7/19/23

Ensaio sobre escalas infinitas (por Gonçalo Furtado)

ENSAIO SOBRE ESCALAS INFINITAS (PALESTRA DE BARCELONA) / Gonçalo Furtado. /   1. - INTRODUÇÃO: (RUMO A UM ESPAÇO ARQUITECTÓNICO EVOLUTIVO: INTERESSES TECNOCIENTÍFICOS, COMPLEXIDADE E AS INICIAIS PERMISSÕES DO EMERGENTE). / CRISTALIZAÇÃO DE IDEIAS PROVISÓRIAS. / Se alguma noção caracterizou a segunda metade do século transacto foi a de “transitoriedade”. / Após a descrença na ideia moderna de progresso linear, a estrutura da pós-modernidade [1], favorável à ritualização de um pensamento não-linear, foi construído. / A cultura pós-moderna avançou novos pensamentos híbridos a-hierárquicos, a economia produtiva agilizou-se para o contexto pós-industrial global, a ciência concebeu novas tecnologias para superar o abalo da lógica causa-efeito, etc. A cultura digital [2] é particularmente marcada por este dinamismo. Tal resulta na consciência e inevitabilidade de conceptualização da “incerteza”, a qual continua a pautar a realidade contemporânea nas suas várias escalas. / Com base no referido, o presente texto visa avançar uma série de considerações sobre espaço e cultura, entendendo-as como mera cristalização provisória de ideias que vêm evoluindo desde 1999. / SOBRE DISTÂNCIAS INFINITAS / Tais considerações compreendem a actual situação da arquitectura contemporânea, a qual vem sendo gradualmente marcada pelo fenómeno da informação digital e, mais recentemente, pelo biotecnológico. Ainda que a influência do primeiro se encontre mais firmemente estabelecida, a do segundo inspira uma arquitectura generativa, apelando-nos à consideração do interface entre corpo, tecnologia e espaço. / Numa primeira parte, o texto faz referência à interferência social e ressonância espacial da estabelecida sociedade da informação, reflectindo a vivência num espaço urbano-arquitectónico marcado pela omnipresença das redes e fenómeno da informação digital. Posteriormente, a escala ínfima do interface e a interação entre corpo e o espaço tecnológico adquirirão crucial relevo. Tal interacção ocorre na escala imensa, das complexas dinâmicas de auto-organização, as quais tenderão a marcar qualquer entendimento quanto ao metaterritório do futuro. Em suma, a reflexão sobre a condição contemporânea requer um diálogo entre infinitamente grande, e o infinitamente pequeno, marcado por um espírito de descoberta e consciência Godeliana da incompletude do conhecimento. / PARTE 1 - O DESAFIO DIGITAL / 2. O DESEJO CULTURAL DE INTERACTIVIDADE E HIBRIDEZ / Como aludido, o delineamento de desafios para a produção arquitectónica futura pressupõe contemplar simultaneamente uma cultura contemporânea marcada pelo desejo de dois fenómenos - da fluída “transitoriedade” e da hibridez digital e biotecnológica. / De facto, e começando por nos debruçar apenas no primeiro aspecto, parece que a história do século XX esteve marcada por um desejo social de “trânsito” e “interactividade”, que acabou resultando numa cultura tecnológica e sobre-estética. / Na arte, por exemplo, que sempre constitui um excelente barómetro da realidade, progressivamente se incorporam novos media, tecnologias, aspectos relevadores de dinamismo e participação, que motorizam uma evolução estética rumo à interactividade. Da performance, passando pelo vídeo e instalações multimédia, até à actual arte digital (por ex. os alogaritmos genéticos de Sims, a realidade virtual interactiva de Shaw ou Sanding, etc), a qual se baseia precisamente na ideia de interactividade, e que procura dar um lado humano a técnica questionando, entre outros aspectos, a fronteira entre corpo e técnica. O mesmo ressuou no campo da arquitectura, urgindo-se uma reflexão criativa e crítica que especule sobre um futuro caracterizado por espaços virtualizados e corpos hibridados com interfaces intangíveis numa total simbiose. / UMA CULTURA DE ARTIFICIALIZAÇÃO, FLUIDEZ E DESMATERIALIZAÇÃO / Observando a cultura, geral e a montante da arte virtual, podemos constatar a expressão de uma série de conceitos estéticos, como o de “mutação”, “fluidez” e “desmaterialização”. / Por outro lado, pegando em objectos do mundo material quotidiano, por exemplo três peças significativas de design - a descontextualização por Ron Arad, e redefinição pelos Droog design ou de redução a componentes por finalistas do Royal College of Art de Londres - constatamos também um questionamento actual do papel do designer, da indústria e incluso da materialidade dos objectos. É o resultado de uma história de artificialização, que privilegia desde os anos 50-60 a utilização de materiais sintéticos, que dissociou formas e funções (ex. o pós-styling), que opera uma fragmentação tecnológica em componentes e que instaurou a “souplesse” do curvilíneo e fluído. Tal foi reforçado por muitas formas nos anos 70-80 que assumiram a “mutação”, desde o “móvel infinito” de Mendini, às múltiplas possibilidades das cadeiras de Doganelllo, ou a diversificação-personalização no fabrico das cadeiras de Peichl. A “fluidez” embrionada pela “souplesse” do curvilíneo e fluido dos anos 60, reforça-se também com o neo-aerodinamismo e bio-design dos anos 80 (ex. viaturas, doméstico) que caracterizam o gosto do consumidor. Por fim, nos anos 90, pronuncia-se a “desmaterialização”, com a ligeireza dos materiais de alta performance, a transparência dos plásticos e o privilégio da miniaturização, neutralidade com o corpo e renovabilidade dos objectos. Em suma, os objectos que o design pôs no nosso quotidiano ao longo das últimas décadas questionara o futuro do objecto material, abeirando-se do desaparecimento. A actual estética virtual continua a expressar uma fluidez, mutação e desmaterialização de objectos miniaturizados pela electrónica, nano-tecnologia e biotecnologia; assim como uma reactividade, que vai da arquitectura ao vestuário. / E, no seguimento do exposto, o actual desafio de área com design e arquitectura, parece ser contemplar uma realidade em que nada mais será estático, enfatizando um interesse pelos “relacionamentos” em prejuízo das criações materiais estáticas. / 3. MUTAÇÃO E MEDIAÇÃO / Este clima de mutabilidade está presente à escala das nossas cidades, que se têm tornado em cenários epidérmicos ilusórios, replicando las Vegas – o exemplo máximo de uma cidade e mundo material, em que nos tornamos mercadorias sujeitos à eficácia dos fluxos. Assim como, incluso, em vidas plurais, configuráveis pela moda e cosméticos, que daí decorrem. Por outro lado, todas estas expressões reflectem a fluidez à dimensão do próprio mundo e planeta global, em que físico e informativo coexistem, e incluso os aspectos materiais são mediatizáveis numa “cibercultura” independente a constrições físico-temporais. Um mundo que acarreta tanto benefícios como prejuízos culturais assim como realidades com que nos vimos habituado a conviver (com os sistemas digitais de controle e homogeneização cultura etc). / INTERFERÊNCIAS CULTURAIS E RESSONÂNCIAS ESPACIAIS / Há uma década, sob o título “Interferências”[3], privilegiámos um entendimento simultâneo da “conformação, implementação e futuro da cultura digital”. / A sociedade da informação em que vivemos é caraterizada por um acelerado ritmo de mudança e a centralidade da informação-comunicação.[4] Tal sustenta a transição da escala local para global, e promove um êxtase pela mediação tecnológica, o privilégio de substitutos digitais e o desenvolvimento de uma nova concepção de materialidade. Ao mesmo tempo, suscita receios e emergem desagregações, dualidades, estandardizações sociais e eventuais atentados aos direitos individuais, se não for assegurado um acesso universal, cooperante e respeitador. / Inquestionável é que esta mutação transversal a toda a sociedade instaura-se, e o que pareciam meros recursos técnicos, como a rede digital, tronaram-se verdadeiros fenómenos sociais, económicos e políticos. Podemos hoje identificar uma sedimentada cultura digital assim como novas formas de sociabilidade ocorridas em configurações espaço-temporais, e suportadas pelas possibilidades de mobilidade e interação telemática. / Paralelamente crê-se que esta sedimentação da sociedade da informação comportava ressonâncias em algo que nos é familiar, como a “arquitectura e urbanismo”, requerendo reflexões teórico-práticas que assegurem a sua operacionalidade neste novo contexto.