Aquilo é que era um mundo. Foi o projeto do 2º ano. Eu também gostei muito desse ano, por acaso. Estava o Pedro Alarcão, a Madalena, o Rui Pinto; bom era aquela equipe toda e depois eram os monitores [GF] - Nós éramos para aí uma dúzia ou vinte, era muita gente. [RF] - Era eu e mais dezoito o que nunca mais se repetiu, eram 6 turmas cada uma com um assistente e dois monitores. De início faltava um assistente e eu fui a dar aulas como assistente até vir o Mesquita. [GF] - Então, mas entre 1989 e 1999, o Ricardo esteve em teorias e histórias. [RF] - Ah oitenta e nove quando fiz o concurso, para agregação da escola de Belas artes, como se chamava… deram-me - tinha estado no Concelho da Europa - uma cadeira de património, recuperação de património. Chamava-se Renovação Urbana, foi só um ano, e tinha outra cadeira que já não sei se era de história ou de teoria, era Teoria do 3º ano. Só depois é que passei a dar a história da arquitetura contemporânea. / A teoria da arquitetura não sei como é que se chamava. O Soutinho saiu. Só dei um ano acho que também não foi grande coisa. / Depois nos anos noventa, dei História da Arquitetura Portuguesa 2. Primeiro tive como assistente, o Manuel Mendes, durante um ano. Julgo que em 93/94. Quando publiquei uma Carta Aberta aos Arquitectos no jornal Público que tinha surgido nessa altura. / Depois, nos anos seguinte o assistente foi o Rui Tavares com quem a disciplina se voltou para a cidade. [GF] - E depois… eu lembro-me, quando vocês estavam a montar uma cadeira de história da cidade. [RF] - A História da cidade foi depois de eu vir da câmara. [GF] - Viseu, também passara por lá? [RF] - Viseu foi antes. Julgo que em 90/91. Fui substituir o Távora na cadeira de Teoria Geral da Organização do Espaço do primeiro ano em Viseu com o António Quadro que, entretanto, faleceu. Não se soube aproveitar as suas enormes qualidades como pessoa, como docente e como artista. Ele colaborou no Inquérito com a equipa do Filgueiras… / Houve um ano em que eu dei aulas com o António Quadros, ele desenho, e eu o projeto do segundo ano, e fizemos uma semana em que os alunos pintaram o que quiseram. Depois fizemos uma sessão no anfiteatro, com a projeção a mostrar uns bocadinhos dessas pinturas relacionando-as com a pintura internacional. Lembro-me que um dos alunos era o António Neves. [GF] - Em 2000 estive no mestrado, e depois em 2004 a 2007 no doutoramento. Vim tive um ano ali em TGOE, antes de ser regente de Teoria, antes de você sair… [RF] - Em 2000 estive num ano sabático. Ao aproximarem-se as eleições para a câmara em 2001, fui convidado pelo Rui Rio para fazer parte da lista do PSD. Como já referi nós fomos para a Câmara, ganhamos as eleições beneficiando do cansaço da cidade com as obras da Porto 2001. [GF] - E depois estas semestrais no fim, mais temáticas seja de história da artes visuais seja de história... [RF] - Não, ainda bem, não… eu dei a cadeira com o Rui Tavares, que não era a história da cidade era a História da Arquitetura Portuguesa, nós é que puxamos para a cidade nessa altura… e essa era muito interessante. Essa cadeira foi entre 93 e 99. A primeira aula começava sempre com a planta de mil oitocentos e noventa e dois, que eu tinha trazido para a faculdade da ESBAP, e nós fazíamos uma aula de como ler uma planta… essa planta. Eu dizia que era como um músico ler a pauta de música. Está lá tudo, é saber ler, como tu fazes para tocar a música, como os músicos são capazes de ouvir a música só a olhar, a ler a pauta. Hoje em dia que os computadores fazem isso facilmente, mas é um exercício fundamental que deve ser aprendido. CONVERSA 3/5 XIX. [GF] - Retomando memórias, que se está a recordar, dos tempos do Carlos Ramos. [RF] - Uma vez… começamos a pôr discos em altos berros, aquilo tinha um microfone: e agora a pedido não sei quê, arrebita, arrebita, as janelas todas abertas e a atirarmos aviãozinho cá para fora, para o jardim e fomos chamados ao Carlos Ramos, que disse por amor de Deus. Andei a fazer uma escola para agora isto. Eu também já fui com vocês, mas calma lá. Atenção, o Carlos Ramos fez parte dos futuristas portugueses, não é? Não diretamente. Ele fez bailado com os ballets russos… [GF] - Ah. [RF] - Pois, era o grande amigo do Almada, do Eduardo Viana, de que tem aquele quadro magnífico com louça de Barcelos “o rapaz da Louça ou o rapaz do Alguidar”, e tem desenhos do Almada. / E havia outra que eu ia contar do Carlos Ramos para se perceber, já não sei o que era. Ah já sei! Houve uma altura em por imposição do Ministério, era obrigatório assinar as folhas de presença nas aulas. Logo na primeira folha que chegou, nós éramos, uns oito ou nove, assinamos com assinaturas de arquitetos. Mas não era a assinar, era copiar a assinatura. Eu assinei Mies Van der Rohe, outro Frank Lloyd Wright, outro Le Corbusier, e ainda outro Aalto. E fomos chamados ao Carlos Ramos, que disse que não sabia, que o terceiro ano tinha uma turma de arquitetos tão distintos. O Mies? O Frank Lloyd Wright? O Aalto? A Helena Albuquerque deve lembrar-se disso. Mas era evidente que ele próprio não concordava com esse regime de faltas. [GF] - Faleceu. [RF] - Pois, já estava quase no fim, na vida. Ele morreu em setenta. Ele era de noventa e sete, tinha setenta e dois anos. [GF] - Ambiente das aulas do Carlos Ramos? [RF] - Eu, não tive aulas com o Carlos Ramos, mas como diretor da Escola assisti a muitas intervenções suas, quer na apresentação de conferencistas, quer na abertura das suas queridas Exposições Magnas, quer em júris de CODAs, como a do Siza… / Ele a fazer cigarros enrolados, cortava a mortalha, depois enrolava e tal. Isso dava-lhe tempo para falar para por todos sem sobressaltos. [GF] - Ambiente das aulas do Filgueiras? [RF] - O Filgueiras era com uma lupa deste tamanho. Para ver se os tracinhos estão cruzados nas pontas. / O Figueiras tem uma história magnífica. Quando eram os levantamentos do Barredo, nós tínhamos que desenhar aquilo, fazer o levantamento e depois desenhar a tinta, à mão. Queria que se desenhasse à mão com uma rapidograph. [GF] - Já havia na vossa altura rapidographs. Usavam tira-linhas? Mas continue. [RF] - Já. Primeiro os desenhos de projeto eram os, como é que lhe chamava? / Não, não é tira linhas. Eram uns aparos de tira linhas, as graphos, e depois apareceram as rapidographs, aquelas canetas com aquele bico fininho. / E então um dia ele apanhou-nos a desenhar à mão com um T e esquadro. O que você está a fazer? Eu disse: estou a desenhar à mão. O que é que nós fazíamos? Pegávamos num T velho e num esquadro velho e pum, pum. Aquilo ficava pronto para fazer traços um pouco irregulares ou tremidos, como se fosse à mão. [GF] - Pegava numa régua romba e faziam, que era para a linha não ficar direita. [RF] - E diz o Filgueiras: eu realmente já tinha reparado que havia uns traços muito parecidos em vários desenhos. Mas ele aí, com o espírito de Carlos Ramos, não chateou muito. [GF] - E retomando o Carlos Ramos. [RF] - Segundo o Filgueiras era exigente nas aulas. / Ah, o Carlos Ramos era um tipo, até politicamente, e no sentido de dirigir a escola, de querer fazer nela… todo o género de coisas. Basta ler os discursos dele na abertura das Magnas. Aqui na escola não há cá surrealistas, nem “istas” nenhuns, aqui nesta escola vale tudo, está aberta a todas as tendências. Num período em que o regime de Salazar não acarinhava propriamente a arte abstrata ou surrealista. XX. [GF] - E o ambiente no tempo do professor Távora. / Ele depois também protagonizou como diretor, de finais de 70s para a frente? [RF] - O Távora também. Como professor, não me lembro de, pelo menos em relação a mim, de qualquer pressão, nem do Siza. Eles eram exigentes naquilo que estávamos a fazer. [GF] - Ah. [RF] - Mas o Távora dadas as circunstâncias, como diretor da escola não se compara com o que foi como arquitecto. / O Távora, o melhor foi ter revolucionado a arquitetura portuguesa. Portuguesa, nem sequer só do Norte. Portuguesa, precisamente nos anos cinquenta, sessenta na sequência do Inquérito, em que ele teve um papel muito ativo. / Há aquela fotografia do Primeiro de Janeiro em que é ele que apresenta o Inquérito ao Salazar. Mas foram as obras dos anos 50, do realismo, o Mercado da Feira, a casa do Ofir, a escola do Cedro e o Pavilhão de Ténis que transformaram a arquitetura. E depois com o património, com a recuperação do convento em Guimarães e por aí fora [GF] - Depois, vinte anos mais tarde, em Guimarães, depois os conventos. Anos oitenta e noventa. / Como professor, quando dava a teoria do primeiro ano. TGOE. [RF] - Aquilo eram umas charlas magníficas. Eu assisti a muitas aulas. Sobretudo quando o fui substituir em Viseu. / Ele dava aulas aqui. E eu fui dar para TGOE em Viseu, porque ele não podia ir a Viseu. / Do Távora lembro-me de uma conferência, não tinha nada a ver com as aulas, de uma conferência que ele fez na Lusíada, já muito depois disso, sobre um projeto dele. Ele fez uma coisa brilhantíssima: tinha umas folhas papel, uma base, em que tinha subtilmente traçado a casa ou a recuperação de uma casa agrícola, um solar qualquer e depois à medida que ia falando ia metendo vegetais e ia desenhando por cima. O sítio era este… casa ficava aqui… o caminho de acesso aqui. E aquilo no fim tinha não sei quantas folhas de vegetal, estava um projeto completo desenhado à mão, ainda por cima acompanhado por uma pertinente explicação. Era absolutamente brilhante. Eu também no fim disse-lhe, o professor fez ali uma coisa. Ele realmente, nisso era excecional, como professor e como arquiteto excecional! [GF] - Entre as aulas, há uma aula que era sobre os caminhos de acesso e os aglomerados nos cruzamentos, outra que é sobre o sistema trilítico e o frontão, etc. Ele reportava-se também ao que via nas viagens que fazia. [RF] - Não, isso era uma aula daquelas aulas do 1º ano. Ele tanto podia falar no Miguel Ângelo, como podia falar no campeonato de futebol ou em outro assunto qualquer. A sua vasta e profunda cultura permitia-lhe relacionar todos os assuntos. Era conforme o contexto. / Quando fiz isto, quando fiz aquilo. E quando fui à viagem, aos Estados Unidos e o Wright e não sei mais o quê. A casa da Cascata, depois o Miguel Ângelo. E tudo isso fazia sentido. [GF] - Anos 80? [RF] - Oitenta. Não sei se foi antes se foi depois de eu fazer. Não, foi antes, ou foi depois? Já não sei. Só pensando. / Eu sei que houve um ano julgo que em 95, em que fui dar aulas para Braga, aulas de história de arte. Chamava-se História e Semiótica das Artes Visuais. Imagine-se, para um curso de jornalismo, aliás o curso chamava-se curso de comunicação social. E, através de uma pessoa que me conhecia, que é o diretor do curso o Moisés, fui convidado para substituir uma professora que tinha entrado em doutoramento. E eu estive um ano a dar aulas em Braga. Muito interessante, já dava uma cadeira que também incluía tudo da arquitetura ao cinema e tal, para jornalistas ainda por cima. Na Universidade do Minho, em Braga aquilo era muito organizado. Eu chegava lá vindo do Porto, falava ao funcionário, tinha a máquina slides já preparada, nessa altura não havia computadores, levava daqui os slides e punha-os lá, tinha os alunos e as folhas de presença, estava tudo organizado. Eu não tinha que me mexer, só tinha que dar a aula. / Aqui na altura era diferente. [GF] - Para além aqui da escola, deu então aulas em Viseu, Braga, e ainda na Faculdade de Letras. [RF] - Mas dei lá essas aulas em Braga e dei as aulas aqui na Faculdade de Letras, onde também, verdade se diga, estava tudo organizado. / Aqui é o que eu digo, pairava ainda o espírito Belas artes…Quando era a escola de Belas artes lá em São Lazaro, era diferente… XXI. [GF] - Depois da instalação com a comissão que integrava o Távora e o Alves Costa etc. Seguiu-se o período co /incidente com o mandato do Correia Fernandes, memórias? [RF] - Quando ele foi do concelho diretivo? / Foi a seguir ao Domingos. [GF] - Não. [RF] - Foi antes? [GF] - Foi anos oitenta. Portanto, estávamos a falar da instalação, não é? 1979 a 1984. Depois da direção do Alves Costa, seguiu-se o início de mandato por Correia Fernandes. No início dos anos noventa. Já aqui, já com as torres feitas. Portanto, terá sido depois de fazer as suas provas. [RF] - Ah, talvez. Eu só vim dar aulas para o Campo Alegre depois de fazer o concurso para professor em 89. / Por isso não sei. Sei que quando eu estive na Câmara era o Domingos. De certeza absoluta. [GF] - O período do mandato tem 4 anos. O Domingos depois entra em talvez 1999… Foi, começa na Câmara, 2002. [RF] - Sei que em 2000 e 20003 era o Domingos, de certeza. [GF] - Mas Ricardo, sobre os anos 90, depois da instalação antes de ir para a Câmara. [RF] - Eu já não me lembro quem era. O Correia Fernandes tem uma grande qualidade. Ele o António Madureira e eu. Fomos os três que fizemos a tropa em Angola. Os outros foram dispensados. / O Bernardo fez a tropa, mas foi depois de 25 de abril, cá. [GF] - Vocês alguns até se revezaram. Suas memórias de como era o ambiente? [RF] - O Madureira foi substituir o Manuel Correia Fernandes e eu fui substituir o São Maurice, que era de Lisboa. / Eram dois arquitetos lá em Angola, na Engenharia. Eu estive lá com o Madureira um bocado e ele esteve com o São Maurice. Havia o Bagulho na Força Aérea. Eu no outro dia também o encontrei. Estávamos todos no ar condicionado. [GF] - Cruzou-se com o Madureira. [RF] - As nossas vidas andaram sempre cruzadas desde a escola primária. / Sobre o António Madureira dava para escrever um livro. / Cheguei a Luanda e tinha lá o António Madureira à minha espera. Que me disse logo vais ser chamado para ir ao Luso e só dão a guia de a marcha para lá, para depois uma pessoa estar lá aflito para se vir embora para a Luanda. E eu perguntei-lhe - como é que foi contigo? / Com o António Madureira enganaram-se, porque o António Madureira foi para o Luso e ficou lá, até que o comandante perguntou que raio está este tipo a fazer no Luso há quinze dias ou há três meses? Mande-o vir imediatamente e só então ele regressou. [GF] - O Correia Fernandes tinha estado antes. [RF] - O Manuel Correia Fernandes também tinha lá estado, com o Vasco Gonçalves como comandante do quartel de engenharia. E também tem umas histórias. / Talvez por ser ele o primeiro. Eu quando cheguei, o comandante nessa altura, chamou-me lá e perguntou você de onde é? Eu, sim do Porto. Da escola do Porto? sim senhor. Ah então temos arquiteto. / Eu estive em Mafra e em Tancos, com dois arquitetos de Lisboa. Eu tive sempre sorte nessas coisas. Quando fomos para Tancos, na segunda recruta, em que devia haver engenheiros como a tropa não precisava de engenheiros eramos apenas os três arquitetos. Nem sequer podíamos formar na parada tiveram que nos juntar aos sargentos. Foi uma recruta divertida, três tipos ali. Quando das sessões de tiro, tínhamos espingardas e munições para um pelotão de trinta e por isso fazíamos concursos de tiro ao alvo entre os três. Alguém atirava alguma coisa ao ar e disparávamos para ver quem a não deixava cair. Aprendi a atirar, diga-se de passagem. Depois, todas as noites íamos comer a Grândola, não, não à Golegã, a terra da feira dos cavalos. Isto era em Tancos… ou íamos a Lisboa. [GF] - Em Angola a estância podia ser dois anos. [RF] - Aí Angola, fica-nos no corpo. Só que eu não estive dois anos, porque entretanto veio o 25 de abril e eu ainda estive lá até janeiro, de 1975, e portanto, fiz um ano e meio. Fiz um ano cá e um ano e meio em Angola. Mas enfim fui como arquiteto, aquilo era uma boa experiência porque eu desenhava por exemplo um muro… [GF] - Ah, podiam ver logo o muro e não sei o quê a ser construído Materializar, que os desenhos não ficavam só no papel. [RF] - Mandávamos fazer o muro. Não! Mais do que isso. Mandávamos fazer o muro e depois chegava lá: oh nosso sargento. Não gosto disto, deite tudo abaixo que eu vou desenhar outro. Eles botavam tudo abaixo e faziam outro. Isto parecendo que não, era uma experiência ótima porque uma pessoa conseguia relacionar o desenho com a realidade. / O António Madureira, quando eu cheguei lá disse: Ó pá, eu os meus projetos são assim. Desenhei um quartel, que rapidamente quando vier a independência vai passar a Liceu . E era verdade. Ele fazia projetos de uma maneira, que podiam no futuro ser convertidos. E eu também tive que fazer alguns projetos assim. No quartel dos comandos, projetei uma igreja, aproveitando um préfabricado da tropa, cuidadosamente pormenorizado, separando a cobertura das paredes, cuidando do encontro dos materiais, escolhidos para dignificar a capela no espaço do quartel, etc. / Mas depois o coronel que estava à frente do quartel pintou aquilo. Tinha uma cruz, eram dois perfis, H’s em ferro, que faziam uma grande cruz, e ele mandou pintar aquilo de azul e amarelo que era a cor do quartel. E eu recusei-me a ir à