writings on architecture, design and cultural studies (incl. oporto school, portuguese architecture, critical project, drawings and photografphy, cedric price, gordon pask, and other stuff...)
10/9/25
CADM2025, Xiamen, China
International Conference on Architecture and Disaster Management (CADM2025). / Technical Program Committee (TPC) member. /
24-26 October 2025. Fortune Hotel Xiamen, Xiamen, China 厦门福佑大饭店
Gonçalo M Furtado C L /
Architect by Oporto University – Portugal, 1999.
Master by Univesidad Politecnica da Catalunha – Spain´
PhD by University College of London - United Kingdom, 2007. /
Professor at Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto. /
Membro do DFP – CeAU. /
Author of books such as:
- Furtado, G., Arquitectura portugusa e escola do porto, Porto: Textiverso, 2025.
- Furtado, G, Notas disprsas II, Liria: Txtivrso, 2024.
- Furtado, G., Trajectos, pensamento em arquitectura, Porto: CIAMH, 2024.
- Furtado, G., europa: Viagns para chgar a casa, Coimbra: Centro cultural penedo da saudade, 2024
- Furtado, G., Apontamentos sobre arquitectura portuguesa e escola, Porto: Fundação Júlio Resende-lugar do desenho, 2024
- Furtado, G., Notas disprsas I, Liria. Txtivrso, 2023.
- Furtado, G, Napkins, Coimbra: Casa da esquina, 2023.
- Furtado, G., Espacialização da Arte e do artista, Coimbra: Fonlab, 2023.
- Furtado, G., Oliveira, A., América: Utopias e transitoriedade, Aveiro: EACM Calouste Gulbenkian, 2023.
- Furtado, G., Oliveira, A., África, Aveiro: EACM Calouste Gulbenkian, 2023.
- Furtado, G., América, Coimbra: APBC, 2022.
- Furtado, G., A sobrevivência da cidade pós-industrial: Reds fluxos, bits e criatividade, Espinho: Draft, Espinho: Draft books, 2021.
- Furtado, G., Pask's encounters: From childhood curiosity to the envisioning of an evolving environment: Exchanges between cybernetics and architecture, Wien:Echoarum, 2010.
- Furtado, G., Muller, A., Póvoas, R. (eds), Gordon Pask on science and art, Porto: FAUP, 2009.
- Furtado, G., Póvoas, R. (eds), Cedric Price's generator and the Frazers' collection, Porto: FAUP, 2008.
- Furtado, G., Póvoas, R. (eds), Contemporary architectural challenges, Porto: FAUP, 2008.
- Furtado, G., Generator and Beyond, Coimbra: Semear palavras, 2008.
- Furtado, G., Afonso, R. (eds), Architecture: machine and body, Porto: FAUPublicações, 2006.
- Furtado, G., Behind the pencil: Or the construction of the critical project, Bogotá-Porto: PEI/EA, 2005.
- Furtado, G., Cruz, M. (eds), Marcos Cruz: Unpredictable flesh, Porto:Mimésis, 2004.
- Hernandez, C., Furtado, G. (eds), Off fórum: Postindustrial global city and repressed marginal design discourses, Bogotá/Porto:EA-PEI, 2004.
- Furtado, G., Notes on the space of digital technique, Mimesis: Porto, 2002.
- Furtado, G, Braz, R., (eds), Architecture and Information society, Porto: FAUP, 2002.
10/5/25
INTRODUÇÃO: SILVA CARVALHO, ESCREVER NO PRESENTE
INTRODUÇÃO: SILVA CARVALHO, ESCREVER NO PRESENTE
(Gonçalo Furtado)
i.
O escritor António Silva Carvalho nasceu na cidade de Vila do Conde m 1948, ao 18 anos deslocou-se de cidade, tendo frequentado a Universidade de Coimbra.
O presente livro - “Memória do presente” - é um livro da sua autoria, composto e impresso em 1978 pela Brasília editora do Porto, e que permanece disponível online a qualquer leitor interessado - (vd. inéditos, no website)./
Comecemos por salientar que o conteúdo do livro remete para várias vicissitudes representativas do período em que foi escrito (1967/1968). Isto é, tempos compreendidos entre o ano de 1967 - i. e. um período de vida entre a Póvoa de Varzim-Coimbra - antecedendo a partida para exilio em França ocorrida a 9 de Abril de 1969.
Bem como que, na reedição do presente livro, idealizada por Nené Menezes (companheira de António) para 2026, para além da reimpressão em papel será ainda oferecido à leitura dos interessados, um conjunto de poemas que não integravam a 1ª edição. Designadamente os de páginas 10, 15, 16, 17, 28, 30, 38, 39, 40 e 41. Sendo que a explicação para a 2ª edição do livro, com inclusão dos preditos textos, decorre das palavras do próprio autor no seu website: “Este livro, embora não seja inédito, merece figurar nesta secção dedicada aos livros inéditos, pelo simples facto de a sua primeira edição, aparecida em 1977, não conter a totalidade dos textos que deveriam fazer parte deste projecto. Esta é a oportunidade de dar a conhecer aos leitores os textos inéditos que por várias vicissitudes não foram incluídos na 1ª edição”./
Da memória do autor acerca desse período de transição decorre: “(…) eu queria na altura fazer uma carreira literária (…), E Então fiquei em França. Tentei obter o estatuto de exilado. Não mo deram. Pelo contrário, disseram que deveria regressar a Portugal e ir fazer a guerra Colonial (…). eu tinha grandes problemas com a cultura portuguesa. Quando estava m Coimbra, fui para lá com 18 anos, apercebi-me que em relação aos da minha geração tinha uma avanço cultural extraordinário, porque comecei a ler aos 14 anos e essa altura dos 14 anos ate´ aos 18 anos fez com que, quando cheguei a Coimbra e era o caloiro, aqueles doutores não me metessem medo nenhum porque eram todos uns imbecis e uns ignorantes e apercebi-me claramente que tinha que sair de portugal, isto e´, que ficar no país não levava a nada. O facto de ter vivido numa república em que entravam lá os Pids e depois saiam, mostrava que no fundo havia uma cumplicidade entre nós e os Pide. Nós íamos ao cafe´ e eles apareciam lá a revistar-nos, mas uma coisa inofensiva, inócua. A minha ideia era realmente que tinha que sair se quisesse aprender alguma coisa, porque aqui era o deserto”. – (vd. “Poretismo e deriva”, Silva Carvalho entrevistado por João Urbano, policopiado fornecido ao autor, ca.2005).
Certo e’ que Em França, teria início um 2º período na produção literária do autor, onde redigiu livros que incluem itens em francês como Eclat (Le Bonheur etc), Verseau, La Nuit, Autre Chose, e Part du Feu./
Silva Carvalho regressaria ao país apenas em 1975,
Licenciou-se depois em Filologia Românica; sendo que conforme salienta Menezes, “Terminou com um 17, mas era ele o mais irreverente”. (Email, 23.8.2025).
Posteriormente , entre os anos 80 e 2000, foi leitor em universidades. Designadamente, na Universidade da Califórnia entre 1985 e 89, na Universidade de Goa entre 1990-91, e na Universidade de Massachusetts entre 1997 e 2001.
Já no presente XXI, prosseguiu com o leccionamento no ensino secundário até 2008.
Faleceu muito recentemente, o mês passado, em Julho 2025./
No que tange à obra de Silva Carvalho, a Bibliocronologia do autor - que inclui diversos períodos para além dos antes mencionados - encontra-se disponibilizada no seu website.
Esta obra foi, maioritariamente, sendo disponibilizada em papel por um conjunto de editoras, incluindo a Fenda, Brasília editora (e.g. “A linguagem Porética”), Solcris (75 Sonetos), etc etc.
Destaca-se por exemplo um grupo de livros mais antigo editado com DL pela Brasília editora no Porto. Em particular, a trilogia Porética que é composta pelos livros: “O Princípio do Eco”, a “Teoria da Disponibilidade” e a “Crítica das representações”. A tal acresce a pentalogia Americana, sendo ainda ainda de assinalar que, pelo menos “Crítica das representações”, surgiu editado em 1995, possui ilustração de capa pelo artista Luís, irmão mais novo do escritor .
Acresce depois outro conjunto composto por uma dezena de livros, publicados com registo ISBN por editora Aquário. Tal inclui “New England”, “que estupidez”, “a experiência americana ao vivo”, “Mediocridade”, “Caos, indelével inefável”, “O rito diário de um hipocondríaco”, “As estações”, “Trioogia fática” (dedicado “ao Manuel Lopes, um grande amigo”), “Díptico musical”, “Cypress walk”, Sendo que o último livro desta editora será intitulado em 2025 “Como se nada fosse”. (vd.https://ineditos.silvacarvalho.com/comosenada.pdf).
Suceder-lhe-á o início previsto de nova entidade editoria, que será denominada previsivelmente como “Porética edições”, destinada a editar outros livros que estão divulgados online no website.
Mais dizer que nos endereços eletrónicos dos websites: https://silvacarvalho.com/ e https://ineditos.silvacarvalho.com/ - se encontra, ao que penso, criteriosa e estruturadamente disponibilizada a totalidade da obra./
ii.
Em “Hayden Carruth, um poeta americano” (vd. A Linguagem Porética, p.8-9) o autor tece esclarecimentos relevantes a pretexto do impacto que teve em si a leitura do ensaio “A Meaning of Robert Lowell” de 1967: “Foi como um choque. Daqueles que se sofre com uma espécie de revelação, como o fora a leitura de Sade e de Lautréamont, nos meus tempos de Paris, ou a dos extraordinários livros que Blanchot nos oferece, ou a desse la Revolution de la Language Poétique, de Kristeva, que nos abre de par em par, ou ainda desse pequeno livro de Barthes que fui roubar ao seu famoso e mal lido le Plaisir du Texte, para servir de introdução ao meu já distante e sempre desconhecido, como se deve, Memória do Presente”. Não só pelo que aí se diz sobre Lowell (…), como, e sobretudo, pelos 2 capítulos finais, de teor mais geral, onde se faz uma leitura dos momentos literários que aconteceram no ocidente nos últimos 100 anos. Que, assim de repente, me diziam mais, sobre o que tenho andado a fazer, do que milhares de horas a sonhar, como sonhei com uma ESTÉTICA que desse a oportunidade ao leitor de se aperceber do que de novo e de essencial percorre os meus textos.
Estava ali, diante de mim, a possibilidade de agarrar o que viera fazendo paulatinamente nos últimos 20 anos, às vezes inconscientemente, outras vezes com a grave noção de saber estar a cometer um crime de lesa-literatura. (…)
O começo da minha ousadia textual estava aí explicado, sugerido, comentado, e a minha ‘Estética da Estupidez”, apenas esboçada, como apêndice, no final daquele que será o meu próximo livro a publicar, ‘Da Estupidez’, aparecendo-me agora como um novo fulgor e todo um outro significado. Uma revolução, meu caro leitor”.
E, no ensaio “O poretismo” (vd. Ibid, pág. 50ss), afirma o autor: “No que me diz respeito, e para efeitos de compreensão da minha própria obra, eu vejo o seculo XX português, dividido em 3 momentos muito precisos. O Modernismo, que corresponde à obra de Fernando Pessoa (1888), o Pós-modernismo, que corresponde á do Jorge de Sena (1919(, e a época que corresponde à minha obra (nascido em 1948), a que eu chamo, já que ainda não há nome, o Poretismo. (…). Caracterizo a Escrita Porética como tendo (e tendo em conta) a experiência da minha vida-escrita, ou da minha vida-obra).”/
Relevante de sobremaneira, é observar que a abordagem da escrita por António Silva Carvalho decorre das palavras do próprio autor, ainda no livro intitulado “Que estupidez”: “Interessa-me (…) escrever, escrever o que estiver a viver, o que tive que viver, o que for vivido enquanto se escreve". “(…) Neste tipo de escrita, (…) não há nenhuma transfiguração. Nem há muitos verbos remetendo-nos para muitas acções, nem há muitos termos literários dando conta da especificidade do real, há só a língua na sua repetição possivelmente fastidiosa e inconsequente (…)."
A sua linguagem porética foi alvo, posteriormente ainda de alguns escritos/reflexões; Podendo destacar-se e.g. ensaio pelo próprio autor, acessível no número 9 do revista “Nada”.
Recorda Mané ser "um novo género literário”. Sendo o “ ’Livro Porético, uma outra maneira de se viver a literatura’ citando o seu criador”, como recentemente me escrevia a mesma (i.e. 17 julho 2025)./
iii.
Conheci o escritor António Silva Carvalho em Lisboa, num qualquer ano – ca. 2000-2002? , Sendo que, desse período recordo o lançamento na Lux de um dos números da revista “Nada” (direcção de João Urbano); bem como palavras trocadas em Sintra, etc.
Correspondendo a um pedido do António, escrevi em 2002-2003? sobre o antes referido livro “Que estupidez”. Um livro, nas palavras do João Urbano: “… determinante e de viragem na sua obra (…), em que começa a tactear um conceito futuro (…´) que s tornará central na … obra: a poretica”. – (vd. entrevista “Poretismo e deriva”)
O que pessoalmente escrevi sobre o livro “que estupidez” foi por Silva Carvalho reproduzido na contracapa do livro “Mediocridade”. Parece-me significativo voltar a transcrever o então sintetizado:
“MEDIOCRIDADE: Algures... Num tempo que não o que aqui ficou inscrito.
‘Que estupidez!’ é uma coisa-livro de chacha (Heidegger) que se constrói paralelamente ao discorrer do pensamento autobiográfico e da presentificação da temporalidade quotidiana-VIDA.
A ‘prática narrativa porética’, intuída pelo próprio autor há mais de uma década, ‘abre caminho’ pela renúncia dos protocolos do poder literário. Propõe ‘a linguagem porética e umas estéticas da imperfeição e da estupidez, contributos possíveis para a compreensão de uma outra maneira de viver a escrita e o literário’ pós-modernos’. (p.88)
Não há história. Porque a experiência histórica afronta-se pela temporalidade pós-moderna introduzida pela ‘heteronímia vertical’ (Carvalho) de ‘petits récits’ (Lyotard).
Não há género ou estilo. Porque, entre outras coisas, se privilegia a explosão léxical, a fracturação híbrida, a hesitação (Kierkegaard), o contorno aproximativo (Rorty), o desvelamento catacrético (Derrida), um conteúdo e espaço-tempo reticulares...
Há sim, uma ‘estética da estupidez’ defronte a um real inespelhável; e uma ‘estética da imperfeição’ (Stevens) sem as ilusões do perpetuado decoro estético.
Não há narrador ou autor. Porque se aceitou a desmistificação da autoridade do artista-escritor romântico e da falsa autenticidade. Basta a este ‘escrevedor’ ser um homem, que mediocremente escreve a vida taquigraficamente num screen que lhe recusa palavras e apaga o texto. Sem outro propósito que não o terapêutico para a solidão e o terror da morte, na carne de um corpo que sofre entregue ao desconhecido.
Mas ao trazer a vida do seu ser individual à escrita, questiona a sua própria práxis linguística, e, num sentido mais lato, problematiza a relação homem-língua-escrita”.
iv./
Desde o início dos anos 2000 recebi diversos livros gentilmente me enviados pelo António, como e.g. o “Mediocridade”, etc. E, em 2005, contribui com outros académicos para colóquio organizado na Biblioteca Silva Peixoto na Póvoa do Varzim, com o explicito titulo “O Fim da Poética e o começo da Porética”.
Por entre os milhares de livros da minha biblioteca armazenada numa garagem, procurei o saudoso “Que estupidez”.
Encontro-o com um envelope da Aquário editora, com apartado nº3 em Sintra. Ao abri-lo encontro uma dedicatória manuscrita “Para o Gonçalo Furtado, com um grande abraço de amizade do Silva carvalho”. Comove-me. Na página 7: “Ao meu pai”. E, a partir daí, prosseguem os 86 capítulos integrantes do livro, sublinhados/anotados, a bic e não a lápis… mas respeitosamente, dada a leveza do traço e o facto de bem saber sempre usar bics e não lápis.
Algures perto, encontro a impressão de um email seu de 4 abril 2005: “Para confirmar que o coloquio será no dia 6 de maio começará às duas e meia. Já enviei um outro exemplar para a Figueira da Foz do último livro. Se tiveres perguntas a fazer, por favor apita. Um grande abraço”.
Por fim, encontro 2 folhas pautadas com um carimbo da faculdade onde ainda leciono, manuscritas com tópicos para a minha comunicação oral sobre no colóquio.
Consigo-as parcialmente decifrar e esforço-me por tentar voltar a ordenar/articular. Partilho pois:
“S.C. / escrvinhar sobre organismos efémeros em paisagens imensas.
Voz – Instituição poesia. (Tocar, olhar). Conheci, debate [?] transdisciplinar, Discoteca de Lisboa. Medicina - … Tras [?]. Leitor – EUA vida - / Sintra. – / efemeridade. Espaços, escrvinha ser-vivo. / Paisagem imensa. Casa. Interno [?] organismo – Morte.
N. Caracterizar prática, ‘escrvinhar’ – Muito para lá do pósmodernismo. / Abertura [Umberto] eco. Morte do autor.
Como arquitecto – Tectónica do seu pensamento - método.
- explicitação POReTISMO (96) -
Influencia que supera – Limite[s?] Desconstrução - / Consciência pósmoderna [da] incomensurabilidade. / - Volatilidade [do] signo – Comunicação. Trabalho [nas[ margens. Sobre autor [-] assinatura.
Caminho. – Ausente. – Desconstrução + Act[o?] – método – (Revela-se inevitabilidade [de] escrever ).
Possibilidade de abertura. – Fronteira. – (Margem – espaço [na[ página).
Estética Provisória [;] não idealista). – Imperfeita?
Inventa. Efeitos [? na] língua [?] – Problematiza. / (Protocolo [do] poder literário). – Relação homem-língua-escrita.. Fusão [? de] opostos. (Autorizado-reproduzido na paisagem. Língua [?]-escrita. – Reprimida. Subterrânea.
Que estupidez.
espaços- mortalidade [da] vida [de] Silva carvalho.. / Quotidiano da vida. Literário, acto de escrever.
Como em todos [os outros] livros que generosamente chegam por correio em momentos inesperados, surpresa amizade a que não posso senão retribuir./ Não história. (espaços a-históricos). Não género-estilo – espaço rizoma – Hibridez – Catacrese. Não há autor-narrador – escrvinhador em terapia para solidão. Terror [da] vida-morte. Não há leitor – ele e´ o próprio outro.
eFeMRIDADe [?] eSCRITA – VIDA -» Tectónica. / Paisagens (estrada-piscina). [Básico ?] corpo. Objectos (Lgus?, futton). Presença/olhar [apaziguador] da mulher. / Sentimentos amor-ódio [; sobre a] doença [;] Suicídio. eSpaço literário – Filosofia (Música, gastronomia).
Só habita - este homem [;] ocorre [na] escrita. (*Não nos confere autoridade [;] Silva Carvalho).
Grande humanismo (que critica) [-] Atopia [?] (a totalitarismo) civilizacional. -» Mundo abstração metalinguística – Que e’ habitar sua escrita. -» Consciente que não ´escrito[?,] que o transforma.