[5] / 4 - RESSONÂNCIA I / A DINÂMICA DO TERRITÓRIO GLOBAL / Como aludido, o impacto do que denominaremos por “máquina” estende-se à escala do espaço territorial, o qual tem sido alvo de uma transformação profunda ao longo da história recente. / De facto, repare-se como já a industrialização despoletara uma metamorfose das relações do homem com a sua envolvente. A máquina do vapor e a lógica da mobilidade de bens, ritmou a vida urbana de início do século XX e configurou a cidade moderna. E, pouco depois, com a guerra, esta máquina participa num ciclo de destruição-reconstrução único e responsável por uma transformação do território europeu como nunca se registara. Por outro lado, o protagonismo do movimento moderno, que surgiu para responder às novas necessidade urbanas, não pode também ser entendido sem contemplar uma inspiração nas ideias de progresso tecnocientífico e de precisão-reprodutibilidade da máquina industrial.[6] Depois da guerra, o território sofria uma ainda mais profunda mutação, baseada nos progressos dos transportes, dos mercados e, claro, das comunicações. / A nosso ver, o caso da paisagem americana é particularmente expressiva da mutação urbana, bastando recordar a sequência de várias utopias urbanas aí difundidas. Primeiro, a utopia vertical, possibilitada pelo aço e elevador; e, segunda, a utopia horizontal do subúrbio, surgida como contraponto à consequente congestão do centro. E, terceiro, a utopia digital. Esta última remete para os anos 70, em que se começou a instaurar na cidade uma cultura da mobilidade, baseada nos transportes e comunicações dispensando a (ou pelo menos reconfigurando) paisagem metropolitana. / Depois da suburbanização e metropolização, o próprio conceito de cidade entraria em crise, surgindo segundo Soja uma “post-metropolis”.[7] Uma geografia global composta por centros-nódulos e tecidos urbanos, em que não se distingue a fronteira entre natural-urbano, local-global e físico-virtual. Neste contexto, os próprios lugares ficarão definidos pelas ligações espaço-temporais que estabelecem, e as redes (ex. redes de comunicação, de transporte, de distribuição etc), fluxos e interfaces (telemóveis, ATM, GPS, etc), tornam-se suportes imprescindíveis para assegurar a expansão da urbanidade difusa e sua performance. / (I.e., o território é hoje uma entramado de fluxos; e a “rede” e “lugar” são dois conceitos íntimos como refere Graham[8]). De resto, as redes sempre tiveram um papel na história da reconfiguração urbana, podendo recordar-se novamente por exemplo: o papel das infra-estruturas energéticas no início do século, da rede viária no processo de suburbanização e metropolização, ou das redes actuais de telecomunicações globais, etc). Relativamente às novas redes telemáticas, ressalta-se a sua enorme repercussão tanto ao nível do funcionamento (i.e. usos) como da organização urbana (i.e. formas). / Entre outros aspectos, estes induziram novos relacionamentos entre elementos urbanos, permitiram novas economias de uso do solo e de transportes, atenuaram os problemas de tráfego e poluição, permitiram trabalhar à distância e rentabilizar a oferta de serviços sociais.[9] São pois redes que possuem um papel significativo relativamente ao espaço urbano; e que prosseguem com o papel tradicional das redes de assegurar uma cidade expandida. / Por outro lado, as novas redes digitais, que asseguram as mobilidades ocorridas na contiguidade físico-virtual, têm como maior significado a construção de um espaço de interacção humana independentemente das distâncias espaciotemporais. Em suma, trata-se de uma terceira utopia urbana e modelo de cidade.[10] De resto, recorde-se ser recorrente o uso da metáfora da “pólis”[11] na teorização e o facto de ser possível analogias com o espaço arquitectónico-urbano tradicional daqueles (por exemplo, entre site-local, porta-praça, “browser”-transportes e porta-“link”, etc). Existem incuso já ligações entre estas duas cidades - a cidade tradicional física e a digital - (ex. cibercafés, ATM, etc) e surgem as primeiras experiências verdadeiramente urbanas (ex. “Route 128” de Boston, etc). Como resultado, a cidade-“layer” digital sobrepõe-se à urbanidade física conformando um meta-território de vivência urbana, que traz interferências para a disciplina (na organização, forma e funcionamento do urbanismo e arquitectura), e que leva autores como Mitchell a reimaginarem um novo tipo de urbanismo-planeamento capaz de afrontar uma cidade do futuro composta por urbanidades físicaa e virtual interconectadas e complementares. / PRESENÇA DAS REDES TELEMÁTICAS E SUAS VIVÊNCIAS / Como referimos, em “Notas sobre o espaço da técnica digital”[12], identifica-se que a nossa cidade em si expressa já transformações significativas relativamente à sociedade da informação. / Nomeadamente, a ocorrência de formas e dinâmicas urbano-territoriais complexas (que diluíram as distinções entre cidade-natureza, centro-periferia, local-global e físico-digital), o que comportou uma crise conceptual para a cidade, requerendo-se novas denominações que deem conta da sua condição de metrópole expandida. De facto, como bem descrito por Fransesc Munoz, a nova ordem geográfica e económica, conformada pelos progressos dos transportes e das comunicações e por modos de produção e consumo pósfordistas, tem originado novas organizações urbanas constituídas sob a forma de rede de núcleos e tecidos urbanos que se espacializam, competem e complementam.[13] / Em suma, conforma-se um metaterritório em rede, que, como referido, afectou significativamente o espaço urbano, e que potencialmente permite continuar a assegurar a sobrevivência da cidade disseminada. / Por outro lado, como acentuado em comunicações com o economista urbano Rui Braz Afonso, estes desenvolvimentos urbanos, requerem indagar-se sobre este tipo de vivências fomentadas pelos novos espaços das redes.[14] As redes e produtos digitais (do telemóvel à Internet) possibilitam a realização de actividades sócioeconómicas e a interacção à distância, e que multiplica as nossas vivências e desvincula algumas daqueles de espaços físicos concretos. Nas palavras de Rui Braz, embora nos constituamos como habitantes ou residentes de um lugar, usamos mais ou menos intensivamente outros lugares, conformando geografias variáveis no nosso quotidiano. Este tipo de utilização espacial apenas comportará benefícios e será positiva, se mantivermos uma atitude que afira benefícios e perversões, pautando-nos por manter um afecto pelo território e pelo corpo social. Uma atitude permanentemente atenta aos alarmes contemporâneos da urbanidade real; relacionados com a delapidação ambiental, a decadência do espaço público, as desigualdades sociais, etc. / Em suma, perante o aumento de ligações, é também necessário uma nova forma de conceber e planear sinergeticamente o físico e o virtual, que atenda às novas tecnologias, processos pós-mecânicos e concepções do espaço e materialidade, assim como modelos de performance do meta-território que os seres humanos habitarão. / 5. DESIGNAR A REAÇÃO DO CORPO COM O ESPAÇO / A conformação de um novo paradigma urbano-comunicacional, movido pelo impacto das novas TIC (redes alambicas e inalambricas, artefactos móveis, softwares, protocolos, etc), cujo resultado é tanto físico como experiencial, pode usufruir do entendimento de outras reflexões paralelas. Neste sentido, numa conferência no RPI de NY, acentuei por exemplo a crucialidade da questão do interface e dos futuros cyber-corpos. De facto, ao longo dos últimos anos tem ficado tangível a realidade da já abordada cyber-cidade relacionada com fenómenos de mobilidade e globalização; mas também de cyber-arquitecturas relacionadas com espaços evolucionários, inteligentes e como RV; e de cyber-vidas relacionadas com fenómenos sócioculturais híbridos entre a virtualidade-fisicalidade. / Em grande medida, a influência da digitalização encontra-se estabelecida prognosticando-se a diluição da fronteira entre espaço e virtual num metaterritório humano. No entanto, mais recentemente, outro fenómeno - o biotecnológico - começa a servir de referência a arquitecturas mutantes e generativas, suscitando também que indagemos sobre o interface entre corpo-tecnologia, espaço e informação. / CORPO, ESPAÇO E MÁQUINA / A arquitectura sempre pressupôs uma relação entre o corpo e o espaço, relação que progressivamente se complexificou, parecendo estar hoje mediada de sobremaneira pelo mundo da máquina. / A teoria da arquitectura, por seu lado, sempre esteve atenta à relação que a arquitectura estabelece com a tecnologia; deparando-se hoje com a necessidade de formular um programa de hibridação que paute a nossa relação com as novas tecnologias (baseadas principalmente na comunicação e na biotécnica).