inauguração. XXII. [GF] - Só uma pequena pergunta sobre a experiência dos anos 70. Relativamente a Carlos Prata, Francisco Barata, ou mesmo Souto Moura, que contactos é que o Ricardo teve? [RF] - Com o Souto de Moura não tive nenhuns, porque ele ainda não andava na arquitetura. [GF] - Pois. Mas Não foi docente dos outros? [RF] - É assim ao Chico Barata a ao Carlos Prata, por exemplo eu conheci-os de adolescentes, pelo menos, eram lá de cima das Antas. / E na experiência os contactos eram… eles faziam uns arremessos de projetos, já não sei de quê, e eu corrigia. / O pai do Souto de Moura era oftalmologista e tinha sido colega dos meus pais no liceu de Braga. Eu e os meus irmãos fomos lá fazer exames aos olhos. [GF] - Quando era do 6º ano? [RF] - Pois, estava no 6º ano, no último ano do curso. / Eu era monitor, não era professor. O António Moura, de quem eu fiquei muito amigo, depois trabalhou comigo no CRUARB. Fiquei-me a dar bem, ainda hoje me dou bem com ele, o que não quer dizer que não critique os projetos dele, volta e meia, sobretudo coisas do CRUARB. [GF] - O CRUARB vem depois da “operação barredo” da escola. [RF] - No CRUARB, há uma história que é importante também, em termos de arquitetura. Quando eu fui para lá, chamado pelo António Madureira e pelo Gigante, fui para lá, e uma das coisas que havia era o Siza, que ainda fazia projetos para lá. / Fez um projeto de uma recuperação de uma casa, e fez um projeto magnífico que era aquilo… o buraco da Lada, que tinham sido umas casas que tinham sido demolidas quando se fez o túnel, e o Siza fez para ali uma coisa completamente diferente, não tinha nada a ver com cópias do existente. Ou melhor, tinha pouco a ver, era uma modernização do que aquilo era. Um projeto que avançava anos e anos na conceção de recuperação. E que depois não o deixaram fazer. E o Siza abandonou o CRUARB. Foi depois o António Moura que fez para a Lada, um projeto, que é um pastiche. / Mas o do Siza é que era um projeto magnífico, um projeto não. Um estudo. Fez umas perspetivas e aquilo era uma coisa bem interessante. Tinha até algo a ver com a faculdade, que é bem posterior, na linguagem, no aspeto das fachadas. [GF] - Nos anos 70s o Viana de Lima estava a fazer a Faculdade de Economia. Em determinado momento também fez um projeto para o mercado. [RF] - O Viana de Lima foi substituir o Távora como consultor do CRUARB, no tempo do Gomes Fernandes. O mercado Ferreira Borges é um projeto que era betão por dentro e ficava a carapaça por fora. Também era discutível. Depois quando recuperam aquilo, mantiveram toda a estrutura do edifício. [GF] - Mas Ricardo, há pouco eu referi-me ao Correia Fernandes, que no período dos anos 90, protagonizará como diretor da escola. Que memórias me pode partilhar? Fez muita habitação, como o SACHE, etc. Trabalha muito bem as tipologias, os apartamentos. [RF] - Da direção da escola não me lembro. Quer dizer, foi a continuidade. / Não sei, tenho das arquiteturas que são interessantes. Conheço uma urbanização de casas de praia em Esposende, penso eu, que é excelente. / No Porto a cooperativa de habitação ali de Aldoar de tijolo, que também conheci já que aí moram meus conhecidos, é uma obra magnífica. Até o Rui Rio gostava daquilo. E depois fez umas obras ali em Gaia que já são discutíveis. Umas torres… [GF] - Depois teve um tempo em que escrevia muito no Jornal de Notícias, uma colunazinha./ Depois também teve uma carreira política. Quando estudei, foi regente de projeto. [RF] - Sempre escreveu essa colunazinha apenas útil para as pessoas que iam aprendendo alguma coisa de arquitetura. / Depois foi o quarto vereador arquiteto. Uns anos. O primeiro foi o Loureiro, ainda no tempo na velha senhora, com a minha tia Condessa Lumbrales (que é minha tia por afinidade) mãe do Francisco Sá Carneiro que foi primeiro ministro. Depois foi o Gomes Fernandes no tempo do Fernando Gomes. Depois do Gomes Fernandes fui eu. E depois de mim foi o Manuel Correia Fernandes e depois do Manuel Correia Fernandes foi o Baganha. / O Pedro Baganha, o atual. Que foi meu aluno no segundo ano, em 1992 no projeto do 2º ano que era com a Teresa Fonseca. Foi quando eu fui ao concurso da casa cheia da televisão. [GF] - Foi mesmo? [RF] - Em noventa e dois eu fui ao concurso. Por pouco ganhava o automóvel e não consegui porque ele perguntou-me quem era o rei venturoso e eu disse Dom Manuel, e ele disse está mal. No fim disse-me é Dom Manuel Primeiro. Ora bolas, e pronto. Trouxe de lá o meu primeiro computador um IBM. XXIII. [GF] - O período da passagem dos anos 90 para os anos 2000, coincidirá com a direção pelo Domingos Tavares. Acho que este sim, deve ter feito 2 mandatos. / Algumas coisas devem ter mudado com a entrada num novo século. Recordo-me que ele dava muito espaço para fazer muitas coisas, e essas acontecerem. Que memórias pode partilhar. [RF] - Do Domingos? / Do Domingos eu tenho uma relação muito diferente da do Correia Fernandes porque o Domingos foi o meu colega no 1º ano, depois ele seguiu em frente eu andei ali a mastigar um pouco e depois voltamos a encontrar-nos no 25 de abril, estando no mesmo lado da barricada, ainda tivemos umas reuniões com o Arnaldo Araújo. [GF] - Estava no PC. [RF] - Em 1975. Sim, entrei, era a única coisa que nessa altura quem quisesse de facto intervir politicamente podia fazer. / Na altura tinha sentido, aliás, toda a gente, com o mínimo de cultura ou de antifascismo, ou antirregime. Salvo aqueles que eram socialistas ou esquerdista, mais moderados ou mais radicais. A malta das lutas estudantis erámos todos. / O Domingos, foi através do Domingos que eu conheci o Manuel Freire, de quem ele é muito amigo. Eu estava um bocado a contar história. Eu um dia nas minhas pesquisas lá na internet encontrei uma fotografia do Domingos e o Manuel Freire, em Ovar, numa peça de teatro, com o Domingo vestido de polícia. Eu já lhe disse. Oh pá encontrei lá uma fotografia. / O Manuel é o cantor. O da pedra filosofal. “Eles não sabem que o sonho comanda a vida”. Dos versos de António Gedeão (Rómulo de Carvalho). [GF] - Pois. [RF] - Já és de outra geração. Eu devo dizer que o Zé Mário Branco, o Sérgio Godinho, que foram meus colegas de Liceu, mais velhos. [GF] - As vezes vou com o meu filho ao aniversário do Nuno Carneiro onde está o Sérgio Godinho. O Jacinto Rodrigues viveu em Paris. O Zé Mário Branco também estava em Paris, penso que foi casado com a irmã do professor Alves Costa. [RF] - O Zé Mário Branco foi alguém que eu fui visitar a Paris quando ele era casado com a Isabel. Tem um filho. E ele quando fugiu para Paris, eu lembro-me em 1971, fomos visitá-lo, até porque o irmão do Nicolau, estava em Paris, também tinha fugido, não é? / Pronto isso era tudo um, mas essa gente, dos cantadores só o Zeca Afonso não conheci pessoalmente. / Ah, e o Adriano Correia Oliveira que fora colega do meu irmão Pedro no Liceu. E foi colega dele em Coimbra, e eu também conheci. Portanto todos se conheciam, até porque eram todos dessa elite entre aspas cultural e revolucionária e antifascista se quiserem. Era relativamente pequena, não é? Todos filhos de médicos, advogados, arquitetos, engenheiros e pequenos empresários. Não eramos muitos. Normalmente bons alunos capazes de mobilizar outra gente etc. / O Alexandre Alves Costa e a Isabel, os filhos do médico Ribeiro dos Santos. O Alfredo já morreu um médico e as irmãs. A irmã dele, foi na minha namorada durante uns tempos. O Óscar Lopes era visita de casa dos meus pais, um dos filhos deles, o Rui, foi meu colega de turma no Liceu e do António Madureira durante sete anos… tocava piano, influenciou-me a mim bastante. Os três eramos dispensados de Religião e Moral. Havia ainda o Eduardo Lago, filho do professor de filosofia… também. Portanto era toda um conjunto de gente, veja são a geração dos meus pais e a dos filhos deles. Que se conheciam todos, mas também havia do outro lado, há muita gente que era… da situação, de direita. Ou pelo menos da direita civilizada. Por exemplo um amigo de infância o Manuel Cavaleiro Brandão. Que foi depois um membro do CDS. Ou o Vasco Morais Soares que foi meu colega em arquitetura na Escola de Belas Artes também se tornou depois CDS. Com ele eu trabalhei em Angola. [GF] - Mas dentro de arquitetos, dentro da nossa escola isso sabia-se… [RF] - O Vasco, mais eu, lembro-me de estar num lado da barricada e ele estar do outro, mas não queria dizer que nós ainda assim, não existissem lutas comuns que se prolongaram na Assembleia Municipal do Porto em que ocupávamos lugares nos dois extremos… Fui professor dos filhos dele - a Raquel e o Gonçalo. [GF] - E entre a comunidade escolar haveria várias esquerdas… Nos anos 70, princípios, 74 e depois. [RF] - Em 68 com a chamada Primavera de Praga muitos foram-se afastando do PC, principalmente os que estavam exilados em Paris ou na Suíça. Outros porque defendiam a luta armada, e outras formas de luta mais radicais. [GF] - Figueira da Foz antes… [RF] - Isso já é antes, com o Palma Inácio e outros. O assalto ao banco da Figueira, o primeiro avião que foi desviado, e mais outras atividades. [GF] - Santa Maria não sei quê. [RF] - O paquete Santa Maria foi o Henrique Galvão que tinha sido em 34 o comissário da Exposição Colonial aqui no Porto. [GF] - Nós agora, finalizámos sessenta, princípios anos setenta, a seguir ao 25 de abril vem vários movimentos… / Não sei, não foi isso que separou alguns de vocês…, não a seguir ao 25… Houve uma grande divisão [RF] - Aí as coisas piavam fino não é? [GF] - E havia a LUAR e outras coisas do género. [RF] - De que já falei. Antes do 25 de Abril houve atentados bombistas. Depois do 25 de Abril também quer de esquerda quer de direita. [GF] - O Jacinto Rodrigues penso que após o 1974 vem para a escola, o Ricardo vem em 1977, portanto já contactou com ele depois disso. [RF] - Já o conhecia e ao irmão o José Rodrigues e a irmã que conheci em Angola. [GF] - A outra Árvore. [RF] - A Cooperativa é de 64. / A escola da Árvore, resultou da abertura às escolas superiores privadas. Eu, o Arnaldo de Araújo, o Calvet de Magalhães e o Zé Pulido, criamos a escola na Cooperativa Árvore, com a ideia de fazer uma escola de artes, das várias artes incluindo arquitetura. [GF] - A escola Árvore deve ser de início dos anos 80. [RF] - Do final dos anos 70 princípio dos 80. [GF] - Diz que esteve na fundação. [RF] - Porque fizemos parte fomos mal vistos no curso de arquitetura da Escola de Belas Artes onde dávamos aulas. Foram meus alunos na Árvore, um conjunto de desenhadores que se tornaram arquitetos. O Mário Mesquita (pai do Mário Mesquita da Faculdade), o Joaquim Massena tio do Maestro, o Zé Oliveira, e outros. [GF] - Diz, portanto que esteve na fundação. [RF] - Sim. E depois saí com a morte do Arnaldo Araújo, a escola começou a desviar-se do caminho inicial, a perder qualidade pedagógica. [GF] - O Zé Rodrigues foi meu “professor” noutro sítio. [RF] - O Zé Rodrigues era a Árvore… Era muito amigo do Viana de Lima que lhe recuperou lá em cima o convento em Cerveira. [GF] - O Nicolau chegou aqui a dar umas aulas. Uma vez entrevistou-me na ESAP. XXIV. [GF] - Houve uma exposição sobre o património do desenho da escola de Belas Artes, que penso ter sido no Museu Soares dos Reis, penso que em 1987. Tenho o catálogo. Essa exposição, o que é que organizaram? Cada um escrevia sobre uma personagem. [RF] - Cada um escrevia sobre um arquiteto. Para mim calhou o Ricca Gonçalves. Porquê? A minha relação com o Ricca tinha tido altos e baixos por causa do concurso do edifício da Aliança Seguradora, mas também porque o defendi como professor de Arquitetura e de resto fui professor da filha no 2º ano. / Por isso quando eu fui falar com o Ricca para escrever sobre ele, ele disse-me logo é você que vai escrever sobre mim. Você não é aquele do concurso da companhia de seguros? / Curiosamente, até fui dos poucos que escrevi sobre as obras de arquitetura, para além da figura do arquiteto. [GF] - O Agostinho Ricca fez muita obra positiva, como a torre ou a igreja do foco. [RF] - As coisas positivas, as coisas positivas que ele fez, como é o caso da torre, o edifício Montepio, no cimo da Júlio Diniz, ao chegar à Boavista, aquele edifício castanho com tijoleira… que é das poucas torres bem modeladas, implantada num sítio que permitia uma torre, mas sobretudo pela qualidade da divisão interna dos espaços interiores. / É um edifício impecavelmente feito para a época, para além dos edifícios que projetou e com que ganhou os concursos para Sá da Bandeira e para Júlio Diniz junto da Boavista, com edificação em ponte sobre a via. Mas também acho que ele projetou obras que eu achava que propunham um discutível sentido urbano, como é o caso do Foco. É um espaço que tinha um cinema, uma igreja, ruas comerciais, lojas e restaurantes, um jardim. Tinha tudo. Eu achava que ali só faltava ter um portão à porta. Uma urbanização fechada à cidade. [GF] - Uma espécie de condomínio. [RF] - Eu lembro-me de nesse texto dizer que a cidade não podia ser uma soma de condomínios fechados, por melhor desenhados que fossem… [GF] - Era para escrever sobre uma personagem e trabalho dele. Isto era uma exposição de património. / Está bem, alguns dos textos por acaso já li com atenção, alguns dos textos são descritivos do ponto de vista estudiográfico.… / Não aconteceu na pintura e não sei quê. Puseram nasceu no ano tal e morreu no ano tal, pronto frequentou a escola... / Foi muito importante para marcar, a autonomia do curso de arquitetura deve-se também muito a essa… Nota-se essa sofisticação ou robustez do corpo docente de arquitetura em relação a outros, nesta exposição… até pela forma como escrevem os textos. [RF] - Foi deles. Também numa altura em que eles estavam um bocado em crise. [GF] - Mas esse evento após o SAAL e após a instalação, eu vejo como evento marcante. Houve sinais importantes. Hoje em dia… ficou um catálogo, fala em património. É uma das veezes ou das últimas vezes, em que se vê o corpo docente todo à volta da mesma questão, a escrever sobre um património comum do que é a escola? [RF] - Sim. [GF] - Foi uma das vezes em que se discutiu e promoveu a escola, recorreu-se a todos, aos recursos que se tinha. [RF] - Foi um momento bonito na altura, se calhar não teve a noção do que é que estava a fazer, e até porque senão não se tinha gente suficiente para escrever sobre todos. / A Teresa Fonseca escreveu sobre o Rogério de Azevedo. [GF] - Que eu me lembre, por exemplo o Domingos chegou a escrever sobre o Arnaldo Araújo. [RF] - Pois o Domingos tinha uma grande admiração pelo Arnaldo. [GF] - Uma certa ideia de corpo, de escola e de vamos lá aproveitar todos. [RF] - Que de certo modo, acho que talvez morreu ali. [GF] - Pronto, depois do Carlos Ramos. Temos o Júlio Resende, depois não foi o Salvador Bata Feyo? [RF] - Isso foi quando os cursos já estavam separados, mas uma parte da arquitetura ainda estava em São Lázaro. Eu lembro-me de se fazer uma exposição dos trabalhos de arquitetura. Eu não sei se aquilo era uma espécie de magna ou coisa género. Lembro-me que eu tive que organizar os desenhos do 1º e 2º ano. Ainda no edifício das Belas Artes na parte do salão e do museu. / Ele, o Júlio Resende, que era o diretor da Pintura e da Escultura, foi lá ver aquilo e recordo-me de ele me perguntar como é que vocês conseguem pôr os alunos a desenhar assim? Ao que respondi que isso era com os professores desenho e ao ambiente do curso onde o desenho era fundamental. [GF] - Dessa exposição não há catálogo, não é? [RF] - Dessa não. Da exposição do Soares dos Reis, há dois catálogos. Um amarelo que já tinha a ver com isso da instalação, e um cinzento que era o que tinha as referências bibliográficas aos professores… e o património da ESBAP. Quanto a muitos dos desenhos que figuravam na exposição lembro-me que um dia eu resolvi, eu e já não sei quem mais e depois o Alves Costa, resolvemos ir ao museu na parte de cima da escola, por cima do salão, não é? Havia um inventário do acervo, mas não se sabia onde estavam alguns dos desenhos que constavam nesse inventário. E encontramos nos armários do vão do telhado, desenhos, de arquitetura, de pintura, de escultura de antigos alunos da Escola. Entre os quais aqueles desenhos que estão ali na casa Primo Madeira, quando ainda era o Clube Universitário, ali na casa desta universidade recuperada pelo Távora. [GF] - Do Marques da Silva ao Távora, para além dos de outras áreas. [RF] - Aqueles desenhos ainda aguarelados e outros estavam para ali abandonados. [GF] - O Círculo universitário, acho que Marques da Silva, mas recuperado por… [RF] - Sim, foi o Círculo universitário. XXV. [GF] - Recuando, no SAAL… Quer dizer, tinha estado na operação Barredo… [RF] - Tinha feito os trabalhos para o Filgueiras nos primeiros anos do curso. Ao Barredo e à Ribeira voltei em 75 quando fui para o CRUARB. / O SAAL quando eu vim da tropa, estava