Quem habita [?] a vida ( [porque ?] inscritos que por nós falam. Poder literário que resiste [construído?] / (espaço efemero tectónico). -» - e´ possibilidade Derridarina [,] habitar tempo que ficciona sobre liberdade [da] nossa fala.” (in: GF, Notas do autor, ca.2005)./
Numa 2º folha, anotei mais sinteticamente e com outro instrumento no decorrer do colóquio:
“escrivinhar sobre organismo efemeros em paisagens imnsas.
efemridade do organismo sobre a paisagm imensa e suas ideias.
- A tua voz no espaço da instituição-poesia, e os espaços em que escrivinha a sua vida.
(Voz - desconstrução / p[or] poretica vs pós-modernismo.
* A voz, mão, olhar de Siva Carvalho.
* A efmeridade do organismo.
* A morte.
- espaços descreve a vida (vs o interior orgânico) (Morte).
-Paisagm. / - S.C.”
(in: GF, Notas do autor, ca.2005)./
A 7 de Maio 2005, após o colóquio, escrevri-lhe a pretexto desse evento: “Caro amigo escrivinhador perético Silva Carvalho. Disfrutei muito a tarde de ontem em redor da tua obra. Queria telefonar-te a desejar-te boa viagem de regresso a Sintra, mas só tenho o teu telefone fixo. Espero que meus comentários de ontem para os 20 minutos que sugeriras tenham correspondido ao pretendido, apesar do meu cansaço e de que não previa nem pretendi encaixar-me de forma académica.
Aproveito para te escrever um comentário que pensava agora... gostei mesmo muito da comunicação do Frias Martins que me pareceu a mais inteligentemente focada na tua obra (penso que algumas abordagens pecavam por focarem a tua obra demasiado sobre as filiações-matrizes de cada critico, frequentemente alheias as referencias pós-modernas em que tu próprio incluis o teu trabalho) e também a mais honestada e generosamente propositiva. Penso que os comentários finais que emitiu sobre o futuro da tua obra, reflectiam atender ´com acutilância a´ esfericidade da tua obra-vida, as características do teu acto enquanto escritor-homem e do tenso relacionamento que deverias persistir em manter com a instituição literária. Como ele, também penso que não há nada de paradoxal na tua massiva e anti antológica produção, na tua paradoxal dialética de afrontamento e reclamo de prestigio, etc Essas são precisamente algumas das características motrizes daquilo que escreves e que tenho tido o privilégio de constatar em cada livro que me envias: um problematizar esteticamente conceptual e complexo da vida que ocorre no literário e do literário que te marca a vida.
Deixo um grande abraço amigo, cumprimentos teus, e ficarei sempre aguardado noticias tuas”./
v.
Antes de se avançar para a leitura do presente livro – para que acedi escrever a presente introdução a pedido de esposa do seu autor – gostaríamos de partilhar algumas breves comunicações pessoais que íamos trocando no período das seguintes duas décadas que se seguiram no presente século XXI. Metodologicamente pautando-nos pelo defendido pelo António, isto é, da escrita ser uma reprodução real do vivido.
Revisito pois a minha caixa de correio eletrónico, e deparo-me - com nostalgia e muitos sorrisos - com diversos emails trocados, designadamente após o meu regresso de Londres onde residi entre 2004-2007. Datado de 7 de maio de 2005, encontro postado no meu blog uma mensagem ao António. Entre 2008 a 2012, noto que prosseguem os desejos de boas festas, convites, e demais. E em correspondência com o início de numa nova fase da vida e década, escrevia-lhe por exemplo em 23.1.2012: “Estimado amigo. Anexo convite para festejarmos o 1º aniversário (26 Janeiro) do meu filhote em Coimbra. Ficaria feliz se viesses. Abraço, Gonçalo Furtado”. O mesmo prosseguiu pelos anos que se seguiram. Sendo que noto que mesmo na banal troca dos habituais desejos de boas festas, não deixam de emergir sempre detalhes concernentes ao foro literário. Por exemplo a 3.1.2016 responde a email do dia anterior: “Caro Gonçalo, Boas festas também para ti e para os teus. Só te queria dizer que, outro dia, relendo o texto que escreveste para uma contracapa de um livro meu, pensei que te teria de dizer que estava e está muito bom. Não sei se te agradeci na altura. Agradeço-te agora. Um abraço, Silva Carvalho”.
Também mais tarde, na década que se iniciaria, prosseguem em emails as referência á sua obra literária - do autor Silva Carvallho -, por entre desejos de saúde: 21.8.2020: “Caro Gonçalo, Espero que tu e a família estejam de boa saúde. Lembrei-me de ti porque ando a colocar alguns vídeos no youtube, de leituras que faço dos meus textos e dos vários livros que escrevi. Se tiveres tempo, dá uma olhada (…). Aparecer-te-ão uns noventa e tal vídeos numa lista. (…). Um grande abraço e saúde, António”. Sendo que o último email do conjunto de comunicações aqui partilhadas e datado de 31.5.2023, acresce a nossa omnipresente referencialidade à vivencia artística e literária. “Caro Gonçalo, Espero que tudo corra bem. Infelizmente estou já velho demais para poder deslocar-me a Coimbra. Ultimamente tenho-me interessado pelas artes plásticas, devido sem dúvida â obra do meu irmão(…). Não sei se ainda te enleva o contacto com a literatura, mas caso queiras ler alguns dos meus livros, terei todo o prazer de te enviar (…). Poderás sempre ir ao Youtube e procurares na ‘porética silva carvalho’ uns 104 vídeos onde me dou ao trabalho de ler alguns textos dos vários livros publicados e a publicar, que são legião. Permite-me que te envie dois textos mais ou menos teóricos sobre a porética. Vão em anexo. Foi um prazer ter notícias tuas. Diz qualquer coisa. Silva Carvalho”./
vii.
Silva Carvalho veio a falecer um par de anos depois, distando actualmente pacas semanas, tal tendo ocorrido a 8 de julho 2025.
Na pagela do seu funeral selecionou-se para figurar uma referência à “linguagem porética”. Essa alude ao entendimento pelo escritor de uma cultura ocidental contemporânea ao autor marcada pelos recentes crises e conflitos, socioculturais, económicas, pandémicos, e incluso bélicos. Presente onde não só é generosidade e responsabilidade do escritor partilhar a sua atenção á realidade, como a de existir abrindo os caminhos que sempre nos aguardam como frágeis seres humanos na imensidão com que nos surge o hoje. - “Eu procuro abrir caminho e existir, não só como escrevedor mas também como ser humano, através da crise e ausência e valores (e não só poéticos( que caracteriza a cultura ocidental de hoje…”. (vd. “A linagugem porética” – Catacreses – entrevista em página 73)./
A 13 de julho Maria Emanuel Teles de Menezes (Nené(, teve a amabilidade de me escrever após um “momento, triste pela brutalidade da dor”, e em que momentaneamente não podemos senão protelar o “(re)enfrentar a realidade”.
Como escrevi nesse dia - desde a Biblioteca Municipal de Coimbra onde me deslocara - o escritor apenas “ausentou-se, fisicamente, porque permanece (…) para sempre, as suas ideias, visões, sentimentos e palavras”. E, a 16 julho, “a obra está publicada (…)”./
Reproduzindo as palavras da própria Menezes a 17 de julho, “A Linguagem Porética irá ser compreendida, entendida e assimilada pelos críticos literários que rodam no carrossel crítico-literário neste portugal dos pequeninos”.
Tão bem a percebo.
Mais, sendo que a 21 e 23 de agosto 2025, não deixa de me confidenciar “Aqui (…), só há intelectuais, (…) não aceitam (ou não querem entender) uma nova leitura literária. O caminho é vertical e piramidal - mantém os seus lugares de professores (alguns já aposentados) mas saltam para outros lugares - presidentes de associações literárias, detém o controlo das editores que só se interessam por patrocinadores (…)“.
“encontrei aqui um papel escrito pelo António com os nomes de 5 individualidades, (…), a quem ele queria enviar ‘A Linguagem Porética’, (…) - após os nomes, escreveu ‘Dedicatórias’ - mas não teve tempo de as escrever…”./
Mais certo é que, (um)a linguagem porética, está e permanecerá para sempre presente na vastíssima e palavras escritas que para sempre cristalizaram “o tempo de as escrever”.
Ao longo dos últimos dias, e volvidas apenas pacas semanas do falecimento do escritor Silva Carvalho, com comovente entrega, Mané continua a divulgar – da eminente Feira do livro ao trabalho com preparação de futuros livros - a obra de António Silva Carvalho. Estou certo que para além das “individualidades”, sobretudo o leitor – qualquer leitor - que com este livro um dia contactar, lhe ficará grato, anónimo numa multidão e como outrora disse outro escritor. Recordo—me aqui de Walter Benjamim…
Ora, este livro de 1967, cujo prelo se prevê ocorre no ano de 2026, está - na minha humilde opinião - entre os mais significativos da obra deste escritor, e chega no momento do agora presente com 41 poemas./
viii.
Não por acaso, o livro Memórias do presente inicia-se com um excerto de ele Plaisir du Texte do estruturalista francês Roland Barthes, cujo impacto no autor foi já antes mencionado.
Alertou-nos o autor que, artista tido destruir a “arte, comprometida, histórica e socialmente”, pela sua “critica”, por “dedicar-se á escrevinhadela (…), tornar-se intelectual; ou deixar de escrever”… Uma descrição inadequada, porque ou cumina no “exterior” ou assunção dialética pela “vanguarda” em que há concordância estrutural entre as formas contestantes e contestadas”. Pelo que, “inversamente entendo por subversão subtil aquela que não se interessa pela destruição, procura um outro termo (…) inaudito”./
Nesta redição livro “Memória do Presente”, recordamo-nos como em 1967/68, já se registava características de Siva Carvalho na iminência da partida para o exilio em tai país de frança. Senão veja-se a seguinte sequência de passagens que captam a atenção e abaixo partilho;
No poema 26 confidencia – “Esta necessidade incoercível (…) de buscar um sentido (…) que proteja a vida do nada (…) depois do alvoroto de uma esperança vulpina abre-se um desânimo das horas insignificantes, a descoberta pungente de eu tudo fora inútil: de nada serve o conhecimento de outro homem (…)“;
No poema 34 – “A vida exauriu-me em estático, estagnou a minha raiva de ser! Devia possuir o poder ingente de estancar o tempo para fazer um inventário do existente plausível, do pretérito cotenho um nducente á minha dúbia perquisição, do actual, fautor de um mascavado e precário futuro”;
No poema 27 – “Se pudesse fugir ao que me consome e dói, levar comigo todos os complexos indizíveis (…) Sim, era isso,, gostaria de poder ser uma utopia, e andar de mente em mente sucessivas gerações!”./
No poema 30 – “(...) a educação foi um dever da família: o transformar do homem num cordeiro andróide”;
Do poema 21 – escrito na pequena cidade universitária de Coimbra, antro diria também de covis por entre a certas áreas profissionais - “Eu. O avezado às orgias averdungadas da imaginação, estremeço diante do inexorável falar dos números: cabe-me hoje a primeira representação do tirocínio. Visto o meu traje de luzes, enfrento uma estrelante noite de frio; chego pressuroso à República em festa: uns jovens homens ajaezados á praxe, uns copos pejados de icores fesceninos– “trago comigo esta ensoadíssima solidão e sofro o contágio tentacular da euforia apertado numa exígua sala de risos metálicos (…) Recebo o esmagar de palavras chave estereótipos. Auto-gestão, liberdade, problemática“, status quo (,,,( enquanto sibilina pirose avança implacavelmente, e o mefítico cheiro dos vómitos prandiais e outros se insinua na minha hiperestesia de sensações. Levantem-se os jovens, despedem-se os jovens, acabou a primeira das minhas representações”;
No poema 16 – “Discute-se o mesquinho problema cm o fervor de uma defesa da vida, abre-se polémicas sobre a acção e teoria de um irmão na morte, escrevem-se dúcteis palavras sobre os eventos efémeros, acusa-se, louva-se, concorda-se, discute-se, invectiva-se, e eu todos os dias espanto-me com a realidade circundante, com as frágeis eventualidades em que nos escoramos, com o ciclo inevitável da estação, da época, do estado, com o tudo que permanecerá incorrupto depois do nada”;
No poema 22 – “(…) Para poder mijar toda a minha dor? (…) prisioneiro do ambíguo tirocínio (…) à procura da melhor maneira de ser (…). Não me venhas dizer que a comunicação não existe (…) Se sou o que sou, deixai-me sê-lo intensamente (…). Eu basto-me”;
No poema 24 – “Eu, neste preciso momento, revivendo lúcido, o enquistado pela leitura de pilhas de livros”;
No poema 25 – 2ª senescência de um mundo tábido, será eu a minha poesia a não denúncia? (…) as horas estandartizadas pelo hábito conservador?”./
No poema 31 – “Hoje aconteceu o facto mais importante de toda a vida geográfica do meu corpo: cerceei a minha dionisíaca barba até á novidade, sendo apenas magnânimo com o indefeso bigode (…) Senão fossem os pelos implantados no rosto, o que seria de mim sem tão benéfico auxílio? (…) Hoje sou a pintura suave e verde de Modigliani, trago o bigode vincado na aridez do meu fáceis, duas rugas côncavas a estiolar a harmonia da cor, uns lábios belfos e vermelhos fesceninos de dor, uns olhos garços tauxiados na placidez do rosto. No coração sobressai o amarelo obeso de van Gogh, o sexo é um magento osso Daliano em convulsões, as pernas são devaneios matizados de Kandisnky, os braços dois cones azuis aplainados de Picasso”;
No poema 33 – “Tenho nas paredes do meu quarto, para disfarçar a nudez do branco, dez minúsculas reproduções baratas de seis pintores amados e magníficos. Quanto mais a fixo, mais me parecem diáfanas, pontos de partida para a linha imaginação: un nu verde de Modigliani a fazer amor travertino com um hórrido verme jenolim de Kandisnky; uma paisagem lútea de van Gogh a disfarçar a irritação de um Braque; o grotesco rosto da morte de um Goya a iluminar a amargura bordélica de um Lautrec”;
No poema 41 – “Amo o branco (…); o engulho alopécico da pop-art fosforescente no lado ígneo de um construtivismo danado (…) O hierático simplismo do fauvismo (segundo o critico)”./
No poema 28 – “a estridência verruma-me os sentidos embotados, o chiar dos pneus causa-me uma espécie de vertigem , o roncar dos eléctricos excita-me até à confusão. Correntes humanas roçam o meu corpo, o meu hálito, eu trago o olhar no último andar do maior prédio prospectando a subtileza que a aproximidade escamoteia. As vitrines reflectem uma grandeza que me amesquinha, por vezes a antecalva eu ameaça a minha fealdade, ou um corpo maciço de enxúndia e inépcia arfante”;
No poema 12 – “Não há países nem fronteiras: apenas a viagem, todos os dias, do norte ao sul, da alta à baixa, pelas mesmas ruas estáticas e suadas da cidade, ou, para variar por outras ruas diferentes (…). Mas a cidade que vivo tem tão poucas ruas para a sede de aventura diferente dos outros dias (…)”./
No poema 6 – “Que bom! Não ter absolutamente nada para dizer! As amorfas tardes deste café provinciano são maravilhosas para a digestão do enfado (…). Ah hei-de escrever um poema ao quotidiano, um poema todo indo, amaneirado (…) com tão faustoso, tão desnecessário (…). As aventuras são raras, excepcionais, (( nos meus insuportáveis tédios (…)”;
No poema 36 – “Adoro acalmia, o sossego brando, (…) o repasto da memória, o aboletar da infância, o suspiro do presente. É preciso dizer, convicto, as pequenas e as grandes coisas, porque são necessárias palavras (…). É preciso dizer todas as coisas, a amargura do sofrimento, a leveza da alegria, o mussitar da nostalgia, a ânsia de um futuro. Falar dos recentes homens, dos problemas, das ambições, das ilusões que vivem o mundo. Tendo receio de não saber tudo, de não puder ajudar dos homens… (…) Estou só, completamente só, é inverno á fora, nas ruas desoladas da cidade, é calor suado nestas paredes protectoras. (…). Depois, é tudo o que conheces: os dias acorrentados aos dias, pequenas rímulas de alegria, silentes momentos de tristura. (…) Não importa! É preciso dizer as coisas com a ajuda das palavras (…). É preciso, sobretudo, a coragem de dizer as coisas: elas fazem parte do que eu sou”./
No poema 15 – “O homem (…) compreendeu que tinha de destruir todo o léxico moral exaurido e, a partir da realidade que o coarcta até ao paroxismo, inventar novos valores fundados na vida hodierna do quotidiano, sofrendo um árduo avantar para uma possível sobrevivência”;
E, atenda-se, que logo no consciente poema 1 - “Não sei como poetizar a vida, transfigurar o real em algo paradisíaco”;
No poema 18 – “(…) viver a fazer amor com as palavras inexauríveis, a morigerar a realidade eivada de lúrido obsoleto, a circundar as ideias que se avolumam no meu cérebro (…), a esgaçar preconceitos com a tesoura do pensamento, a curtir o espaço e o tempo (…) intensamente, até ao cerne vivo da minha essência”;
No poema 37 – “Como vês, tudo é mais fácil quando temos o resíduo da vida nos bolsos uteis, basta só dispô-lo no gume mágico de uma frase dispersa. (…) Tudo é acessível á poesia, desde que se encontre a palavra exacta (…). É preciso recriar, escorar no verdadeiro o futuro dos mundos”./
No poema 38 – “Trago o vilipêndio do eu fui vinculado ao vergão do meu tempo, agora sou eu quem usufrui a alegria de um breve momento”;
No poema 20 – “Também a tua saúde te provoca o mito da morte (…)“;
No poema 32 – “Daqui a um asso momento, a uma feérica hora intrusa, já nem sei se existirei! Condição humana! (…) Merda à fatídica decisão do tempo!”;
Bem como, num poema 8 - “A morte deveria ser a decomposição (,,,( para que o homem se pudesse habituar á ideia plena da morte e do morrer (,,,( Parece-me tão inútil e sóbrio (…) como dizer muito simplesmente eu vivi Mas talvez tudo seja mais fácil (…). Ou eu gostaria de ser o último dos últimos, de ficar só na guerra, para poder dizer. Vi tudo e tudo foi pouco para a ânsia de ver!”/
Assim é Silva Carvalho, um “escrever no presente”.
Chega a si, senhor leitor, experiência da existência do “escrevinhador” porético./
GF (Agosto-Outubro 2025)
10/4/25
a propósito da proposta de revisão simplificado do plano de estudos do miarq da faup (Gonçalo Furtado, Porto, 1 outubro 2025)
"Dúvidas não restam que a proposta apresentada, na nossa opinião, carece de necessária reflexão, padece da ausência de mínima fundamentação científico-pedagógica, abertura à participação e usufruto da experiência passada . Ao contrário do fantasiado na sua paca introdução, tal proposta nada viria a “reforçar a coerência”, e seguramente menos, uma qualquer 'continuidade científica e pedagógica da escola'.
Antes promoveria uma (in)volução inadaptada à contemporaneidade e futuro, dado as condições deficitárias que propõe para o ensino do projecto, a sobrevalorização de conteúdos historicistas, e a obliteração... de conteúdos críticos consolidados ...na coluna das Teorias.
E, assim e a montante, minimizaria a potencialidade de presença disciplinar/institucional e de interventividade crítica no nosso território bem como no contexto sócio-cultural contemporâneo".
