Algumas notas sobre uma segunda ordem de relacionamento entre arte e tecnologia
e seu reflexo na Arquitectura
Gonçalo Furtado
"Abstract
Arquitectura, Arte e Ciência são domínios que possuem uma história repleta de coexistências, afastamentos e reencontros. O espaço entre Arte e Ciência esteve por vezes devoluto no passado; mas a ocorrência de determinados cruzamentos ao longo das últimas décadas, recorda a existência de uma dinâmica criativa em ambas as áreas. É particularmente relevante que a Arquitectura permaneça nesse espaço que existe “entre” Arte e Ciência; dado que actualmente poder acolher o feed-back do seu cruzamento, e expressá-lo reconceptualizando-se enquanto fenómeno de emergência. Quanto a esta potencial narrativa, podemos avançar algumas notas sobre encontros da Arte e tecnologia, e, paralelamente, contribuir para um debate arquitectónico contemporâneo.
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Existe toda uma história composta por produções como as exemplificadas vindas de cientistas (como o referido dispositivo cibernético “Colloquium of mobiles” de Gordon Pask ou a exploração robótica de Edward Ihnatowicz) ou vindas de artistas (como os impulsos a Arte interactiva e a ampliação da consciência por Roy Ascott), que constituíram experiências pioneiras no domínio de uma Arte tecno-criativamente interactiva.
A apropriação de tecnologia e pensamentos vindas do mundo científico no domínio da Arte, parecem frequentemente ter visado perseguir uma condição de interactividade criativa – à semelhança do prometido-ambicionado por múltiplas modalidades que privilegiaram a mobilidade, participação e efemeridade (como por exemplo a performance, o happening ou as instalações das décadas após a guerra).
Para além disto, casos como os descritos, pela sua escala ou natureza, oferecem-se como bases interessantes para pensar, por exemplo, a Arquitectura. Em muitos aspectos, anunciavam aplicações possíveis que as áreas da cibernética, robótica e ciências computacionais poderiam ter, por exemplo, ao nível da Arquitectura.
Privilegiavam entendimentos conceptuais em que qualquer identidade (por exemplo um ambiente lumínico-sonoro, o comportamento de um robot, uma obra de arte ou instituição) vinha entendido como algo criativamente dinâmico, e aberto à transformação-evolução.
Note-se que o potencial presente em noções de uma “first order cybernetcis” - com sistema e retroalimentação, foi ainda ampliado pelo desenvolvimento das múltiplas ciências-teorias da complexidade, (que vão do caos, as catástrofes, etc.); e em particular pelos aportes de uma “Second order cybernetycs” em prole da inclusão do observador no sistema (dos “Observing Systems” de Von Foerster à “Teoria da Conversação” de Gordon Pask)
Quase parece que essas experiências anteviam o potencial de um ambiente futuro, que, para lá de mera responsividade mecanicista, estivesse dotado de capacidade de se envolver criativamente com o habitante e dinamicamente evoluir.
De facto, se constatamos que se o paradigma Digital permaneceu corrente ate aos 90s; vem requerendo-se hoje um esforço para desenvolver discursos que o enriqueçam operativamente.
Gostaríamos de aludir a um discurso que deambule entre a escala intangível da permanente reconfigurarão da realidade híbrida do meta-espaço; e a escala infinitamente pequena do necessário interface bio-tecnológico.
Mesmo entre os mais cépticos, se tornou aceite que no nosso “real” participa tanto o físico como o digital; devendo o debate passar a focar-se nesta escala do meta-espaço onde tal oscilação dialéctica ocorre. Seria agora então produtivo privilegiar-se uma ideia de “virtual”, não reduzida a ideias tipo RV, etc.; e que remetesse mais para o entendimento Proustiano de “virtus” enquanto potencialidade e o ênfase Deleuziano na imanência e becoming. É neste contexto e entendimento que se insere a hipótese que a conceptualização de tal realidade “hibrida” e sua experiência possa usufruir de um focus como auto-organização sistémica, sendo entendido como meta-espaço evolucionário composto por um continum dimensional.
Como corolário, essa permanente oscilação entre os pólos físico-digital, requisitaria interfaces inovadores constituídos por tecnologias de diversas naturezas, com vista a suportar a permanente conectividade.
Precepcionamos a possibilidade de um interface “multiple-scale”; concentrado nessa escala infinitamente pequena entre a biologia e a não-tecnologia e, eventualmente em situações limite que roça o imaginário de hibridação pós-biológica. (Mas a nosso ver um imaginário “pós-biológico” que, se permite debater variadas tecnologias – da nano à genética, e ciências - das ciências cognitivas a bio-ética, sempre o faca na óptica do enriquecimento da nossa condição de seres humanos, mais que nos perceber como mero processo de informação como em décadas passadas aconteceu com alguma investigação em IA).
Independentemente de o debate incorporar ou não esta polémica, certo é que só no cruzamento entre Arte-Ciência, onde permanece a Arquitectura, se conseguirá explorar criativamente o universo total do nosso ambiente e interface. Afrontar o infinito do desconhecido com uma consciência Godeliana da incompletude do conhecimento sobre o nosso futuro presente.
As últimas décadas têm registado interessantes cruzamentos entre os domínios da Arte e Ciência reconhecendo a existência de uma dinâmica criativa em ambas.
Nesse espaço de encontro, onde a Arquitectura sempre se encontrou, ocorrem feed-backs que podem dinâmicamente apoiar o nosso próprio debate Arquitectónico. Reconheceremos nesse debate, entre outras, a hipótese de uma reconfiguração do próprio conceito de Arquitectura?"
Gonçalo Furtado, "Algumas notas sobre uma segunda ordem de relacionamento entre arte e tecnologia", in: Revista da FAUTL, Lisbon (Publication pending).
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