já constituído. Eu ainda estive com o Soutinho na operação Justino Teixeira. Que nunca foi para a frente, mas ainda cheguei a andar por ali. [GF] - Ah então foi ao contrário de outros, que achavam que aquilo era ainda burguês e que se tinha de ocupar. [RF] - Depois uns criticavam porque era demasiado burguês, outros queriam fazer uma democracia popular. O SAAL foi sobretudo uma luta por um contra plano, uma luta por uma nova forma de fazer cidade e de recuperar a cidade. A Câmara ainda estava num outro tempo. Eu escrevi isso quando fiz a minha dissertação para professor. [GF] - Uns diziam que a arquitetura vinha atrás da política, portanto que era preciso era resolver um problema político… Da habitação das classes trabalhadoras. Outros ao contrário. É preciso projeto, o que é preciso é arquitetura. [RF] - Estes eram os mais inteligentes e os mais capazes. [GF] - Álvaro Siza com São Victor, Pedro Ramalho com Antas, o Sérgio Fernandes com o Leal, ou nas Antas, e o outro São Victor de Siza, etc. [RF] - E ainda o Távora em Miragaia e na Lapa com o Bernardo Ferrão e o Matos Ferreira. [GF] - Percebiam que tinham que fazer arquitetura para apoiar ou convencer as classes, sendo certo que os habitantes precisavam de habitação. [RF] - E estavam a projetar de um modo novo a cidade com a participação dos moradores nos locais, nos terrenos do centro, alvo de cobiça dos especuladores, com uma Câmara onde ainda não chegara o 25 de Abril. [GF] - O Siza, entretanto penso que tinha estado ali na Boavista para o Fundo de fomento e habitação. [RF] - Estava a fazer a Bouça ali na Boavista que só acabou quando eu já estava na Câmara, em 2003. XXVI. [GF] - O SAAL foi muito importante. Depois a exposição foi muito importante, ocorrendo já meados de oitenta. Estamos pois entre meados de setenta e meados de oitenta. [RF] - Houve uma exposição sobre os edifícios da universidade em 1990. / A exposição chamava-se “O Porto visto pelos Arquitectos”, e eu escrevi um texto para o catálogo, precisamente sobre os arquitetos do Porto; e sobre as obras que estavam inacabadas. Um a delas era precisamente a Bouça do Siza. A Exposição foi montada por mim e pelo José Salgado e pelos alunos o Manuel Ventura e o Carlos Gomes. [GF] - Pois, em determinado momentos houve muita construção, ligada a equipamentos e pólos-universitários. / Mas ainda não aludíramos a memórias do professor Salgado, que foi meu professor e entrevistei com o Bandeira para a Unidade 5. [RF] - O José Salgado é casado com a Teresa Siza. Tinham tirado o curso de filosofia. Foram alunos da minha mãe. Depois o Salgado resolveu tirar o curso de arquitetura. E depois ele fez aquele concurso que se fazia na altura - as provas de aptidão pedagógica. O júri era o Távora presidente, e os arguentes eu e o Domingos. Eu acabei por fazer toda argumentação. Lembro-me que era sobre a Sé do Porto e tinha muito de história de arte vista por arquiteto. No fim pela qualidade daquelas provas, e porque era assistente da Escola o lógico era ter uma classificação de muito bom. Se eu quisesse votar vencido tinha de o justificar na ata do júri que foi o que fiz. Fui ver o que tinha feito, numa situação idêntica o Nuno Portas nas provas do Rui Ramos, e ele acabou por passar com dois bons e uma declaração de vencido minha de Muito Bom. [GF] - O José Bernardo Távora que também fez provas pedagógicas, chegou a lecionar na escola. [RF] - Tinha sido meu aluno. Foi sempre um tipo impecável comigo, mas pronto na altura ia fazer também as provas. Acho que não. Não sei. Acho que não. Entretanto saiu. Aliás quando eu fiz as minhas provas do concurso para professor, foi a pessoa que me ajudou em todos os aspetos… nos slides que apresentei, e em toda a logística, impecável. [GF] - Era raro na altura não haver unanimidade? [RF] - Não sei… Nas provas de agregação, era assim: o júri reunia e quando não tinham qualidade, o júri dizia - Oh homem desista porque assim vai chumbar. Eu lembro-me de o Lagoa Henriques me contar a história, do tempo em que ainda se usavam as bolas brancas e pretas no final o júri ao abrir o saquinho tinha tudo bolas brancas e uma bola preta. O presidente do júri, rapidamente tirou do saco a bola preta e disse: oh diabo, enganei-me estas bolas são todas do mesmo tamanho. E houve alguém do júri que corou até à raiz dos cabelos. / Havia ainda as provas de equivalência. Ao Michele Cannatà fui eu que dei equivalência dizendo que ele era o italiano mais escola do Porto. [GF] - Houve ali um período de finais dos 70, incluindo penso 77, que compreende as listas - a lista amarela e a lista cinzenta, a que penso já aludi antes. [RF] - Consequências da experiência, mas eu nessa altura, primeiro estive na tropa, depois estive em Angola, e depois vim para cá, ainda estive em Ovar e depois fui para o CRUARB e quer a Escola quer o SAAL e essas lutas passaram-me um pouco ao lado. [GF] - Passou para ser uma coisa autónoma e depois passou para a Câmara. [RF] - O SAAL primeiro era uma instituição governamental, daí os problemas com a Câmara e depois passou a ser um gabinete municipal. E depois foi extinto o SAAL [GF] - Há outros grandes momentos. Já falámos da vinda aqui para estas instalações da faculdade, da vinda para este edifício. Anos oitenta. [RF] - Eu ainda dei aulas na casa cor-de-rosa e ao mesmo tempo na ESBAP enquanto se acabava o pavilhão Carlos Ramos. que foi ocupado com as aulas de projeto. XXVII. [GF] - Mas e no que concerne a aulas de história, esta eram aulas de história pela ótica de arquitetos. / Penso que me falou nos anos 70, e em determinado momento referiu um livro da Francoise Choay. [RF] - O livro era, chamava-se “L’Urbanisme. utopies et réalités” (urbanismo. utopias e realidades). Sim. É quando ela define os dois modelos: o culturalista e o modelo progressista. Modelo progressista é uma visão racionalista da cidade dos falanstérios e da Carta de Atenas. O modelo culturalista é a visão da arquitetura orgânica, do organicismo, da tradição. É um livro que, ainda hoje, permite abordar não só o urbanismo como a história urbana. / Embora nós conhecêssemos o livro quando estava no 5º ano, foi o Jacinto, que foi aluno da Françoise Choay, que quando veio para cá é que trouxe isso para a Escola. [GF] - Fizeram Domes geodésicos no jardim da escola e outras coisas. [RF] - Que levantou também estas questões. O Jacinto, acabou o curso de história na Faculdade de Letras. E depois fez o doutoramento em Lisboa, na Universidade de Lisboa. Teve o José Augusto França e o Távora no júri. / Devo dizer que eu conheci bem o Jacinto, assisti a muitas aulas dele, e o Jacinto era um ótimo professor. / Uma pessoa estava ali uma hora, uma hora e meia, o que fosse a ouvi-lo falar sobre as coisas gregas, sobre isto e aquilo… filosofias e sociologias, tecnologias fosse o que fosse do que ele falasse era realmente um professor, que fazia mais conferências, do que aulas, não é assim? Era realmente fabuloso neste aspeto. / Qualquer professor de auxiliar a catedrático tinha direito ao conselho científico. Nas escolas em que havia ou quando havia muitos professores, o que nem sequer era o caso aqui, mas acontecia por exemplo das faculdades de ciências ou de letras, que tinham duzentos e tal professores, escolhiam um executivo e quando o assunto era importante reuniam em plenário, ou por departamentos, e decidiam. / Aqui fizeram uns estatutos em que o concelho científico era eleito por todos os docentes e todos os professores. E quem não fosse eleito ficava de fora. Depois deixei de ter qualquer espécie de representação, de influência nos estatutos, nos planos de estudos no curso; na distribuição. [GF] - Com o José Augusto de França. [RF] - O José Augusto França era professor em Lisboa, e também trabalhava na Gulbenkian. Escrevia mais sobre pintura e escultura do que sobre a arquitetura. / Conheci-o pessoalmente e foi talvez um dos primeiros e um dos mais importantes críticos e historiadores da arte em Portugal. XXVIII. [GF] - Assistentes? E disciplinas de histórias. [RF] - O Rui Tavares foi sempre assistente. Só fez o doutoramento, há muito pouco tempo, em 2014. / O curso que fizemos nos anos noventa sobre a cidade, mais propriamente sobre história urbana, procurava analisar a evolução da cidade, no caso o Porto como exemplo, através da propriedade, do parcelar, dos traçados das vias, da urbanização e da edificação, monumentos edifícios públicos e habitação. Qualquer aluno que tenha feito esse curso, ainda se lembra. / Ao fim de três ou quatro anos, o tempo de consolidar o curso e se tinha tornado importante na formação dos alunos, acabaram com a disciplina. Depois eu fui para a Câmara, e quando vim da Câmara, é que me deram de novo a História da Arquitetura Contemporânea e as duas cadeiras de História: da cidade portuguesa e da cidade brasileira. [GF] - Várias histórias. História da cidade muito com o Rui Tavares, mas também História da arquitetura contemporânea com o Carlos Machado. [RF] - História de arquitetura contemporânea, com o Carlos Machado, que era o meu assistente, eu dava as aulas teóricas e ele acompanhava os trabalhos práticos. A cadeira prática que ele fazia bem, obrigava entre aspas, os alunos a trabalhar, era um bocado exigente. O Carlos Machado tenho pena dele ter deixado o trompete que ele tocava quando era aluno, quando foi meu aluno. [GF] - E pronto, esteve na câmara, 2002 a 2006, como vereador. [RF] - Desde fevereiro 2002 a setembro de 2004. / Na assembleia municipal estive entre 1980 e 1996. / Na assembleia da Câmara, estivera até 1996. [RF] - As eleições foram em dezembro de 2001, tomei posse em fevereiro de 2002 e renunciei em setembro de 2004, faltava um ano para terminar o mandato. [GF] - E estes últimos anos de 2004 a 2010. [RF] - Foi o meu regresso à Faculdade. XXIX. [GF] - Penso que no período até 2007 coincide com o a direção do Domingos e depois de 2008 a 2014 com a do Francisco Barata. Deve ter-se aberto pós-graduação em reabilitação e património. / Depois ocorreu a adaptação a Bolonha. Em 2008 abriu um PDA. / Havia dois mestrados, um de planeamento que estava muito relacionado com o professor Nuno Portas, e um de património e reabilitação. [RF] - Aqueles mestrados que se faziam antigamente. [GF] - Sempre percecionei discutir-se uma dialética. Entre o arquiteto generalista e o especialista. / São duas ideias ou escolas. [RF] - Eram ainda questões políticas. O Portas era do Partido Socialista. CONVERSAS 4/5 XXX. [GF] - Se calhar vamos fazer aqui um desvio/retorno. / Houve personagens, de que falou quando estávamos a referirmo-nos ao Desenho. / Aludiu rapidamente ao Carneiro, falou do António Quadros, e eu recordava o Joaquim Vieira. [RF] - O Joaquim Vieira. Foi do meu tempo das Belas Artes. Estive com ele na tropa em Angola, que ele foi lá parar, quando eu lá estava, e depois nunca tive grandes relações porque ele era professor do 1º ano. [GF] - Ah. [RF] - Com o Carneiro foi diferente e mesmo para além da Faculdade até ao fim da vida dele. / Na FAUP o Carneiro era muito próximo do Alves Costa. [GF] - Ah. [RF] - O Carneiro também foi meu colega na escola de Belas Artes quando eu entrei. [GF] - Mas o Ricardo andava na escola, desde a secundária, com muita gente. [RF] - Eu era dos poucos que me dava com toda a gente. Quer fosse de pintura, de escultura. / E conheci essa gente toda. O Alberto Carneiro, no meu tempo começou a fazer esculturas em madeira. Ele era de origem humilde. Tinha trabalhado como santeiro antes de ir para a Soares dos Reis e depois para as Belas Artes. [GF] - Passou por Inglaterra. [RF] - Sim muitos tiveram bolsas da Gulbenkian e foram para a Slade School em Londres. As esculturas em madeira, de que tinha toda a prática, são uma coisa soberba. Sobretudo essas primeiras, com umas formas arredondadas, polidas, magníficas. Foi o que ele começou por fazer. [GF] - Depois esteve na arquitetura; a desenho do 2º ano, a acompanhar desenho e de projetos no 2º ano. [RF] - Com a ideia de que o projeto e o desenho se sobrepõem. E, portanto, os professores de desenho acompanhavam os professores na elaboração dos trabalhos de projeto. Um professor com uma bagagem teórica muito grande vindo de um meio mais humilde tendo conseguido superar essa origem. Eu que não tive essas dificuldades na infância tenho uma grande admiração por essas pessoas que se fizeram sem a ajuda de ninguém. E o Alberto se calhar era muito áspero com os alunos. Ele dizia-me que não. Era assim para apenas criticar os alunos. [GF] - O Alberto Carneiro esteve ligado à Landart, etc. [RF] - Depois de vir de Londres, ele entrou na arte conceptual e a fazer aquelas instalações com molhos de palha, ou uma pedra que tinha escondido e que era exposta em fotografias. Afirmava que na arte não interessava o objeto, mas sim o processo da sua conceção. Eu dizia-lhe sempre “Oh tu és muito bom a trabalhar a madeira, e é isso que devias fazer. / E quando a arte conceptual também entrou em crise, ele voltou à madeira. Como artista eu sempre admirei os seus trabalhos. Assim como na pintura a obra de Ângelo de Sousa. O Carneiro era um grande amigo do meu cunhado, dois ferozes adeptos do Futebol Clube do Porto, que me queriam convencer a ir ver os jogos. [GF] - E outros colegas? / Já falou da Helena Albuquerque por exemplo. Como colega. [RF] - Essa foi a minha colega do 3º ao último ano. Fui ao casamento dela com o Francisco Guedes de Carvalho. / A Helena foi professora de Geometria e por isso na Faculdade tivemos poucos contactos. [GF] - E o Manuel Mendes, que referiu que em determinado momento foi seu assistente, em Teoria ou História da arquitetura contemporânea. [RF] - Também foi meu colega no curso, embora fosse mais novo. / Eu lembro-me que com os meus assistentes de História de Arquitetura Contemporânea, o Manuel Mendes num ano e o Carlos Machado noutro, só havia problemas com as notas, as classificações, que eles davam para baixo e depois tínhamos que chegar a uns acordos. Mas tudo na boa. Mas eles eram mais rigorosos nas classificações. [GF] - Há bocado falei do curso focado em reabilitação, no qual esteve envolvido o Francisco Barata, o Rui Póvoas, etc. O Ricardo nunca teve relação com esse curso. [RF] - Não. [GF] - Do Barata, já falou de quando ele foi estudante. Memórias. [RF] - Como colega e como diretor não tenho nada a dizer. / O Barata foi meu aluno quando eu era monitor em setenta, já o conhecia. O Chico Barata uma vez disse-me “ó pá! eu lembro-me das tuas aulas quando no princípio quando entrei na escola”. [GF] - Depois também fez obras aqui na cidade. [RF] - Do outro lado do rio; pois é. [GF] - Da sua obra como arquiteto, organizaram uma exposição há um par de anos na FAUP. [RF] - O Barata começou por trabalhar com o Bernardo Ferrão, quando acabou o curso, foi trabalhar com o Bernardo. / Depois trabalhou com o Manuel Fernandes de Sá. [GF] - Entre projetos recordo-me daquele edifício de habitação que fez com o Manuel Fernandes de Sá. Com expressão muito italiana. / Recordo-me que tinha distinto trabalho, e de quando fez o novo ateliê dele numa casa que ele tinha, que visitei já no século XX quando… e dirigiu a escola. [RF] - É assim, o Manuel Fernandes Sá, o pai era arquiteto e engenheiro. E fez os pavilhões da escola com o Carlos Ramos. [GF] - O pai do Manuel Fernandes Sá fez 2 pavilhões em Belas artes. O filho estudou cá e passou depois por Inglaterra. [RF] - O pai do Manuel Fernandes Sá fez os pavilhões da pintura e da escultura com o Carlos Ramos. O anfiteatro é de vários, mas a traça principal é do Filgueiras. O Manuel Fernandes de Sá, nosso colega é neto do escultor António Sá e filho do arquiteto e engenheiro, que era dono, com a mulher, do colégio Araújo Lima um casarão que há ali na entrada da Rua da Constituição, entre o Marquês e o Lima 5. O Manuel é filho único, e ex-pianista. Tem o curso do conservatório, pouca gente sabe. Mas eu lembro-me de quando entrei na escola e ele estava no 3º ou 4º ano ainda tocava Béla Bártok e outras coisas do género. Depois abandonou o piano. Não é o único. O Duarte Castel Branco também tinha o curso de piano. Eu também queria ter, mas os meus pais não me deixaram. / Era filho único, e uma das muitas casas que os pais possuíam na rua Malheiro Dias é o atelier dele. E mais, na rua Faria Guimarães era a casa dos pais. O Barata trabalhou com ele, ainda numa série de projetos ou planos de urbanismo. / Depois nunca mais acompanhei propriamente a obra deles. Reencontrei o Manuel quando fui para a Câmara quando ele estava a fazer o Plano Diretor. [GF] - Pois, fez o PDM. Houve outros colegas, como uma professora que era a Lurdes de geografia. [RF] - Foi antes do Álvaro Domingues e era uma personagem muito discreta. [GF] - Houve outros colegas professores. [RF] - Houve uns que eram uma simpatia. / Um deles, veio aqui dar umas aulas de estruturas e acabou por ir embora porque disse “eu não estou aqui a fazer nada, não estou para vos