(Gonçalo Furtado, Porto, 1 outubro 2025)
Jury Member at the EUGLOH
Jury Member at the EUGLOH
Annual Student Research Conference 2025,
24 October 2025, new Abel Salazar Building, Porto-Portugal
* running in parallel with the EUGLOH Annual Summit
10/2/25
10/1/25
9/29/25
CONVERSAS SOBRE A ESCOLA DO PORTO_ Nº29 _ Rui Braz (com Gonçalo Furtado)
CONVERSA SOBRE ARQUITETURA E ESCOLA DO PORTO _ MARÇO 2020
(Rui Braz, com Gonçalo Furtado)
I.
[Gonçalo Furtado] - Propunha que falássemos sobre eventos relacionados com a tua vida e a Faculdade.
Fizeste o teu curso de Economia em Portugal, um Doutoramento em Itália e outras pós-graduações.
[Rui Braz] - Eu fiz Economia na Universidade de Porto./
Acabei já depois do 25 de Abril.
[GF] - Andaste muito envolvido com o movimento cooperativo.
[RB] - Fui ajudante do administrador por parte do Estado, com algumas empresas que tinham sido ocupadas pelos trabalhadores e que, portanto, precisavam de alguns apoios. Mas os patrões não estavam (como a gente dizia, “fugiram"). Acho que isso provocou um grande movimento de solidariedade com as pessoas e com todo o que era este movimento.
[GF] - Já eras do PC?
[RB] - Eu fui sempre do grito do povo. A minha filiação foi sempre o povo.
[GF] - Depois foste parar ao SAAL (Serviço de Apoio Ambulatório Local).
[RB] - Através de duas linhas, fui parar ao SAAL, Serviço do Fundo de Fomento da Habitação, que na altura era no 15º ou 16º andar daquela torre na Rua Gonçalo Cristóvão, naquele prédio em frente ao Jornal de Notícias./
Tinha uma vista fantástica sobre o mundo.
[GF] - Nessa altura entraste por duas vias?
[RB] - Uma, um amigo meu, que era um desenhador que tinha trabalhado com o Serôdio e com o Agostinho Ricca.
[GF] - O Serôdio pai.
[RB] - Sim, o pai. Com o Ricca, com o Magalhães Carneiro, o chamado William Graham do foco, e tinha trabalhado no Vértice./ Portanto pertencia àquele grupo do PC./
O Vértice esteve sempre constituído por muitos arquitetos e sobretudo desenhadores. O Mourão, o Henrique, o Humberto Vieira, etc. Pessoas que depois apoiaram os arquitetos, por exemplo, o Eduardo Souto Moura.
[GF] - O Eduardo Souto Moura na cadeia da relação (obra).
[RB] - Portanto, com a Margarida Coelho, etc.
[GF] - Essa foi a primeira via. E a segunda?
[RB] - A outra foi que o consultor jurídico do SAAL era o Mário Brochado Coelho.
[GF] - Mário Brochado Coelho penso que também foi “consultor” da Faculdade.
[RB] - E que foi colega de curso do meu irmão em Coimbra./
E portanto, digamos, foi uma espécie de apadrinhamento.
[GF] - O teu irmão estudou Direito. Estamos a recuar aos anos 60. Ele envolveu-se?
[RB] - Sim claro, esteve envolvido. O meu irmão faleceu há uns 4 anos./
Depois obviamente mais tarde no SAAL interessei-me muito por essa questão./
Eu tento neste momento fazer uma espécie de currículo da minha vida, e recordo quando a Rainha da Inglaterra veio a Portugal.
[GF] - Foi em 1957 que a Rainha Inglesa nos visitou.
[RB] - Sim. Os meus pais foram nessa ocasião a Lisboa./
Trouxeram um jogo, que eu ainda hoje tenho, que eram umas construções de casas a partir da planta. Ou seja, é um conjunto de... É uma placa com ferros, no meio dos ferros mete-se umas peças que simbolizam tijolos, janelas, portas, etc./
Portanto, desde os 5 anos, estava habituado a olhar para os catálogos, e isso ajudou muito a minha entrada no SAAL. Porque eu vinha de Economia.
[GF] - Mas vinhas de Economia, vertente/especialidade do Planeamento. À qual se associavam as tuas preocupações sociais, etc.
[RB] - Sim, mas eu vinha de Economia na vertente/especialidade de Planeamento. Não da Contabilidade, digamos.
Por um lado, o meu pai, quando eu nasci, tinha 47 anos. Eu era um neto, não é? (Risos)/
Portanto, passava a vida a mostrar-me coisas interessantes; Castelos, ruínas romanas, tanta coisa. E sempre na base cartográfica./
Portanto, eu cheguei ao SAAL e tive esta coisa de ler cartografias. Ainda hoje, não é? Depois, acabei por ir para o Urbanismo também, acho./
Aquilo é tudo feito na escala de 5.000, não é? Não posso muito baixar, porque não tenho condições aqui no 4º ano, no máximo 1000.
[GF] - Esse jogo chama-se Bayco?
[RB] - Envolvia a construção de uma casa, depois outra casa. Também tinha a sua parte mecânica. Na verdade, em toda a minha geração, e sobretudo a geração anterior à minha, havia um Meccano para fazer pontes e carrinhos./
Isso tudo, digamos, proporcionou-me uma facilidade da leitura dos documentos gráficos. Chamemos assim. E, por outro lado, obviamente, a questão social, não é?
[GF] - Andar envolvido com as Brigadas.
[RB] - Sim. Porque eu pertencia àquilo que se chamava, no SAAL, a Brigada Volante.
[GF] - Pertencias a uma Brigada que tinha como diretor o Vítor Abrantes?
[RB] - Tinha várias pessoas, entre as quais, eu.
O Vítor Abrantes foi a primeira pessoa a que eu passei recibos verdes na vida. (Risos)
[GF] - Penso que o Vítor Abrantes pertencia ao setor de Gestão Social, cujo chefe era o Mário Brochado.
[RB] - Não. O Vítor Abrantes pertencia ao Planeamento, se bem me lembro./
A gestão social tinha vários elementos, cujo coordenador era o Mário Brochado. E era eu que tratava de questões económicas, porque vinha de Economia. Tratei de muitos empréstimos às associações de moradores. Tratava de negociar empréstimos, fazer relatórios para justificar taxas de juros baixas, que eram sempre zero./
Por outro lado, nas coisas mais ligadas à obra, nunca entrei muito. Foi sempre na relação entre a associação e a obra. Mas com a obra, propriamente, havia o desenhador que vinha ter comigo, e às vezes os arquitetos...
[GF] - Sobre o clima pós 25 de abril, há a ideia de que houve euforia e desejo de consumo. E depois, o FMI, etc./
Como é que foram economicamente os anos 70 e 80?
[RB] - Eu acho que os anos 70 e 80 começam com uma grande esperança.
[GF] - A “primavera Marcelista”?
[RB] - Ou seja, quando o Marcelo Caetano substituiu o Salazar como Primeiro-Ministro, criou uma equipe de técnicos relativamente progressistas.
[GF] - Inclusive o Veiga Simão, que fez a reforma do ensino. Ainda foi, durante muitos anos, o Decreto que regulou o ensino superior.
[RB] - O Rogério Martins, como Ministro da Indústria. O Avelãs Nunes, etc. Uma segunda linha, que era o João Salgueiro, o Portas, os tipos católicos-progressistas, o Movimento GRAAL, e essa gente toda, não é? E, portanto, criaram uma certa expetativa naqueles anos./
Não posso deixar de falar na ação do Nuno Portas, decisiva e com grande implicação na vida humana quotidiana, que é o Fundo de Fomento.
[GF] - O Fundo de Fomento de Habitação.
[RB] - Fez 40 mil casas em 4 anos, num país em “guerra”. Ou seja, projeto e concessão de vários programas, desde 1969./
O Nuno Portas é aquele tipo da “frentex”, que saía daqui e ia para Nova Iorque./
Esteve em Nova Iorque, trouxe o Turner em 1972, num congresso, no LNEC,/
E o homem que inventou o Bloco LNEC, Artur Ravara.
[GF] - É uma geração que já viajava.
[RB] - O Domingos Tavares, antigamente tinha uma frase muito engraçada, que era: “Anteontem fomos a Helsínquia, ontem a Milão, hoje ficamos em casa”./
Nos anos 60 ia-se a Helsínquia. Nos anos 70 e 80, quando eu cheguei à Escola, ia-se a Milão.
[GF] - Mas a Milão ia-se ver a Torre Velázquez e etc.
[RB] - Era proibido olhar para as outras coisas. (Risos)
[GF] - Iam ver o Gallaratese do Aldo Rossi, de um complexo com o Carlo Aymonino.
[RB] - Sim, porque o do Rossi ia-se ver, mas o do Aymonino que estava ao lado não se olhava. (Risos)/
Portanto, eu acho que é o momento em que as pessoas viajaram e trouxeram... Aliás, às vezes aparecem aqui provas académicas sobre isso.
[GF] - Trouxe uma certa frescura, porque o país estivera fechado durante muito tempo./
Quando abriu, nos princípios dos anos 70, houve uma certa esperança e expetativa.
[RB] - Por exemplo, os livros da Centelha, foram uma coisa fantástica.
[GF] - A Centelha era uma editora de Coimbra, que publicava livros com o acordo do regime.
[RB] - Ainda está vivo quem nos vendia no Porto, que era o Mário Moutinho. Aliás, acho que ele é mais novo que eu.
Mas, o que diziam é que não podias pôr lá o Lenine, mas se pusesses Vladimir Illich, o livro podia circular./
Portanto, este é, para mim, o melhor retrato daquele período da Primavera Marcelista. Era “sim”, mas para todos não. Lenin não, porque no PC havia muitos com dificuldades culturais. A ideia do regime era essa. Eram os operários, e os marinheiros, e os camponeses e tal. Porque os cultos sabiam muito bem quem era Vladimir Illich./
Era também uma forma de compensar, acho, e de contentar a minha geração.
[GF] - Tu entraste na Universidade em 1969. Quem fez parte da tua geração?
[RB] - A minha geração, eram os tipos que estavam a nascer, não é?
[GF] - Saíste após o 25 de abril.
[RB] - Saí em 1976, porque chumbei dois anos./
Portanto, foi possível criar uma espécie de ambiente propício a que quando o regime, a propósito do livro do Spínola.
[GF] - O livro do Spínola, “Portugal e o Futuro”.
[RB] - Na minha versão da história, houve uma reviravolta.
[GF] - Portanto, o regime endureceu, despediram os ministros de Estado progressistas.
[RB] - E voltou a chamar a Brigada do reumático.
Por exemplo, na Escola de Belas Artes, tinha gorilas à porta que não deixavam entrar. E na minha Escola também, que era ali nos Leões. Depois, cria-se uma certa revolta, e há muita gente que vai para fora. Que é uma coisa, aliás, que explica porque é que a Universidade em Portugal é de direita. Não há país melhor a dizer isto, com exceção do ISCTE e da nossa Escola./
Os das Ciências, de Letras, o Arnaldo Saraiva, a Manuela Fleming, o Quintanilha, estava tudo fora. Porque tinham “fugido”, exatamente, por esses anos.
[GF] - Com o acréscimo da obrigação de ir à tropa, a imposição a que muita gente fugia.
[RB] - Portanto, tomou conta e condicionou, claramente, o nascimento desta Faculdade. A Universidade.
[GF] - Com o 25 de abril, há grandes esperanças e uma emigração acentuada.
[RB] - Mas, o período do SAAL foi fantástico. Porque, como sabes, há um projeto na Câmara de 1972 para deitar abaixo a Ribeira.
[GF] - O Plano Ribeira-Barreiro, atrás do Comissariado para a Renovação Urbana da Ribeira-Barreiro.
[RB] - Eles tentam deitar abaixo, como faziam as cidades francesas, não é? Como, aliás, diz o Paulo Portas: “As elites culturais portuguesas sempre tiveram a mania de copiar as piroseiras das elites culturais francesas”. É o que ele diz, e eu estou de acordo. Portanto, iam a França, ver aquela cidade de plástico, onde por trás não há empenho, Não há materiais nobres, não há nada./
Não é por acaso que o Príncipe Carlos é o mentor dessas coisas. Portanto, nasce um movimento de salvaguarda do património, World Heritage, que chega a Portugal./
E eu acho que aqui no Porto os primeiros movimentos tinham como alunos o Nicolau Brandão, talvez o Manuel de Sá, etc. O Távora punha todos na rua a desenhar a cidade, a entender a cidade histórica.
[GF] - Por exemplo, como na Ribeira./
Consideras que nasce aí um movimento. Estamos a falar de 1972/73.
[RB] - Com o movimento repressivo de 1973, a República...
[GF] - Com a revolta do regime, o fim da “primavera Marcelista”.
[RB] - Mas ainda durante o Marcelo Caetano.
[GF] - Que implicações teve este período na Escola?
[RB] - Dura pouco, mas tem uma carga simbólica muito grande. Por exemplo, na Escola despediram tudo o que era progressista. Aconteceu que antes do SAAL, já havia este movimento.
Aliás, o Comissariado (CRUARB) tem a criação oficial em Janeiro de 1975. O Gigante contou muitas vezes a história.
[GF] - O Gigante pai foi o primeiro comissário do CRUARB.
[RB] - Porque era engenheiro, portanto, sabia mais de construção. Não era arquiteto só.
[GF] - Era arquiteto, mas era também engenheiro de minas.
[RB] - Sim. O Gigante era engenheiro de minas./
Apoiou a ideia de não mandar abaixo, de estudar o que se podia fazer, a recuperação. Muito inspirado, penso eu, nas coisas inglesas. Mas também depois com o Távora a por tudo na rua a desenhar a cidade.
[GF] - E quando é que tu entraste?
[RB] - Obviamente, os alunos daquela época, vinham todos para as Brigadas./
No meu tempo de Brigada, era eu um dos que controlava isso. Havia 30 Brigadas.
[GF] - Portanto, 30 pedidos de moradores.
[RB] - Os moradores chegavam e diziam-me: “Eu vivo numa ilha que está a meter água, está tudo podre. Venham lá ver”.
[GF] - Abria-se um processo e o serviço nomeava uma Brigada.
[RB] - Havia uma Brigada a atuar logo. Os serviços nomeavam uma Brigada, com algumas pessoas.
[GF] - Compostas por arquiteto, engenheiro, desenhador, topógrafo, escriturário e sociólogo.
[RB] - Às vezes com variantes. E o serviço FFH, não é?/
Ia-se ao sítio, abria-se um processo de declaração de degradação, etc./
Ora, o que é que acontece? Há aqui outra coisa que eu também preciso dizer, que ajudou muito que este processo tivesse sucesso no Porto, e que no Porto fosse diferente do resto do país, que é o Movimento dos Bairros Camarários.
[GF] - O Movimento dos Bairros Camarários.
[RB] - A base era no Paço Episcopal da Sé, com a cobertura do Bispo D. António e sucessores. Era a obra diocesana de promoção social que ainda hoje existe. Foi criada pelo Bispo D. António, para complementar a promoção social; Como os infantários, os lactários, a mortalidade infantil, que na altura era 5 por cento. Agora é 5 por mil, ou 8 por mil, mas na altura era 5 por cento./
E isto foi tudo feito na base, não se fez por cima, fez-se de baixo para cima./
Não é como aqui que se põe um vidro na parede a dizer: “Tenha cuidado e lave as mãos”. Não, na altura tinhas de ir lá ensinar e lavar-lhes as mãos./
E portanto, atuava sobretudo nessas vertentes dos Bairros camarários, na degradação, em casos de incesto, essas coisas terríveis que eu vi./
E essa obra do Bispo de promoção social ajudou-me muito com o apoio do Instituto de Serviço Social, que mandava os assistentes sociais, do qual depois aparecem muitos portuenses. Como a cunhada do Manuel Correia Fernandes, por exemplo, o Alberto Martins, etc., gente ligada depois ao GRAAL, católicos progressistas./
As condições eram terríveis.
[GF] - O argumento era para evitar a subocupação e a sublocação.
[RB] - A primeira manifestação, a seguir ao 25 de abril, de 27 de abril, 1974, resultou em partir os vidros da Câmara do serviço dos Bairros Camarários, na esquina do Cinema Trindade./
Quando apareceu o SAAL, os moradores não queriam mais ser tirados do centro da cidade.
[GF] - Tratava-se de casos empurrados para as periferias./
Os bairros camarários faziam isso./
O SAAL teve sucesso porque não fazia isso. Permitia que ficassem no sítio, pelo que muita gente aderiu. Criou uma nova dinâmica interessante, durando 2 anos, sendo extinto em 1977.
[RB] - Construiu muito poucas casas, mas, enfim...
[GF] - Todas as casas construídas, com exceção das do Alcino Soutinho, foram em terrenos públicos.
[RB] - Nunca se conseguiu expropriar nada. A expropriante era a Câmara, só que a Câmara não ia ao ato da expropriação./
O tribunal, dizia: “Não está cá o expropriante, nada feito. Então, a Câmara é que pede a expropriação, depois não se apresenta para tomar posse?”.
[GF] - Quando dizes que a Câmara não aparecia, queres dizer que nunca tomou posse administrativa em nenhum terreno expropriado.
[RB] - Exceto o do Soutinho, na Ilha da Maceda, porque fez um acordo com o proprietário.
[GF] - A Operação nº 1 do SAAL é a Ilha da Maceda, da autoria do Soutinho. E a Operação nº 2 é o Bairro de São Vítor.
[RB] - Quando acaba, eu vou outra vez para as cooperativas. Fui para a Fábrica Nacional de ar-condicionado, que no Porto se chamava Copro-Termo, que vinha de uma coisa chamada Termonor, portanto, que tinha as obras todas em Portugal na generalidade.
O ar-condicionado existia na generalidade da construção, pensava-se que não havia outra coisa. Portanto, tudo o que tinha ar-condicionado, desde os estúdios da RTP, à Ponte Móvel do Porto de Leixões, e a generalidade dos Bancos, nos anos 60, 70./ Estive lá, mais ou menos um ano, até que... Eu gosto muito do Mário Soares, mas o Soares entregou a FACAR, a Fábrica de Leça, aos Carvalhos (que pediram ao Pedro Ramalho para fazer aquelas torres fantásticas que lá estão), e eles acabaram com a fábrica.
[GF] - Era uma fábrica/indústria tecnologicamente muito avançada.
[RB] - Fazia coisas que mais ninguém fazia. Tubos com costura, coisas esquisitas que se usavam muito nos ar-condicionados e nas caldeiras de calor, que precisavam de um tubo especial para vapor por exemplo./
Portanto, quando o Mário Soares entregou a fábrica, foram por arrasto uma carrada delas. Vai a mãe, os filhos caem todos.
Nessa altura, telefonou-me o Sérgio e disse: “Anda para a Escola, que é fixe”./
II.
[GF] - Vieste para a Escola em 1978.
[RB] - E lá fui parar eu à Escola. Quando eu cheguei à Escola, pronto, tiraram-me as férias. (Risos)/
Vim em 1978, fez ontem 42 anos.
[GF] - É interessante que recordes a data. (Risos)
[RB] - Claro, 9 de Março. Não é 8, é o dia seguinte. Portanto, é fácil.
[GF] - Foste para a Análise Económica.