[15] / Podemos sinteticamente dizer que conceito de “máquina” emergiu com a distinção entre carne e técnica (máquina e orgânico), surgida como sequela do mecanicismo, e que, frequentemente, foi um conceito tomado para entender o mundo e o corpo. A máquina surgiu expressa notavelmente na cidade industrial e fordista, e foi essa que normalizou o social com referencial na estandardização produtiva. Desde então, prosseguiu uma tensão entre corpo e máquina, que apenas foi abalada pela memória do espetáculo de Auschwitz, o momento horroroso em que a máquina se alimentou do corpo que antes servia. Hoje, a intimidade entre corpo e máquina-técnica tornou-se inevitável, e se alguma liberdade nos resta é apenas a de conceber-escolher de que forma habitaremos o tecnocosmos que nos rodeia. A máquina deixou mesmo de ser uma prótese do corpo, para ser uma entidade que o manipula (ex. biotecnologia, genética, etc), e medeia na sua relação com o real (ex. informática, telecomunicações, etc).[16] / Constatamos felizmente no entanto que simultaneamente e, como sempre acontece, a inovação tecnológica começa a suscitar receios, e êxtases, dado que as acelerações nos corpos social e tecnológico comporta benefícios mas também perversões. Em suma, requer-se a formulação de programas de hibridação capazes de pautar o modo como nos relacionamos e reprogramamos com a máquina-técnica contemporânea. Neste sentido, também a disciplina da arquitectura deverá apropriar criticamente a progressiva submersão na técnica, reflectindo sobre as ressonâncias surgidas na cidade, na concepção projectual e na construção arquitectónica./ 6 - RESSONÂNCIA II / OSCILAÇÃO NA CONCEPÇÃO PROJECTUAL / Para o mundo da criação projectual, os benefícios são múltiplos e profundos. Sumariamente e como referiremos, tal inclui desde a conformação de uma nova dimensão virtual (em que se diluem fronteiras entre criação-produção-experiência), à possibilidade de organizações em rede (proporcionando novas plataformas transnacionais), até à disponibilidade de novas tecnologias que interferem na criação (mais que como meros instrumentos) como verdadeiros sistemas inteligentes auto-generativos. / Comecemos por ver o computador como a máquina do século XXI, e a rede como uma prótese que expande as capacidades comunicativas do homem, a qual actualmente á a servir como sistema nervoso imprescindível para o funcionamento da sociedade pósindustrial da informação. Pensemos então qual é o impacto deste contexto em algo que nos é tão próximo, como é a prática do projecto arquitectónico? / Neste contexto, podemos constatar que a arquitectura apropria, desde há duas décadas, estas tecnologias. Essas oferecem novos instrumentos, mas sobretudo novas metodologias de projecto, levando muitos a preverem mesmo a possibilidade de um sistema supradesenvolvido e eficiente, uma “máquina-arquitectura” com capacidade autogenerativa.[17] / Existem já actualmente inovações no sector CAD que permitem práticas de modelação generativa (i.e. parametric CAD); sistemas inteligentes de raciocínio baseados na casuística, novas plataformas de organização (i.e. práticas colaborativas em rede); bem como uma diluição da distância entre a concepção, experiência e produção (devido aos CADCAM e às possibilidades de simulação de experiência em RV). Desde um ponto de vista mais conceptual, devemos referir que a rede serve como ambiente de mediação e de suporte a vivências humanas, o que conforma uma situação que pode abrir novos domínios para a práctica arquitectónica. De resto, muitas escolas de arquitectura americanas e europeias tem sido activas neste domínio, concentrando-se na concepção do ciberespaço - uma utopia em que se diluem as barreiras entre espaço-tempo, real-virtual, matéria-informação e orgânico-inorgânico. Defendem, entre outros argumentos, estarem a responder a uma das necessidades da actual sociedade da informação, i.e. da construção de um espaço sem forma que o homem habita paralelamente ao físico.[18] / Certo é que se tornou inevitável a relação entre arquitectura e as novas tecnologias. Os resultados possíveis remetem para produções caracteristicamente mutantes. Desde espaços virtuais habitados pelo homem, a espaços híbridos real-virtuais (ex. a bolsa de Nova Iorque concebida pelos Asymptote), ou arquitecturas reactivas inteligentes (ex. da domótica ou personalização de Gates ou Price). / 7 - RESSONÂNCIA III / A CASA E A MÁQUINA / De facto, a ressonância da nova realidade sente-se na arquitectura, e, a nosso ver, passará pela transição da casa-máquina ao edifício inteligente e, eventualmente, deste ao organismo sem prótese. / À semelhança da cultura da máquina indústria, que representou uma nova filosofia de relacionamento entre o homem e a natureza; podemos também entender a arquitectura per si como um específico domínio artificial sobre a natureza. / No entanto, esta arquitectura foi contaminada desde finais do século XIX por novos sistemas mecânicos e infra-estruturais, transformando-se progressivamente num ambiente artificial, independente e estanque relativamente às condições do exterior natural. E a posterior estética da máquina modernista, em certo sentido, mais não foi que o fim do tabu entre estética e técnica, ousando expressar formalmente o protagonismo dos elementos técnicos. / Posteriormente, a meio do século XX, ocorreria uma segunda invasão técnica. Mais precisamente, dar-se-ia a introdução de electrodomésticos “plug-in”, que mecanizaram o ambiente arquitectónico. De resto, o próprio corpo se adaptou enquanto peça desse dispositivo de máquinas, taylorizando as suas tarefas domésticas e contribuindo para a consolidação da ideia de eficácia subjacente ao ambiente moderno. E, resultante desta contaminação com a cultura mecânica (a infraestruturização, a mecanização, o automóvel, os electrodomésticos e a TV), a arquitectura progressivamente tomou a máquina parte de si. / Ora foi esta mesma máquina que começou a requerer o desenvolvimento de ciências - como a cibernética ou a robótica -, que permitissem assegurar o seu próprio controlo e regulação. (I.e. se os iniciais sistemas manuais passaram a ser mecânicos e depois a ser autocontrolados automaticamente sem intervenção do homem; tal situação estende-se à performance de todo o edifício, podendo aquele ser regulado por sistemas automáticos capazes de controlar as suas condições ambientais, de segurança e informação). / Os “smart buildings” são hoje uma realidade com o advento da electrónica. Como corolário, estes instauram também uma nova forma de relacionamento-interactivo do corpo com o ambiente espacial. Segundo o exposto, poderíamos neste momento lançar a pergunta: se perante a referida história da constante permeabilidade aos desenvolvimentos tecnológicos, (ao ponto de se tornar ela própria num ambiente artificial), que com as actuais novas tecnologias se tornam em ambiente inteligentes e capazes de assegurar o seu controle e gestão), não nos deparamos com um abalo na ideia de arquitectura como prótese passiva? A anterior pergunta é ainda mais pertinente, se remetermos para as pontuais implicações da cibernética e biotecnologia actuais (como passaremos a desenvolver). / Em suma, parece-nos que agora em diante, a arquitectura não mais deverá ser vista como um ambiente fixo e imutável. Por outro lado, outras adjectivações surgem como a de “hibrid architecture”. Esta acentua uma riqueza tecnológica que a dota para além da referida capacidade de interactividade (i.e. de adaptação permanente), também da capacidade de mediação (i.e. capacidade de possibilitar comunicação-imersão virtual). / Tal implica, entre outros aspectos, que expandamos a nossa reflexão ao interface e à RV. / O PROJECTAR DA HIBRIDEZ / A questão do interface é crucial e pode, legitimamente, motivar reflexões relacionadas com a sua concepção e propósitos. Isto porque remete para a eventualidade de espaços virtualizados, corpos hibridados, e, no limite, mesmo a diluição de qualquer interface prostético enquanto mediação biotecnológica.[19] / De facto, o debate sobre a relação homem-tecnologia é histórico, a fronteira dessa hibridação (i.e. interface), é hoje crucial e requer um programa filosófico que a paute.[20] Tal debate surge na Arte, por exemplo no trabalho de Sterlac, onde o interface è entendido como uma prótese complementar para um corpo obsoleto. O debate está também presente na ciência, por exemplo em sistemas de telepresença das agências aeroespaciais; e mesmo no quotidiano onde se difundem as possibilidades de uma televida entre real-virtual através de sistemas RV economicamente acessíveis. / Atenda-se que o desenvolvimento do interface tem convergido para um total “desaparecimento” - mediante a redução da sua presença (recorde-se uma evolução que vai dos “mainframes” de válvulas aos microprocessadores de chips, aos “personal computers” e agora sistemas embebidos, etc) e a exponenciação da intitutividade no relacionamento (recorde-se a evolução que vai desde a programação, aos comandos simbólicos, à instrução verbal, e futuramente a uma comunicação mutisensorial e espontânea apoiada por inteligência artificial e “lógica vaga”).