aturar”. [GF] - Ah. [RF] - Logo no início depois do 25 de Abril, também houve um professor de matemática de engenheiro que, um dia, veio fazer umas conferências sobre matemática e a arquitetura. No anfiteatro de Belas artes. Começou por afirmar “para explicar a relação da arquitetura com a matemática tenho que vos dar umas aulas sobre alguns aspetos fundamentais da matemática”. E deu duas aulas de matemática elementar. E na última aula “bom e agora eu devia falar sobre as relações da arquitetura com a matemática. Pensando melhor não são nenhumas”. E ficou ali resolvido o problema da matemática. [GF] - Vocês estavam muito marcados com a pretensa cientifização dos 60… [RF] - Até à “Experiência” havia a disciplina de Matemática na Faculdade de Ciências. [GF] - Alguns já estavam nas tipologias italianas, no debate da autonomia da disciplina. [RF] - Ah. [GF] - A Beatriz Madureira. [RF] - A Beatriz é mais velha que eu, e como colega houve um aspeto com a Beatriz e o Manuel Mendes. Uma espécie de concorrência nas disciplinas de História. / A Beatriz mais velha e o Manuel Mendes mais novo do que eu. Quando eu andava no 6º ano, 1969 para aí, o Manuel Mendes estava no 4º ano com o Camilo Cortesão e o Rui Losa. [GF] - Na área então era só o Ricardo, a Beatriz e o Mendes? [RF] - No início éramos só nós, que eu me lembre. [GF] - O José Carlos Loureiro. [RF] - O Loureiro foi meu professor de construção e para além de criar ou tentar criar um museu de materiais na Escola as suas aulas eram sobretudo as idas às obras. Às suas e às de outros arquitetos. / Houve um jornalista do Tripeiro que me pediu um artigo sobre a cidade, que eu escrevi, “Arquitetura da cidade e a cidade das arquiteturas” e que foi publicado com um outro do Alves Costa. O mesmo jornalista quando o Loureiro fez 90 anos, voltou a pedir-me um artigo sobre o Loureiro. Começa na casa dele em Entre-os-Rios, uma casa que vai crescendo, e acaba no último projeto do Loureiro. Ficou uma coisa enorme, só notas de rodapé tem para aí cinquenta. E o jornalista logo me disse “com este tamanho eu não posso publicar isto”. Então combinamos publicar a primeira parte, e a última. E o resto eu depois publiquei no meu blog. / O neto Luís também tem um livro sobre a obra do avô, é completamente diferente do pai que foi do meu tempo de Escola, o Luís tem uma visão da arquitetura… profissional, foi um excelente estudante. [GF] - O José Carlos Loureiro tem imensas obras boas, e no fim algumas menos boas. [RF] - Dizia… A começar pelo edifício da Tranquilidade junto ao Palácio de Cristal. / Nesse artigo eu quis fugir àquela coisa de falar, só no Parnaso ou na urbanização do Luso, aquela aldeia dos arquitetos, pela quantidade dos que lá moravam. Na altura era eu, era o Siza, o Soutinho, o Amaral e a Annie Günther, o Gomes Fernandes, o Manuel Teles, o Gonçalo Canto Moniz, o Mário Trindade, o António Moura; eu sei lá. Por isso aquilo era conhecido como o a Aldeia ou o Bairro dos Arquitetos. [GF] - O Amaral ninguém ainda me falou sobre o Amaral. Foi meu professor. [RF] - No último ano do meu curso eu trabalhei no escritório do Augusto Amaral [GF] - “Entrei sozinho, voltei sozinho, saí sozinho”. [RF] - E depois, logo a seguir… abriu um concurso para professores, e concorreram o Ricca, o Zé Pulido, o Amaral, o Meneres. [GF] - Com elementos de geração mais velha que vocês? [RF] - Dessa geração. Mas concorreram todos para a escola, e foram todos para assistentes. [GF] - No concurso com o Amaral e José Pulido Valente, também entrou o Nicolau Brandão? [RF] - Não. O Nicolau foi diferente. O Nicolau entrou depois, e saiu porque ele era do Fundo de Fomento e, portanto, não era compatível. / O Pulido Valente, aí foi diferente. O Pulido é filho de um médico, que era um grande médico antifascista, o Pulido tinha feito aqui o Curso. / Acabou por sair, mas por vontade própria. [GF] - O Amaral foi meu professor penso que de construção. Penso que era esposo da professora Annie Günther. [RF] - É, ele sempre foi uma jóia de pessoa. / E é assim, quando estava no fim do meu curso fui trabalhar para o atelier do Augusto Amaral. E depois de trabalhar com ele conhecia-o bem, o Augusto Amaral. Lembro-me de um dos projetos que andamos a fazer. Depois o Amaral entrou na escola, e eu sempre me dei bem com o Amaral. [GF] - A professora Annie Günther era do pedagógico. [RF] - A Annie Günther é da geração do Alexandre e fez o seu caminho já na Faculdade com o Doutoramento. XXXI. [GF] - Da geração mais nova… Ficaram os professores e… / Depois só você é que foi ao terceiro concurso. Essas pessoas nem foram. [RF] - Exato. Os outros não foram; eu fui o último que foi ao concurso. [GF] - Muitas pessoas da primeira geração (do Alexandre etc) foram no primeiro concurso. / Você foi no terceiro, e houve muitos entre as duas gerações que nem foram. [RF] - Não foram a concurso nenhum. Os mais velhos já tinham idade e uma experiência profissional… deviam na minha opinião talvez ter entrado como professores convidados que é o estatuto com que se convida profissionais reconhecidos. [GF] - E depois. [RF] - Mas, entretanto, abriu a faculdade. / Da geração do Pulido era também a Fernanda Alcântara. Ela inscreveu-se para o doutoramento. Era um doutoramento que ia fazer comigo. Que toda a gente dizia - ela está a fazer um doutoramento dos edifícios, das pedras e datas da fundação ligadas à astrologia. / Uma das teses dela é que o rio Douro se chama Rio Douro, não porque tenha a cor dourada, mas porque se relaciona com a constelação de Orion… E foi ela que chamou a atenção, que a avenida da Boavista se prolongada a seguir à Rotunda, vai dar ao Monte Castro em Gondomar. E os edifícios, particularmente os edifícios dos Almadas; são todos feitos na base de datas simbólicas. [GF] - Nem sempre se aproveitou os recursos todos que haviam? / O Madureira etc também não foi esses concursos? Eu agora estava a tentar perceber quem era o todos, que o Ricardo disse que não foram ao concurso? [RF] - A Faculdade nunca conseguiu aproveitar todos os recursos que tinha. / O Madureira também não foi a concurso nem se doutorou. O Madureira é da minha geração, mas entrou depois de mim. Logo a seguir. Muitos pensavam já no doutoramento. [GF] - Com novos concursos, houve uma nova geração, que foi a um primeiro. E depois você vai ao terceiro. [RF] - Eu fui o último a fazer o concurso. [GF] - Quem é que tinha ido ao concurso? / Na geração do Távora foram 3 ao concurso arquitetura. Depois ao de urbanismo foram outros 3. [RF] - E foram os outros da escultura, da pintura e do Desenho. E ainda do Urbanismo. Mas na arquitetura foram 3. Ao concurso de escultura foram o Gustavo Bastos e o Eduardo Tavares. Ao de pintura foram o Camarinha, o Augusto Gomes, o Resende e o Amândio Silva. No Urbanismo foi o João Andersen, o David Moreira da Silva e ainda o Fernando Borges Campos. [GF] - Pois, o João Andersen etc. [RF] - A prova de anteprojeto era baseada no Plano do Auzelle. A urbanização da então chamada Avenida Nun’Álvares, que passado estes anos ainda não está feita. / Não sei se foi na mesma altura, julgo que sim, o concurso do desenho em que foram 2, foi o Lagoa Henriques, e foi o António Cruz. [GF] - E a segunda geração [antes] foram outros 6, não é? E da depois da sua era o Ricca etc. / Em arquitetura seria o concurso com as duas aulas? [RF] - O Ricca uma aula própria era capaz de fazer, sobre um projeto, mas não uma aula que eles tiravam à sorte. Na prática de Projeto sim, eram bons arquitetos. [GF] - Mas. [RF] - Ao princípio nenhum de nós tinha jeito para dar aulas teóricas. / Eu tinha dado um curso desenhadores quando me formei na escola técnica de Gondomar. / Depois de eu sair o Carlos Machado, pediu-me para eu dar as aulas teóricas de arquitetura contemporânea. / Eu outro dia ouvi-o ali a fazer um discurso, sobre um doutoramento honoris causa do Francesco Dal Cò. Muito bem feito, está por escrito, uma coisa comprida, mas muito interessante. / Eu também, quando entrei, praticamente não sabia dar aulas e quando entrei, fui dar aulas de projeto. Mas depois, quando fui dar aulas teóricas ultrapassei, julgo eu as dificuldades. / O Alberto Carneiro e o Jorge Vieira também fizeram o concurso nas Belas Artes, mas para escultura e pintura. [GF] - A primeira geração era estes 3, a segunda eu estava a dizer que eram 6, e na terceira você foi sozinho. [RF] - Mas não havia mais ninguém. E eu fui sozinho porque, entretanto, criou-se a faculdade. / E eu, que já tinha pedido para o fazer, das duas uma, ou fazia o concurso, ou era posto no olho da rua. E fiz o concurso. Quando fiz o concurso o curso de arquitetura da Escola acabou oficialmente. Ainda houve aulas nas Belas Artes, mas eram já da faculdade. E acabou. Na Universidade não há concursos para professor como na reforma de cinquenta e sete. Há doutoramentos. A Teresa Fonseca foi a primeira a fazer o Doutoramento. [GF] - Pois, a Teresa Fonseca foi a primeira a fazer doutoramento, tendo por orientador o próprio Siza Vieira. / A carreira antes e depois da entrada na Universidade. [RF] - Alguns professores passaram a professores agregados e depois catedráticos: o Alves Costa e o Domingos, e depois o Fernandes de Sá. / O Jacinto o único que tinha um doutoramento universitário também concorreu. / Ainda se tentou dar-nos uma equivalência a doutoramento às provas que tínhamos realizado. Mas a Universidade não deixou apesar das provas que nós tínhamos feito não serem piores nem melhores que as provas de doutoramento. Eu tive professores doutorados que assistiram às provas, às minhas provas lá na Escola e que acharam que eram provas “medievais”. “Duas aulas, e a defesa pública, de um anteprojeto e ainda uma Dissertação original! Nós na Universidade elaboramos e defendemos uma tese e acabou.” É certo que para a minha geração o doutoramento era algo muito sério. Não é o que é agora. / Faz-se o mestrado, de seguida o doutoramento e ao fim de três anos já estavam doutorados, já eram professores doutores. / Mas na altura fazer o doutoramento, não era assim. A minha mãe foi professora na filosofia aqui nas letras, e entrou em 1961 precisamente por falta de professores. E a minha mãe fez o doutoramento; no mês anterior a fazer 70 anos e reformar-se. XXXII. [GF] - Retomemos as suas memórias, sobre o pessoal docente da escola. E o Manuel Teles? [RF] - Esqueci-me! O Manuel Teles era meu vizinho, também é outro que morava lá no Luso. / E quando eu me divorciei fui viver numa sala no último andar do atelier do Teles, no Passeio de S. Lázaro. Mesmo no passeio, quer dizer, no lado poente à beira do café, e onde o Bernardo também tinha o atelier. [GF] - Então teve três esposas. [RF] - Não vou falar da minha vida privada. / O Manuel Teles tinha trabalhado na Câmara do Porto onde também trabalhou o Alexandre. / Trabalhamos juntos no CRUARB e quando eu fui nomeado pelo Viana de Lima para o representar lá no Concelho da Europa, ele achou que devia ser ele, porque era mais velho. E depois com o Manuel Teles demos aulas no segundo ano; juntos. [GF] - Alguns professores trabalharam na ou para a Câmara do Porto? [RF] - O bairro do Aleixo, foi desenhado pelo Alves Costa; entre outros. Com a ideia de fazer uma torre de habitação social, para fugir aos blocos dos bairros camarários. / Mas os projetos são propriedade da câmara e não de autor. Os bairros camarários eram do Plano de Melhoramentos de 1956. Antes o Távora tinha feito o Bairro de Ramalde. [GF] - O Bairro de Ramalde do… [RF] - Que é do Távora; e que é um projeto muito bem elaborado, mas que ficou como o que podia ser o modelo de um bairro de habitação social. Não foi seguido e por razões economicistas fizeram-se os conhecidos bairros camarários. Com as consequências socias a que estão associados. E continua-se hoje a pensar a habitação social da mesma maneira. [GF] - Ah. [RF] - Só depois o Alexandre veio para a Escola. / E aliás, não sei se foi para a escola antes do 25 de abril, se foi só no 25 de abril. Acho que até foi só no 25 de abril. Em 1974, eu estava em Angola. / [GF] - O Soutinho foi o único que foi preso, não é? [RF] - O Alcino Soutinho, pelos vistos foi apanhado, mas se calhar não estava no sítio certo na hora certa, mas foi o único. / Houve os que foram presos e outros não porque nunca calhou. Ou porque, como é o meu caso, era jovem demais para ser preso, tinha 17 anos. E o meu pai era um conhecido advogado do Porto, não era fácil, E o Santos Silva, grande amigo do meu pai e também advogado que era preso quando havia qualquer manifestação contra o regime e se apresentava logo com a escova de dentes. / E o Duarte Castel Branco, não sei se chegou a ser, ou se só foi ameaçado de ser. [GF] - Do professor Cabral Ferreira tem memórias. A família era a proprietária da casa aqui cor-de-rosa. [RF] - O Cabral Ferreira, muito mal, porque eu só me lembro dele fazer uma coisa ali no Barredo um Centro de Artesanato que era da Câmara. Foi feito quando eu estava no CRUARB aliás numa casa recuperada pelo CRUARB. [GF] - E ele depois esteve aqui na direção geral quando você estava na Câmara à espera. Na CCRN, na Comissão de Coordenação da Região Norte. [RF] - Mas isso também o Rui Losa foi da CCRN antes de ir para Comissário do CRUARB. [GF] - Sobre o Grade já falámos um pouco. O Grade era e foi meu professor de desenho. Mas fez coisas muito variadas. Por exemplo na sua altura penso que dirigiu uma horta na escola ligada à cantina, e penso que esteve na direção do Correia Fernandes. / Depois há ainda mais períodos, incluindo claro os relacionados com as duas direcções mais recentes. Mencionar o Carlos Guimarães, que dirigiu a escola mais recentemente. [RF] - O Carlos Guimarães é da geração do Manuel Mendes e do Rui Losa. E do Camilo Cortesão. / Eu estava no 6º ano, e eles estavam no 4º. E ainda o João Campos, e o José Figueiredo que estavam ligados ao PC. [GF] - Ah. [RF] - O Carlos Guimarães depois fez umas coisas sobre a Sé; uma publicação, interessante, sobre a recuperação do bairro, as destruições dos anos quarenta e as intervenções posteriores.… / E depois dedicou-se mais ao projeto; com o Luís Soares Carneiro. [GF] - Referiu Manuel Mendes. / Portanto da parte teórica. Penso que sempre expressou coisas muito pensadas e acertadas - mesmo sobre a faculdade e sobre o ensino. [RF] - O Manuel Mendes tem aquele feitio, mesmo quando tem toda a razão, ele diz aquelas coisas de um modo que parece indignado. / Já agora, uma história do Manuel Mendes. Lembro-me de eu e o Nicolau e não sei quem mais, irmos a Setúbal, ver um jogo da taça das taças como então se chamava. Entre o Vitória de Setúbal contra não sei que equipa inglesa. E convidámos o Manuel para vir connosco, O Manuel que não ligava nada ao futebol. Sentámo-nos lá no estádio a ver o jogo, e às tantas o Manuel Mendes estava a discutir com adeptos ingleses, eu sei lá. / Quando viemos para casa alguém afirmou “ó Manuel Mendes para quem não liga nada ao futebol?” E ele “Eu? Eu estive ali muito sentadinho. Havia era uns ingleses, que se estavam a meter comigo”. / E uma vez consegui levá-lo ao rally Portugal, na altura acho que ainda era o rally TAP. / Lá fomos, às duas da manhã, para a serra do Marão. Ver passar os carros! [GF] - Depois do Barata, foi como dizia o Carlos Guimarães que dirigiu a escola. [RF] - Foi, e quando eu fui candidato à Câmara e ele viu ali o cartaz das eleições; ele disse-me que nós não tínhamos qualquer possibilidade de ganhar a Câmara ao Fernando Gomes. Enganou-se. [GF] - Mas vocês na altura estavam à espera? [RF] - Não, não estava. Pensava que iria para a oposição dentro do Executivo. [GF] - Foi 2001. [RF] - Nas eleições autárquicas em dezembro de 2001. [GF] - Mas eu ainda queria perceber a diferença entre a sua geração e outros anos que estavam abaixo. [RF] - Essa geração do Carlos Guimarães, quando eu estive ali a dirigir a escola, e na comissão coordenadora eles eram alunos do 4º ano e alinharam naquilo tudo… Era um grupo mais radical que se manifestava nas assembleias de estudantes a que eu aliás presidia. Tudo bem. / E depois em setenta eu saí, acabei o curso. E em 1971 ganhei o concurso do edifício da Companhia de Seguros, e dediquei-me durante um ano ao concurso da Aliança Seguradora a fazer o projeto de execução. Para um aluno recém-formado na escola, pouco ou nada sabia de construção. Foi ótimo, porque convidámos o homem que fazia, que apoiava o Siza, para nos apoiar na elaboração do projeto de execução. Não sei o que é feito dele. / Mas claro que nós também tínhamos ideias próprias e sabíamos o que queríamos em termos de desenho e materiais. Por exemplo aquelas caixilharias salientes, na altura, era um inferno. Nenhum de nós sabia fazer caixilharias em ferro. Só sabíamos fazer as de madeira. A geração do Távora e do Viana de Lima e ainda do Siza faziam tudo em madeira, caixilharias mais grossas, ou menos grossas. O Siza teve problemas com as caixilharias da Cooperativa de