[RB] - Atiram-me para aquilo que vinha inspirado do Departamento de Análise Económica e Social do Território, DAEST, de Veneza./
O Domingos vinha, digamos, inspirado em Veneza. O Departamento de Análise Económica e Social do Território era muito famoso em Veneza.
[GF] - Que aqui chamou-se “Análise do Território”.
[RB] - Entrei para um grupo onde, aliás completei o doutoramento. Estava o Manuel Sá, consultador no Conselho da Revolução, tinha sido destacado pela Revolução. Quem mandava aquilo era o Nuno Guedes Oliveira, penso eu. E eram os urbanistas, mas havia poucos.
[GF] - Faziam Análise do Território, AT.
[RB] - Depois não posso deixar de reconhecer uma coisa. O Alexandre, que é uma pessoa fora de série, que me chamou para fazer uma série de conferências./
E eu andei a fazer conferências que acompanhavam e “auxiliaram” as dele. Ele montou um curso de História da Arquitetura Portuguesa, a começar no período do D. Afonso Henriques./
Pediu-me a mim para eu fazer uma série de introduções de meia hora, sobre a História Económica daquele tempo que ele ia falando.
[GF] - Essas conferências eram no anfiteatro da Escola, nas quartas-feiras de tarde.
[RB] - Quarta-feira à tarde, que era o dia das conferências./
Pronto, e isso integrou-me completamente, sem ter de fazer grande esforço.
[GF] - Mas ainda não tinhas um contrato.
[RB] - Não, o contrato era o de 9 de Março de 1978./
Por acaso foi assinado mais tarde, o diploma é de Abril./
Fui parar sempre aos últimos anos.
[GF] - Foste para o 5º e 6º ano, na época havia 6 anos.
[RB] - O que eu fiz, basicamente, foi orientar teses sobre Bairros Camarários.
[GF] - Eras professor “especialista” em Bairros camarários.
[RB] - Porque não havia nenhum professor especialista nisso./
Talvez um bocado o Alexandre, mas... Portanto, orientei tudo o que era Bairros Camarários. Depois apareceu uma estudante de nome Lurdes, com uma tese sobre “a casa bomba” do Siza. E portanto, comecei também a ver arquitetura no meio dessas orientações./
Além da parte sociocultural e física formal, comecei a ver também a Casa Bomba, a “Casa da Póvoa”... Isso foi-me integrado. Fui-me integrando até que fiz parte.
[GF] - Tu e o Rui Póvoas hoje são dos contratos mais antigos da Escola.
[RB] - Sim./
Da Escola, não há ninguém mais antigo.
[GF] - Em 1979, acho que se desenvolveu uma nova direção, um pequeno período de transição. Depois, a Comissão Instaladora.
[RB] - Penso que não./
Depois, eu integrei-me nesse grupo do território. Quero lembrar o Jacinto, que me empurrou para a observação do mundo!
Tenho uma bela memória das aulas. Havia um dia por semana em que todos os professores estavam juntos, em 1986, nas cavalariças, já no edifício “cubo”./
Porque havia um dia por semana, a quarta-feira, em que todos discutíamos tudo./
Isso vem de trás, da Escola, e perdeu-se.
[GF] - Dizias que na Escola, em 1986, havia esse dia por semana em que todos se juntavam a discutir temas nas cavalariças?
[RB] - Eu aprendi muito com isso./
Aprendi a ouvir as críticas. E a ver uma coisa que eu acho que foi muito importante, que é a possibilidade de seres chamado para dar aula./
Por exemplo, lembro-me sempre desse ano... O Siza convidou-me para fazer uma aula com ele, em que ele fez a questão dos mercados no mundo e eu fiz a questão dos mercados no Porto./
Na realidade, fiz uma pequena investigação sobre as formas e a história. Fui com o gravador debaixo do braço para os mercados às 5h da manhã, ouvir e gravar os barulhos. Uma investigação social muito à Escola de Chicago, ainda.
[GF] - Em 1979, o Governo de Maria de Lourdes Pintasilgo decretou as Faculdades de Arquitetura, em Lisboa e no Porto.
E eram precisas as Comissões Instaladoras.
[RB] - Se não me engano, o Reitor era o Prof. Campos e Matos, e propôs uma Comissão Instaladora que eram só os engenheiros. Tinha o Távora, mas eram só os engenheiros. E o Távora era figura decorativa./
A Escola entrou em greve e propôs, então.../
O Alexandre foi buscar o Portas a Lisboa. O Portas, apesar de ter feito o curso em Lisboa, acabou o curso cá, porque havia sempre este problema. O Domingos foi ao contrário.
[GF] - Fez o curso cá e foi acabar a Lisboa.
[RB] - Porque havia mesmo muita gente que ia acabar em Lisboa.
Porque aqui demorava imenso tempo, e em Lisboa era algo mais expedito, não é? Pronto, então foram buscar o Nuno Portas a Lisboa. Porquê? Porque o Portas e o Távora eram os únicos Professores de nomeação definitiva. E o Reitor aceitou que assim fosse./
E, portanto, a primeira Comissão Instaladora, a seguir à dos engenheiros, que nos fez entrar a todos em greve.../
Eu, nessa altura, com a Beatriz...
[GF] - A Beatriz Madureira, que penso que foi Presidente da mesa da Reunião Geral de Professores.
[RB] - Ela era Presidente e eu Vice-Presidente da Mesa da Reunião Geral de Professores./
E o que fizemos foi apoiar essa coisa. Portanto, era o Távora e o Portas, que eram os dois Professores de nomeação definitiva. E o engenheiro Campos e Matos começou a aceitar que talvez o Pedro Ramalho pudesse ser também, porque “era filho do engenheiro Almeida D’Eça”.
[GF] - Mas, entretanto, mudou o Reitor?
[RB] - Não sei se foi o Alberto Amaral, se foi o Oliveira Ramos.
[GF] - Mas, em suma, aceitou-se uma composição da Comissão, que tivesse maioria de arquitetos.
[RB] - Mas tinha que ter um engenheiro e um geógrafo. Então, o Portas já não era preciso, não é? (Risos) E, portanto, encostaram-no.
[GF] - Ficou o Távora, o Alexandre e o Domingos.
[RB] - Que equilibravam as duas tendências./
Depois, o Engenheiro Sampaio, porque era o engenheiro da Pousada do Convento da Costa. E ainda o Prof. Pereira de Oliveira, que vinha das letras de Coimbra, da geografia, que introduziu uma pancada de cadeiras de geografia no curso. Geografia humana, geografia terrena, geografia urbana, geografia demográfica, geografia.../
E o Alberto Amaral, tinha uma assistente que se tinha casado com um Inglês, que é o Filipe Brebner./
[GF] - Portanto, Távora, Alexandre, Domingos, Engenheiro Sampaio e Pereira de Oliveira./
O Filipe Brebner foi o primeiro doutorado na Escola?
[RB] - Sim, é o primeiro doutorado da Faculdade de Arquitetura.
[GF] - A área dele era...
[RB] - Era “Physical Planning”./
A tese dele é sobre cidades marroquinas.
[GF] - De que ano é essa primeira tese?
[RB] - Deve ser 1986, 1987... Mais do que 1988, não.
[GF] - Na altura deviam estar a fazer as cavalariças, e o pavilhão Carlos Ramos, etc.
[RB] - Pronto, isto foi normalizando. Acabou o regime experimental, e as notas, as críticas finais da nota de Projeto que eram discutidas por todos, deixou-se de fazer isso. Cada pessoa passou a dar as suas aulas, as suas notas./
Deixou de haver encontros entre História, Projeto e Urbanismo, Encontros entre áreas, discussão.../
Depois, o Portas inventou uma coisa que eu acho que foi fundamental...
[GF] - Que foi o CEFA.
[RB] - Que ninguém dava valor, mas foi o Portas que inventou, com o trabalho inicial da Universidade de Aveiro.
[GF] - Acho que há um ainda anterior à Universidade de Aveiro, que é o Teatro Viriato em Viseu...
[RB] - Nessa altura veio cá o Aymonino, e a Teresa Fonseca foi trabalhar com ele./
E ganhou uma certa dimensão esta ideia. Era também uma ideia do Alberto Amaral, pôr a nossa Escola a produzir para a Universidade: “Já que são todos tão bons, digam lá”./
E há tantos projetos para aí.
[GF] - O Planetário, a Escola de Medicina Dentária, são todos projetos aqui do Centro de Estudos da Faculdade de Arquitetura.
[RB] - Acho que o CEFA foi fundamental. Antigamente, ou seja, até ao CEFA, a experiência profissional era a experiência profissional de cada um. Para o escritório, para a obra, etc./
O aluno ouve falar um professor que já construiu, que está a construir, que está a projetar, etc... Mas com o CEFA não.
[GF] - O CEFA trazia para cá a prática.
[RB] - Eram os alunos que trabalhavam, e eram alunos sob a direção do Nuno Portas, que constituíam matéria de estágio. O ensino aqui é, apesar de tudo, muito abstrato. Portanto, aquilo era concretizável./
Fizemos muitos Planos Urbanos aqui.
[GF] - Quando é que começaram os Planos Urbanos? Nos anos 90? O Pólis, por exemplo, foi no início dos anos 2000.
[RB] - O Pólis foi o último grande trabalho./
O trabalho do Nisa foram 500 mil euros de contrato, geridos por mim. O Município de Nisa tem 6 barragens. A EDP...
[GF] - Foi sobretudo o de Aveiro?
[RB] - Fomos consultores da Câmara para o Pólis da Aveiro. Durou 3 anos.
[GF] - Entre 1999/2000 a 2002/2003, a seguir à Expo.
[RB] - Porque o Polis é uma resposta para as ideias da Expo./
Começou pelas 18 capitais de província.
[GF] - Sim, depois é que se alargou às cidades médias.
[RB] - Onde a política tinha força, foi buscar dinheiro./
O Sócrates, que era o grande mentor disto, queria primeiro resolver o know-how da Expo, porque quem fazia o Polis era o gabinete técnico da Expo. As Câmaras só eram sócias, mas o sócio maioritário era a Expo. 40% de Câmara, 60% do Ministério do Ambiente.
[GF] - Consistia na requalificação dos Centros Urbanos, o espaço público, o ambiente, etc.
[RB] - Tinham de fazer zonas para o jogging, que as cidades não tinham zonas para o jogging. Os supermercados estavam a cair de sapatilhas a vender e não as vendiam... (Risos)./
Era preciso resolver o problema de uma forma drástica.
[GF] - E quem fazia parte do CEFA? O Pessoal do Urbanismo?/
O projeto do Teatro Viriato tinha autoria do filho do Pedro Ramalho, o Sérgio Ramalho.
[RB] - O Urbanismo todo. O Portas, o Manuel Sá, eu, o Álvaro.
[GF] - O Álvaro Domingues penso que entra efetivamente em 2001.
[RB] - Quando se demite da comissão do 2001, da Comissão do Porto 2001. Ele não estava no Pólis./
Somos os 3 que aparecem sempre nos primeiros livros. Depois começaram a aparecer estes nomes mais jovens./
Eu fui o segundo doutorado, já agora.
[GF] - Depois deste verão?
[RB] - Sim. Eu doutorei-me no IUAV.
[GF] - Foi em 1992, no Instituto Universitário de Arquitetura de Veneza.
[RB] - Foi com o Luigi Mazza./
E depois, em 1994, no Porto, sou Doutorado em Arquitetura. Na especialidade de Urbanologia - é assim que aparece escrito. Fui o segundo Doutor em arquitetura da Faculdade. Depois a terceira foi a Teresa Fonseca.
[GF] - Portanto, tiraste um 2º Doutoramento aqui em 1994?
[RB] - Sim.
Depois a partir daí nasceu o Mestrado, que foi outra coisa também muito importante.
[GF] - O chamado Mestrado em “Planeamento e Projeto do Ambiente Urbano”, criado penso que em 1994.
[RB] - Até esses anos do Portas, a experiência que era trazida para o ensino, era uma experiência pessoal dos arquitetos que trabalhavam nas obras e que traziam as obras. Que não deixa de ser fundamental./
Mas o Portas trouxe outra experiência, que é a de dentro. Trouxe, sobretudo, uma unifracionalização disto./
[GF] - E o CEAU.
[RB] - Do qual eu fui secretário durante dez anos, passei uma vida a fazer aqueles relatórios... (Risos)/
Isto coincide com o grande movimento do Portas...
[GF] - O CEAU foi criado em 1996.
[RB] - O Portas foi a Lisboa, e falou com alguém: “Há aqui uma coisa bestial para fazer investigação, nós não temos investigação”. Portanto, foi ele que trouxe a investigação. Foi ele que trouxe os trabalhos para dentro, não é?/
O José Quintão também passou lá. Portanto, o que é que acontece? De repente, o Portas diz: “Temos que formar aqui um corpo docente, se não isto nunca vai dar bem”. E então nasce o Mestrado em Planeamento e Projeto do Ambiente Urbano, em 1994.
O Portas queria fazê-lo com várias Universidades do país. Portanto, Coimbra, Aveiro e Porto. E não conseguiu porque as Universidades não podem... Que é uma estupidez, não é? O meu tinha três Universidades, Veneza, Milão e Turim. Sede IUAV e sedes associadas como o Politécnico de Milão e o de Turim.
[GF] - Não foi possível. Portanto, ficou só a Universidade de Porto.
[RB] - Portanto, em 1994 o Portas fez isto para criar um corpo interno, uma fornada com o José Miguel Rodrigues e o Luís Viegas.
[GF] - E o João Francisco Figueira, do Porto, que foi para Lisboa.
[RB] - Sim, o irmão do Miguel. Foi a primeira fornada./
III.
[GF] - Trabalhaste 3 anos com o Fernando Távora, de 1980 a 1983, no Plano de Guimarães?
[RB] - Trabalhei primeiro com o Bernardo Ferrão, de 1979 a 1980 no Plano de Esposende.
E depois 1980 a 1983, com o Távora no Plano de Guimarães. Falar sobre isso demorava um dia.../
Aliás, no livro amarelo da Taschen sobre o Távora, ele pôs-me em segundo lugar como autor. Antes do Matos Ferreira. (Risos)
Fui comprar o livro, custa 250, 350 euros... Não sei do meu...
[GF] - Eu ainda tenho o que então comprei.
[RB] - Isto também foi-me integrando mais no Urbanismo./
Depois o Portas queria também uma outra coisa que é bestial, que é um projeto de investigação para o João Cravinho, sobre a reforma da lei urbanística, no qual o Portas era o chefe. Eu e o Manuel Sá tínhamos duas ações: Eu mais a questão da gestão urbanística, e o Manuel Sá mais a questão arquitetónica./
Tinha dois estagiários, que eram o Rui Barros e o Rui Cardoso. E trabalhámos aí todos, 3 ou 4 anos nisso. Pelo menos eu fiz um bocadinho./
Percorremos o país todo a entrevistar presidentes e engenheiros de Câmaras e a ver os arquivos e tal, a ver como é que andava o sistema de planeamento e... Isso criou uma grande...
[GF] - Na altura dos PDM’s?
[RB] - Também. Nós íamos ver os Planos de Urbanização, mas também muitos PDMs.
[GF] - Portanto, anos 90./
Tens essas dadas? Dos PU’s, dos PDM’s, e dos Decretos?
[RB] - É o D/L 69-90, o primeiro, que diz que é obrigatório durante um ano.../
Se tu fores ver o nosso relatório, que está na biblioteca, verás que 10 anos depois ainda faltavam 20.
[GF] - Era obrigatório...
[RB] - Ter planos, se não não tinhas financiamentos. Isso foi ainda na altura do Cavaco./
Claro que ninguém respeitou, só havia 8 ao fim da data, que eu acho que era 1 de janeiro de 1992.
[GF] - Porque é depois da adesão de Portugal à CE.
[RB] - Foi 1 de janeiro de 1992, não foi 1986, não./
Portanto, em 1992 tinhas que ter um plano. O que é que dizia o plano? “Pode construir ou não pode”. Atribuiu o valor aos terrenos, que até aí não havia. Era tudo muito casuístico.
[GF] - E os PDM’s...
[RB] - Os PDM’s obrigavam a dizer “sim ou não”.
Quando chegas aos anos 2000, isto vira completamente. Primeiro porque vira o Plano de Estudos. Agora não sei exatamente o ano.
Portanto, o Plano de Estudos, são 5 anos, e não 6 anos. Depois veio a pressão de Bolonha para reduzir para 4 anos. Lá se conseguiu que Arquitetura, Engenharia e Medicina ficassem com 5. A Annie Gunther sempre disse que foi uma luta de tentativa, não é? Uma luta contra o tempo./
Digo-te, como Presidente do Conselho Pedagógico, que uma parte importante dos professores aqui, ainda não percebeu que não tem as semanas que tinha antes. E quer fazer o mesmo, não pode. Eu, por exemplo, cortei. Sabes quantas aulas eu tenho? 8.
[GF] - Eu cortei 1/3 dos exercícios em relação ao que tinha antes.
[RB] - Eu tenho 8 aulas, o que é que eu faço em 8 aulas? Fiz 2 aulas teóricas e agora 2 práticas./
No 2º período faço 2 teóricas e 2 práticas. Depois 2 no fim para animar, não é?/
As cadeiras complementam-se e tudo, a I com a II e etc., mas é muito difícil ter essa possibilidade aqui...
[GF] - Houve um período em que havia internamente reuniões com o Nuno Portas, e reuniões sobre o papel do Urbanismo no Plano de Estudos.
[RB] - Sim, e perdeu-se desde que ele foi embora./
O Álvaro tem uma visão diferente, não é? Eu encostei-me ao meu cantinho.
[GF] - Houve uma redução.
[RB] - Toda a gente acha que a cadeira de Urbanística do 4º ano é facultativa, optativa. Não, mas é obrigatória./
Até pela maneira gráfica como é apresentada no Plano de Estudos, parece uma optativa. No outro dia, o José Maria Lopes, perguntou-me sobre isso, pensava que era optativa.
[GF] - Começaram a reduzir o 6º ano, o Projeto para semestral.../
O Mestrado também começa a funcionar pior e menos aqui. Por causa da FEUP, pelo que eu percebi...
[RB] - Aquilo que também começou a ser usado./
Isto foi dado por ordem da FEUP. Nós não temos condições aqui./
Se não tens outra hipótese, como é que fazes? A FEUP quis, levou./
Portanto, nem eu falo de nenhuma questão. Agora, o Urbanismo está reduzido./
É uma coisa que existe no CEAU. Na prática, na Escola, não se nota o Urbanismo./
Porque é o 5º ano, é o velho 5º ano.
[GF] - Há algum pessoal docente formado nesse Mestrado em Urbanismo.
[RB] - Sim há. Mas as três coisas fundamentais, eu acho que é o CEFA, é o Erasmus já agora, de que sou fundador, e o CEAU.
[GF] - O programa Erasmus, penso que foi fundado em 1989.
[RB] - Fez-se isto há 30 anos. Fez-se uma festa, até, em Milão.
[GF] - O Erasmus aqui no Porto começou com esses contactos na Europa.
[RB] - O primeiro Erasmus na Europa em Arquitetura foi o nosso./
Era Porto, Delft, Milão, Valladolid em 1989.
[GF] - O primeiro Erasmus da Arquitetura que existiu na Europa, foi o nosso?