[21] / Actualmente, o maior desenvolvimento ao nível do interface ainda é a realidade virtual, a qual embora continue a recorrer a capacetes e data-gloves etc, será progressivamente mais tangível. Se existem vários tipos de realidade virtual (ex. janela, videomapping incluindo partes do corpo, tele-presença, e sistemas mistos), progressivamente aproxima-se um futuro em que nos será permitida uma verdadeira impersão multi-sensorial. / Como exemplo da exploração criativa de um ambiente CAVE, podemos referir a desenvolvida pelo NATV dirigido por Diana Domingues na Universidade brasileira de Caxias do Sul. (Neste experimento são utilizados óculos e ponteiros mas, por altura da minha visita em 2004, desenvolviam-se interfaces que fossem mais intuitivos como microdatagloves e sistemas de biofeedback via cárdio ou visual inputs). / A CAVE desenvolvida por Domingues, trata-se de um espaço delimitado por telas (270x270cm) em que são projectadas imagens sincronizadas por vários PC’s, segundo os “inputs” em sensores ao movimento de um interface (óculos, ponteiros, etc). Esta realização tem um significado acrescido pelo facto de contornar múltiplos condicionantes (como sombras nas telas, os retornos que dificultam a sincronia dos projectores, a necessidade de um grande espaço que aqui suscita projecção indirecta em espelhos , etc). / Para a CAVE, Domingues desenvolveu o trabalho “hertscapes”. Este consistiu numa notável aplicação deste tipo de interfaces e sistemas, que alude para outras influências no trabalho da artista como uma imersão no mundo de rituais e shamanismo. Nas suas próprias palavras: “Diana Domingues/NATV team, in Heartscapes offers the immersion in virtual landscape of the heart, mixing visual effects with noises of indigenous rituals. Natural environments and allowing responses from virtual objects and navigation in the landscape, by creating the atmosphere of a ritual. Mutations of forms in real time are controlled by trackings for movements and the capture of heart-beats allows feedback. An electrooculogram (EOG) also enables the visitor to control the immersive virtual reality environment with a mere eye movement. The electric potentials measured and transmitted with the EG biofeedback with a modelled landscape rendering of virtual grounds, landscapes and natural phenomena such as rain and fire, suggest dialogues with the cosmos, metaphorically having shamanic powers”.[22] O trabalho de Diana e sua equipa é extremamente interessante e contempla de forma relevante as múltiplas dimensões do corpo, pelo que sugerimos uma visita ao seu website.[23] / Paralelamente, um dos debates que na nossa opinião pode tornar-se central, relaciona-se com um futuro em que os interfaces se hibridem com a vitalidade do corpo ou mesmo com este. Na eventualidade destes desenvolvimentos, torna-se obviamente produtivo desenvolver conhecimento sobre a performance dos sentidos. Ted Krueger, por exemplo, encontra-se a desenvolver uma investigação interessante sobre as interferências na nossa percepção sensorial. Depois de estudos de design para estações aeroespaciais e de compensações para as transformações sofridas pelo corpo quando sujeito a condições extremas de gravidade zero, desenvolveu ideais de “synthetic senses”. Uma expansão sensorial que tem como corolário, também, demonstrar que tanto o corpo como as suas percepções ambientais não são estáticas. Segundo Krueger: “The goal of this research trajectory is to formulate the principles by which arbitrarily chosen sensor technologies might be interfaced with to the body to yield a veridical perception of the phenomena in question”.[24] / Em suma, os “smart spaces” e “hybrid architectures” desenvolvem relações mais simbióticas entre corpo-espaço-tecnologia, requerendo que se reflexione sobe a questão do interface. Este interface vem sendo desenvolvido rumo a desaparecimento. / DO AMBIENTE INTELIGENTE AO ORGANISMO SEM PRÓTESE / Após as considerações anteriores sobe o interface, a que voltaremos mais tarde, interessa-nos retomar a discussão sobre o desenvolvimento da arquitectura, o qual prosseguem após a inicial passagem da casa-máquina ao ambiente inteligente híbrido. / Neste sentido, podemos dizer que a nova casa digital, que se sobrepôs à anterior casa-máquina, começa a conter um “layer” telemático que lhe permite estender a sua performance para além dos seus limites físicos, e subverter a básica fronteira entre interior-exterior. No entanto, surge então uma segunda questão complementar: Como ressoará uma estrutura lenta, como são as construções, com a rapidez do dispositivo informacional? Na nossa opinião, à semelhança do que aconteceu com a introdução das tecnologias anteriores, as transformações que prognosticamos não deverão ser meramente epidérmicas. Isto é, é plausível prever-se que as incorporações tecnológicas, dotarão as construções arquitectónicas de inteligência e interactividade, mas também constatar que muitos outros reflexos relativamente a parâmetros arquitectónicos convencionais, como por exemplo, ao nível da (re)organização, morfologia e funcionamento (ex. a tele-actividade obviamente requererá espaços fléxiveis distintos dos convencionais e novas formas de os usar-habitar, etc). Trata-se pois, num sentido mais amplo, de um problema tectónico, resultante da progressiva artificialização do ambiente espacial que agora tende a culminar em ambientes inteligentes. E, neste sentido, podemos comparara duas filosofias diferentes relacionadas com a utilização de Novas tecnologias em ambiente arquitectónicos. / A primeira, é expressa pela residência “high-teck” de Bill Gates, que o próprio avança como protótipo da casa do futuro. Relativamente a esta, Gates escreve no seu livro “Rumo ao futuro” o facto de “desejar uma casa agradável, arquitectonicamente mas confortável”.[25] Pois bem, é o estabelecimento da distinção expressa pelo “mas” que precisamente denúncia um entendimento redutor de arquitectura como mero suporte para tecnologia. De resto, a extensa descrição que se segue a esta passagem do livro, restringe-se a pormenores técnicos, relativamente aos quais, curiosamente, mesmo Gates receia, dado que prevê a possibilidade de contra-ordens manuais.[26] Para além disto, é ainda paradoxal o facto do seu “bunker” electrónico não deixar de ter uma convencional pele neoclássica, e o facto de permanecerem ausentes quaisquer outras considerações convencionalmente arquitectónicas, sobre dimensionamento, articulação e carácter espacial, etc. A segunda posição relativamente à utilização de novas tecnologias em ambientes arquitectónicos, é expressa pelo edifício H20 dos NOX, o qual, pelo contrário, submete a técnica à experiência espacial e à estética da interactividade. Todo o ambiente interno do edifício se metamorfoseia interactivamente com o corpo do seu ocupante.[27] Numa perspectiva similar, outro autor, precisamente o já referido Ted Krueger, num texto intitulado “Metadermis como segunda pele”, reclama que se desenvolva uma espécie de metaderme arquitectónica inteligente e interactiva que possuam qualidades encontradas no mundo orgânico.[28] Estas duas últimas situações referidas parecem-me importantes, porque repensam a arquitectura da máquina como extensão (ou sob o prisma) do corpo. E, assim, a arquitectura critica a sobre-invasão técnica em curso, submetendo-a à ideia de interactividade espontânea e não de mera reacção automatizada. / Neste momento, recorde-se novamente a evolução do papel da máquina face à arquitectura, porque este novo recuo pode levar a outra especulação crucial de como essa interfere na arquitectura e no corpo: Se a máquina industrial serviu como metáfora e a “machine habiter” absorveu os progressos científicos, no pós-guerra houve outro momento significativo. Designadamente quando Rayner Banham desmistificou a mecanização, concebendo um artefacto membrana chamado “standart of living package” que criaria um habitat confortável para o corpo que esse complementava. De facto, se Krueger concebe uma arquitectura inteligente e interactiva que possui qualidades orgânicas; Anthony Vidler em “Homes for cyborgs” vai mais longe, prognosticando que a prótese da arquitectura não se limitará à mera imitação do orgânico.