Lordelo [GF] - Acho que lhe mudaram as caixilharias e puseram de alumínio. [RF] - E o Siza acho que riscou o projeto da Cooperativa das suas obras completas. / Porque na altura, conseguiram colocar umas caixilharias de alumínio já muito mais baratas e, diziam, um pouco mais práticas. / Ali na Companhia de Seguros, a nossa sorte foi que, entretanto, apareceu um sistema, que até então não havia em Portugal de caixilharias de alumínio (Thecnal) que permitia adaptar-se ao desenho que tínhamos projetado. Os vidros vieram diretamente da Bélgica. Aliás quando eu fui para a tropa eu e o Nicolau, fomos ambos para a tropa e ficou aqui o Zé Pulido sozinho, e o que é que o Zé Pulido faz? - meteu o atelier num barraco dentro da obra, para ali fazer a fiscalização. Imagina-se o Zé Pulido e os empreiteiros. / De tal maneira que, por exemplo, quando chegou o 25 de abril, e as Companhias de seguros foram nacionalizadas e constituída uma União de cooperativas, a obra esteve muito tempo parada até aos anos oitenta. / E depois, quando eu e o Nicolau viemos da Tropa; resolveram acabar o edifício, e uma coisa muito simples cansados chutavam-nos dali para fora e chamavam um outro arquiteto. / E tivemos uma reunião, em que levámos o advogado, e mostramos que - “Vocês põem-nos na rua e nós pomos um processo. E o arquiteto que vier tem que vir ter connosco para perceber como é que isto se faz. E para mudar seja o que for está tramado. Portanto vocês nisso gastam uma fortuna por isso o melhor é sermos nós a continuar mesmo fazendo outro contrato se quiserem”. E assim foi. / E quando é que acabou a obra? Ah oitenta e tal. Imagina estamos a falar de mais de 10 anos. / Depois, aquilo eram cintas de betão. Mas as cintas de betão começaram a rachar com o peso da caixilharia, e aquilo tinha que ser tudo coberto, e decidimos por placas de cobre; Veja-se o luxo hoje custaria uma fortuna e está tudo verde. Por isso é que eu digo, parece uma lata de bolachas. [GF] - Na segunda metade dos anos oitenta então é que acabou a obra. [RF] - Sim, sim. [GF] - Ah. [RF] - E eu vivi uns anos ali ao lado naquele prédio do Losa, que é o primeiro prédio e que pertence à Ordem dos Advogados. Os outros já não são. Eu vivi num T0 do 4º andar e o meu pai num apartamento no último andar. / E eu lembro-me de assistir já às obras da Mutual, o primeiro nome da Companhia de Seguros. Portanto as obras foram do princípio de oitenta e em1981 o edifício ainda não estava pronto. [GF] - Então: um concurso em setenta, depois você foi para a tropa… depois a obra foi parada, um novo contrato, voltaram a retomar a obra, e acabam nos oitenta. [RF] - Quando eu fui chamado para a tropa estavam a fazer os alicerces. A obra terminou nos oitenta. Não sei se foi até noventa, mas acho que não. Ok. XXXIII. [GF] - O professor João Pedro Xavier assumiu mais recentemente a direcção. Memórias? [RF] - Já falamos há bocado. / O Rui Ramos era próximo do Portas. [GF] - Mas tem memórias aqui na faculdade? [RF] - Sim. O único que conheci foi o Rodrigues. Da história. [GF] - Refere-se ao professor José Miguel Rodrigues. [RF] - O Zé Miguel. Umas reuniões das pessoas de história. Com o Alves Costa. [GF] - De história também deviam ser então a Marta ou o Quintão? [RF] - Com o Quintão e a Marta que faziam parte do grupo de história e eram assistentes do Alexandre. Como estudantes o Quintão era do ano do Madureira e a Marta é depois do tempo do Carlos Prata. / Mas a Marta com a sua formação germânica, tinha um rigor pedagógico e uma cultura como não há muito na Faculdade. [GF] - O João Pedro Xavier seria mais novo então. Você dizia que voltou em 1977? [RF] - É. Mas não foi meu aluno. O João Pedro que eu saiba não. [GF] - Era um pouco tempo invisível? [RF] - Uma vez ele telefonou-me, já eu estava reformado, se eu não queria vir cá dar aulas E eu disse - vou fazer conferências e exames, júris e outras coisas, tudo o que quiseres. Aliás, eu tinha acabado de me reformar e não tinha disposição para voltar a dar aulas. Têm o Carlos Machado, e a disciplina está muito bem entregue. XXXIV. [GF] - A Escola tem-se feito com uma sequência de gerações que foi aludindo. / Referiu-se desde Távora e Siza a muitos outros. O Ricardo falou um monte de coisas, mas façamos uma pausa aqui para reiterar a importância de Siza. / Em determinado momento da conversa o Ricardo referiu o protagonismo de Siza, penso que aludindo a um momento único da escola e da arquitetura portuguesa. Qual o seu entendimento da relevância única desse protagonismo na escola do Porto. Aqui deu aulas, desenhou este edifício único, etc etc. [RF] - Se perguntar, a uma pessoa qualquer o que é a Escola do Porto, ela quem conhece, pelo menos de nome é o Siza. Cá ou lá fora. [GF] - Está bem. Mas o Ricardo viveu a história da escola desde os anos 60, ingressou como docente nos anos setenta. [RF] - O Siza, começou a ter uma repercussão já razoável entre arquitetos e algum público. E nos finais dos anos cinquenta princípios dos anos sessenta, quando fez a Boa Nova, pelo impacto que teve nas gentes do Porto e não só, para além dos arquitetos. [GF] - A casa de chá da Boa Nova, por exemplo, foi um acontecimento. [RF] - Foi um acontecimento a nível da cidade, de Matosinhos e da região, porque muita gente começou a saber que havia uma casa de chá ali à beira da praia, uma coisa lindíssima num sítio paradisíaco, com uma capelinha ao lado e, portanto, as pessoas ao domingo, no carro iam para ali, para a Boa Nova, tomavam um chá ou café ou eventualmente iam lá jantar. Eu lembro-me de ir lá com uma amiga no meu MG descapotável num fim de tarde de sol. [GF] - A piscina das marés, outro. [RF] - Mas as pessoas depois também conheciam e iam à piscina logo a seguir e, o Siza começou a ganhar um grande prestígio. E mesmo a atenção de arquitetos espanhóis. Não foi fácil porque não é como agora, em que há programas de televisão todas as semanas pelo menos… sobre os espaços e casas e aparecem projetos e construções. [GF] - Revistas era pouco. [RF] - Não havia nada, havia a revista Arquitetura, que era vendida entre arquitetos. / Em Itália qualquer revista de arquitetura é vendida em qualquer quiosque e é lida por gente que pouco ou nada tem a ver com arquitetura. [GF] - Quase nem havia público para haver uma revista de arquitetura e pouca menção na imprensa periódica. [RF] - Nem as havia. Revistas só tipo crónica feminina e outras coisas do género… às vezes numa secção, no Jornal de Notícias ou no Primeiro de Janeiro. A geração anterior era diferente, porque tinham… uma página das artes, em quarenta e cinco e quarenta e seis, dirigida pelo Júlio Pomar, com artigos sobre o neorrealismo, ou sobre o Picasso, [GF] - Havia jornais… Em revistas publicou-se Viana de Lima e outras coisas, mas… [RF] - E outras coisas publicou, os extratos do livro do Richards, agora vamos lá ver um bocadinho atrás. [GF] - Livros, poucos. [RF] - Quando eu entrei na escola, sessenta e dois, foi-nos distribuído um livro com as atas do Congresso de 48 e um outro com as atas do Congresso da UIA de 53. Entretanto foi publicado o Inquérito à Arquitetura Popular. E havia as dissertações dos professores. Havia livros de História de Arte como a Arte Portuguesa do Reinaldo dos Santos. / Livros internacionais não havia livros de arquitetura a comprar, quase nada. Havia a história do Bruno Zevi em espanhol, havia ou estava a ser publicada em folhetos, o Bruno Zévi traduzido em português, em que o Portas tinha lá escrito. / E havia o Espaço, Tempo e Arquitetura em francês do Gideon e depois veio a história da arquitetura do Benévolo em italiano. E de teoria havia o Saber ver a Arquitetura também do Zevi. [GF] - Portanto quanto a livros, havia Giedion, saber ver a arquitetura do Zevi, Benevolo e quê? [RF] - E pouco mais havia, um dos Richard, um livrinho sobre a arquitetura moderna, traduzido pelo Viana de Lima. [GF] - Portanto rapidamente uma pessoa comprava os livros todos… Ou seja, você tinha literalmente meia prateleira com os livros que havia. Depois havia as revistas na biblioteca da escola pressumo, que é a Arquitetura e as estrangeiras. [RF] - Havia a Architecture d’Aujourd’hui e as italianas: a Casabella do Roger, e a Architettura do Zevi. [GF] - Sim o diretor da Casabella era o Rogers. [RF] - Olha, depois por causa de Brasília inaugurada nos anos 60… havia uma data de revistas brasileiras, a Acrópole e outras. [GF] - Exposições, a Brasil Builds no Moma, em 1948. [RF] - Não chegava cá. De qualquer maneira nada havia, as grandes referências vinham da arquitetura publicada em França e Itália. [GF] - Vocês nessa altura era a Architecture aujourd’hui… depois já tinham entrado as revistas italianas.. Talvez a Architectural design (AD) inglesa. [RF] - Iam aparecendo os livros das obras completas do Le Corbusier, do Aalto… As obras de História de Arte com os livros da Skira, os três volumes de L’Art et L’Homme do René Huyghe… tudo em francês. Ou seja, de resto não havia mais nada, quer dizer literatura teórica por exemplo não havia quase nada… Até ao aparecimento dos livros em castelhano da Gustavo Gilli. [GF] - Em setenta depois devem surgir as Arquitetural design e coisas assim em inglês… inglesas já vinham quando estudava. [RF] - Vamos lá ver, anos sessenta nos meados de sessenta há todo aquele movimento em Inglaterra dos Beatles, da Pop inglesa e do grupo do Archigram. Foi algo de revolucionário na moda e no design. Apareceu o Mini, o Peter Blake desenhou a capa do disco dos Beatles… surgem as obras do James Stirling… [GF] - Vocês usavam jeans, não é? Não eram Levis, porque se comprava nos anos sessenta outras marcas. [RF] - Não sei se já havia as Levis… Eu só sei é que no meu sexto ou sétimo ano, eu fui para o Liceu de calças de ganga e sandálias e fui chamado ao reitor, que me disse em tom de raspanete “se não fosse filho de uma antiga professora desta casa era imediatamente suspenso. Assim, vai para casa almoçar e veste umas calças, calça sapatos, e apresenta-se aqui. E eu tive que me apresentar de calças, de fato e gravata… / Mas era a geração que começava a andar de calças de ganga, não é? Hoje, deve ser ao contrário, uma pessoa que se apresente sem jeans é imediatamente chamada ao diretor ou ao conselho diretivo. / Primeiro foram os cabelos. Eu usava o cabelo assim, ou mais comprido, e lembro-me de os meus irmãos dizerem que tinha aparecido um grupo em Inglaterra que usa o cabelo como o teu. / A minha sorte era ter uns pais bastante abertos embora a minha mãe nessas coisas nunca achou piada nenhuma aos jeans, e mesmo antes de falecer, se eu lhe aparecia de calças de ganga ela dizia “não tens umas calças”. [GF] - Começou a descrever-me as revistas que havia durante o seu tempo de estudante, bem como o clima de então, não é? [RF] - Não era nos jornais diários, mas na página de cultura do Primeiro de Janeiro e do Jornal de Notícias, do Ramos de Almeida, que era amigo dos meus pais. o Ramos Almeida por exemplo escreveu sobre as Magnas. [GF] - Algumas obras adquirem prestígio aí, dentro do meio dos arquitetos. Aqui regionalmente, as obras em Matosinhos etc [RF] - A piscina da Quinta da Conceição quando o Távora recuperou a Quinta da Conceição, em Matosinhos. [GF] - O Siza depois começa a ganhar algum reconhecimento, também em Espanha… / Mencionar encontro de arquitetos espanhóis e portugueses, os pequenos congressos. Ou um outro encontro em Portugal. [RF] - Em Tomar com o Portas, que também era conhecido em Espanha nos meios da arquitetura. [GF] - E ele… Em Itália. [RF] - Aparece um número da Controspazio em que Vittori Gregotti escreve sobre a obra do Siza. [GF] - O Siza ganhou uma grande projeção internacional, bem como o SAAL com o vinte e cinco de abril. [RF] - Na Architecture d’aujourd’hui… Mas sobretudo há dois projetos nessa altura do Siza fundamentais: primeiro a Malagueira e depois o Chiado. [GF] - Primeiro dos anos setenta Malagueira. / E é preciso perceber que o SAAL e a Malagueira vêm ao encontro daquilo que se discutia no âmbito da disciplina da arquitetura, que era a participação das populações, etc no projeto. / E ainda a relação com a cidades histórica, o património arquitetura moderna, e por aí adiante. [RF] - A Malagueira tem tudo, a habitação social, a arquitetura social com o diálogo com as populações, a relação com a cidade histórica ali ao lado e o seu prolongamento. [GF] - E outro exemplo de projeto que depois foi marcante foi o Chiado. [RF] - O Chiado após o incêndio. [GF] - Lembre-se o Chiado gerou grande discussão e muitos tipos de Lisboa puxavam para o Taveira. [RF] - O Taveira tinha feito as Amoreiras e aparecia na televisão. O presidente da Câmara de então o Abecassis queria para a reconstrução uma pessoa que já estivesse a ganhar reputação internacional. / E foi buscar o Álvaro Siza. / O Siza depois fez trabalhos na Alemanha, na Holanda e em Espanha. E no Brasil. Hoje sobretudo no Oriente [GF] - Os concursos da Alemanha. [RF] - Não, não tinha. [GF] - Tinha também uma coisa, um concurso para Veneza. Que é de foro social também. [RF] - Ele tinha feito, o Bonjour Tristesse, que é o título de um livro da Françoise Sagan. O Siza não gostou que dessem esse nome ao edifício de Berlim. Tinha feito um concurso para Veneza, de facto, e tem escritos sobre a cidade. [GF] - Do grafiti Bonjour tristesse. [RF] - Onde ele teve que mudar tudo, porque aquilo foi para a população turca. Ele teve que mudar as casas de banhos todas. Estou a falar do que ele me contou. Ele não tem isso escrito, que eu me lembre. Eu fiz há tempos uma coisa sobre o Siza, para meter no blogue, o que não sucedeu. Tentava pegar nas coisas todas escritas por ele, e a partir dali, comentar as suas obras e as suas referências. Começava pela revista, que o Carlos Ramos lhe mandou comprar com um número sobre o Aalto. Aí tinha umas fotografias da Biblioteca de Vipurii, destruída pela guerra, (depois foi reconstruída) e veja-se as bibliotecas todas do Siza, para ver como o Siza tenta recriar o ambiente próprio de uma biblioteca. [GF] - Transforma aí a cultura… / Eram as revistas, e começou a falar do reconhecimento público deles… / Entretanto os espanhóis desenvolviam publicações… [RF] - Começam a fazer uma coisa, os espanhóis, leia-se, começam a fazer uma coisa bestial, que era pegar nos arquitetos, pedindo para fazer os prefácios para os livros e traduzir uns livros, italianos como o Aldo Rossi ou o Manfredo Tafuri, que eram vendidos aqui, e a malta lê perfeitamente o castelhano. [GF] - Depois começam a aparecer esses livros e edições espanholas, e começam a apetecer revistas de outras naturezas… [RF] - Aqui a revista Arquitetura no tempo do Carlos Duarte. O Carlos Duarte foi a primeiro a publicar e a criticar - a criticar no bom sentido - no sentido de discutir… as obras do Siza. Criticava, por exemplo, a Casa de Chá assinalando uma espécie de saturação do uso da madeira. Era uma época, resultado talvez do Inquérito. Há, dessa altura em Ovar, junto à Ria, um restaurante que está abandonado, todo em madeira, chamado Vela Areinho, que é lindíssimo. Infelizmente ninguém pega naquilo, já tentaram várias vezes, inclusive uns franceses, mas a coisa não funciona, [GF] - O hotel do Conceição e Silva ou outros equipamentos. [RF] - O Hotel do Mar em Sesimbra, também. É um dos bons projetos do Conceição e Silva, que também apareceu na revista Arquitetura. Há uns anos passei lá uns quinze dias de férias. [GF] - E o Siza… hoje é conhecido no mundo todo. [RF] - Em Espanha, em França e na Itália, depois na América do Norte e do Sul e hoje no Oriente. XXXV. [GF] - Isto do Siza, acho que está dito. Sobre Távora e Siza, eles tem uma relação muito particular. [RF] - Eu e a minha geração acompanhamos o Siza à medida que ele ia projetando as suas obras. Porque o Siza quando foi meu professor, eu já o conhecia antes de ir para a Escola e já conhecia as suas primeiras obras. Depois o Siza tinha sido aluno da minha mãe e depois ia jantar às vezes ao restaurante “Le Chien qui Fume” na Rua do Almada. Eu ia lá com os meus pais. Era um restaurante de uma francesa, uma alsaciana casada com português, que fundou esse pequeno restaurante que não tinha mais de quatro mesas, cabiam apenas uma dúzia de pessoas. O restaurante ainda existe, apesar de já não ser nada do que foi, já que os proprietários são outros, continua lá, com o mesmo nome. / Depois o Siza foi meu professor, em sessenta e sete e sessenta e oito, com duas assinaláveis vertentes. A primeira vertente era ser um excelente professor na sua exigente atenção a cada pormenor desenhado. / A outra vertente como nós eramos muito poucos muitas vezes em vez de ir à Escola íamos ao atelier dele mostrar os trabalhos. E a melhor aula do Siza era vê-lo trabalhar. / Estava a fazer a casa dos Combatentes, que eu conhecia muito bem, o proprietário era o doutor Manuel Magalhães, que tinha sido colega do meu pai e éramos ali vizinhos. O doutor Manuel Magalhães