[RB] - Sim. Fizemos a candidatura, e foi aprovado. Foram 2 alunos no primeiro ano./
Portanto, o Erasmus é uma coisa que abriu as cabeças e trouxe novidades, outras formas de pensar. Mostrou, como dizia o Jorge de Sena: “Se eu mandasse, punha cada português, pelo menos 15 dias no estrangeiro, sozinho" Não é nos grupos da camioneta para Benidorm”.
[GF] - O Erasmus teve essa qualidade.
[RB] - Pois, foi muita gente quase sozinha - embora tivéssemos tendência a enviar aos pares. E depois alguns ficavam lá a trabalhar em escritórios.
[GF] - Neste momento, quase 60% dos alunos faz Erasmus.
[RB] - Isso é outro problema. Foi mal gerido./
Foi gerido para resolver a questão do espaço./
Não havia espaço para meter um ano, portanto foi o ano inteiro. Foi muito fácil.
[GF] - Portanto, dizias o Erasmus e o CEFA, etc.
[RB] - Esta coisa que na Faculdade existe, que é a possibilidade dos estágios serem feitos cá dentro. Por exemplo, o CEFA, e o CEAU. A Faculdade está cheia de tipos com bolsas a fazer estágios, e que ajudam a didática. A didática também melhorou qualitativamente com isso. E o Urbanismo ainda tem muito isso; O Nuno Travasso, a Ana Fernandes, a Teresa Calix. Há todo um leque de pessoas a dar aulas./
Todos, exceto o do Rui Mealha, que está ligado à profissão, estão ligados ao CEAU. Portanto, isso foi fundamental.
[GF] - Portanto, o Erasmus, o CEFA, e os estágios cá dentro.
[RB] - Sim, é um tipo de debate./
O debate não é o que vem nos livros. O que vem nos livros é a consolidação de 20 anos depois. Cada vez mais, cada vez menos há livros. O livro é um clássico que passa.
[GF] - Já há menos livros e revistas, tudo transitou para o online. Houve aqui umas mudanças./
IV.
[RB] - Eu fui o presidente do júri de 1003 alunos. Puseram-me lá porque eu tinha uma boa relação com os alunos./
Lembras-te de quando os alunos fizeram o muro, e veio a SIC? Ficou tudo a tremer. Era o ano do André Tavares.
[GF] - Sim, foi na minha altura.
[RB] - De repente, toda a gente começou a investir nas provas.
[GF] - O muro se calhar não teve a ver só com as provas... Mas acho que pelo que contribuíram para o somatório de classificação final
[RB] - Era contra o sistema de classificação! O Relatório de estágio não era a última coisa do curso. Era feito antes e valia o dobro da média de curso./
Podias fazer cadeiras depois. E o Távora disse. “Não senhor, o relatório de estágio vale o mesmo que uma cadeira normal.”/
E o muro nasceu por isso. E depois eu é que arranjei um sistema para percentualmente ir reduzindo.
[GF] - Todos os anos diminuía um bocadinho.
[RB] - Foi uma altura bestial, em que a biblioteca ficou cheia de conhecimento - não tinha conhecimento próprio./
Portanto, são estas 3 frentes. Mandámos alunos para fora, pô-los a ajudar cá dentro e a ajudar a didática, sempre capaz de desenformar o corpo docente que começou com o Luís Viegas, então no Mestrado. E, por fim, esta coisa da prova final. De repente, todas as pessoas, toda a gente, tu próprio... Eu, como era presidente, estive sempre mais puxado para trás./
A Escola passou a ter um grande património disciplinar, que está na Biblioteca, encerrada a 7 chaves (muito pouco consultado).
[GF] - Eu orientei uma prova sobre as provas que tinham sido feitas até a data coincidente com o período de direção do Barata.
[RB] - Depois, a nova mexida no Plano de Estudo, que acaba com esta última.
[GF] - O Nuno Portas já saiu há 15 anos. Nascera em 1934.
[RB] - O Portas tem mais 18 anos que eu./
Vai fazer este ano 86. Ele tem 85 anos./
Ele saiu quase exatamente há 15 anos./
Portanto, quando o Portas saiu, o Manuel Sá não aguentou.
[GF] - O Manuel Sá nasceu em 1943, tem mais de 9 anos do que tu.
[RB] - Também saiu já há 7 anos. Nota-se mais o peso, não é?
[GF] - Depois, ficaste tu e o Álvaro Domingues.
[RB] - O Álvaro veio aqui para este cantinho. Eu fiquei sozinho. Autoisolante também, parcialmente, mas não me posso queixar./
E o que é que eu fiz? Comecei-me a meter a fazer Planos, não é?
[GF] - Qual é o ano do primeiro Plano em que trabalhas? Será o “Plano do Nisa” em 2003?
[RB] - Fiz Nisa, Belmonte, e dirigi ainda outros.
[GF] - Tudo a partir do CEFA.
[RB] - Sim./
Agora estamos a fazer uma coisa sobre cidades de fundação.
[GF] - Fizeste também um projeto em Vigo, na fronteira.
[RB] - Sim. E outras coisas pelo caminho.
[GF] - Mas a imagem a passar, é de que havia aqui um corpo de Urbanismo./
E falaste de várias plataformas que quanto a ti abriram na Escola nos anos 90./
Eu no início da conversa comecei por te abordar sobre os anos 70, 80. Depois avançaste para a década de 90. Referiste o Programa Erasmus, o CEFA, o CEAU, etc.
[RB] - E formação pessoal em Urbanismo./
Por exemplo, o José Miguel não era de Urbanismo. Tu podes dizer que aquele Mestrado é de Urbanismo. Mas, o José Miguel não é propriamente de Urbanismo.
[GF] - Tu estavas no júri da Prova do José Miguel?
[RB] - Sim./
Há muita coisa que ficou dessa formação. Mas há muitos que seguiram o seu caminho. Por exemplo, a Ana Alves Costa, o Alberto Lage, o Rui Cardoso.../
Se te começo a dizer quem é que passou por esse Mestrado aqui da Escola... São dezenas./
[GF] - Depois desenvolveu-se o Doutoramento, que constituía outra fase.
[RB] - Há o Doutoramento. Mais uma vez, foi o Portas, não é?
[GF] - O nosso PDA começou em 2008, mas a linha de Urbanismo só surgiria muito depois.
[RB] - Acho que foi o Portas./
Estava já formado, mas foi ele que trouxe a ideia./
O Doutoramento não começou em Urbanismo, começou em... Acho que História e Projeto. Era o A e o B.
[GF] - Pois. Exatamente, começou com os perfis A e o B./
Um era dirigido pelo Domingos Tavares e outro pelo Alves Costa.
[RB] - E lentamente, o Portas disse: “Então vamos lá fazer também um, já com a tradição do Mestrado em Planeamento e Projeto de Ambiente Urbano”./
Que era o Mestrado de 2º nível, não é?
[GF] - Essa linha do PDA em Urbanismo, penso que abriu por volta de 2010.
[RB] - Sei quem são os primeiros alunos ainda.
[GF] - Percorremos uma história que tem a ver com os primórdios da Faculdade./
Há bocado disseste que falar sobre o Távora “demorava um dia”. Depois fizeste um par de comentários sobre o Domingos Tavares e sobre o “Plano da Póvoa”, etc./
De facto, a tal história da Escola pintada pela sequência de direções./
Tu estiveste uns anos na direção da Faculdade, mais especificamente no 1º mandato do Domingos Tavares./
Quais eram os desafios que tinham nessa altura?
[RB] - O 1º grande desafio então, fora de resolver o 25 de abril, e dar credibilidade à Escola. Eu entrei ainda no fim dessa frase./
O 2º desafio foi dar credibilidade à Faculdade de Arquitetura. E controlá-la. (Risos)/
Porque a Faculdade de Arquitetura funcionou ali na Reitoria, não é? Portanto, foi o segundo grande desafio./
Eu acho que o 3º grande desafio foi, talvez, Bolonha.
[GF] - Bolonha também deve ser em 2008.
[RB] - Bolonha pôs em causa isto tudo.
[GF] - Esta coisa do ensino de massas. Há aqui alguma...
[RB] - Eu estava a ler o relatório do PDA, porque tenho de dar um parecer. E, pronto, há com cada uma.../
Eu, o ano passado, no Doutoramento, tinha 6, 7 alunos. Dois portugueses e uma inglesa, cinco brasileiros, dos quais 2 tinham algumas dificuldades./
Acho que agora são 5 alunos. Curiosamente, eu acho que ali tem mais teses, não do Urbanismo, mas de outras áreas./
Por exemplo, a questão das Escolas abriu muito. O Paulo Lousinha estava a trabalhar assim. Estava a fazer o Doutoramento comigo sobre as Escolas. Não é do Urbanismo./
V.
[GF] - Podemos retomar à altura em que estiveste na direção, no início dos anos 2000?
[RB] - Em 2003.
[GF] - Quais eram os desafios nessa altura?
[RB] - Os desafios nessa altura?/
Não havia, assim, grandes questões, para dizer a verdade./
A questão da massa chegou mais tarde.
[GF] - Quando chegou a questão das “massas”?
[RB] - Chegou... Eu penso que já lá não estava quando chegou./
Portanto, já foi para aí em 2005./
O primeiro a apertar o dinheiro, assim, que se sentisse, foi o Durão Barroso.
[GF] - O Governo do Durão Barroso...
[RB] - Foi o primeiro Governo que apertou, realmente./
Isto, começou a apertar por volta dessa altura. Aliás, ele próprio dizia que o país estava... O que aconteceu foi que, realmente, o Estado estava em crise.
[GF] - A crise foi em 2008.
[RB] - E começou a apertar./
Portanto, começou com o Durão Barroso, e depois o Governo de Sócrates, com a crise dos empréstimos externos.
[GF] - É aí que começa o “subprime”./
Não é esse o termo económico?
[RB] - Sim, mas não foi por isso.
[GF] - É os bancos a emprestarem dinheiro a quem não pode pagar.
[RB] - E agora estamos a pagar. Olha, mais um milhão para o Espírito Santo./
Quer dizer, venderam o Espírito Santo, e todos os anos lhe dão dinheiro.../
Venderam a um fundo Americano. E todos os anos têm que lá pôr mil milhões./
Ou seja, temos que pôr nós, não é?
[GF] - Acho que está no Orçamento de Estado?
[RB] - É menos serviço. Ou menos qualquer coisa.../
É menos várias coisas. Agora, isso é que é a política. Menos o quê?/
Por exemplo, olha a situação laboral aqui na Faculdade. Onde chegamos, não é?/
Alguns a ganhar...
[GF] - Acho que houve...
[RB] - Ainda hoje estava a ver. A população cresceu, a nível mundial... Era sobre Madrid, a propósito desta questão do vírus. A população da região de Madrid, a comunidade... Além da cidade, tem outra cidade. A cidade municipal tem outra. Entre 2010 e 2018, aumentou 500 mil pessoas, e perdeu 5 mil trabalhadores sanitários./
Isto tem que se pagar./
Não há dinheiro?
[GF] - Retomando à história específica da FAUP. Ao período de direção pelo Alexandre Alves Costa, sucedeu-se o período pelo Manuel Correia Fernandes, que antecedeu o período de direção do Domingo Tavares, de que participaste no 1º mandato./
Recordas alguma coisa desse período?
[RB] - Eram as discussões habituais, mas... Só não liguei as duas coisas./
O centro de investigação com o Portas como diretor e o Manuel Correia Fernandes no diretivo da Faupfui eu responder pelo CEAU perante a Comissao de Avaliaçao./
Eu apanhei uma dose.. O Fernando Gil é que me salvou. O Nuno Portas estava em Barcelona e o Manuel Correia Fernandes disse que tinha que fazer no escritório. E portanto, fui lá eu. Perguntaram-me: “Então, e o Portas?”, “Ah, o Portas está em Barcelona, no UIA”. “Ah, mas eu também sou da UIA e estou aqui. Então, o chefe não está cá?”/
Eu sempre me sujeitei, porque se o Portas me mandava deitar ali ao poço... Nem discuto. Mas compreendemos que é uma pessoa de generosidade./
Mas à parte disso, houve sempre assim coisas.../
Foi sempre com a certa continuidade. É capaz, se tu fores esmiuçar à miudeza.../
Eu acho que o primeiro grande golpe foi a passagem do sistema de provimento./
Portanto, há um orçamento do Estado que te dá 100 para papel higiênico. E no princípio do ano tens 100. Todos os dias tiras. Quando falta, vais buscar ao papel de fotocópias... Porque já tinhas posto mais no papel de fotocópias, que era mais fácil de justificar, porque havia quem se calhar levasse papel higiênico para casa, etc. Enfim./
Bem, o que é que se fazia? Como a fatura era do mesmo fornecedor, “O que é quer na fatura? Só o papel higiênico ou também o papel A4?”
[GF] - Dizes que era a mecânica orçamental da Escola...
[RB] - Havia uma lotação que era sempre igual de ano para ano, ou aumentava relativamente com a taxa de inflação, umas coisas assim. Isto acabou com o meu estímulo na direção./
Não é para me elogiar, eu não quero. É uma coisa que foi sempre ligada às questões da gestão. A gestão foi sempre feita “à padeiro”, “à mercearia”./
Eu tentei introduzir e consegui, por exemplo, na Biblioteca, uma gestão previsional. Portanto, eu dizia: “Quanto é que é preciso gastar por ano?”. Até porque quando entrou o sistema...
[GF] - Portanto, entrou um sistema de contabilidade “comercial” na gestão das contas da Escola?
[RB] - Foi um golpe porque, por exemplo, metade do pessoal não sabia trabalhar com aquilo. Não te lembras da questão do Tesoureiro? Eu tive que “mandá-lo embora”. O homem foi, porque não queria mexer na máquina de pagamento no multibanco por causa das propinas. O homem fazia as propinas à mão. Já viram o que é registar tudo isso... Nunca foi ao banco, nem para abrir a conta./
Os homens do banco não sabiam quem ele era, nunca lhe viram a cara.
[GF] - O que recordas do período de direção do Domingos Tavares?
[RB] - O Domingos, com uma grande sensibilidade humana, apoiou muita gente a subir na vida. Por exemplo, a tesoureira entrou a tirar fotocópias. Ele mandou-a fazer uns cursos, e foi subindo./
Como o caso de mais gente, o Jorge por exemplo, a Conceição.../
[GF] - Dizes que o Domingos Tavares introduziu melhorias também a nível da administração?
[RB] - Tinha que ser./
Deixou de ser possível fazer gestão de merceeiro./
Tinha que se fazer previsão. Depois há outra coisa. O sistema das faturas deixou-os loucos. Não sabiam o que era uma fatura. A função pública pode funcionar assim: “Traga já o recibo, que depois logo lhe pagam”. Não existe isso, no mundo comercial, não existe.
[GF] - E era um período em que se crescia em complexidade.
[RB] - Pois./
O segundo choque foi um choque, que depois não se normalizou./
O aparato da casa não funcionava. Eu tive que ensinar a fazer aquelas coisas, com a ajuda fantástica do Domingos Tavares, que promoveu as pessoas certas, do meu ponto de vista.
[GF] - Ao período da direção pelo Domingos Tavares, seguiu-se o período da direção pelo Francisco Barata.
[RB] - O Domingos tinha outra coisa, que era, só tratava de assuntos que ele achava que eram essenciais para a cultura disciplinar./
A miudeza, deixava andar. Pior, muitas sobravam para mim./
O Francisco Barata, no meu ponto de vista... Era um tipo com algum medo que a Escola fosse associada a não sei o quê...
Fez coisas que eu acho que não haviam de ter sido feitas. Por exemplo, entregar a Livraria aos estudantes, que eu sempre resisti, e que acabou por ser entregue./
Lixou-se a divulgação da produção da Escola./
Não há hipótese de divulgares um livro. Eu acabei de desistir de fazer um livro./
Eu estava para fazer um livro em Milão. Gostava mesmo, mas tinha que ser traduzido./
Descrevi à senhora do Politécnico, e andaria aí, penhorado um mês ou dois./
E disse. “Para quê? Para ficar no armazém, aqui?”. Porque antigamente a FNAC comprava. Mas quando os alunos tomaram conta daquilo, começaram a fazer 20% de desconto. A FNAC começou a deixar de vender. Porque a FNAC... Nós fazíamos 30% de desconto à FNAC./
Mas eles não podiam, com esse 30% concorrer com os 20% que os alunos fazem a todos, a qualquer um. Eu também sou sócio, portanto também usufruo desse desconto.
[GF] - Durante o período de direção pelo Francisco Barata, não se deixaram de enfrentar desafios, por exemplo Bolonha, entre outros.
[RB] - Deixou de haver aquela facilidade de gerir dinheiros./
Depois ele, no princípio, acho que devia ter tido mais cuidado com o pessoal./
Coisa que o Domingos tinha sempre toda a gente a aplaudir. O Domingos era um Deus, não é?/
Depois o Carlos Guimarães tentou recuperar isso.
[GF] - Em determinado momento foi desenvolvido o Mestrado em Património.
[RB] - Ele começou por um curso que dava acesso, a não sei o que... Aliás, ele nasce depois do Urbanismo./
Eu acho que os desafios foram menos, do ponto de vista... Tem 4 fases. Do ponto de vista administrativo, é a redução drástica do Durão Barroso em 2004/2005. É o Domingos que apanha essa dificuldade, com o Madureira./
O segundo grande desafio está a ser agora, no fim do Carlos Guimarães e no princípio do João Pedro Xavier.
[GF] - Foi no período coincidente com a direção da Escola pelo Francisco Barata.
[RB] - Com o Barata, a Escola deixou de ter autonomia financeira. Defendi sempre que devíamos ter um número de contribuinte próprio... Temos o número de contribuinte da Reitoria. Houve casos em que o dinheiro tinha ido parar à Faculdade de Medicina porque o contribuinte era o mesmo. Por acaso descobriu-se, mas porque eu mexi.../
Não faz sentido. A Faculdade de Engenharia tem números próprios. Isto implicava também ter um gestor próprio./
Depois tivemos um gestor que veio tratar da contabilidade na passagem do choque de.../
Não há dinheiro, e não se arranja a Faculdade./
Um gestor que veio se calhar a aumentar a tela do choque entre a passagem da contabilidade de mercearia para a contabilidade comercial.
[GF] - Na altura do Carlos Guimarães a Faculdade foi reabilitada e pintada.
[RB] - Sim, sim.
[GF] - E agora mais recentemente?
[RB] - Eu sou membro do Senado. Cada vez que vou ao Senado, tenho de ouvir o discurso do Reitor a dizer que não há dinheiro. Que o Governo tirou mais 10%, mais 1%, etc./
No fundo, estão a dar à investigação e a tirar o ensino. Acabaram por tirar à investigação também./
Aliás, o Reitor, na última sessão do Senado, disse: “Preparem-se todos para ter que ir a aulas partilhadas com outras Universidades. Você é especialista em quê? Teoria de Arquitetura? Põe-se ali na História da Arte. Não vai ser muito fácil, mas vai acontecer, vamos ter que começar a andar”./
Depois dizia: “Olha, hoje vais dar aulas em Belas Artes, amanhã vai dar aulas a Ciências, conforme as tuas competências”.
[GF] - Mas nos Planos de Estudos, teriam desenvolvido discussões, e não se identifica grandes alterações.../
Falava-se há bocado da minimização do Urbanismo... Mas a questão do tempo excessivo para terminar as provas finais constituía aspetos já identificados há algum tempo.