[29] Actualmente, estamos já numa “second machine age”, em que já não vivemos sobre a metáfora industrial, mas sobre a metáfora da medicina. Apoiando-nos neste facto, poderíamos pensar ainda mais longe, remetendo para esse outro vector de desenvolvimento científico - a biotecnologia e a genética. Em suma, a prótese-arquitectura pode deixar de ser algo distinto e complementar do corpo, mas hibridar-se com ele na figura do “technobody” (um corpo tecnológico autosuficiente), reduzindo a uma única pele o corpo, a arquitectura e a máquina. / Não ousarei avançar, mais do que este provisório prognóstico daquilo que poderão ser as expressões dos desenvolvimentos técnicos actuais na arquitectura. Deixo pois a ideia de que, até agora, a arquitectura tem incorporado tecnologia que artificializou o ambiente e o tornou inteligente, interactivo, e conectado. Mas, daqui para a frente, a arquitectura pode vir a avançar para processos de desmaterialização, ao conectar-se com o ciberespaço, assim como de hibridação, ao mesclar-se com o corpo. / SIMBIOSE IMPREVISÍVEL / A ideia de um organismo livre de prótese, remete novamente para o interface. Na introdução de um livro sobre o trabalho que os “marcos and marjan” desenvolvem, problematizo entre outros aspectos a questão do interface - o qual progressivamente ambicionou desaparecer e que hoje avança para uma hibridação com a presença das TIC e biotecnologias.[30] Marcos Cruz salienta que continuamos erradamente a ver o corpo como algo estático quando essa noção se complexifica para próximo da de “cyborg” (que vinha sendo prognosticada pela ficção científica). Tal identifica-se num desejo, que se verifica na sociedade e contemporaneidade, de manipular o corpo (mediante próteses, cirurgias plásticas, genética, etc), bem como na realidade de vivermos num tecnocosmos que reconfigura e medeia a relaçãodaquele com o real. / A questão relacionada com o impacto das novas tecnologias, no corpo e sua arquitectura, pauta o trabalho desse arquitecto. Um arquitecto que desenvolve verdadeiras especulações poético-tecnológicas entre o corpo-arquitectura, que apropriam uma “nova materialidade” (composta por estruturas biónicas, líquidas, materiais histocompatíveis, órgãos e cultivo de pele artificial, têxteis reactivos, etc) com vista a criar/imaginar os seus dispositivos arquitectónicos curvilíneos, sensíveis e mutantes. / Com o inicial “In-wall-creatures” entendeu o corpo e espaço como algo de uma mesma natureza e igualmente vivos, com vista a concepções de tectónicas sensíveis. Depois, o desenvolvimento destas ideias têm sido feitos por participação em concursos e instalações. Em alguns propõe espaços reactivos conformados pelo que chama de peles “in-lúcidas” que variam de aparência, rigidez ou função. Noutros, como a sua instalação “Fabric ephitelia” (desenvolvida com o biólogo molecular Orlando de Jesus), incluso investiga o orgânico como material plástico. / Em suma, pessoalmente, acredito que pode ser um exercício produtivo imaginar o que aconteceria à arquitectura se fossem possíveis paredes e elementos arquitectónicos que se configurassem e reconfigurassem de acordo com os desejos e “feedbacks” do nosso corpo. No contexto actual torna-se também urgente especular, ao limite, a questão de interfaces com que num futuro próximo nos possamos deparar. Alguns desenvolvimentos parecem apontar para a ideia de uma cápsula prostética próxima do corpo, que interactue, alimente e permita viver esta “hybrid-reality” que é o entre físico e virtual. / A nível da prática projectual, pessoalmente, procuro usar instalações artísticas e/ou multimédia, para questionar esses limites de especulação arquitectónica; assim como estruturas de interfaces que se aproximem da ideia dessa cápsula prostética. Paralelamente, a investigação conduzida teoricamente pode ser mais especulativa. Certo é que, independentemente de qual venha a ser efectivamente o futuro, a questão do interface constitui um desafio crucial eminente com que o design e a arquitectura se confrontarão. / 8. APROPRIAÇÃO / Se a escala ínfima da relação corpo-espaço-técnica (interface) é um foco crucial, igualmente o é a ampla escala em que se dá a performance do metaterritório. / Pretendemos, no entanto, fazer uma pausa, para recordar que a arquitectura está constantemente exposta às transformações culturais e tecnológicas. Mais interessando igualmente recordar que a tecnologia aporta formas culturais consigo, e a forma como apropriamos a aceleração tecnológica expressa também uma ideia-visão de humanidade. / Pessoalmente, penso que a arquitectura deve estar consciente do significado do poder da técnica. (E neste sentido, recorde-se como o próprio Le Corbusier expressou, em Ronchamp, o receio do pósguerra relativamente às ameaças que a técnica subentende, recusando a metaforização mecanicista, a estética fria, crua e polida das formas industriais e militares. Na situação contemporânea, com a passagem de uma sociedade industrial para uma pósindustrial da informação, ou pós-mecânica da informação e do conhecimento, deparamo-nos com uma eminente submersão tecnológica e uma ambivalência físico-virtual (em que a própria sociedade dispensa o corpo e o espaço). As nossas “máquinas inteligentes” são distintas das mecânicas, que fascinaram Le Corbusier e Marinetti; criam espaços para o corpo e para a mente e novas ideias pós-mecânicas de espaço e materialidade. / E, por isso, independentemente de quão cépticos ou críticos possamos ser, ninguém deveria ser acusado de “ter olhos que não querem ver” (como Le Corbusier referia no seu “Vers une architecture” de 1923)[31], pelo que convinha que alargássemos as reflexões sobre arquitectura, com vista a afrontar os fenómenos da metamorfose contemporânea e continuar a explorar a dignificação do habitat humano. / Sem desprezar as potencialidades da revolução tecnológica, propõe-se pois que a arquitectura aproprie, sem perder o seu sentido crítico, as novas e tecnologias nos domínios do projecto, da construção e da cidade. Domínios sobre que procurámos nos debruçar. Reflita-se sobre o futuro segundo as potencialidades do presente, (para que, ao contrário do que muitas vezes se faz, se reaja a tempo e não quando as manifestações já tiverem tido lugar). E reflectir hoje sobre a condição da arquitectura, é, também, ponderar uma única entidade composta pela envolvente espacial, a técnica e o corpo. / PARTE 2 - RUMO A UMA ESTÉTICA ARQUITECTÓNICA EVOLUTIVÉL / 9. - A DINÂMICA AUTO-ORGANIZATIVA DO META-TERRITÓRIO / Referíamos no início do texto vivermos já num contexto da informação “digital” e do “biotecnológico”; e a consciência de que a “incerteza” pauta a realidade contemporânea desde as suas escalas infinitamente grande à infinitamente pequena. A cultura da pósmodernidade apelou ao dinamismo e instituiu uma transitoriedade não linear. Mas, actualmente, vivemos uma realidade marcada pelo fenómeno da informação digital e, mais recentemente, pelo imaginário biotecnológico (que por vezes se aproxima do pósbiológico). De facto, se a primeira se encontra estabelecida, a segunda suscita-nos a especular sobre o “interface”, e a fusão entre corpo, tecnologia, espaço e informação. Paralelamente, tal inspira também a ideia de um espaço e arquitectura generativa mutante - um ambiente futuro que, para lá da mera responsividade mecanicista e imaginário RV, possua a capacidade de relacionar-se criativamente com o habitante e evoluir dinamicamente. Em suma, o paradigma em voga nos anos 90 culminou num consenso (mesmo entre os mais cépticos) que a nossa realidade espacial se constitui tanto da digital como da física. No entanto, seria produtivo avançar para uma ideia de “virtual”, não simplesmente restrita às ideia de RV, mas capaz de incorporar a potencialidade Proustiana do próprio “virtus” assim como uma quasi-deleuziana filosofia de imanência e devir. / Certo é que a realidade presente inevitavelmente influencia a estruturalidade do espaço e a própria concepção e performance do metaterritório. De resto, existem poucas reflexões-conceptualizações sobre o seu modelo futuro, enquanto metaterritório físico-virtual em que progressivamente vivemos. Interessante é por exemplo o entendimento de Neil Spiller sobre uma arquitectura vacilante e reflexiva, relacionável com uma paisagem multiescalar composta por várias ecologias.[32] Ou a concepção por John Frazer de uma “evolutionary architecture”.