queixava-se que os vizinhos, perguntavam se ele estava a fazer uma garagem, se aquilo era um posto de transformação de eletricidade e por aí fora. E depois, um dia - isso já foi o Siza que me contou - o doutor Manuel Magalhães chegou a propor se não seria melhor pôr lá um telhadinho. Claro que se imagina a reação do Siza. / Estive lá nessa casa muitas vezes passei lá muitas horas com o arquiteto Manuel Magalhães. / O doutor Manuel Magalhães, teve de mandar proibir as visitas, quando a esposa esteve muito mal e veio a falecer. A casa foi durante muito tempo das poucas obras do Siza aqui na cidade do Porto, para não dizer a única, porque havia a Casa Carneiro na Boavista e a Cooperativa de Lordelo. / Mas o Siza pois, quando foi o meu professor, estava a fazer ou ia fazer o projeto da Avenida da Ponte. Como eu ficava no quarto dele na viagem de estudos, o Siza tinha uma corda punha-se plantas da Avenida da Ponte e assim “eu vou fazer aqui uma coisa. / Muitos disseram - “O Siza fazer um projeto dum edifício de uma avenida inteira e não sei quê, ele só sabe fazer coisinhas pequeninas”. / Tinha feito a casa Alves Costa, em Moledo e, entretanto, ele tinha defendido a CODA em 65 um projeto de uma casa para o Rui Feijó que nunca foi feita. Eu assisti à defesa da CODA com o júri presidido pelo Carlos Ramos. / Nesses anos, as CODAS eram feitas muito depois do final do curso já com alguma prática profissional, mas não podiam assinar os projetos, e eram feitas normalmente com uma obra ou um projeto que os candidatos já tinham ou iam realizar. O Távora fez um projeto, que não foi realizado a Casa do Mar, não é? Ali na Foz. [GF] - Para vocês quando acontecia coisa dessas, era bom, porque assistiam a uma discussão de projeto. [RF] - E o Carlos Ramos era bom, não é? / O Carlos Ramos nas provas ou em inaugurações era formal, a pessoa ia de gravata. / Lembro-me de ter sido encarregado com o Nuno Guedes de Oliveira de fazer os exames a uns arquitetos que eram retornados de Moçambique e de Angola com prática profissional, mas que cá não podiam exercer porque não tinham feito o último exame, ou concurso como então se chamava. [GF] - Mas lá não havia escola de arquitetura. [RF] - Não. As escolas de arquitetura nas colónias são muito mais tarde. Tinham ido para lá e nunca tinham acabado o curso, mas lá podiam fazer projetos. E depois vieram, e quando vieram para cá, para poder trabalhar tinham que fazer esse exame para obter a medalha, porque era por medalhas que davam créditos. / E eu lembro-me de os tratar como os meus meninos. Eu tinha trinta e poucos anos e eles tinham todos acima de sessenta ou setenta e depois lá fizeram um projeto, que nós avaliamos, mas eles em termos práticos, sabiam muito mais do que nós. / Aliás eu conheci os arquitetos que trabalhavam em Angola. O que tem muita piada. O pai do Adalberto que eu conheci em Angola, era arquiteto na Câmara. Quando foi o vinte e cinco de abril houve umas manifestações em Luanda com conflitos entre os colonos e os naturais de Luanda. Eu estava na tropa e fui encarregado de obter as plantas da cidade. Precisavam das plantas de Luanda para fazer uma linha de marcação entre a população. Fui de camuflado buscar as plantas de Luanda ao Alberto Dias. [GF] - O Adalberto Dias também se chama Adalberto Dias o pai. [RF] - Eu já o conhecia por ter ido à Câmara por causa dos projetos que fiz em Luanda, com o Vasco Morais Soares. Nessa altura como qualquer arquiteto ou qualquer pessoa ia lá humildemente pedir. Mas dessa vez por brincadeira apresento-me assim com a arma. “Passa para cá as plantas, pá que a gente precisa ali das plantas”. Eu usava uma USI que é uma pistola metralhadora israelita; ainda por cima é uma arma de derrube, que as balas não furam, não são como as da G3, portanto aquilo deita a pessoa ao chão e em princípio não mata. Tudo em tom de assalto. [GF] - O Vasco da cidade satélite para Angola? [RF] - Não! Não era o Vasco Costa; que tinha uns magníficos edifícios em Luanda. Era o Vasco Morais Soares que tinha sido colega aqui na Escola, filho do Morais Soares da ARS. [GF] - Ah é para já chefe! Foi depois do vinte e cinco de abril, foi logo a seguir? [RF] - Eu trabalhei, nalguns projetos em Luanda. Cinemas, urbanizações habitações. XXXVI. [GF] - O Eduardo Souto de Moura. [RF] - O Eduardo Souto de Moura. O pai do Souto de Moura era oftalmologista tinha o consultório na rua de Ceuta. Tinha sido colega dos meus pais em Braga. Eu conhecia o Eduardo e os irmãos por serem filhos do doutor, mas o Eduardo era mais novo que eu para aí uns dez anos. E depois o Eduardo fez o curso, quando eu já tinha saído da Escola e na altura em que eu estive na tropa. [GF] - Depois o Eduardo foi trabalhar com o Siza. [RF] - O Eduardo depois fez aquelas casas na Foz. As casas são excelentes, mas eu não conseguia viver ali dentro. Não tem paredes para encostar um móvel. Tudo em vidro. Aquilo é muito minimalista. [GF] - Depois ele fez projetos maiores, Terras de boro por aí fora. [RF] - Ah algumas recuperações e algumas coisas muito bem-feitas; mas isso já é depois. As primeiras coisas dele são muitas minimalistas demais para o meu gosto. [GF] - E o concurso da Casa das artes. [RF] - Ainda lecionou na FAUP, saiu, e depois voltou. Hum. E eu, esse concurso foi a Secretaria de Estado. Fomos muitos a esse concurso, porque não havia mais nada, que fazer. Foi no princípio da crise que sucedeu à revolução e quando o SAAL já tinha sida extinto. [GF] - Como é que foi esse concurso? Muitos de vocês concorreram. Aquilo como em todos os concursos, havia estéticas diferentes. [RF] - Que eu também concorri. Não ganhei nada a não ser juízo. Quando é que foi? Então como é que foi? havia uma alteração na estética, tinha surgido o Venturi e eu nessa altura queria experimentar outras coisas. / Esta alteração já vem de trás, mas fundamentalmente é nessa altura de facto, que eu costumo dizer foi quando acabou a lei seca, o primado da função quando nós éramos quase obrigados a fazer a partir de organigramas. [GF] - Do FMI. Não, é essa altura de recuperação, isso foi anos oitenta foi depois do FMI. Foi após o SAAL que ficaram sem nada que fazer? [RF] - Trabalhar para o SAAL… / A única hipótese “era ir para as escolas dar aulas”. Para as escolas, e não para as escolas de Belas Artes. Por isso, restavam os raros concursos onde então íamos concorrer, pois não tínhamos com que pagar a renda de casa estava tudo no desemprego. Não havia projetos, não havia obras, as grandes empresas tinham sido nacionalizadas, as empresas de construção não funcionavam… [GF] - Ou os empreiteiros. [RF] - Não, não tinham nada para fazer. Portanto estava-se a acabar o que vinha de trás. Portanto, a malta nova de então não tinha mesmo nada para fazer. [GF] - Faziam concursos. E a cidade, já é na transição… Porque já é na altura do governo socialista Mário Soares. Portanto é para aí oitenta e seis…. [RF] - Eu sei porque o secretário de Estado da Cultura que fez o concurso foi o Rui Feijó, precisamente. O projeto era apoiar a casa ali na António Cardoso, uma casa do Marques da Silva, e fazer no jardim, um cinema e uma sala para exposições. E eu, muito nessa onda pós-modernista, conservava uma casinha que havia ao fundo do jardim, punha ali um cinema e fiz aquilo por pavilhões. Tinha um pavilhão de exposições no sítio do campo de ténis, depois tinha um pequeno anfiteatro num canto do jardim, era um teatro ao ar livre. [GF] - E o Eduardo Souto Moura fez aquele muro. Quem é que estava a concorrer mais? [RF] - Todos, e quando ele ganhou todos gostaram. [GF] - Grande Projeto, aquela coisa. Ele já tinha feito o mercado de Braga. [RF] - Ah pois. Quando teve a ideia de um muro, portanto com a teoria do muro. É, e aquilo tinha algum sentido. Quer dizer, pronto, a verdade é que muitos de nós, para tomar eu por exemplo, como já tinha feito em Angola projetos para cinemas, e porque já tinha feito projetos para pavilhões de exposição e sempre gostei de acompanhar as artes plásticas, mas principalmente achei que a solução do Eduardo não iria funcionar durante muito tempo. Pois, quando eu entrei para a Câmara a Casa da Cultura ainda se tentou fazer ali o centro da 2001, mas depois também aquilo falhou, Eu sugeri muitas vezes, e não fui o único, sugerimos muitas vezes, fazer lá, uma extensão da Cinemateca. Entretanto a Cinemateca começou a pôr tudo na internet e, portanto, a ideia perdeu um bocado de razão. / Eu quando estava na Árvore; segui um curso feito pelo António Pedro Vasconcelos, eu sempre fui fanático do cinema até aos anos setenta oitenta, depois deixei de ir. O António Pedro Vasconcelos projetava um filme, trouxe uns filmes da Cinemateca; e lá na Arvore mostrava-nos e falava no filme, filmes magníficos; Do Nicholas Ray, e de outros. [GF] - O Siza é que foi o primeiro a falar no Venturi e a trazê-lo para aqui. [RF] - O Siza foi fazer um projeto que não está nas obras dele, na Póvoa de Varzim, nas Caxinas, para ser mais preciso. O bairro dos pescadores. [GF] - Entre Vila do Conde e a Póvoa. [RF] - Hoje, se uma pessoa olhar para aquilo, vê que há ali qualquer coisa de arquiteto, e do Siza se quiser, mas está tudo transformado. Primeiro, puseram azulejos - porque está à beira-mar, portanto, a maneira de conservar é pôr azulejo. [GF] - Outros experimentaram outras arquitetura pós-modernas, como é o caso do Tomás Taveira. [RF] - Que depois com o escândalo quase desapareceu, acabou muito. Ficou mais conhecido pela mediatização do que pelas suas obras e foi pelos media que caiu. [GF] - Tomás Taveira acabou a fazer os estádios em dois mil e quatro. Pronto são projetos… coiso. Não sei se fez mais alguma coisa... [RF] - Ou como dizia o outro, muito para o interior. / O Tomás também já deve estar a fazer coisas muito boas no interior... [GF] - Não falámos muito do Vasco em Luanda e o Pancho Guedes em Moçambique. [RF] - Uns grandes arquitetos, que andaram aqui na escola. [GF] - Forjaz esteve aqui, muitos anos de diferença? [RF] - Não. Uma década pelo menos de diferença talvez. [GF] - Falou de cinema. Neorrealismo, os italianos. Depois houve vagas francesas e depois estes filmes tipo bockbuster. Comecei a interessar por cinema… [RF] - Já não é não conheço, mas eu agora, só vejo alguns filmes muito escolhidos. Via muitos nos anos cinquenta e sessenta, quando eu via as matinés clássicas no Batalha e no Cine Clube, onde eu cheguei a dirigir uma secção do Formato reduzido; com 17 ou 18 anos. XXXVII. [GF] - Ah. Temos de falar de cursos e da cidade do Porto. [RF] - Coisas que ainda nos anos noventa, não sei quem é que dirigia, é que houve uma reunião em que eles convocam os professores para fazer cursos. Curso disto, cursos daquilo. Houve sugestões de todo o género. Não se fez curso nenhum. Havia o curso de desenho. Funcionava. E nós fizemos um curso. Nós, digo, eu e a Annie Günther, o Rui Tavares e o Álvaro Domingos. Fizemos um curso que dava uns diplomas no fim, sobre a cidade do Porto, precisamente. O Rui Tavares fazia o século dezanove, eu fiz os anos 30, a Annie Günther a cidade contemporânea; e o Álvaro Domingos fazia a Área Metropolitana, com viagens de estudo e passeios. O curso durou uns meses tinham as aulas ao fim da tarde uma vez por semana; e vieram pintores, escultores, arquitetos, professores do secundário, funcionários públicos das autarquias e até antigos alunos da escola. [GF] - Há uma vertente que é muito importante, a formação contínua… [RF] - Pois, e na altura houve a tentativa, mas depois acabaram por aceitar o nosso. Foi todo montado como deve ser e tal, e como ela tinha público por causa de dar… era uma altura em que isso dava créditos, para os docentes do secundário, portanto houve muitos que se inscreveram. E depois tinha interesse, porque era a cidade do Porto. Depois foi a partir daí que eu fiz o curso da cidade do Porto. / [GF] - Exatamente, passemos a um recorrido consigo pela cidade do Porto. CONVERSA 5/5 XXXVIII. [GF] - Proponho que agora retomemos à cidade, uma conversa em que registemos comentários e memórias do Ricardo em redor da História da cidade do Porto. Comecemos pelos Planos do Porto. / Passa pelos Almadas, a planta redonda, o plano do Ezequiel, etc. [RF] - Começa na planta redonda de facto, porque é a primeira planta da cidade, a que se segue a planta do Paiva onde está traçada a cidade e o que era o “plano “dos Almadas. [GF] - Sobre a época dos Almadas há um trabalho forte sobre essa época. [RF] - Há um trabalho do Bernardo Ferrão a sua Dissertação para o Concurso de Professor. [GF] - O Bernardo Ferrão. [RF] - Foi o primeiro. / E, ao mesmo tempo, ali na Faculdade de Letras, o Joaquim Ferreira Alves, publicou também sobre os Almadas, a sua tese que foi editada em livro pela Câmara em dois volumes. [GF] - Os traçados dos Almadas, constituíam quase um verdadeiro plano. [RF] - Como aliás o próprio Bernardo já defendia. Tanto é, que ele refere que não é por acaso que eles traçam aquelas ruas, e aquelas praças, e renovam a Ribeira. Portanto a história urbana, no sentido de uma afirmação de ideia de cidade, começa aí. [GF] - E ainda, o plano do Paiva. [RF] - Do José Francisco de Paiva, que é aquela planta que está um bocado degradada cor de laranja, planta de 1820 a 1824.... porque o homem morreu em 1824, mas deve ser mesmo à volta de 1820 (da Revolução Liberal de 1820 como consequência da revolução). É também um plano porque também tem uma série de traçados de novas ruas, e de edifícios a construir ou em construção. [GF] - Depois, a Annie Günther, sobre o período do regime liberal? [RF] - A tese de doutoramento, sobre o Porto Liberal, sobre as consequências urbanas da revolução liberal. [GF] - Portanto a apanhar o final do século XIX e o princípio do século XX. [RF] - A Annie ainda não tinha apresentado a tese. E perguntou-me “O que é que achas?” / “Está escrita como um relatório da polícia, porque é muito minuciosa, muito bem documentada, mas falta aqui uma parte mais poética mais literária”. 7 Do Porto ainda no período correspondente ao princípio do século dezanove existe a planta do Costa Lima, que corresponde à cidade da revolução Liberal. Seguem-se as plantas do início do Fontismo. A do Perry Vidal e a do W. Clark [GF] - E depois tem-se o plano escrito do Correia de Barros acho que da década de 1870s. [RF] - De 1874. Correia de Barros era o presidente da câmara. E faz esse plano, um plano escrito, em que propõem entre outras, uma ligação da saída da Ponte do Luís I até à praça do Infante, que depois nos anos 50 vai dar o túnel. E propõe uma série de mercados (na altura muito importante na cidade liberal) de que resulta o mercado de Ferreira Borges, e os projetos para um mercado para o Marquês e outro para as Carmelitas que nunca se fizeram. / O plano é consequência do Código civil, e da época em que é preciso fazer leis sobre a propriedade, organizar a cidade (particularmente os mercados), e definir quem é que é proprietário do quê e quais os seus limites. O Código civil funcionou como regulamentação até 1952./ E esse plano embora não desenhado, apenas escrito foi sendo concretizado até à planta de Telles Ferreira… [GF] - A planta de 1892, mais uma vez, é mais um levantamento da cidade, mas com a parte de plano, porque constam vias novas a tracejado. [RF] - Sim. Os do Correia de Barros e das novas construções na cidade e o aparecimento dos transportes urbanos, como o americano e depois o elétrico. Depois os Planos da Avenida, os Planos do Cunha Morais e do Ezequiel de Campos e os Planos dos Italianos. [GF] - O Piacentini, arquiteto urbanista dos 40. [RF] - O Piacentini era o arquiteto que tinha feito o plano da universidade de Roma, e entre outras coisas fez a via da Conciliação a via que vai até ao Vaticano. Ele depois foi contratado para fazer o Plano de Urbanização do Porto. [GF] - E não veio e acho que a câmara até se pegou porque queria que ele viesse… [RF] - Não. A coisa é mais complicada. Foi contratado em trinta e oito, trinta e nove. Ele não veio cá, mas mandou dois colaboradores que analisaram a cidade e depois o Piacentini ainda mandou uns desenhos. Deveria haver umas reuniões que deviam ser feitas aqui, com o Almeida Garrett e outros da Câmara, mas, entretanto, começou a guerra, e além do mais ele estava a fazer o plano da EUR que era a grande Exposição Universal de Roma de 42, mas da qual só ficou feito aquele Coliseu aos quadradinhos, o Palazzo della Civiltà Italiana, um edifício torre que é muito conhecido. Um dia destes apareceu na televisão quando fizeram lá a corrida de fórmula E. À volta daquilo. [GF] - E pronto e começou a guerra e, portanto, ele ocupado com isso, e já não veio cá. [RF] - O Almeida Garrett e a Câmara acabaram por se chatear, já que ele ainda exigiu um levantamento atualizado da cidade, e acabaram por o despedir e por anular o contrato. [GF] - Portanto é o Almeida Garrett, professor da FEUP. [RF] - Sim… Depois contrataram o Muzio, o Giovani Muzio, um