Gonçalo Furtado, "Algumas notas sobre uma 'segunda ordem' de relacionamento entre arte e tecnologia e seu reflexo na Arquitectura", in: AR-Cadernos da Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa, N.6, Julho 2006, pp.50-57.
"Arquitectura, Arte e Ciência são domínios que possuem uma história repleta de coexistências, afastamentos e reencontros. O espaço entre Arte e Ciência esteve por vezes devoluto no passado; mas a ocorrência de determinados cruzamentos ao longo das últimas décadas, recorda a existência de uma dinâmica criativa em ambas as áreas. [...]Recorde-se que desenvolvimentos anteriores como Computer Art, Art Net, Telematic Art, etc. remete para a incursão da Arte no domínio de todo um novo ambiente tecno-informacional [...]. A origem do “Infromational environment” habitado pela nossa sociedade digital remete obviamente para a W.W. II – momento civilizacionalmente dramático, mas início de uma nova era progressivamente suportada por TIC, e de uma arte ansiosa por alcançar uma interactividade tecno-criativa. De facto a actual SI, remete para os desenvolvimentos em informática e telecomunicações impulsionados pelo esforço da guerra e sua sequela no contexto da guerra-fria. [...] Um dos aspectos centrais da S.I. está relacionado com a figura da entidade 'computador', hoje omnipresente, e que possui a sua própria história [...]. Se inicialmente a Indústria do computador na guerra e imediato pós-guerra estava focada no cálculo, ainda os anos 40-50s se começou a desenvolver ferramentas para ajudar os cientistas a lidar com a exponencial informação; nos anos 60-70 materializou-se o desenvolvimento do interface [...]; Posteriormente, difundiu-se o acesso ao fenómeno das redes de computadores; onde se usufruiria da interactividade comunicacional do hipermédia da década de 90.[...]De facto, o outro aspecto central da S.I. está relacionado com a referida Internet; a qual também remete para o contexto da guerra – nomeadamente para o lançamento do projecto ARPA em 1958 pelo presidente americano Eisenhower com vista a desenvolver uma rede “distribuída” que evitasse a vulnerabilidade do convencional sistema centralizado de comunicações a um ataque russo (os quais, recorde-se, tinham acabado de lançar o satélite sputnik em 1957). [...]Nos anos 90s, a ideia de Ciberespaço ficou perfeitamente sedimentada [...] Uma análise da transição urbano-arquitectónica para a nova condição tecno-cultural, expressa nos fenómenos das Cidades digitais e 'hybrid archietctures' motorizada pelas TIC e biotecnologias, foi por nós abordada no contexto de livros anteriores. Na sequência de vectores embrionados nestes, fomo-nos concentrando em imaginar como será a performance deste novo meta-espaço – constituído pelo físico e digital. Uma das hipóteses que gostaríamos de avançar e debater é constituir-se/conceber-se como um único sistema oscilante entre físico-telemático, incluindo-nos em permanente imanência, e em que a Arquitectura aparece conceptualizada como complexidade sistémica e sob o foco das ciências da emergência.
Esse entendimento-debate pode usufruir de toda uma narrativa composta por interessantes fragmentos de encontros e cruzamentos criativos entre Arte e Ciência. Existe toda uma história composta por produções como as exemplificadas vindas de cientistas (como o referido dispositivo cibernético 'Colloquium of mobiles' de Gordon Pask ou a exploração robótica de Edward Ihnatowicz) ou vindas de artistas (como os impulsos a Arte interactiva e a ampliação da consciência por Roy Ascott), que constituíram experiências pioneiras no domínio de uma Arte tecno-criativamente interactiva. A apropriação de tecnologia e pensamentos vindas do mundo científico no domínio da Arte, parecem frequentemente ter visado perseguir uma condição de interactividade criativa – à semelhança do prometido-ambicionado por múltiplas modalidades que privilegiaram a mobilidade, participação e efemeridade (como por exemplo a performance, o happening ou as instalações das décadas após a guerra).
Para além disto, casos como os descritos, pela sua escala ou natureza, oferecem-se como bases interessantes para pensar, por exemplo, a Arquitectura. Em muitos aspectos, anunciavam aplicações possíveis que as áreas da cibernética, robótica e ciências computacionais poderiam ter, por exemplo, ao nível da Arquitectura.
Privilegiavam entendimentos conceptuais em que qualquer identidade (por exemplo um ambiente lumínico-sonoro, o comportamento de um robot, uma obra de arte ou instituição) vinha entendido como algo criativamente dinâmico, e aberto à transformação-evolução.Note-se que o potencial presente em noções de uma 'first order cybernetics' - com sistema e retroalimentação, foi ainda ampliado pelo desenvolvimento das múltiplas ciências-teorias da complexidade, (que vão do caos, as catástrofes, etc.); e em particular pelos aportes de uma 'Second order cybernetycs' em prole da inclusão do observador no sistema (dos 'Observing Systems' de Von Foerster à 'Teoria da Conversação' de Gordon Pask)
Quase parece que essas experiências anteviam o potencial de um ambiente futuro, que, para lá de mera responsividade mecanicista, estivesse dotado de capacidade de se envolver criativamente com o habitante e dinamicamente evoluir.
De facto, se constatamos que se o paradigma Digital permaneceu corrente ate aos 90s; vem requerendo-se hoje um esforço para desenvolver discursos que o enriqueçam operativamente. [...] As últimas décadas têm registado interessantes cruzamentos entre os domínios da Arte e Ciência reconhecendo a existência de uma dinâmica criativa em ambas.Nesse espaço de encontro, onde a Arquitectura sempre se encontrou, ocorrem feed-backs que podem dinâmicamente apoiar o nosso próprio debate Arquitectónico. Reconheceremos nesse debate, entre outras, a hipótese de uma reconfiguração do próprio conceito de Arquitectura?"
See: Gonçalo Furtado, "Algumas notas sobre uma 'segunda ordem' de relacionamento entre arte e tecnologia e seu reflexo na Arquitectura", in: AR-Cadernos da Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa, N.6, Julho 2006, pp.50-57.
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