[33] / Na minha opinião, para entendermos/antevermos a performance do novo meta-território espaciotemporal, habitado pelo humano, na convergência da cidade física e digital, requer-se de facto novos focos. Focos produtivos que podem surgir de uma perspectiva sistémica e quasi-filosófica, que entendam a complexidade e as dinâmicas não-lineares e de emergência presentes (recorde-se a produtividade das teorias e sistemas para lá do equilíbrio, caóticos, fractalizados, catastróficos). INTERESSES TECNO-CIENTÍFICOS Como aludido, vivemos hoje claramente sob uma nova ordem tecnocultural cuja génese remete para a WWII, e que surge denominada como sociedade digital ou pós-pós-moderna. No entanto, gostaríamos agora de aludir para o avanço rumo a uma estética arquitectónica evolutivél, que reconhece o interesse contemporâneo pela complexidade tal como o papel do tempo e inevitabilidade da mudança. / Comecemos por recordar que muita da prática e arquitectura recente vem sendo suportada e fortemente afectada pelo computador e tecnologias da comunicação, as quais têm permitido a expansão virtual do espaço físico-urbano, a “responsividade” da construção arquitectónica e o desenvolvimento de novas metodologias projectuais que beneficiam da multiplicidade oferecida pelo desenho genético-paramétrico e CAD-CAMs. Progressivamente, o interesse tecnológico da arquitectura, também levou alguns arquitectos a expandir o seu foco em novas tecnologias rumo à experimentação de áreas como a biotecnologia e a nanotecnologia, expandido novos modos de habitar. (Para uma panorâmica dos primeiros aspectos, sugiro, por exemplo, um olhar aos livros que produzi nos últimos anos [34]; e, relativamente ao último, um foco no trabalho de Neil Spiller [35]). / Por outro lado, e em certo sentido, os supramencionados interesses tecnológicos da arquitectura estão ligados a um desejo de multiplicidade e de um ambiente mais evolutivo. Este é paralelo ao privilégio de um novo entendimento da arquitectura por variados profissionais contemporâneos. Manuel Gauza, por exemplo refere-se a uma “(…) nova forma de entender a arquitectura que fala mais de processos do que dos acontecimentos”.[36] E, em oposição às “escolas neoracionalistas”, o seu “(…) modo de entender a arquitectura é mais dinâmico em todos os sentidos, é evolutiva e transformável. Ou seja (…) potencia processos que a podem fazer ser de outra maneira, (…) modos evolucionários, combinatórios ou transformáveis” “(…) A arquitectura está a mudar em direcção a uma nova lógica dinâmica, que fala de processos instáveis, inacabados, indeterminados, informais, não prédeterminados formalmente”.[37] Neste sentido, note-se que a arquitectura recente tem também claramente desenvolvido um interesse particular pelo pensamento científico da complexidade e de emergência (ou do emergente). Atenda-se que novas ideias científico-filosóficas - como a de caos, etc - foram introduzidas em múltiplos domínios. Peat afirma: “Hoje a teoria do caos junto com as suas noções associadas de fractais, atractores estranhos e sistemas autoorganizados, têm sido aplicados a tudo, desde a sociologia à psicologia, da consultadoria negocial às neurociências”.[38] Segundo refere o engenheiro Cecil Balmond no seu artigo “Nova estrutura e o informal”: “(…) As novas ciências oferecem um novo começo. Reflectindo a lógica linear e ‘hand-me-down’ do pensamento hierárquico, a nova ciência abertamente abraça a complexidade. O não-linear é adoptado. O que é novo é a admissão de feedback como motivo. Há sobreposição, e o simultâneo é enaltecido. Incrivelmente, tais pontos de partida do caótico são vistos como conduzindo a estabilidades e ocorrências, conduzidos por desejos naturais organizadores. O paradigma é o da emergência (…)”.[39] Neste sentido, Charles Jencks, autor da “arquitectura pósmoderna”[40], expandiu a sua exposição histórica num livro posterior com vista a contemplar “(…) como a ciência da complexidade está mudando a cultura arquitectónica”.[41] Noutra publicação associa, este “novo paradigma em arquitectura” a uma nova fase do pósmodernismo: “Desde meio dos anos 80, algum pósmodernismo ‘caught on’ e tornou-se um movimento global, como o seu parente pósmodernismo (…). Com verdadeiras mudanças nas atitudes e prática (..) o movimento do pósmodernismo atingiu o seu segundo principal estado, . Este estado é denominável como o Novo paradigma, ou da Complexidade II. (…) A Complexidade II desenvolve-se directamente desde o trabalho prévio dos anos 60 em teoria dos sistemas; o Novo Paradigma cresce desde o movimento pósmoderno na ciência, por isso há tanto uma continuidade como mudança (…). Complexidade E e II estão comprometidos com a pluralidade - sendo por isso que são ambos pósmodernos - mas em sentido bastante distinto”.[42] Complementarmente, o número da “Architectural Design” de meados dos anos 90, organizado pelo mesmo autor, constitui outro documento revelador sobre o impacto da “nova ciência” numa “nova arquitectura”.[43] De facto, identifica-se um ênfase nas conexões da arquitectura com os discursos das complexidades sistémicas (isto é, com a mecânica quântica, a termodinâmica, as teorias da catástrofe, do caos, dos fractais, do não equilíbrio ou ‘para lá’ do equilíbrio, etc). O texto Jenckiano de 1997 sugere que a complexidade é a teoria de como uma organização “emergente” pode ser obtida por componentes interactuando empurradas para lá do equilíbrio (por aumento de energia, matéria ou informação) para o limiar entre ordem e caos. Esta importante fronteira ou limiar é onde o sistema frequentemente salta, bifurcar ou interage criativamente de um modo não linear, imprevisível (o momento Eureka) e onde a nova organização, significado, valor, abertura, fractal, padrões, formações de atractores e (frequentemente) complexidade crescente (um maior grau de liberdade)”.[44] / A COMPLEXIDADE E A “PSEUDO-COMPLEXIDADE” / Ainda que não pareça que devamos aceitar o devir desta organicidade como um dado, (à semelhança do que parece aludir Jencks), é um facto que a disciplina da arquitectura necessita de reflectir sobre novos modos de lidar com a complexidade do mundo que lhe é contemporâneo. Ao nível do projecto a influência das novas ciências pode identificar-se no uso de computadores para experimentações generativas, topológicas e auto-organizativas. Na área da construção, tal pode ser identificado nas investigações de espacialidades evolucionárias, que ponderam a relação entre ambientes e usuários como algo dinamicamente interactivo. Em suma, ambos pretendem problematizar as convencionalmente mais aceites abordagens projectuais superdeterministas e explorar a “responsividade” edificatória. / Relativamente à discussão das complexidades em arquitectura, é importante , a meu ver, fazer extensa referência ao prodigioso “Complexidades visíveis e invisíveis” de Chris Abel.[45] Trata-se de um texto consciente em que o autor critica uma tendência surgida nos anos 90 marcada pelo interesse numa complexidade superficial meramente visual e formal; enaltecendo paralelamente o modo como a “Era da complexidade e tecnologias da informação” afecta a concepção e produção arquitectónica a um nível diferente (opinião que partilho). Abel recua retrospectivamente à computação e às dinâmicas orgânicas da cibernética e máquinas adaptativas, e recorda reflexos iniciais da Era da informação na arquitectura.[46] Avança depois para o uso e impacto das tecnologias da informação a diversos níveis arquitectónicos.[47] Abel alude para a “visão Friedmaniana de uma comunidade auto-edificadora”, e avança criticando a “pseudo-complexidade” de muitas práticas reconhecidas, das quais resultou uma complexidade meramente morfo-visual. Estas apenas aparente e superficialmente obtêm, segundo Abel, o seu suposto objectivo de diluir o gesto do arquitecto, persistindo com a exclusão de “outros”, devido à sua incapacidade de traduzir a complexidade que emerge no mundo real.[48] Pelo contrário, os aspectos da Era da informação previamente aludido por Abel, actuam numa direcção diferente. Como afirma: “A essência de todas estas motivações e desenvolvimentos, tal como das complexidades organizacionais e sociais que dela emergem, é que elas envolvem múltiplos agentes humanos e tecnológicos combinando-se com consequências imprevisíveis”.