conhecido arquiteto que era de Milão. [GF] - E havia também essa rivalidade histórica entre a Roma e Milão. [RF] - Mas o Muzio veio cá e produziu um conjunto considerável de propostas que vieram a ser utilizadas posteriormente. Mas o evoluir da guerra não lhe permitiu também continuar. [GF] - Dos anos da guerra mesmo… A morte do Duarte Pacheco em quarenta e três. [RF] - Exato. A morte do Duarte Pacheco em 43, também, mas sobretudo os anos mais quentes da guerra e a queda do regime de Mussolini já perto do final da guerra. [GF] - Estava a Europa em guerra… ele vir de Itália até cá… [RF] - Já havia viagens de avião, mas ele vinha de comboio. A Itália estava em guerra, mas não havia problemas de passar pela França e Espanha. [GF] - Em Portugal era o Salazar… Alguns países divididos entre Alemanha e Inglaterra muito tempo… [RF] - Houve mesmo um plano de Hitler para invadir a Espanha e também Portugal. Esse plano só morreu porque o Franco se opôs. [GF] - Quando foi a guerra… Quando se sai fora disso… estamos a reconstruir a Europa. [RF] - Depois da Guerra o Almeida Garrett faz o Plano Regulador do Porto nos anos 50 e o Robert Auzelle faz o Plano Director de 62. / Só depois do 25 de Abril se fazem os Planos do Duarte Castel Branco de 89 e finalmente o Plano do Manel Fernandes de Sá de 2005. [GF] - Inicialmente o regulamento geral das operações urbanas. [RF] - O RGEU é de 1952! Até aí era o Código Civil, o Regulamento sanitário de 1903 e as posturas camarárias. / E o que é que eu ia dizer mais? Depois ainda existe o plano do Cunha Morais, homem da fábrica de fiação ali em Gaia, que em 1916, fez um plano, que apresenta como “Os Melhoramentos da Cidade do Porto”, por seu gosto pessoal e republicano, que é um plano da parte ocidental da cidade, todo estruturado em grandes avenidas e rotundas, incluindo a rotunda e a Avenida da Boavista. / Propõe a deslocação do centro para a praça Carlos Alberto, e uma paralela à Boavista, que vai até à Foz. É um plano interessantíssimo. [GF] - 1916? E o Barry Parker. [RF] - Portanto, Cunha Morais conhecia os planos para a Avenida de Cidade. Porque, entretanto, em 1915 vem para cá, convidado pela Câmara, o Barry Parker que projeta o plano da avenida central. Que se estende depois para a avenida da ponte até à ponte Luís I. Portanto é um plano fundamental para o centro, com uma grande qualidade, e que foi o único plano, com algumas alterações, que foi concretizado até ao fim. [GF] - Houve alterações, praticamente a arquitetura. Do Marques da Silva, etc. Mas a estrutura da avenida, é e era, do Barry Parker. [RF] - A estrutura é a mesma. O popularmente chamado “bacalhau” pela sua forma. / Barry Parker, ao centro da avenida propunha o que então se chamava de parterre, um conjunto de canteiros aproveitando o rio de Vila que por ali corria. No projeto do Siza da 2001 foi um pouco mineralizado. XXXIX. [RM/GF] - Foquemo-nos agora na cidade Porto, centrando-nos no século vinte… propomos selecionar com critério(s) as construções marcantes. / (Pronto partilhar-lhe que em teremos de enquadramento histórico publicámos dois ou três artigos até ao século XX)./ Pode-se contar a história da cidade a partir de equipamentos e da relação deles. Passemos então a percorrer a história do Porto, com os comentários e memórias do Ricardo. [RF] - Ah. [RM/GF] - E alguns são importantes em termos do despertar tipologias de relação. [RF] - Vejam-se desenhos do Rogério de Azevedo. [RM/GF] - Interessa atender a plantas. Por exemplo, um do Rogério de Azevedo. [RF] - São publicados os desenhos da evolução do Porto medieval a que eu acrescentei os desenhos do Gouveia Portuense. [RM/RF] - Identificam-se edifícios marcantes. Atenda-se a plantas não isoladas, mas sobre o antigo. [RF] - Exato. [RM/RF] - Do Ezequiel. / Para dar uma explicação de como é que a cidade foi progredindo - radiocêntrica. [RF] - Tem a ver com o plano do Ezequiel de Campos em que ele traça um conjunto de semicírculos para mostrar a evolução da cidade. [RM/RF] - Já há uma identificação de alguns de equipamentos antes do século vinte. [RM/GF] - Atenda-se à planta anterior a esse processo. A avenida. [RF] - Ah. [RM/GF] - Já sobre 1920s, atenda-se em planta ao surgimento de projetos marcantes. / A abertura dos Aliados começa em 1916, precisamente com a demolição da Câmara. O projeto é de 1915. [RF] - Em 1920 começa com o lançamento da primeira pedra do edifício da Câmara que só acabou em 1957. [RM/GF] - Destacar equipamentos como o projeto São João. [RF] - O São João é um projeto do Marques da Silva que veio substituir o antigo Teatro vítima de um incêndio. É um edifício que alterou significativamente o espaço da praça da Batalha. Foi demolida a pequena capela da Batalha. [RM/GF] - Embora digamos como marcos, quer alguns equipamentos de raiz quer reabilitações. [RF] - Algumas reabilitações de peso, foram tentando ter uma intervenção urbana, como é o caso do São João, e o caso dos Aliados. Isto também está no livro que eu fiz sobre os Aliados. Ah sim, eu estendi o centro do Porto, a toda a envolvente. Mas não está lá tudo não, ficava muito extenso. Por isso, fizermos só uma peça sucinta. Era essa a dificuldade. [RM/GF] - A lista de edifícios marcantes do século XX seria extensíssima. Podemos reunir várias, bibliografias. Destacamos 5. Por exemplo o Guia da arquitetura moderna. Da Fátima Fernandes, ou do Paulo Rapagão; Também um pequeno apontamento de obras de 1991 a 2001 do arquiteto Alves Costa; o outro guia da arquitetura já do norte e centro de Portugal do Nuno Campos; e o IPAX XX. [RF] - E a partir… dos guias históricos e turísticos da cidade do Porto. Por exemplo há o Guia do Porto Illustrado, de 1910, um livrinho de capa vermelha que existe na biblioteca da FAUP. O Guia que tem capa vermelha, de 1910. [RF] - Embora publicado em 1910 ainda é do tempo do da monarquia. Tem umas fotografias do Aurélio Paz dos Reis, não do Alvão, aliás muito fraquinhas. Reproduções ainda muito fraquinhas, mas tem algumas referências aos edifícios e às lojas comerciais na publicidade. [GF] - Temos obras de 2001, de 1901 a 2001. [RF] - A dificuldade de muitos desses guias é relacionar os edifícios com a própria evolução da cidade, com a cultura da cidade. [RM/GF] - Os marcos - equipamentos especiais face a restantes outros - surgem referidos repetidamente nas referências bibliográficas que existem. [RF] - Exato. As referências bibliográficas, a que eles são referenciados e esse equipamento especial face aos restantes… [RM/GF] - Por exemplo a estação de São Bento que em 1910 ainda está em construção. [RF] - E também o S. João. [RM/GF] - A casa de Ricardo Severo. [RF] - A casa do Ricardo Severo é mais importante pela arquitetura do que propriamente pela sua inserção urbana. É periférica, junto à Boavista. [RM/GF] - Também relevam alguns grandes edifícios de habitação. / Destaca-se os armazéns Nascimento, do Marques da Siva, arquiteto sobre quem se destaca o livro do António Cardoso. [RF] - Que também, é uma exceção como aliás todas as obras do Marques da Silva, que se podem consultar na Fundação Marques da Silva. / A faculdade andou a digitalizar muita coisa, mas muitas poucas peças, foram para o formato digital. E a biblioteca municipal também digitaliza muito pouco. A biblioteca nacional por exemplo é ótima. E sobre o Marques da Silva, a tese do António Cardoso está de certeza digitalizada. [RM/GF] - Acresçamos referência à brasileira do Oliveira Ferreira. E na década anterior o edifício dos Fenianos, acho que do mesmo arquiteto. [RF] - Sim. E o edifício da Casa Inglesa, na esquina de Santa Catarina com Passos Manuel onde tive o atelier. 7 A Brasileira. A Brasileira que é do Oliveira Ferreira. Mas é construído na década de dez. [RM/GF] - O Nacional de 1924. [RF] - O Nacional que com o edifício do Banco Inglês marcam o arranque da Avenida. [RM/GF] - Nos anos 20 e anos 30. [RF] - Os edifícios dos anos vinte anos e trinta, tem sido digitalizados, e estão disponíveis no Arquivo Histórico da Câmara. Por vezes é difícil e é preciso andar à procura. Mas se uma pessoa puser por exemplo. Oliveira Ferreira, aparecem todas as obras que eles têm digitalizadas. [RM/GF] - O teatro municipal… e assim José Júlio. [RF] - José Júlio Brito. Que projetou o Teatro Rivoli no início dos anos trinta e que provocou a abertura da rua Magalhães Lemos e posteriormente da praça Dom João primeiro. [RM/GF] - Rogério de Azevedo. É fundamental a Garagem do Comércio do Porto também. [RF] - Com o edifício do jornal O Comércio do Porto e a Garagem. O edifício do Jornal voltado para a Avenida com uma arquitetura mais consentânea com a estética da Avenida e a Garagem, por se localizar nas traseiras entre aspas e por ser um programa novo com uma arquitetura radicalmente moderna com uma estrutura inovadora. Irá provocar a abertura da praça Filipa de Lencastre e posteriormente com o Hotel Infante Sagres a abertura da rua de Ceuta. [RM/GF] - A garagem do Comércio, é uma situação urbana de gaveto, e no interior marcada por rampas. [RF] - Ah. [RM/GF] - Bem como a Garagem Passos Manuel. [RF] - Que é um projeto muito interessante. O projeto inicial tinha uma torre muito mais alta como depois o Coliseu, quando os edifícios, particularmente de cinemas e garagens, pretendiam ter elementos ou corpos publicitários. / A garagem Passos Manuel do Mário de Abreu em estilo Art Déco, é feita para a família do Carlos Ramos. Uma relação muito interessante, é que o meu tio, um dos meus tios avôs Sá Caneiro, que também se chamava Francisco ligado ao banco Borges, era um tipo magnífico casado com uma alemã. Viveu no último andar, que tem uma habitação, que é atualmente o bar “Maus Hábitos”. Ele dizia que era a única pessoa que vivia num quarto andar e tinha o carro à porta, e é verdade. [RM/GF] - A Garagem Passos Manuel por causa da inserção do automóvel. Como não havia tradição com o programa, permitia propor arquitetura e arte moderna. [RF] - O peso cada vez maior da vida e da arte vinda da França e o automóvel fazia parte dessa modernidade também. O projeto de uma garagem era uma coisa inteiramente nova que permitia… Ou melhor, ninguém ia fazer uma garagem com pilares e colunas jónicas, podia fazer, mas… tinha de ser um edifício funcional destinado a automóveis. [RM/GF] - O Coliseu. [RF] - Relativamente ao Coliseu também tem uma coisa, uma referência pessoal. Na infância ia ver os Circos que eles exibiam pelo Natal. E depois mais tarde assisti a concertos e a outros espetáculos no Coliseu. Quando tinha o atelier ali em frente no edifício do Oliveira Ferreira, nós íamos às sessões do Coliseu, pagámos vinte e cinco tostões e íamos lá para cima para o chamado galinheiro. Víamos os filmes de aventuras, as Coboaiadas, os filmes que ainda passavam. / [RM/GF] - Os variados edifícios marcantes dos vários períodos do Porto do século XX, diferem em linguagem, em programa, inserção urbana, e mesmo dentro da inserção urbana variam em termos de escala, e diferenciando entre edificado novo de raiz ou reabilitação. [RF] - Sim. [RM/GF] - Acresce o Soares Marinho? Na D. João I. [RF] - O edifício do Rogério de Azevedo o chamado arranha-céus por ter 9 andares. E do outro lado o Palácio Atlântico. A rua Magalhães Lemos ainda era fechada. Nas fotografias da época ainda se vê a rua fechada. [RM/GF] - Era chamado o arranha-céus, porque devia ser único no Porto que tinha ou 9 andares. [RF] - Até aí só havia edifícios cinco andares a maior parte dos quais na Rua Mouzinho da Silveira. Era, curiosamente, até aos anos quarenta o máximo era 5. [RM/GF] - O edifício do Rogério de Azevedo onde tinha o café Rialto… é dos finais de anos trinta, mas é inaugurado já nos anos quarenta. [RF] - No edifício em 1944, abre o Rialto, um café com painéis de Abel Salazar. Fechou em 72 para dar lugar a uma agência do banco. / O próprio arranjo da praça é um projeto dos anos trinta, que já está tudo para construírem do lado norte. Não havia o palácio Atlântico, mas fazem o prolongamento da rua Passos Manuel, que depois se chama de Magalhães Lemos. Depois do outro lado da Avenida abre-se a rua Elísio de Melo, que depois deu a praça Filipa de Lencastre. Não é por acaso que é a praça Dom João primeiro de um lado, e a praça Filipa de Lencastre do outro. / E mesmo a toponímia é uma coisa, é um especto da cidade do Porto que as pessoas às vezes ignoram. Por exemplo não é por acaso que a rua Fernandes Tomás vai dar ao campo 24 agosto, que é a data da revolução liberal. / Mas é interessante que esse eixo nascente poente, que se vai criando da Praça dos Poveiros até à rua José Falcão seja onde esses edifícios modernos se vão construindo. A garagem Passos Manuel, o Coliseu, o Olimpia, a Casa Inglesa, os armazéns Nascimento, o edifício do Rialto e o Palácio Atlântico, o Rivoli, a garagem do Comércio do Porto, o Infante sagres e a rua de Ceuta. E muitos outros que não tem tanta notoriedade. [RM/GF] - O tal de um Rogério de Azevedo no e depois é que a praça a rua Passos Manuel é prolongada e se terá acesso a praça Dom João Primeiro. [RF] - E ao mesmo tempo que se traça a praça Dom João Primeiro pelos mesmos que também projetaram o edifício do Banco. A ARS. A praça era para ter as estátuas de D. João primeiro e de Dona Filipe de Lencastre. Mas acabou por ficar com os cavalos. / A praça Dom João Primeiro, que eu conheço muito bem, porque o escritório do meu pai era ali na rua do Rodrigues Sampaio e vi dali as obras da praça Dom João I. Depois puseram a fonte, uma fonte luminosa. O repuxo era giratório. Na primeira vez que puseram aquilo a girar, encharcaram toda a gente que estava nos edifícios à volta. Acabaram com a ideia giratória. Mas continuou lá a fonte até à Porto 2001. [RM/GF] - Só com a 2001 com um projeto do Alexandre e do Sérgio foi para o Marquês. [RF] - É agora está no Marquês. Não tinha sentido, diga-se de passagem, a praça Dom João I em 2001. Era uma paragem de autocarros. A única intervenção que eu defendo na 2001, é a praça Dom João do Alexandre e do Sérgio. Realmente eu, acho que a praça melhorou e até escrevi isso. [RM/GF] - A farmácia Vitália e os armazéns Cunha. Quiçá por ali primeiro edifício que uma fachada moderna. [RF] - Tudo bem. A fachada da Vitália é composta quase como um cartaz, chamando a atenção de ser uma farmácia. / E ali perto o Instituto Pasteur na rua dos Clérigos, o único projeto no Porto do Keil do Amaral, importante por ser o primeiro edifício que pretende modernizar a fachada no sistema dos edifícios de parcela estreita. [RM/GF] - O Alexandre Herculano do Marques da Silva, de projeto ou construção entre década de 10 e 30? Ou o Rodrigues de Freitas inaugurada por vota de 1929, das mesmas aturas pelo mesmo arquiteto. [RF] - Bom, o Alexandre é mais precisamente de 1934, o projeto é de 1912. O Rodrigues de Freitas. foi inaugurado em 1929, mas também o projeto é anterior. Quando eu lá andei estava lá escrito, que foi inaugurado pela Ditadura nacional. Não sei se tiraram a placa. Os Liceus do Marques da Silva correspondem a uma tipologia das escolas secundárias da época e que nos anos trinta se mantem no programa dos liceus do concurso então realizado por todo o país e a que concorreram os modernistas: o Carlos Ramos, o Cristino da Silva, mantendo a divisão espacial, mas utilizando uma linguagem moderna. [RM/GF] - O edifício da antiga Faculdade de Medicina do Porto. [RF] - Do Rogério de Azevedo e do Baltasar de Castro. Houve um primeiro projeto, mas depois foram eles que realizaram a nova Faculdade de Medicina, numa arquitetura que respeita o neoclássico Hospital de Santo António ali ao lado. [RM/GF] - Não é interessante por causa da relação com o Hospital de Santo António, da antiga escola medica ou cirúrgica. [RF] - O edifício foi substituir a antiga Escola Médico Cirúrgica. [RM/GF] - O edifício da coisa cooperativa do Pinheiro. Penso que 1927 ou 1935. [RF] - Aquele edifíciozinho do Losa no Pinheiro Manso. Esse é mais antigo. / As casas do Jorge Viana, há uma que tem uma janela com um desenho extraordinário. [RM/GF] - 1939, Barros. [RF] - Ah. [RM/GF] - O prédio de rendimento. [RF] - Os edifícios dos anos 30 e 40 da rua Sá da Bandeira que é toda edificada nessa altura, com edifícios dele, do Rogério, do Júlio de Brito, do Homero e um do Artur de Almeida Júnior de 1938 para a Singer, um poderoso e moderno projeto ocupando todo o terreno entre as ruas Formosa e a travessa de Sá da Bandeira que tem uma coluna ao centro na fachada. Aliás nesses anos há outro arquiteto que é o José Ferreira Peneda. O José Ferreira Peneda que trabalhava com o Amoroso Lopes. E o José Ferreira Peneda, que tem alguns edifícios na Avenida dos Combatentes. Têm edifícios na rua Magalhães Lemos, tem na rua Formosa, tem uma série de magníficos edifícios. [RM/GF] - É um arquiteto com um grande prestígio e tem muitas obras. José Ferreira Peneda. [RF] - Tem ainda alguns edifícios na zona das Antas. Basta ir ao site da Câmara que tem lá