[RB] - Acho que temos tentado discutir a questão, mas é muito difícil, porque há muitos interesses misturados, há muitas opiniões contraditórias, não há aliança./
Eu sempre pergunto à Escola... O principal problema da Escola, neste momento, é que não há aliança./
Foi-se embora o Portas, foi-se embora o Alexandre, o Domingos, encostaram-no à boxe. Começaram a dizer que o que ele escrevia não era completamente verdade.
[GF] - O legado da História?/
O Domingos Tavares é impressionante, a obra que foi escrevendo.
[RB] - É impressionante, não é?/
O Doutoramento... Porque é que quase não tem alunos portugueses?/
Para já só tenho 3. Eram 5, depois eram 4, agora são 3. Alguns dizem que estão a fazer o Doutoramento apenas para ir para a docência. Ninguém contrata ninguém que não tenha um Doutoramento./
VI.
[GF] - Tens estado no Conselho Pedagógico? Mas passaste por outros órgãos.
[RB] - Em todos./
Conselho Representante... Para já, a Mesa da Reunião Geral de Professores da Escola de Belas Artes, depois a Assembleia de Representantes da Faculdade.
[GF] - Em que posições?
[RB] - Vice-Presidente na Mesa da Reunião Geral de Pessoas da Escola de Belas Artes e estive como membro da Assembleia de Representantes da Faculdade durante bastantes anos. Depois fui Vice-Presidente - embora Presidente em exercício, porque o Domingos esteve doente, embora me ajudasse e colaborasse./
Depois, foi para o Pedagógico em 2005, quando saiu o José Salgado. Eu era primeiro suplente e ocupei o lugar dele.
[GF] - Enquanto a Annie Gunther era Presidente?
[RB] - Sim./
E eu fui para o lugar dele como membro.
[GF] - Depois, em 2009-2012, és eleito para o C.P. e tornas-te Presidente do Conselho Pedagógico.
[RB] - Sim, há 10 anos, por eleição.
[GF] - A discussão dos Planos de Estudos é algo que tem sido feito pelas diversas direções. Promoveram-se algumas discussões.
[RB] - A semana passada diziam: “Vocês andam a perseguir o PDA”. Esta é a imagem... E porquê? Porque o Conselho Pedagógico ouve os alunos./
Houve uma altura em que eu fazia...
[GF] - Referiste as práticas de “monotorização” pedagógica, que se continuam a fazer paralelamente aos “inquéritos” propriamente ditos./
Mas agora, sobre o futuro. Falámos de direções, de eventos a nível científico, a nível pedagógico, falaste de pessoal. A 2 anos de te reformares, como planeias o futuro?
[RB] - O futuro...
[GF] - Sim. Já é noite, e estamos numa sala a olhar para o jardim do pavilhão Carlos Ramos. O que imaginas como o futuro científico e pedagógico deste meio?
[RB] - Ainda tem, idealmente, Projeto./
As Públicas têm o melhor processo de ensino. Há até, algumas parecidas, como o caso de Coimbra. Mas ainda batemos os pontos de todas as outras.
[GF] - Sobretudo em Projeto, ou todas as áreas do Plano de Estudos?
[RB] - Não, sobretudo em Projeto. As pessoas vêm para cá por algum motivo também. (Risos)/
Quem quer vir, eu penso que seja pela metodologia de ensino de Projeto./
Em Milão, não tinha nada a ver. Sabem muito de História, pensam na história de maneira diferente. A Teoria anda mais ou menos a par com o nosso curso./
O Politécnico de Milão, onde fui professor convidado entre 2014 e 2018, é a 10ª Escola nos Rankings do mundo.
[GF] - Dizias que não estamos mal no campo de Teoria na Faculdade?
[RB] - Nem a Teoria nem a História./
História da Arquitetura Portuguesa é difícil, perdeu um grupo de interessados forte.
[GF] - Rui, ficamos por aqui, a noite está a cair. Obrigado.
9/25/25
9/17/25
9/15/25
CONVERSAS SOBRE A ESCOLA DO PORTO_37 _ Rodrigo Coelho (com Gonçalo Furtado)
CONVERSA SOBRE ARQUITETURA E ESCOLA DO PORTO _ JULHO 2022
(Rodrigo Coelho, com Gonçalo Furtado)
I.
[Gonçalo Furtado] - Rodrigo, propunha conversarmos sobre a Escola e tuas memórias./
Ingressaste na FAUP em 1989/90, e terminaste a licenciatura em 1995.
[Rodrigo Coelho] - Entrei em 1989/90. Que na verdade foi 1990, porque foi o 1º ano da PGA (Prova Geral de Acesso) e houve um atraso grande no arranque do ano letivo.
[GF[ - Data de 1989, o 1º ano em que houve Prova Geral de Acesso.
[RC[ - Essa circunstância atrasou a entrada neste ano, portanto as aulas só começaram na verdade em janeiro. O ano académico é o de 1989/90, mas as aulas começaram em janeiro, e terminaram muito mais tarde do que é habitual. Em julho, se não mesmo início de agosto./
O Mestrado, iniciei em 1999. E terminei em 2001, em julho.
[GF] - Em 2001, fomos colegas no Mestrado./
Comecei a dar aulas em Projeto do 1º ano, com o Sérgio Fernandez, onde fomos colegas./
E o teu Doutoramento?
[RC] - Data de início... Eu tenho sempre dúvidas, mas eu julgo que oficialmente a minha proposta foi aceite em março de 2006.
[GF] - E fizeste a sua apresentação em janeiro de 2012.
Ensinaste sempre em Projeto.
[RC] - Sim, ensinei sempre projeto.
[GF] - Primeiro no 1º ano.
[RC] - Sim. Portanto, entrei em 1998 como assistente estagiário … embora tenha sido monitor do 5º ano de Projeto em 1996/97.
[GF] - Pois. Eu entrei como monitor em Projecto do 2º ano em 1998/99./
[RC] - E depois, em 1997/98, comecei a dar aulas de Projeto ao 1º ano.
Sendo que o contrato, oficialmente, começa em março de 1998.
[GF] - Então estiveste desde esse ano até 2005/06 no 1º ano./
Depois tiveste licença de Doutoramento até 2009?/
E, em 2009-2010, começaste a dar aulas ao 2º ano.
[RC] - Desde então mantive-me no Projeto 2.
[GF] - Assumiste a regência partilhada em 2019/20?
[RC] - Sim, desde o ano letivo de 2019/2020.
Este ano de 2022 eu não estou a dar aulas.
[GF] - Porque estás de licença sabática./
II.
[GF] - Agradecia então se pudesses partilhar as tuas memórias do curso. Portanto, O curso, resumidamente tem 5 áreas, sendo normal que fales mais de umas do que outras. Podias, em geral, dar uma panorâmica do curso?/
O 1º ano é importante, contactava-se logo com figuras icónicas, e depois com outras. Podes falar das que, para ti, tenham sido importantes.
[RC] - Eu, na verdade, tenho alguma pena de o dizer, mas sinto que tive realmente uma formação algo desequilibrada. Penso que hoje os alunos têm uma formação mais sólida e mais completa.
[GF] - Dizes que os alunos têm hoje uma formação mais completa.
[RC] - Eu tenha essa impressão. Sobretudo porque sinto que houve algumas lacunas na minha formação, por não ter sido aluno de várias personagens importantes./
Eu não estive cá no 4º ano, estive a fazer Erasmus nesse ano, de 1992/93 no Politécnico de Milão. Portanto, não fui, aluno do Alexandre Alves Costa, não fui aluno do Domingos Tavares, nem do Manuel Mendes./
O que fez com que a minha formação, talvez, do ponto de vista da Teoria e da História, tenha ficado um pouco desequilibrada.
[GF] - Bem, em Milão deves ter tido, não?
[RC] - Tive. Quer dizer tive e não tive./
Na verdade, tive um professor de Teoria, do qual já não me lembro do nome - não sei se era o Casteloni – que não deixou propriamente grandes recordações./
Eu lembro-me que queria ter tido o Fulvio Irace como professor de teoria, mas eram muitos alunos a quererem o mesmo. As inscrições eram difíceis, portanto foi por isso que eu também não o tive como professor. Ao contrário do que realmente queria e esperava que pudesse acontecer.
[GF] - Mas, no 1º ano tiveste como professor Fernando Távora, por exemplo.
[RC] - Era isso que ia dizer atrás. Tirando essas personagens (Alves Costa, Domingos Tavares) que, de facto, não tive a sorte de ter como professores, o Távora tive de facto a sorte de poder ter como professor./
Para além de TGOE com o Fernando Távora, o Projeto I foi marcante.
[GF] - Quem tiveste em Projeto do 1º ano?
[RC] - Tive o Henrique Carvalho. Que foi realmente um professor importante na minha formação./
Depois, no 2º ano, tive a Teresa Fonseca./
No 3º ano, tive o Zé Gigante e o Rui Ramos.
[GF] - Eu no 1º ano tive o Alfredo Matos Ferreira e, no 3º ano, tive também o Rui Ramos.
[RC] - Era um ano estranho, porque estavam 2 professores para cada turma.
[GF] - Estavam 2 professores em cada turma, julgo que eram turmas maiores.
[RC[ - E o Gigante realmente foi um professor importante naquilo que foi a minha iniciação aos temas da Construção. Tive essa sorte de ter um professor de Projeto que também ensinava Construção; tal como no 3º ano de Projecto, o Zé Gigante também dava a cadeira de Construção. Eu acho que era isso. Ele dava Projeto à nossa turma e depois tínhamos Construção com ele, em ano.
[GF] - Ainda com… o benefício de uma continuidade entre Projeto e Construção.
[RC] - Tenho uma memória mais ou menos difusa das aulas de História./
Julgo que era o José Salgado que nos dava no 2º ano. Que era mais ou menos a História da Arquitetura Antiga, dada atualmente pelo Rui Tavares, que esteve muitos anos nas mãos do Domingos Tavares.
[GF] - Eu tive História de Arquitetura Antiga e Medieval no 1º ano, com o José Salgado.
[RC] - E lembro-me também do Manuel Teles, no 2º ano em Construção.
[GF] - Pois, eu tive o Manuel Teles a Construção no 2º ano.
[RC] - Mas o que tive depois, quer em Teoria, quer em História, foi, creio, pouco significativo na minha formação.
[GF] - E tiveste o Nuno Portas.
[RC] - Tive o Nuno Portas, é verdade. Mas eram temas – os urbanos – que, na altura, não atraíam tantos os estudantes.
[GF] - Era a disciplina de urbanismo ou urbanística. Era teórica.
[RC] - Era, era uma cadeira bastante teórica. Acho que eu na altura não teria talvez a maturidade para perceber a importância daqueles temas./
Formalmente víamos aquilo como uma cadeira teórica, se calhar sem a importância que hoje lhe atribuo. Portanto, não associo a uma disciplina tão importante na minha formação. Por ter sido vista com essa perspetiva.
[GF] - Nessa altura, não é?
Tu fizeste mestrado, em Cultura Urbana, do Ignasi Solà-Morales, em Barcelona. Também foste orientado pelo Xavier Costa./
O Luís Silva que esteve no 1º ano connosco, também fez o mestrado de Planeamento Urbano, aqui na FAUP.
[RC] - Mas depois no 5º ano, obviamente que voltei aos temas do Nuno Portas./
Fiz cá o 5º ano. Portanto, ao contrário de muitos colegas - o que atualmente ainda acontece - que vão para fora no último. Muitos dos meus colegas foram para Erasmus no 5º ano, e eu fiz cá.
[GF] - Podias escolher ir no 4º ano? Era mais frequente ir-se no 5º ano.
[RC] - O normal era ir no 5º. Eu fui no 4º ano, fugindo ao que seria normal naquele tempo.
[GF] - Eu também tive o Nuno Portas no 5º ano./
Acho que havia outro programa…, aquele de mobilidade. Se me lembro no 4º ano deves ter usufruído…/
Os estudantes iam quase todos no mesmo ano de Erasmus. E iam quase metade dos estudantes./
Se calhar havia uns que iam nesse ou noutro programa./
Seria por candidatura?
[RC] - Não era isso. Algumas pessoas que eu conheço fizeram o que na altura se chamava uma mobilidade Erasmus com estatuto de “free mover”. Eu fui num programa Erasmus normal, digamos assim.
[GF] - Havia no 4º e no 5º ano. A Faculdade tinha em 2 anos…
[RC] - Eu acho que sim. Acho que se podia ir na altura no 4º ou no 5º ano, não creio que fosse possível ir noutros anos./
Portanto, o 4º ano fiz fora, embora tenha tido uma experiência muito boa em Projeto no Politécnico de Milão, com um professor de projeto bastante bom, e que me marcou muito, que era o Remo Dorigati
[GF] - E, no 5º ano, tiveste a Projeto o Francisco Barata?
[RC] - O 5º ano foi muito importante. Fui aluno do Francisco Barata, que tinha realmente uma perspetiva muito morfológica do planeamento.
[GF] - Em Projeto do 5º ano, na altura, estava o Francisco Barata, o Carlos Guimarães, e o Rui Mealha. E o Manuel Fernandes Sá como regente.
[RC] - Não tenho agora a certeza, mas acho que eram só esses 3. E foi realmente importante./
O regente era o Manuel Fernandes de Sá.
E o Francisco tinha uma perspetiva muito morfológica, que não era do planeamento puro e duro./
Também introduzia e discutia escalas mais arquitetónicas.
[GF] - O Francisco Barata tinha aquela experiência ligada ao Manuel Fernandes de Sá. E tinha aquela bagagem que tinha trazido de Itália, em termos de abordagem morfológica, consciente da importância da forma da cidade e do espaço público, etc.
[RC] - Sim, e foi uma experiência que teve importância até naquilo que eu depois vim a fazer mais tarde, em termos de Doutoramento.
[GF] - Ele foi teu orientador de Doutoramento.
[RC] - Precisamente. O Francisco trouxe-me uma visão interessante daquilo que são as questões que se tratam no 5º ano.
E que me voltou realmente fazer regressar aos temas que o Portas tinha falado no 3º ano. Houve aqui um fechar de ciclo, e houve ao mesmo tempo alguma capacidade de perceber aquilo que tinha sido a aprendizagem nos anos anteriores, nomeadamente com o Nuno Portas./
Portanto, foi um percurso não muito forte na parte da Teoria e da História, mas que foi de algum modo compensado pela sorte que tive com a maioria dos professores de Projeto.
[GF] - E tiveste essas duas relações, em termos de contacto com mentores… O Portas e o Fernandes de Sá, e depois com o Francisco Barata. Com o Fernando Távora também já se tinha uma aprendizagem da relação da arquitetura com a cidade…
[RC] - Sim, isso foi importante.
[GF] - O teu Mestrado também já foi em cultura urbana, embora fosse completamente teórico. Depois, o teu Doutoramento, focou o tema do espaço público. Penso que ganhaste um prémio.
[RC] - Sim, foi com a tese de Doutoramento.
[GF] - Foi um prémio da Bienal de Arquitetura Ibero-americana de 2012.
[RC] - Sim, foi na 8ª edição da BIAU (Bienal de Arquitetura Ibero-americana)./
E portanto, em resumo, foram estes, mais ou menos, os pilares da minha formação./
III.
[GF] - Percorremos vários períodos./
Recordo-me que fizeste também parte de órgãos, ou direções./
Quando te formaste, a direção seria a de Alexandre Alves Costa?
[RC] - Eu acho que, como estudante, apanhei, o Távora como o diretor. Na altura, pelo menos uma parte, foi ele. Depois creio que foi o Alexandre Alves Costa.
[GF] - Já referiste que não tiveste o Alexandre Alves Costa como professor, uma personagem que foi marcante para muitas gerações./
Mas reténs algumas memórias dele? Sei que, pela proximidade que criaste depois com o professor Francisco Barata, sobre esse terás muito a dizer./
De que outras personagens da Escola te lembras?
[RC] - Sim, como disse não tive o Alexandre Alves Costa como professor o que, como disse, foi uma lacuna, mas acabei por beneficiar de um certo contacto indireto através do Sérgio Fernandez, sobretudo quando o Sérgio foi regente da disciplina de Projeto.
[GF] - Na altura era denominado Iniciação ao projeto, e atualmente denomina-se “Projeto 1”.
[RC] - Portanto foi muito por via do Sérgio que comecei a tomar conhecimento da importância da figura do Alexandre Alves Costa.
[GF] - As visitas ou viagens de estudo com o Sérgio Fernandez ... Posteriormente continuaram-se a fazer, com os assistentes dele e alunos do 1º ano, quando integrei essa equipe docente até 2004… Em determinado momento a Luísa Brandão ingressa também na equipe e, depois, a Ana Alves Costa.
[RC] - Pois, isso foi outro aspeto que senti seria importante, e que se prende com as viagens, que na altura em fui aluno não eram muito comuns. Não tivemos essa sorte, que agora os alunos têm, de fazer as visitas a Évora.
[GF] - A da viagem a Évora usufrui no meu 1º ano de estudante.
[RC] - Aquelas visitas a Évora são icónicas. Também por causa de termos começado as aulas em Janeiro, no meu primeiro ano, não fizemos a viagem a Évora. Mas tive realmente alguma pena…
[GF] - A tua maior proximidade ao Alexandre Alves Costa foi via Sérgio Fernandez? Actuou como meu orientador no início do doutoramento, em 2004.
[RC] - Sim, foi via Sérgio Fernandez./
Mas, quando estava no 5º ano, estava mais atento ao que se dizia sobre as aulas de história, da importância da História.
[GF] - História da Arquitetura Portuguesa.
[RC] - Exatamente.
[GF] - Aquela coisa de estar no espaço da escola de Belas artes, nos primeiros 2 anos, também introduzia aqui um corte ou distanciamento.
[RC] - Eu acho que nos punha um pouco mais afastados.
[GF] - Podes me falar desse ambiente?
[RC] - Sim. O ambiente era, enfim, um bocadinho diferente do que estava habituado, para mim que vinha de um liceu normal ...
[GF] - O teu grupo era o dos estudantes de arquitetura… diferenciavam-se ou tinham uma autonomia em relação aos outros?
[RC] - Eu não sei, se calhar a minha memória está um pouco já distorcida pelo tempo que passou. Mas eu nunca tive, não sinto que tenha tido grande contato na altura com os meus colegas, mesmo do 2º ano. Portanto, que atualmente são nossos colegas aqui na Escola. Nem me lembro, ou lembro-me muito pouco./
Lembro-me, por exemplo, do João Paulo Loureiro, do Álvaro Leite Siza (filho do Álvaro Siza).
[GF] - O João Paulo Loureiro, filho do arquitecto Carlos Loureiro? Colaborei com Álvaro Leite Siza no 4º ou 5º ano… ou melhor, fiz algumas maquetas.
[RC] - Mas por exemplo não me lembro do Nuno Brandão.
[GF] - O Nuno Brandão andava no ano à frente do teu.
[RC] - Do ano do José Miguel Rodrigues e do Luís Viegas.
[GF] - O Luís Viegas também estava em Viseu.
[RC] - Portanto, mesmo nas Belas Artes havia aqui uma certa segmentação entre 1º e 2º ano, digamos.
[GF] - Uma dispersão dos anos?