[49] / A conclusão (descrevendo transações entre ocidente e oriente) tem o explícito título - e hoje crucialmente significativo - “local space, global mind”. A narrativa de Abel, como aludido, é pois extremamente relevante de mencionar no contexto deste artigo, dado que traça a emergência da nossa Era da complexidade para há meio século atrás, e enfatiza que a sua relevância-significado reside a um nível distinto das meras dimensões morfo-visuais privilegiadas pelas práticas de alguns arquitectos actuais. Isto é, ao nível da permissão de diálogo e do acolhimento da interacção das complexidades surgidas das múltiplas interações do mundo real. / INICIAS PERMISSÕES DO EMERGENTE / Neste contexto, deve-se - e gostaria de enfatizar - que a viragem ainda em curso na arquitectura pósmoderna, para abraçar os temas da complexidade e do emergente, foi impulsionada pelo impasse-niilismo em que o pósmodernismo resvalou, após décadas de envolvimento com temas da linguagem e significação (desde o apelo estruturalista dos anos 60 até à corrente pósestruturalista descontrutivista dos anos 80) tentando desafiar um mais rígido credo modernista igualmente marcado por objectivos pré-determinados, um pensamento linear, e cânones estáticos. No entanto, tal deve também ser visto como algo paralelo ao progressivo estabelecimento de uma nova ordem tecno-cultural - a sociedade digital em que acabámos vivendo no nosso corrente momento pós-pós-moderno. Tal sociedade digital, veio evoluindo desde o pós-guerra e, em muitos aspectos de ordem tanto conceptual como tecnológica, possui uma ligação directa com as anteriores áreas da cibernética, investigação em sistemas e computação. / E, sobre este assunto, posso referir sumariamente o desenvolvido no meu doutoramento, convidando os leitores interessados a visitarem-no: “Por volta dos anos 90, a agenda arquitectónica finalmente começou a reforçar-se na nova ordem tecnocultural da sociedade da informação e numa estética da complexidade e do emergente. No entanto, o visionamento de um carácter mais evolutivél e o actual enfase arquitectónico numa espacialidade emergente aberta à diversidade trazida pelo tempo, vinha há muito sendo maturado. Este processo teve lugar em transações seminais entre cibernética, investigação em sistemas e computação que ocorreram notavelmente durante os encontros de três personalidades”.[50] Referimo-nos ao cibernético Gordon Pask, arquitecto Cedric Price e arquitecto John Frazer; sendo de particular relevância o desenvolvimento de dois projectos por Price, o projecto “Generator” (datado de 1976-80, e revisitado posteriormente) desenvolvido sob a consultadoria dos Frazers , e a proposta “Japan Net” desenvolvida com Pask: “Não é coincidência que ambos esses projectos pertençam a Cedric Price, do qual emerge um indagar pós-moderno no que respeita ao papel da arquitectura na sociedade e ao status do arquitecto. [Como é sabido], a produção de Price também aceitou tecnologia ‘up-to-date’ e foi instrumental em desenvolvimento ‘high-teck’ e do tipo. No entanto, tal nunca visou a mera uniformização e comercialização que tal abordagem hoje permite. Pelo contrário, pretendia simplesmente permitir a mudança fluir. Entre as produções radicais Priceanas, os [já mencionados] projectos Generator e Japan Net representaram uma contribuição única para o debate contemporâneo sobre um projecto ‘responsive’, informacional e evolutivél, tal como potencialmente influenciam desenvolvimentos mais recentes em arquitectura de orientação conceptual e tecnológica. Foi o reconhecimento Priceano de novas ideias e tecnologias que permitiu a Frazer e Pask avançar nas suas investigações dentro e particulares projectos arquitectónicos. Juntos - Pask, Price e Frazer - (…) avançaram o projecto rumo a um ambiente evolucionário. Prepararam as raízes para as dinâmicas em curso, e persistem oferecendo, hoje, um substrato seminal para o qual devemos retomar e recorrer frente à urgência da especulação, de nível técnico e conceptual, sobre o tema de quais os futuros desenvolvimentos numa altura em que a arquitectura afronta um mundo pós-industrial, global, incerto e permanentemente em mutação. Em vez de persistir reinforçando pré-determinações sob a forma de soluções estáticas, a arquitectura poderia reconhecer as permanentes oscilações culturais da sociedade, descobrir modos que ajudem a lidar com o consequente feedback, e avançar rumo à concepção de sistemas projectuais criativamente abertos à interacção, adaptação e evolução, como as produções culturais da nossa civilização - desde o conhecimento do passado à tecnologia do futuro - permitem”.[51] / 10. A IMENSA ESCALA DESCOBERTA / Após abordarmos os interesses tecnocientíficos actuais, sobretudo na complexidade, assim como os iniciais interesses no tema do emergente, interessa agora identificar o avanço rumo a um espaço arquitectónico evolutivél. / De facto, parece plausível pôr em perspectiva a performance deste metaterritório sobretudo como uma entidade complexa de componentes interconectados, marcados pelos “feed-backs” real-virtual e interacções numa realidade evolutivél. Isto é, um sistema actuando para lá do equilíbrio onde formas semiestáveis de materialidade e visualidade continuamente emergem da dinâmica dos seus componentes, interações, flutuações e “inputs”. A sua performance será marcada pelo “feedback” e “biofeedback”, emanando de vários componentes, (incluindo, por exemplo, a arquitectura, representações visuais, o corpo-usuário etc) e, pelas dinâmicas de auto-organização real-virtual. Esta performance sistémica, vista como um “continum” dimensional evolucionário, envolveria interfaces inovadores constituídos por tecnologias de diversas naturezas, que assegurariam a/uma permanente conectividade e circularidade. Percepcionamos a possibilidade de um interface centrado numa escala ínfima entre biotecnologia e nanotecnologia e, que eventualmente (em situações limite) aproxima-se de uma hibridação biotecnológica. Mas, a nosso ver, uma perspectiva que permite, e mesmo requer o debate sobre várias tecnologias - da nano à genética) -; que deve salvaguardar a nossa condição de seres humanos longe o seu entendimento como meros processos de informação como corrido nas passadas décadas com alguma perspectivas computacionais em inteligência artificial. Procedamos confrontando o limite do saber com uma consciência Godeliana da incompletude do nosso conhecimento sobre o nosso presente futuro. / Revendo alguns dos aspectos apresentados ao longo deste texto, julga-se que a sustentação do debate sobe a condição da realidade arquitectónica contemporânea requer a integração de uma multiplicidade de reflexões. Na nossa opinião, uma das reflexões que pode contribuir para este debate, visando a conceptualização da performance do meta-espaço onde o nosso presente futuro ocorrerá, pode iniciar-se observado as ressonâncias espaciais resultantes da já estabelecida sociedade da informação, e da mescla dos fenómenos digital e físicos. Tal consiste na identificação de uma escala ínfima do interface e a concepção da relação do corpo com o espaço tecnológico como questões cruciais. Tal requer, também, a identificação de uma escala ampla para as complexas dinâmicas e performances emergentes que se afirmam como foco auxiliar ao nosso entendimento quanto à performance do metaterritório futuro. Estas condições indiciam um discurso que oscila entre a vasta escala onde ocorre a permanente reconfiguração da realidade híbrida do metaespaço; e a escala ínfima do necessário suporte biotecnológico (o interface) de onde tal precede e se desenvolve. / Em suma, a reflexão empreendida ao longo do texto, sobre a conformação do espaço urbano futuro inclui pois quatro aspectos: a conformação de uma sociedade da informação que tem “ressonâncias” espaciais, a mescla entre fenómenos digitais e físicos num metaterritório onde a investigação sobre o interface do corpo com o metaespaço é importante, e o pautamento por uma concepção do modelo de metaterritório e sua performance enquanto auto-organizável e complexidade não linear. / Gostaríamos de terminar o presente texto sobre o “futuro espaço evolutivo” ou evolucionário, recordando também que se vivemos numa já estabelecida sociedade da informação, deparamo-nos com muitos outros aspectos. Com uma progressiva globalização acompanhada pela ausência de especulações produtivas sobre o futuro do espaço urbano-arquitectónico e sua projecção digital; com a fusão da máquina-técnica com o corpo acompanhado pela raridade de reflexões que possam criticamente regular tal hibridação; com a inércia da cibercultura “mainstream” que por vezes evita o debate aberto que tal ideia pressupõe. Consistente com a lógica anti-hierárquica das novas ciências e com a consciência filosófica pós-estruturalista, deveremos pautar-nos por manter a abertura deste debate multi-discursivamente. Certamente que permanentemente, algumas cristalizações provisoriamente emergirão, mais tais cristalizações serão sobretudo alimentos para um debate que se quer aberto e criticamente agenciado por um continúo desejo de descoberta. / De igual forma, as considerações avançadas ao longo deste texto constituem-se também como cristalizações transitórias, que gostaria provisoriamente, convosco partilhar. / REFERENCIAS BILBIOGRAFIAS: [1]Veja-se: Hall Foster (ed.), The anti-aesthetic: Essays on postmodern culture, Seattle: Bay press, 1991. [2] Para uma panorâmica veja-se: David Bell e Barbara Kennedy (eds.), The cyberculture reader, Londres: Routledge, 2000. [3] Veja-se: Gonçalo Furtado, Interferências: Do digital na arquitectura, (Dissertação de mestrado), Metropolis-UPC, Barcelona, 2000; e: Interferências: Conformação, implementação e futuro da cultura digital, Porto: EA, 2005. / [4] Sobre aspectos de transformação planetária e