muitos projetos muito interessantes. [RM/GF] - Sim para além de marcos edificados, as décadas ou períodos tem os seus próprios arquitetos, os projetistas que se destacam em termos de construções na cidade do Porto. / Em cada período opera um conjunto diverso de arquitetos. Por exemplo nas iniciais o Marques da Silva, corresponde a um período importância até pela afirmação do arquiteto. / Interessa-nos edifícios particulares, pela relevância urbana que possuem ou que geram. [RF] - Como estava a referir na época, nestas décadas, há edifícios com importância no desenvolvimento da cidade. Eu diria que quando é o caso esses edifícios são de bons arquitetos são os que projetam essa dimensão urbana. [RM/GF] - Edifícios que tiveram impacto para o desenvolvimento futuro da cidade, por exemplo como estávamos a falar da garagem. [RF] - São edifícios que ganham projeção que marcam as ruas ou provocam a abertura de ruas ou a recomposição de praças. [RM/GF] - O mercado do Bolhão. [RF] - O mercado do Bolhão é importante. Um bom exemplo. Pela maneira como provoca a abertura do troço final da Rua Sá da Bandeira, onde depois se edificam os dos anos cinquenta como o DKW, assim se chamava, do Arménio Losa e do Cassiano Barbosa. Aí esteve instalado o Instituto Francês que tinha uma excelente biblioteca. [RM/GF] - Muitos têm relevância por alguma coisa, como a quebra da malha urbana existente ou mesmo alinhamento. [RF] - Mas essa cuja implantação altera de qualquer jeito a malha urbana ou mesmo os alinhamentos como o edifício de habitação na Carvalhosa também do Losa com aquele pequeno recuo não é… [RM/GF] - O edifício é Carvalhosa. [RF] - Onde o Losa inverte a distribuição dos espaços interiores colocando os serviços no lado da rua da Boavista, e a sala de estar para Sul, o lado do interior do quarteirão. [RM/GF] - O Bloco de Costa Cabral de Viana de Lima. [RF] - Como é o bloco do Costa Cabral e esse até tem mais. Porque a ideia do Viana de Lima era fazer uma série de blocos todos iguais, contrariando e a rua corredor. [RM/GF] - O cinema Batalha. [RF] - Tenho de dizer que tive lá aulas de matemática com o Luís Neves Real, que era o diretor do cinema ou o dono do cinema na altura nos anos cinquenta. Era professor de matemática. Então como eu precisava de umas explicações, fui lá ter aulas com ele. Aquela curva tem muito a ver também com os cinemas na época, e com a ideia do edifício aerodinâmico. Fui lá ver muitos filmes, cheguei a ir lá fins de semana, em que ia lá uma sessão sábado de tarde, depois ia à matiné clássica no Domingo de manhã, depois ia lá na tarde… via três filmes pelo menos seguidos. E vi lá filmes como o Fellini oito e meio na estreia. / A revista Panorama. quando publicou um número sobre o Porto, com um artigo do Távora sobre a arquitetura moderna entre as obras apresentadas está o Cinema Batalha. [RM/GF] - Acho que é 1952, o número da revista Panorama em que fala na arquitetura moderna do Porto. [RF] - Tem o Palácio Atlântico… tem o Cinema Batalha. / Para a arquitetura moderna no Porto é fundamental em cada um desses cinco momentos, haver publicações, fazer uma referência e mostrar o que é que estava a ser publicado. [RM/GF] - O que é que se individualiza, ou expressa na altura, que era ansiedade, não é? [RF] - Progressista. Ainda assim, por exemplo, falo desses dois edifícios se calhar, mas em relação à imagem marcam um período da cidade. [RM/GF] - 2000, está todo o mundo… que era a ideia de cidade. Mas para ouvirmos acerca de um edifício recente é difícil, só na internet ou nas televisões… já não aprecem e já há menos revistas e mesmo jornais. [RF] - Numa citação ou outra. Pronto, há aqui edifícios que só parecem nos jornais. Referência à inauguração do Coliseu. Inaugurou isto. A dizer qual era o prestígio. Há a Garagem Passos Manuel. / E depois escreve-se os materiais. Hoje já não é assim. [RM/GF] - Esses grandes edifícios que realmente tinham um impacto na cidade obtinham referências nos jornais. [RF] - A revista Panorama é diferente, porque a revista Panorama era do antigo SPN na altura ainda ligado ao António Ferro e depois ao quando ele foi afastado no início dos anos 50 era o Moreira Baptista. [RM/GF] - O António Ferro era modernista, mas depois aplica à propaganda. Perceciona-se a influência estético-artística bem como a interferência ideológico-política nas mais variadas áreas, do cinema ao turismo. [RF] - Sim. Vista como propaganda, mas que o António Ferro definia como Política do Espírito. / Um nome e um conceito do Paul Valéry. A Panorama era uma revista turística para promover o turismo e onde foi importante aparecer esse artigo assinado pelo Távora sobre a arquitetura moderna no Porto. [RM/GF] - Desmonta o percurso arquitetura moderna do Porto, através dos equipamentos do cinema, área cultural central deste décadas iniciais aos meados do século XX. [RF] - Era a construção do centro da cidade, da baixa moderna. [RM/GF] - Acrescem edifícios reportados a seguir, nos anos cinquenta. [RF] - Nos anos cinquenta… a ideia da arquitetura moderna era a rua de Ceuta, quando o poeta Daniel Filipe falava do Porto, do Porto moderno do betão… [RM/GF] - Edifícios em betão que eram considerados supermodernos, enquanto do lado urbano tínhamos a carta de Atenas. Modelo com blocos, que que ao longo estas décadas quarenta e cinquenta opera no Porto. [RF] - Sim, blocos dos bairros camarários. Mas mais do que os edifícios a importância dos bairros sobretudo dos anos cinquenta em diante era a sua importância para expansão da cidade. Entre a cidade construída e a Circunvalação. [RM/GF] - O Porto era um centro da modernidade. Pois. [RF] - O centro da modernidade? É a Menina Nua… [RM/GF] - Na década de 1910 é [é o projeto] da avenida, que se prolonga até à década de 30/40. [RF] - Pois. nas décadas de vinte a quarenta é a construção da avenida. [RM/GF] - Portanto na década de 20/30 até à década de 40/30 estavam a abrir a praça D. João. [RF] - A abrir e a edificar. [RM/GF] - Na década de trinta a praça Dom João I e a construção da modernidade, com a construção dos edifícios modernos na rua Sá da Bandeira. [RF] - A Rua Sá da Bandeira é precisamente isso.… prolongamento da sua zona central e a construção da modernidade, ou a construção da baixa se quiserem. [RM/GF] - A recuperação da baixa são de 2001. / Mas antes disso a construção da baixa que tem a ver de facto com a rua Sá da Bandeira com a praça da Batalha. Portanto como… a pensar a Filipa de Lencastre, depois do outro lado, ou à Praça Primeiro na Praça da Universidade. [RF] - A Praça Gomes Teixeira. [RM/GF] - E do Manuel Marques, na fachada da Farmácia Vitália bem como mais tarde com o edifício do Carlos Ramos. [RF] - A fachada do edifício dos Armazéns Cunha com o Pavão e mais tarde o hospital da companhia de seguros A Mundial do Carlos Ramos no sítio onde havia os armazéns dos Anjos. [RM/GF] - Nos anos 1990/1920. [RF] - E depois prolongando, é a nova avenida aberta pelo regime da República. [RM/GF] - Todos ali a discutir a avenida. [RF] - O plano do Barry Parker foi discutido na Câmara e na cidade e depois iniciam-se as expropriações e a abertura com a construção dos edifícios. [RM/GF] - Em 1924 o Nacional. [RF] - A Nacional inaugurada em 24 e o banco inglês, em 1926 do Marques da Silva e que marcam física e simbolicamente o arranque da Avenida. / Entretanto em cima o edifício dos Fenianos do Oliveira Ferreira que é dos primeiros … se não o primeiro. De 1930 é edifício e a garagem do Comércio do Porto do Rogério de Azevedo. E ainda na rua Ramalho Ortigão outro edifício do Rogério. [RM/GF] - E a Câmara, entretanto vai crescendo. [RF] - A partir do vinte com a primeira pedra, depois vai crescendo. / Aliás é interessante, uma das coisas que eu usei para datar as fotografias da Avenida são os carros. / Mas para além dos automóveis, e para além dos edifícios de que sabia a data, a evolução do edifício dos Paços do Concelho entre 1920 e 1957. Dos alicerces, depois nos anos vinte o rés-de-chão… até aos anos trinta, depois o primeiro piso, e a construção torre já em quarenta, de seguida a colocação do relógio no final dos anos quarenta. Portanto uma pessoa, nas fotografias, que têm a Câmara, consegue-se rapidamente perceber a data da sua construção. E depois os carros também. Mas os carros têm um problema, porque os carros dos anos quarenta, principalmente com a guerra, porque não havia carros de importação, portanto, toca a usar os velhos… dos anos anteriores. Cá não se fabricavam, ou os que se fabricaram nunca tiveram grandes desenvolvimento, como o Alba de Albergaria e outros. Na história urbana do século XX, não se pode ignorar o papel do automóvel e dos transportes públicos na evolução da cidade. No Porto ou em qualquer cidade. [RM/GF] - Foi inaugurado os Paços do concelho em 1957? Começa talvez em 1924? [RF] - Começa em 1920. Lançamento da primeira pedra do edifício da câmara é em 1920. De certeza absoluta isto não tenho dúvidas. O edifício começa em 1924 com as fundações e em 1927 se tem, está feito só o primeiro piso… repare-se que no final da sua construção de que se encarrega o Carlos Ramos a escadaria da fachada é substituída pelas rampas permitindo o acesso do automóvel. [RM/GF] - E não há avenida. [RF] - Está a ser aberta e edificada ao longo das margens. [RM/GF] - Foi a Nacional a própria abertura da avenida. / A Caixa Geral de Depósitos e… [RF] - A CGD é do Pardal Monteiro, um edifício muito Art-Déco no seu interior. Uma linguagem que Pardal Monteiro dominava. [RM/GF] - Quer dizer à medida que eles abrem à avenida e constrói-se os edifícios da avenida. A Câmara vai surgindo e demora décadas. [RF] - Por ali a cima e demora dos anos 20 até ao ano de1957. Mais precisamente demora 37 anos até ser inaugurado. Por várias razões, faltas de dinheiro, alterações ao plano, e aos projetos… a difusão do automóvel, os transportes públicos, as lojas comerciais, etc. [RM/GF] - [Depois do regicídio do Terreiro do Paço de Lisboa em 1908, em 1910 a República substitui a monarquia]. Mas aquilo foi-se desenvolvendo ou confundindo, e em 1926 temos a primeira ditadura. / Aquilo era a grande obra da República no Porto, os Paços do Concelho rematariam a avenida. [RF] - Houve uns primeiros projetos o do Pezarat e um outro projeto da avenida, dos serviços da Câmara, que colocavam o edifício da câmara no lado poente da Avenida. Mas os republicanos não achavam piada nenhuma aquilo, eles queriam era um grande edifício que rematasse a Avenida. Ou melhor, um edifício que rematasse a avenida, que como não podia demolir e passar para além da Igreja da Trindade, primeiro foi proposta uma coisa inteligente. Uma câmara baixinha, em que a torre da Trindade aparece como se fosse a torre da Câmara. Mas essa ideia que era do Barry Parker não foi aceite. E surge o projeto do Correia da Silva. [RM/GF] - Há o livro do Domingos, sobre as obras dele, que inclui a Câmara e o Bolhão. [RF] - Atenção que o edifício do Bolhão que também é do Correia da Silva é importante nessa altura. Está nos vinte/trinta. Mesmo tendo havido um mais anterior. Desta altura é também uma escola onde hoje está lá instalada a junta de freguesia da Foz. O Ensino era uma das preocupações da República. É pegar no livro do Domingos está lá tudo. [RM/GF] - E o Bolhão é importante porque o Bolhão também faz cidade. [RF] - Desde a rua Formosa, que fica ali em frente, a rua Sá da Bandeira prolonga-se por ali a cima, até à rua Fernandes Tomás. Há uma fotografia do Alvão com os semáforos… dos anos trinta pendurados. Mas os semáforos eram comandados por um polícia, portanto ainda implicavam a presença de um polícia. [RM/GF] - E introduz escalas. [RF] - O edifício pois. Exato é um quarteirão que já existia. / Que tem ainda por cima a parte interior do mercado, e depois tens as lojas exteriores, que são importantes. Exatamente pela relação, dinamizam a rua Sá da Bandeira, a ponto de depois se proceder à sua abertura até à Gonçalo Cristóvão. Que já estava previsto há muito tempo, mas só nos anos 30/40 se fazem os projetos. [RM/GF] - O edifício-ponte acho que é 1955. É um concurso da Câmara…. Do mesmo tempo que o do Bom Sucesso. [RF] - Repare-se que são os dois muito semelhantes. Tem ambos um corpo em ponte por cima da rua. / O da rua Sá da Bandeira é mais interessante, porque é uma espécie de remate da zona central. Uma porta. O outro que dá para as traseiras da rua Júlio Diniz as traseiras dão para o mercado do Bom Sucesso - é menos urbano se quiser. [RM/GF] - De 1955 e é do Rica, não é? [RF] - É são os concursos da Câmara ganhos pelo Ricca e o Benjamim do Carmo. [RM/GF] - O mercado é já anos 50? [RF] - O Bom Sucesso é dos finais dos anos quarenta. O projeto é da ARS e foi inaugurado nos anos cinquenta. Eu lembro-me de ser miúdo e ir com os meus pais ao Bom Sucesso, comprar produtos alimentares entre os quais batatas. Que ainda se pesavam naquelas balanças negras e grandes… / Existe muita documentação na Câmara. A ARS fez ainda o outro mercado, o do peixe em Matosinhos. / É dessa altura, e ambos tem a ver com outra coisa. [RM/GF] - Tem a ver com a escola do betão, ou a escala do betão se quisermos. // Com a criação da rede hidroelétrica e as suas Barragens. [RF] - Que criaram uma “escola” de engenharia do Porto quando começou a formar engenheiros especialistas em betão no cálculo de estruturas de betão. [RM/GF] - Essa especialidade de construir com betão foi levada para a arquitetura do Palácio de Cristal que acho que é na 1º metade dos anos 50, para o campeonato de Hóquei. [RF] - O Palácio Cristal não, o Pavilhão dos Desportos. Em 1952 estava feita a parte de baixo sem a cúpula, mas onde se realizou o campeonato mundial de hóquei em patins. A cobertura foi construída depois em 1955. / Destas obras de betão são os já referidos mercados do Bom Sucesso, o mercado de Matosinhos e ainda mais obras, como o estádio das Antas. [RM/GF] - Portanto os grandes vãos de Betão. [RF] - A grande escola do betão do Torroja; com que insistia o nosso professor de estática, o António Cândido. [RM/GF] - E em Lisboa, por exemplo, a FIL do Keil do Amaral. [RF] - A antiga FIL, não a atual. E as primeiras pontes. / E o mercado de Arroios em Lisboa com uma planta redonda, também é uma grande estrutura de betão. [RM/GF] - A Ponte da Arrábida no Porto em 1963. [RF] - Sim, realizada entre 58 e 63. Que foi ensaiada na ponte da foz do Sousa. [RM/GF] - Com o alcance do virtuosismo da engenharia do betão. [RF] - Em 59 no liceu tivemos como professor estagiário de Matemática, um engenheiro que levou a turma onde eu estava com o António Madureira, a visitar a construção da ponte da Arrábida, ainda só com os pilares de um lado e do outro do rio. A construção da ponte da Arrábida para uma cidade que durante mais de um século apenas se chegava pela ponte pênsil e pela ponte Luís primeiro, era um acontecimento e veio dinamizar todo o lado ocidental da cidade. / [RM/GF] - Entre quarenta a sessenta, diria a Avenida da Boavista. Na altura ela estava feita, mas não estava preenchida completamente, como a projeção da cidade. Com o ramal, entre outros Carvalhosa. [RF] - E não está ainda totalmente edificada. Na altura estava apenas edificada até à rua do Pinheiro Manso ou parcialmente até à Fonte da Moura. Depois começaram as vivendas, que na altura não existiam, mas cuja construção é posterior, dos anos sessenta e setenta. [RM/GF] - E o Foco. Ou as Antas com a igreja mais ligada aos anos 60? [RF] - Quando falamos do Foco é dos finais dos sessenta e princípio dos anos setenta. [RM/GF] - A cidade do Porto também quer dilatar-se para outros lados. [RF] - Sim, não só de um lado. Sim e depois vai começar a edificação do lado oriental da Fernando Magalhães onde não existia nada, ou existia pouco, havia umas fábricas… / A igreja das Antas foi projetada pelo arquiteto Fernando Tudela, foi a sua CODA. Até aos anos 50 a Fernão de Magalhães terminava nuns campos onde depois se construiu a praça Velasquez, que depois se chamou Sá Carneiro. Havia apenas o bairro de Costa Cabral e o estádio das Antas. Foi segundo um plano da Câmara feito pelo Losa que aquela zona foi urbanizada e edificada enquanto se construía a Igreja e a Fernando Magalhães foi prolongada, até à Circunvalação. / Nos anos noventa constrói-se aquele viaduto, que não serve para nad /a, junto ao estádio, que vai dar à praça da Corujeira. Uma pessoa passa pelo viaduto - magnífico – e chega à praça onde não tem uma saída uma ligação à circunvalação… / Quando fomos para a Câmara estava em discussão o famoso plano das Antas com a polémica que levantou. O estádio do Dragão do Manuel Salgado, até é um magnífico projeto, talvez o mais interessante dos estádios do euro 2004. O estádio do Dragão, apesar das polémicas sobre o plano das Antas, tem a minha assinatura quando foi licenciado. [RM/GF] - Obrigado. [RF] - E eu tenho que me ir embora.

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