[RC] - Que nessa altura prejudicava muito o ambiente de Escola./
Portanto, na verdade isso também acaba por se passar com os professores. Eu tinha um contato muito próximo com os professores, obviamente, do Projeto daqueles anos, 1º e 2º ano, porque tinha aulas no mesmo piso…
[GF] - Penso que o 2º ano nas Belas artes, decorria no piso de baixo./
E que o 1º ano era no piso de cima.
[RC] - Portanto, realmente para além daqueles encontros que tinham lugar ali no Jardim das Belas artes e na cantina, eu acho que não tinha grande contacto com os estudantes dos anos acima ou abaixo (quando estava no 2º ano).
[GF] - Esse ambiente nas Belas artes…, às vezes quando as pessoas se recordam… referem-no como algo que se perdeu.
[RC] - Era interessante. De repente uma pessoa sentava-se ali na cantina para almoçar, e sentava-se ao nosso lado um estudante de Belas-artes, de Pintura ou Escultura. Era interessante ter contato com essas pessoas, e viver assim um ambiente um pouco mais diversificado, desse ponto de vista./
Obviamente com vantagens, como seja uma certa contaminação que acabava por existir.
[GF] - Vantagens de uma certa diversidade e contaminação.
[RC] - Sim, mas com a desvantagem de estarmos longe dos anos mais avançados. E de estarmos longe dos restantes professores na Escola./
Depois, houve esse corte que tive no 4º ano, e depois viemos para aqui, para o novo edifício da FAUP.
[GF] - Para o Pavilhão Carlos Ramos?
[RC] - Sim.
[GF] - O 4º ano estava decorria no piso de baixo.
[RC] - Mas eu também acho que nós andámos um pouco “encarneirados”. Vínhamos das Belas-artes como uma espécie de “bolha”, e depois chegamos cá, no 3º ano e essa “bolha” manteve-se. Embora já estivessem cá os alunos do 4º, com quem tínhamos estado nas Belas Artes dois anos antes.
[GF] - Andavam com o vosso grupinho. Depois iam para Erasmus. No teu caso foste logo no 4º ano, e depois regressas no 5º ano.
[RC] - Onde já não está muita gente.
[GF] - Portanto, digamos que as relações ao longo do curso foram algo efémeras. Não constituíram relações basilares para ti.
[RC] - Não, eu acho que não.
[GF] - Ressaltas a disciplina do Nuno Portas e, no 3º ano, o Francisco Barata./
Ressalvas ter tido para ti menor influência o ambiente das Belas artes. Que outras coisas constituíram para ti, matérias de interesse/estudo? Para lá dos colegas, e do ambiente.
[RC] - Também não posso dizer que fosse um estudante muito envolvido na vida da escola. Seja na associação de estudantes, seja com assuntos ligados à Associação de Estudantes. Embora tivesse colegas que estivessem envolvidos.
[GF] - Nessa altura, era o Luís Calau?
[RC] - Era o Calau. Tínhamos uma relação bastante boa com o Calau. E julgo que o Nuno Valentim também estava na AEFAUP.
[GF] - O Nuno Valentim chegou a estar na associação.
[RC] - O Valentim vinha comigo desde o liceu, portanto, já tinha sido meu colega.
Nunca fui muito atraído por essa vida associativa da Escola. Portanto, tudo isso... enfim, também tive um percalço na altura.
[GF] - De saúde.
[RC] - Foi uma operação que tive de fazer ao joelho. Tive muito tempo em fisioterapia, portanto houve aqui também fatores externos que me obrigaram a estar um pouco fora da escola. Isso foi no 2º e no 3º, em que tive de fazer duas operações ao joelho, o que obrigava a uma certa …
[GF] - Repartição do tempo com outras coisas.
[RC] - Exatamente. Não estava totalmente disponível. Lembro-me de ter bastante fisioterapia no 3º ano.
[GF] - Do que propriamente a vida na Escola.
[RC] - Daquilo que era a vida da Escola, exatamente. Agora, voltando às direções em relação às direções, eu acho que na altura ... passava-nos um pouco ao lado quem era, por exemplo, o diretor ou o presidente do Conselho Científico. Na altura, penso que era tudo um pouco mais informal e havia quem não estivesse tão atento, como era o meu caso, tão ligado./
IV.
[GF] - E o Alberto Carneiro, se calhar foi importante na tua formação?
[RC] - Desculpa voltar atrás./
O Desenho tal como o Projeto, foi muito importante na minha formação. Os dois primeiros anos eram únicos, não é?
[GF] - Mas, tu hoje, quando projetas, estes campos são-te importantes?/
O que achas relativamente a isso? Por exemplo, no que concerne ao Desenho… É comum, dizer-se possuir muita importância na formação.
[RC] - Sim, sem dúvida. Na área do desenho o Joaquim Vieira foi para mim uma referência fundamental. Tudo que aprendi no que se refere ao desenho devo-o ao Joaquim Vieira, e de forma mais indireta (e num plano mais conceptual) ao Alberto Carneiro
[GF] - E, na tua opinião, a formação em Teoria e História também é importante?
[RC] - É importante, claro! E quando eu digo que tive uma falha no curso, é porque eu reconheço a sua importância. Porque, naturalmente, tive consciência das lacunas que tive a esse nível. Como também ao nível, por exemplo dos Sistemas Estruturais que também não tive, porque era no 4º ano.
[GF] - Sentiste falta depois?
[RC] - Aquilo que eu senti foi que tinha uma debilidade. Ao ponto de, e isso é curioso, a minha entrada na Faculdade de dever ao reconhecimento dessa debilidade./
Eu tive construção praticamente, e apenas no 3º ano, com o Gigante. E a consciência que tive dessa lacuna, foi o que me levou a concorrer a um concurso para monitor de Construção.
[GF] - Concorreste para monitor de Construção. Entraste, e acabaste por ir para monitor de 5º ano com o Carlos Guimarães.
[RC] - Na altura concorri para ser monitor do José Gigante. Foi isso que me trouxe à Faculdade, porque eu concorri e entrei nesse concurso./
Depois acabei por não ir para Construção. Porque houve depois uma alteração, e o Gigante deixou de ser o responsável de construção 2 ... Não sei até se deixou de ser professor na Escola, mas na verdade houve depois uma alteração de planos e acabei por entrar como monitor do 5º ano de Projeto. Fui monitor do Carlos Guimarães e foi aí, que, na verdade, pouso o pé na Faculdade.
[GF] - No teu 1º ano como monitor estiveste então a lecionar no 5º ano.
[RC] - Depois entusiasmei-me, e concorri no ano seguinte para um concurso de assistente estagiário na área de Projeto./
E fui para a área de Projeto, foi aí que entrei para o 1º ano como assistente estagiário do Sérgio Fernandez.
[GF] - Foste assistente do Sérgio Fernandez, lecionando uma das turmas.
[RC] - Sim, quando entrei para o 1º ano.
[GF] - Ah.
[RC] - Mas pronto, voltando atrás e resumindo: quando refiro a importância que tiveram para mim as disciplinas do Projeto e do Desenho, não é por as outras não terem a mesma importância - que têm – por isso lamento, de facto, não ter tido essa formação tão abrangente, que eu acho que era importante ter tido e não tive, pelas circunstâncias que descrevi atrás - porque havia professores que estavam fora, por exemplo./
Pese embora, mesmo assim, tive alguns professores importantes. O Távora realmente foi fundamental. São inesquecíveis aquelas aulas à sexta-feira de manhã - que era um horário mau para estudantes caloiros que gostavam de sair à noite ... - com o auditório cheio. Ficou para sempre marcado na minha memória o Távora a falar de assuntos interessantíssimos enquanto fazia aqueles desenhos magníficos, que todos conhecemos.
[GF] - No Fernando Távora… O desenho era uma ferramenta de ensino, em aulas extraordinárias de Introdução à Arquitetura.
[RC] - Mas com uma dimensão muito interessante... que juntava história, história da cidade e arquitetura
[GF] - Arquitetura. Entendendo Arquitetura de uma forma holística… em que contava histórias de maneira sedutora e que posicionava os alunos perante o panorama e amplitude da arquitetura e da organização do espaço.
[RC] - Foram realmente aulas fundamentais.
Tive no 1º ano. Foi um “bingo”! Aí sim, tive um ano. Embora um ano curto, foi muito intenso./
Tive, apesar de tudo, sorte de ter sido aluno do Távora. Porque passado poucos anos ele reformou-se. Tu ainda foste aluno dele?
[GF] - Em 1993 deu a última aula.
[GF] - Mas falavas no Desenho. Portanto, lembras-te…
[RC] - Foi o Joaquim Vieira no 1º ano de Desenho. Foi para mim fundamental - como atrás referi.
[GF] - Em termos instrumentais, adquiriste o desenho como ferramenta.
[RC] - Sim, e aí foi fundamental o Joaquim Vieira./
No 2º ano tinha o Alberto Carneiro (como regente). As aulas teóricas do Carneiro realmente eram míticas. Tinha aquela capacidade de seduzir os alunos, tinha, de facto, uma enorme presença nas aulas.
[GF] - O Alberto Carneiro e sua presença, era marcante...
[RC] - A maneira como falava era muito teatral. Naquelas aulas, os silêncios, a entoação, a maneira como ele comunicava eram chave ... era uma espécie de teatro e, portanto, havia ali um exagero e uma forma muito particular de expor as questões. O Alberto Carneiro foi realmente um professor bastante marcante.
[GF] - Dizes uma performance… uma experienciação do conteúdo oral, com entoação, pausas e silêncio.
[RC] - Também era uma performance, obviamente. Para além do conteúdo que era extremamente interessante. Porque, por um lado, abordava as questões de um ponto de vista, se quiseres mais filosófico, mas também quase antropológico./ Para além das questões técnicas, que também vinham associadas.
[GF] - Mas a interpretar os desenhos?
[RC] - Eu acho que não era só a interpretar desenhos.
[GF] - Ele aproveitava para falar de desenho e de outras coisas. Dizes filosofia e antropologia e…
[RC] - Aproveitava para falar de arte.
[GF] - O desenho era um pouco… um pretexto para falar da importância da expressão artística através do desenho./ Aludia frequentemente a coisas, como as questões sensoriais…
[RC] - Tudo aquilo era muito carnal. Isso era obviamente muito aliciante./
Essa capacidade de cruzar esses vários aspetos. Para além da presença dele (Alberto Carneiro), que quando ia para as aulas, ia passeando pelas salas, pelas várias turmas... Ele chegava e ficávamos em sentido, e qualquer comentário que ele fizesse, bebíamos aquilo de uma forma absoluta…
[GF] - Mas tinha impacto também no ensino de projeto não era? Porque o Desenho estava muito presente no Projeto.
[RC] - O Projeto de facto tinha uma presença muito forte. E o Desenho realmente estava quase em “pé de igualdade” com Projeto.
[GF] - Eu sei que é… O Desenho, eu acho que era...
[RC] - Julgo que era às terças-feiras de tarde. Mas lembro-me, tenho muito claro a memória de estar com Paulo Frade.
[GF] - O professor Paulo Frade.
[RC] - E o Carneiro e o professor do projeto, e portanto, as coisas a serem tratadas, tendo como pano de fundo o Projeto. E lembro-me realmente de o Carneiro opinar.
[GF] - Na experiência que tiveste com o Alberto Carneiro, aquilo… Eram conversas também sobre projeto, desenho de projecto, ou em cima do Projeto?
[RC] - Sobre Projeto. E lembro-me inclusivamente de o Carneiro fazer, no fundo, comentários também ao próprio Projeto. De uma forma assim, não diria desafiadora, mas a saber que se estava a intrometer nas questões do Projeto, decisões de Projeto. Mas com um grande à vontade.
[GF] - Um grande à vontade, mesmo na presença do outro professor.
[RC] - Exatamente. Tinha uma autoridade que o levava a fazer isso…
[GF] - E vice-versa. Se calhar./
Os professores de Projeto também absorviam?
[RC] - Não sei, eu acho que o Carneiro tinha um estatuto que os assistentes de Projeto - que na altura penso que eram bastante novos - não tinham... O Carneiro tinha um ascendente que eu penso que também de certo modo limitava a reação dos professores de Projeto. Ele realmente estava no auge ... E os alunos percebiam isso, essa importância e estatuto da figura do Carneiro.
[GF] - Era regente de Projeto 2 o Manuel Correia Fernandes.
[RC] - O Manuel Correia Fernandes foi meu professor, era o regente do 2º ano na altura, sim./
Não me lembro do Manuel Correia Fernandes, como regente, dar muitas aulas teóricas. Ou então era eu que anda a faltar às aulas teóricas de projecto ...
[GF] - E estava na direção também.
[RC] - Não tenho a certeza, se isto coincidiu com a direção do Correia Fernandes…/
Eu por acaso lembro-me do Correia Fernandes como diretor. Aliás, se não estou em erro, até foi quando entrei para assistente estagiário no tal concurso. Em que depois fui parar ao 1º ano, e tive uma série de meses sem ser remunerado. Entrei em setembro e depois só em março ou abril, é que comecei a ser remunerado. E lembro-me na altura de expor a preocupação ao Correia Fernandes, que era o diretor./
O qual até foi bastante solicito, e depois até julgo que resolveu o problema, inclusivamente pagando pelo menos uma parte de retroativos./
[GF] - Nesse período trabalhavas com o Carlos Prata.
[RC] - Sim, trabalhava para o Carlos Prata na altura. Portanto, vinha aqui e dava umas aulas. Não havia, obviamente, como depois começou a haver, esta profissionalização do ensino./
[GF] - O Carlos Prata voltou talvez em 2000?
[RC] - Foi passado pouco tempo. Acho que o Carlos Prata regressou em 2000, se não estou em erro. Eu penso que só passei a ter uma maior relação com a vida da Escola, ao nível daquilo que se passava nos vários órgãos de gestão, quando passei a dedicar-me em exclusivo à Faculdade./
Portanto, isso aconteceu com o Doutoramento, quando tive licença./
[GF] - Então foi já no período coincidente com a direção do Domingos Tavares, 2000-2007.
[RC] - Foi a seguir ao Correia Fernandes
[GF] - Portanto, antes do Francisco Barata.
[RC] - Pronto, foi isso./
IV.
[RC] - Antes estive pouco ligado aos órgãos de gestão da escola. Fui chamado para fazer uma ou outra tarefa pelo Domingos, e aí comecei a ter uma maior - se se pode dizer – consciência daquilo que se passava ao nível dos vários órgãos. Mas sim, só a partir de 2000./
E, sobretudo, a partir da altura do Francisco Barata... embora não tivesse qualquer tipo de função, comecei a perceber, por aquilo que ia conversado com ele./
Na altura em que ele era meu orientador, ele contava coisas também da própria direção. As questões que se colocavam, as preocupações dele, etc.
[GF] - Quais eram no geral… O que recordas?/
É uma pessoa por quem se tem apreço. Tinha uma visão muito cultural da arquitetura.
[RC] - Eu acho que ele tinha um sentido de grande rigor.
[GF] - Possuía um enorme respeito pela Escola. Quase missionária em prole da instituição.
[RC] - Sim. Sobretudo o rigor que ele tentava ter. E remar um pouco contra um certo seguidismo, ou aquilo que era dado como adquirido, sem o devido questionamento.
[GF] - Sobretudo do ensino, depois da adesão a Bolonha.
[RC] - Em que ele sentia que a coisa estava, de certa forma, a descambar, e tentou recentrar um pouco a centralidade e valor da disciplina...
[GF] - A importância da área da arquitetura, enquanto dotada de uma certa autonomia disciplinar.
[RC] - Ele refletia muito nesta questão, uma certa fragmentação dos saberes.
[GF] - E de uma certa perda de cultura arquitetónica.
[RC] - Ele tinha uma preocupação grande, que era tentar realmente reafirmar essa autonomia disciplinar, a importância da arquitetura como centro do ensino. Um pouco contra esta ideia de especialização.
[GF] - Dizes a importância da arquitetura como centro do ensino./
Recordas esta especialização?
[RC] - Desta ideia de ver o projeto como (mais) uma tarefa, que correspondia a uma certa infantilização, diria do ensino. E acho que ele tentava realmente lutar contra isso também. Tentava lutar, penso eu, até junto da própria reitoria.
[GF] - Reforçar a dignidade da arquitetura junto da Reitoria.
[RC] – Sim, contra essa ideia de um ensino baseado em rotinas e de numa certa especialização, e num excesso de profissionalização do ensino, da forma como a Faculdade parecia estar condenada a cair ...
[GF] - A forma como a formação em arquitetura da Faculdade desce dos 6 para os 5 anos.
[RC] - Sim, por exemplo.
[GF] - E da ideia de Bolonha, como sequência de semestres. E de muitas cadeiras...
[RC] - Também, talvez, eu não tenho agora presente...
[GF] - Portanto, era um respeito da arquitetura. Junto da reitoria.../
Mas também internamente, no que se refere ao Plano de estudos…/
Ambicionava um certo rigor…, em que as coisas não decorrem de forma aleatória. As coisas terem procedimentos mais em termos da docência, e até ao nível da organização das secretarias e serviços, etc.
[RC] - Sobre isso talvez não tenha uma ideia tão clara do que ele pensava./
Embora sim, acho que ele tentou realmente imprimir um certo rigor e sentido crítico.
[GF] - E trazer um pouco valores, penso eu, que ele achava que a Faculdade podia conter e que o ensino estaria progressivamente a perder.
[RC] - Ele tinha - não diria nostalgia - mas uma certa noção dos valores que se estavam a perder daquilo que era a Escola dos anos 80 e 90.
[GF] - Dizes uma nostalgia da Escola dos anos70/ 80?
[RC] - De alguns princípios que talvez estivessem a perder./
Mas penso que a maior luta dele, realmente era essa tentativa de não deixar que a arquitetura fosse, de facto, engolida na voragem de uma certa burocratização que Bolonha impunha.
[GF] - Dizes “não deixar que a arquitetura fosse engolida nesta voragem de Bolonha”.
[RC] - Essas coisas que falaste, da semestralização. Uma certa dispersão do saber, e de uma certa autonomização da forma como algumas coisas se faziam. Eu acho que o Francisco tentou lutar contra isso, e foi bastante desgastante para ele./
E eu também fui, de certa forma, vítima disso, enquanto orientando dele (risos)./
Realmente foi uma fase muito complicada, que foi precisamente a adaptação do curso a Bolonha.
[GF] - Foi até ao limite, em termos de pensar/processar a adaptação a Bolonha…/
A adaptação do curso praticamente fez-se no período da sua direcção…, deparando-se com tudo aquilo que surgia de novo.
[RC] - Penso que foi isso.
[GF] - Nessa altura a Faculdade cresce, passando para um ensino mais de massas, digamos assim, não?/
Bolonha já é uma outra fase. Talvez o número se mantenha…
[RC] - Não sei ... Penso que o número de estudantes se terá mantido./
Mas sim, acho que houve esta alteração que todos conhecemos no ensino.
[GF] - A alteração na organização do curso, compreendendo uma compactação.
[RC] - E tudo aquilo que foi consequência disso.
[GF] - Falámos em compactação. Outra coisa interessante, agora mais recentemente, é termos mais estrangeiros./
Não sei a percentagem… na universidade deve ser 20%./
É um bocadinho diferente. Antes tinha-se apenas os Erasmus.
[RC] - Sim é verdade o número de estudantes estrangeiros cresceu de forma significativa, entretanto. Mas não tenho números...
[GF] - Quando estivemos em Barcelona, há 20 anos, já eram dois estudantes de cada nacionalidade. Aqui já começamos a ter cada vez mais uma comunidade multicultural, não é?
[RC] - Sim, para mim desde sempre que há muitos estrangeiros. Desde que me lembro de dar aulas.
[GF] - Temos muitos estudantes estrangeiros, sobretudo nos últimos anos.
[RC] - Portanto, não sei se passou a haver mais, se essa coincidência se deve a Bolonha, talvez. Não tenho esses números, mas não associo propriamente essa mudança/adaptação de Bolonha, a um incremento tão grande.
[GF] - Mais transformações que notes, desde digamos a última década e meia…
[RC] - Como eu disse, de certo modo, a minha maior preocupação e participação na vida da Escola coincidiu, mais ou menos, com a mudança de Bolonha. Coincide exatamente com essa altura, em que eu estou mais presente e começo a estar diariamente aqui na Faculdade./
E, portanto, não tenho tanta perceção do que se passava antes disso a este nível.
Claro que há diferenças ao nível da organização do curso e da forma de lecionar.
[GF] - Dizes diferenças na organização do curso e na forma de lecionar.
[RC] - Obviamente passou a ser diferente, não tanto em Projeto (embora houve anos em que um professor tinha 2 turmas). Houve realmente coisas surreais em que tinha 2 turmas de 2 horas, na altura. Foram adaptações que tiveram de se fazer e depois voltamos a ter uma turma única. Não sei se te lembras disso, mas eu lembro-me de ter dado aulas em que a havia turma A e turma B. Estavas 2 horas com uma, e 2 horas com outra.
[GF] - Houve um período com 2 turmas em Projeto.
[RC] - Isso, lembro que foi uma circunstância que decorreu do Bolonha./
Mas pronto, tirando isso, evidentemente que houve alterações que têm a ver sobretudo com a organização do plano de estudos. Mas pronto, foi o que foi na altura.
[GF] - Houve alterações pela organização do Plano de estudos. Dizes “foi o que foi”./
Passamos de 6 anos para 5 anos. Embora, obviamente, tínhamos o estágio... No fundo, agora são 4 anos e meio, supostamente… porque a tese seria feita num semestre.
[RC] - Não sei se posso dizer que todos sentimos da mesma forma, como docentes, esse impacto de que falas, mas a organização trouxe mudanças./
De facto, reduzir o curso de 6 para 5 anos teve consequências. Não sei se em termos de aprendizagem o aluno sofre tanto com essa alteração, ou não. Ou seja, penso que depois, com a reorganização que o plano de estudo sofreu se conseguiu também rever alguns aspetos que poderiam estar a necessitar de revisão.
[GF] - Os conteúdos mantiveram-se, e a maior parte das disciplinas manteve-se anual. Portanto, as cadeiras fundamentais, acho que mantiveram a sua identidade. E a sua forma de funcionamento.
[RC] - Portanto, não vejo que isso tenha trazido uma alteração tão significativa.
[GF] - Na altura também havia um debate relacionado com a presença do urbanismo. Também, se calhar, o que ficou aqui prejudicado foi o último ano, não é?/
E depois surgem as disciplinas opcionais, também.
[RC] - Sim, Urbanismo, estás a falar do Projeto 5.
[GF] - É a grande transformação anual, não é?
[RC] - Que é uma disciplina anual, e que de há uns anos para cá passou a semestral, mais coisa menos coisa.
[GF] - Tenho ideia de que o 5º ano era mais pesado.
[RC] - Não tenho muita informação para me pronunciar sobre isso.../
Apenas posso dizer que quando eu fiz o 5º ano, enquanto aluno, não me lembro de ser um ano muito pesado. Era pesado o Projeto. Eu lembro-me de ter dedicado muito a Projeto e a uma cadeira de história, dada pelo Rui Tavares, e pelo Ricardo Figueiredo, penso eu.
[GF] - Devia ser História da Cidade (ainda não era a História do Porto)? Lecionada elo Ricardo Figueiredo ou pelo Rui Tavares.
[RC] - Não era do Porto, na altura. Lembro-me pouco do 5º ano, para além do projeto 5, em que fui aluno do Francisco Barata. Tinha a cadeira do Rui Braz que era Economia Urbana. E acho que tinha outra disciplina qualquer para além de CAD. Que não me lembro qual era…/
V.
[GF] - No 1º mandato do Carlos Guimarães, já estiveste num dos órgãos da faculdade.
[RC] - No 1º mandato do Carlos Guimarães. Portanto, entro a meio do mandato./
E na altura, a Filipa Guerreiro saiu, creio que por causa do Doutoramento…/
Mas eu já era assessor desse Conselho Executivo./
Mal terminei Doutoramento, o Carlos Guimarães, que era diretor, no dia a seguir ligou-me a dizer que precisava de reforçar um pelouro que tinha a ver com a comunicação e com a cultura (com programação cultural). E eu assumi logo esse cargo de assessor passado muito pouco tempo depois de terminar o doutoramento. E passado um ano entrei para vogal do conselho executivo.
[GF] - Portanto estiveste 6 anos como vogal, no pelouro da comunicação e cultura./
[RC[ - Que, apesar de tudo, foi bastante pesado. Depois fiz um mais um mandato também com ele, como assessor cultural e da comunicação. Portanto, estive 6 anos.
[GF] - Que eventos destacas? Para além da reabilitação do edificado./
Já percebemos possuíres uma grande proximidade ao Francisco Barata. Que era muito diferente do Carlos Guimarães. Curiosamente estiveste foi em órgãos durante a vigência da direcção do Carlos Guimarães, acho que em 2007/08 a 2011/12.
[RC] - Sim.
[GF] - Não ainda no período de direção do Francisco Barata.
[RC] - O Francisco Barata saiu precisamente quando eu acabei o Doutoramento./
O Francisco, foi diretor na altura em que eu estava a fazer Doutoramento. Mesmo que ele me convidasse, não tinha qualquer hipótese…
[GF] - Como é que tu caracterizas o peso dessa direção, em termos de ambiente da Escola?/
Qual é a diferença em relação à anterior direção do Francisco Barata?/
Com quem estiveste a fazer o Doutoramento, e possuíste grande proximidade.
[RC] - Eu acho que o Carlos Guimarães tem uma personalidade muito forte./
Quer dizer, tinha bastante convicção sobre aquilo que queria para a Escola. Sobretudo a afirmação da Escola também no contexto da própria Universidade. E ele deu uma importância grande às questões que têm a ver com a comunicação. E talvez tenha sido na altura, quando me convidou, que era exatamente para reforçar essa parte.
[GF] - Dizes personalidade e convicção, bem como queria a afirmação da Escola na Universidade. Uma visibilidade não só interna, mas em termos da sua própria perceção externa.
[RC] - Projeção exterior, Sim./
Foi buscar a Carolina Medeiros.
[GF] - Que estava na Ordem./
A Carolina Medeiros esteve na Ordem dos Arquitetos. Atendia à comunicação, num contexto de maior dimensão.
[RC] - E exatamente nesse sentido, de dar uma maior consistência e uma maior dimensão a essa parte da comunicação.
E esta vontade de afirmação da Escola refletiu-se também na própria criação do Curso de Estudos Avançados de Projeto. Que também foi uma ação que ele considerou que era importante para a afirmação e projeção exterior.
[GF] - Ele considerava que o Curso de Estudos Avançados de Projeto revelava para a afirmação e perceção exterior.
[RC] - Que eu acho que teve efeitos importantes. Trouxe cá, na altura, aquela edição, que foi a única, com nomes muito importantes ...
[GF] - Com o Rafael Moneo e outras figuras. Também trouxe exposições importantes, por exemplo, a exposição do Francisco Mangado.
[RC] - E outras que se seguiram./
Portanto, essa maior articulação com outras instituições foi estratégica e decisiva.
[GF] - Com a Câmara do Porto.
[RC] - Sim. E estas foram algumas das ações que ele tentou implementar. Para além daquela falhada, digamos, atualização do Plano de Estudos em 2015.
[GF] - A falha da tentativa de revisão do Plano de Estudos de 2015.
[RC] - Que era de certa forma, um dos legados que ele gostaria de ter deixado, não é?
[GF] - Era importante para ele ver aquilo realizado?
[RC] - Sim, diria que para o Carlos Guimarães pessoalmente era importante./
Mas ele achava que a Escola tinha a ganhar em fazer essa reformulação, essa atualização do Plano de estudos. Penso que ele viu isso como qualquer algo, que foi uma perda não se ter feito./
Portanto, eu creio que ele tinha convicção da importância dessa atualização do Plano de estudos. Penso que foi um dos objetivos que ele na altura realmente tinha como fundamentais.
[GF] - O João Pedro Xavier, já actuava como vice-diretor, e seguiu-se este mandato actuando já como director. Como vês os tempos mais recentes?
[RC] - Vejo muito na continuidade, com algumas nuances e diferenças, sobretudo de estilo.
[GF] - De delegar? Vês como continuidade, obviamente com nuances e especificidades…
[RC] - Talvez de delegar também. Não é que o João Pedro Xavier não tenha vontade de delegar. O que me parece é que o Carlos Guimarães tinha sobretudo uma visão da estratégia, daquilo que era essencial executar. Era uma pessoa de visão e de cumprimento de metas.
[GF] - O Carlos Guimarães tinha uma presença, uma forma de estar... E até de comunicar.
[RC] - Que era bastante persuasiva.
[GF] - Talvez o atual diretor ainda não tenha essa experiência, mas aporta outras características.
[RC] - Sim, é uma questão de experiência. E de maneira de ser. Conta-se que pela forma como o Carlos Guimarães se expressava levava os seus colegas de geração - o Gigante, o Carlos Prata, o Francisco Barata, etc. - a referirem-se a ele como o “chefe” (risos)./
O Carlos Guimarães tem desde sempre essa eloquência. E pronto, não a perdeu, foi até apurando-se com o tempo. Portanto são personagens diferentes.
[GF] - Com alguma carreira política talvez.
[RC] - Não sei, acho que não.
[GF] - Mas tinha tido a experiência na Ordem dos Arquitetos.
[RC] - Portanto, tinha também um lastro institucional.
[GF] - Com experiências institucionais.
[RC] - Dava-lhe de facto essa…
[GF] - Gravidade.
[RC] - Essa grande gravidade./
VI.
[GF[ - Que transformações estão a acontecer? Poderias também abordar a tua participação? Dado que embora actualmente estejas em sabática, assumiste a co-regência de uma cadeira importante no curso. A Madalena Pinto da Silva, esposa de Francisco Barata, reformou-se recentemente.
[RC] - Não acho que seja muito diferente.
[GF] - No Conselho Executivo assumiste novamente papel, desta vez num pelouro diferente. Que tem a ver mais com questões académicas?
[RC] - Portanto, é um papel mais secundário.
[GF] - E apanhaste logo os anos do Covid.
[RC] - Era isso que eu ia dizer./
Apesar de ter sido, de facto, um mandato diferente, pelo pelouro que assumi, é mais invisível. No sentido em que o pelouro da comunicação, da formação cultural, obviamente, dava uma diferente forma de relacionar. Relacionar-me com atores diferentes e ter um papel diferente do que tenho agora, que estou um pouco mais resguardado, mais nos bastidores a tratar de assuntos mais “corriqueiros”./
Seguramente menos interessantes. Mas, ao mesmo tempo, menos intenso do que aquilo que era o papel que eu tinha, que muitas vezes que me obrigavam a estar, por exemplo, sempre presente em todos eventos. Quer dentro, quer fora da Faculdade.
[GF] - Ações de relações públicas?
[RC] - No fundo era um bocadinho isso./
Isso foi a questão que o Carlos Guimarães quis incutir. A Faculdade estar presente, a fazer-se representar, a ter um papel mais ativo, etc./
Aquilo que agora se passa é realmente bastante diferente, agora ainda menos realmente por estar de licença sabática, e um pouco mais protegido.
[GF] - Mas dá-nos uma nota sobre a experiência do Covid./
Viveram-se realmente dois anos excecionais…
[RC] - Este mandato foi ingrato, independente de eu ter tido esse papel, porque estive ligado àquilo que foi a gestão das questões da Covid, aqui na Faculdade. Desde logo, todas as questões que se colocavam, espaços, horários, etc.
[GF] - As normas que vieram da Reitoria, as normas que vieram das directivas da saúde, etc.
[RC] - Adaptar, filtrar e implementar tudo isso./
Eram essas decisões. Foi um período de grande desgaste. E foi desgastante porque era diário. Em cada dia podiam acontecer coisas que, não é que pusessem em causa, mas que obrigariam a novos procedimentos e a novas ações, que tinham de ser implementadas rapidamente.
[GF] - Decisões estratégicas.
[RC] - Em alguns casos não era obrigatório fazer de uma maneira específica, davam-nos margem para poder decidir como fazer./
Portanto, desse ponto de vista, foi desgastante, mas sobretudo impediu implementar o que era o plano de ação que o diretor tinha definido. Desde logo tudo aquilo que tinha a ver com a comemoração dos 40 anos da Faculdade foi adiado, alterado e condicionado.
[GF] - A Faculdade, passou a viver em função do Covid./
Tudo aquilo que se deveria ou poderia ter feito em 4 anos foi claramente afetado.
[RC] – Sim, totalmente. A história deste Conselho Executivo nestes últimos anos foi muito afetada por Covid, isso é inegável./
Agora, a covid para mim, foi de facto um tema muito absorvente e muito desgastante. Em certa altura estávamos perante o aumento significativo do número de casos, havia que organizar toda a informação do que eram os novos casos. Teve de se criar uma espécie de uma “task force” interna com 2 ou 3 pessoas para além de mim, e até com uma personagem externa que foi na altura contratada. Uma enfermeira para ajudar a fazer a própria gestão e comunicação, a interface entre aquilo que eram os casos que eram reportados e perceber se eram Covid, o que é que tinham de fazer, o que não deviam fazer, etc./
Depois acompanhava-se esses casos até serem dadas as altas médicas. Portanto, as chegadas dos comprovativos, foi realmente uma fase turbulenta e trabalhosa./
Na verdade, se eu pensar bem naquilo que foi o meu trabalho pessoal como vogal do Conselho Executivo, aquilo que me vem à cabeça deste mandato é praticamente este período. Este trabalho, que é associado ao Covid. Esta gestão desde o primeiro dia até hoje, que ainda não acabou.
[GF] - Destacas a adaptação ao Covid, a reflexão sobre o Plano de estudos e a comemoração dos 40 anos da FAUP.
No presente…, o que tinha sido previsto ou está por fazer?
[RC] - As questões que estavam no plano da ação do diretor, e que, creio que voltam a estar e voltam a ser prioritárias, têm a ver com a revisão do Plano de Estudos./
Equivocamente e inegavelmente, penso que é um. Não sou eu que o digo, está escrito.
[GF] - No Plano de ação do diretor João Pedro Xavier, delineado aquando da sua candidatura a diretor./
Essa visão… o Plano de estudos apresentava-se como uma tarefa urgente e fundamental. E há mais?
[RC] - Eu estou a pensar, de facto, em coisas...
[GF] - Coisas de carácter estrutural.
[RC] - Eu acho que uma preocupação fundamental, e que esta direção e este diretor têm, passa naturalmente pela tentativa de não deixar a Faculdade ficar para trás. Naquilo que são os temas candentes e os temas essenciais da investigação.
[GF] - Não só da investigação, mas os temas que constituem os desafios que a arquitetura tem de atualmente enfrentar.
[RC] - E acho que o diretor é sensível às questões que se colocam.
Por essa razão a FAUP liderou a criação da plataforma NEB Goes South.
[GF] - Que teve naturalmente como um dos seus instigadores, o José Pedro Sousa. Que faz parte da expert roundtable.
New European Bauhaus...
[RC] – Sim, o José Pedro Sousa estando nesse órgão da New European Bauhaus, também nos permitiu ser liderantes deste processo./
E que visa não só realmente também pôr a arquitetura...
[GF] - Pôr a arquitetura como um protagonista central, daquilo que são os desafios que se colocam, em termos de presente e futuro, na resposta aos temas da sustentabilidade.
[RC] - Da capacidade de sermos, enquanto disciplina e Faculdade, capazes de pôr os nossos alunos também a olhar e pensar sobre estes problemas. Sob pena de ficarmos, de certa forma, fora daquilo que são as questões atuais.
[GF] - A sustentabilidade, mas também as tecnologias, o BIM, etc. E a reabilitação - já era uma coisa muito alertada pelo Francisco Barata. Incidia incluso nos temas de regulamentação…
[RC] - Sim, com tudo o que isso envolve.
Sem perder as questões que têm a ver realmente com a regulamentação, com aposta na reabilitação./
Isso, penso que é um tema que está em cima da agenda quando se fala no Plano de Estudos. Realmente a possibilidade de pensar eventualmente, no 4º e no 5º ano.
[GF] - Reorganizar o 2º ciclo?
[RC] - Em organizar a disciplina de Projeto, considerado a possibilidade de criar, vias, não diria de especialização, mas de que os alunos possam ter a possibilidade de escolher.
Eventualmente, como acontece, por exemplo, na Escola de Arquitetura do Minho.
[GF] - Escolhem uma determinada via… que lhes dê uma possibilidade de trabalhar sobre uma reabilitação/requalificação etc.
[RC] - Portanto, tudo isso aí está um pouco englobado nesta aposta de tentar que a Faculdade funcione mais de acordo com o que são as preocupações latentes e que estão presentes já em muitas Faculdades. Consideradas como Faculdades que estão realmente na linha da frente na resposta a esse tipo de temas. Portanto, eu acho que o João Pedro Xavier está a fazer esse esforço …
[GF] - Salientas a importância da reabilitação e da requalificação. Duas questões da agenda da sustentabilidade.
[RC] - Não podemos estar fora desta agenda.
[GF] - Para além das novas tecnologias.
[RC] - Sim./
Mas não acho que seja uma questão nova de ser mais tecnológico, ou menos tecnológico. É a questão de ser perceber que a arquitetura, enquanto disciplina, é convocada e tem de ser, também, uma parte ativa na resposta a estes problemas. Sem que isto seja obviamente feito sem considerar o que é a matriz da nossa Escola./
Portanto, eu acho que o desafio é tentar encontrar aqui uma espécie de 3ª via...
[GF] - O desafio de ser capaz de atender e responder a estes problemas que estão à frente dos nossos olhos.
[RC] - E que não podem ser negligenciados.
[GF] - Sermos capazes de manter a nossa identidade.
[RC] - Portanto, eu acho que isso é uma das questões que ele tem considerado de forma bastante veemente. E o João Pedro Xavier também está, penso eu, bastante concentrado naquilo que é o ensino neste “novo mundo”.
[GF] - Em que as questões que se colocam realmente são diferentes.
[RC] - Do que as questões que se colocavam lá atrás, há 15 ou 20 anos./
E daí também a importância que ele atribui à revisão do próprio Plano de Estudos.
[GF] - Portanto, isto acaba por estar tudo ligado./
Acho que para fazer face a estes novos temas que se colocam ao ensino e aprendizagem da arquitetura, tem que haver aqui adaptações que permitam ajustar e orientar a atenção a mais uma série de coisas.
[RC] - E não vou dizer em detrimento de outras, mas há que conseguir reequilibrar algumas destas questões.
[GF] - Obrigado.
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