antropológica, veja-se: Emanuel Pimenta, Teleantropos, Lisboa: Estampa, 1999. / Veja-se também: Javier Echeverria, Los senores de aire: Telepólis e el tercer entorno, Barcelona: Destino, 1999. / [5]Rui Braz Afonso e Gonçalo Furtado (eds), Arquitectura e sociedade da informação, Porto: FAUP, 2002. [6] No entanto não deixa de ser paradoxal que a máquina que Sant’Ellia elogiava, fosse a mesma máquina que viria a colher o seu corpo no campo de batalha, pelo que devemos questionar a crença acrítica no progresso e na máquina que hoje persiste em alguns tecnólogos da Era da informação. [7] De Edward Soja veja-se os livros “Postmodern geographies” de 1989; Thirdspace” de 1996; e sobretudo “Postmetropolis” de 2000. / Veja-se ainda o relacionado com Soja em: Sallie Westwood e John Williams, “Imagining cities, scripts, signs, memory. Nova Iorque: Routeledge, 1997. [8] Graham faz esta alusão por exemplo em Stephen Graham, “The end of geography or the explosion of place? Conceptualizing space, place and information technology”, in: AAVV, Progress in human geography, N.22, V.2, 1998, p.165-185. [9] Sobre esta reconfiguração sugere-se sobretudo os livros: William Mitchell, City of bits, Massachusets: MIT press, 1996; e William Mitchell, E-topia, Massachusets: MIT Press, 1999. [10] O metaterritório é impulsionado pelo dinamismo dos EUA, que desenvolveram o substrato tecnológico - e.g. o ENIAC, a Arpanet - e lideram a implementação da SI - e.g. plano tecnológico de 1993. [11] Op. Cit. [12] Escrito em 2000 e editado em 2022, veja-se: Gonçalo Furtado, “Notas sobre o espaço da máquina”, Porto 2002. [13] Veja-se Francesc Munoz, o qual critica este aspecto no curso proferido na UPC em 1999. [14] Rui Braz Afonso e Gonçalo Furtado, “Vivências em espaços reticulares”, Porto, 2003 (policopiado). [15] Veja-se: Gonçalo Furtado, Notas sobre o espaço da técnica digital, Porto: Mimésis, 2002; e Gonçalo Furtado (ed.) Marcos Cruz: Unpreditable flesh, Porto: Mimésis, 2004. [16]Pierre Lévy, remete para uma história da “máquina universo”, que progressivamente constitui uma entidade que determina a nossa apreensão do real já não pela linguagem mas por algoritmos calculáveis. Veja-se: Pierre Lévy, A máquina universo, Lisboa: instituto Piaget, 1987. Relativamente às actuais máquinas digitais, a alteração do modo de relacionamento do homem com as próteses-máquinas remete para a problemática do interface (IA, RV, PDA, etc), que ambiciona desaparecer como fronteira biotécnica, tornando-se por vezes a nós extensões do programa maquínico. [17] Recorde-se que já em 1969, no livro de Negroponte, este imaginava uma “architecture machine” que fosse um parceiro capaz de apoiar a concepção-gestão do território. Veja-se: Nicholas Negroponte, The architecture machine, Massachusets: MIT Press, 1968. [18] Refira-se no entanto que, como refere Marcos Novak, o ciberespaço que se encontra em fase adiantada de construção, ainda não usufruíra à data de uma critica arquitectónica. [19] Ibid. [20] Sugere-se a leitura do artigo: José Bragança de Miranda, “Da interactividade: Crítica da nova mimésis tecnológica”, in: Cláudia Giannetti (ed.), Ars telemática, Lisboa: Relógio d’água, 1998. [21] Muitos deste aspectos são descritos de modo acessível, por exemplo em: José Terceiro, Sociedade digital: Do homo sapiens ao homo digitalis, Lisboa: Relógio d’água, 1997. [22] Esta descrição foi providenciada ao autor por Diana Domingues em 2006. Veja-se: Diana Domingues, “The immersive poetics of artificial worlds”, in: AAVV, Hybrid reality: Art, technology and human factor: IXth International conference on virtual systems and multimedia hexagram institute, Montreal-Canada, Outubro 2003. [23] Sobre o trabalho de Diana Domingues, veja-se: http://artecno.ucs.br. [24] Ted Krueger, “Synthetic senses”; in: AAVV, Leonardo, N.37, V.4, Massachusets: MIT Press, p.322. [25] Bill Gates, Rumo ao futuro, Alfragide: Mc Graw Hill (Portugal), 1995. [26] Ibid. [27] Veja-se: Spuybroek, H20, 1998. [28] A sua investigação com “zero gravity” entende o corpo e tecnologia como duas ideias interactivas e com capacidade de interferência mínima. Veja-se: Ted Krueger, “Metadermis como uma segunda pele”, in: AAVV, Prototypo, Lisboa, 2000, p.136-153. [29] Veja-se: Anthony Vidler, Homes for cyborgs, in: AAVV, Ottagono, N.96, Milão, Setembro 1990, p.37-55. [30] Sobre as ideias e projectos de Marcos Cruz veja-se imagens e descrições apresentadas no livro: Gonçalo Furtado (ed.), Marcos Cruz: Unpredictable flesh, Porto: Mimesis, 2005. Um entendimento interessante sobre a RV é apresentado por exemplo em: Tomás Maldonado, Lo real y lo virtual, Barcelona: Geodesia, 1994 (1992). [31] Le Corbusier, Vers une architecture, Paris, 1932. [32] Veja-se: Neil Spiller, in: Rui Braz Afonso e Gonçalo Furtado (eds), Corpos, espaços e máquinas, Porto: FAUPpublicações, 2006. [33] John Frazer, An evolutionary architecture, Londres: AA, 1995. [34] Vejam-se os meus livros: Notes on the space of the digital technique (Porto: Mimésis, 2002); Marcos Cruz: Unpredictable flesh (ed.; Porto: Mimésis, 20004); Interferências: Conformação, implementação e futuro da cultura digital (Porto, 2005), Architecture: Machine and body (com Rui Afonso eds, Porto: FAUPpublicações, 2006). [35] Adicionalmente, e a título de curiosidade, gostaria de enfatizar o facto de Cedric Price – o meu ídolo – ter indicado que os interesses do seu atelier, na perseguição de um projecto antecipatórios, incluíam em 1992, materiais inteligentes, lógica fuzzy e bio-electrónica). Veja-se: Cedric Price, “Architecture and technology” (Resumo de palestra proferida em Deft em 1992); in: Hans-Ulrich Obrist et al (eds.), Rec:CP, Basel: Birkhauser verlag Ag, 2003, p.136). [36] Manuel Gauza (entrevistado), “Da investigação à prática”, in: AAVV, Arquitectura e Vida, N.38, Lisboa, Maio 2003, p.50-57. [37] Ibid. [38] O sexto capítulo da exposição que F. Peat faz sobre a viragem da certeza à incerteza, foca um dos seus momentos históricos - “A introdução do caos na arte das ciências”. Veja-se: F. David Peat, From certainty to uncertainty: The story of sciences and ideas in the twentieth century”, Washington: Joseph Henry Press, 2002, p.115. Relativamente a este assunto note-se também que interesses particulares foram aplicados operativamente em arquitectura e urbanismo, tal como a teoria do caos ou dos a dos fractais. Veja-se por exemplo: Michael Batty e Paul Longley, The fractal city, Londres: Academy press, 1994. [39] Cecil Balmond, “The new structure and the informal”, in: Charles Jencks (ed.), Architectural Design (“New Science=New architecture”), N.129, Londres, 1997. [40] Charles Jencks, The language of postmodern architecture, Londres: Academy editions, 1997. [41] Charles Jencks, The architecture of the jumping universe: A polemic: How complexity science is changing architectural culture, Londres: Academy editions, 1995. [42] Charles Jencks, The new paradigm in architecture, New Haven-Londres; University Press, 2002. [43] Charles Jencks (ed.), Architectural Design Profile (The new sciences=New architecture), N.129, Londres: Academy editions, 1997. ]44] Charles Jencks, “Non-linear architecture”, in: Charles Jencks (ed.), Architectural Design Profile (New Sciences=New Architecture), N.129, Londres, 1997. [45] Chris Abel, “Visible and invisible complexities””, in: AAVV, Architectural Review, V.199, N.188, Fevereiro 1996, p.76-83. [46] Isto é, primeiro a contemplação por Cedric Price de parâmetros invisíveis; a inclusão por Yona Friedman do usuário; o foco do Architectural Machine Group no diálogo homem-máquina; e a visão de Gordon Pask desse como um “learning system”. Segundo, o desvio teórico que atendeu às ciências não deterministas dos sistemas e complexidade expresso em ocorrências como os números da “Architectural Design” de 1969 e 1972 organizados por Royston Landau. [47] Incluso o uso nos anos 80 de tecnologias da informação e sistemas de manufactura flexível (também) no “costumizing” da arquitectura, a implicação de sistemas computadorizados na perseguição de edificações inteligentes; a exploração do CAD e métodos de produção incluindo as redes colaborativas CAM e RV; e, finalmente, a conformação da rede global que suporta colaboração, comunidades e agentes inteligentes. Veja-se: Ibid. [48] Abel afirma: “(…) em vez de desenvolvimento humano genuíno ou diálogo, o que obtemos é um substituto pobre geralmente vestido numa linguagem obscura para resistir à detecção”. Veja-se: Ibid. [49] Abel prossegue: “Nenhum projectista ou equipa de projectistas poderiam possivelmente substituir a mesma ordem de complexidade que é o resultado natural de tantos agentes actuando livremente”. E no último ponto do seu artigo, explicitamente intitulado “Rumo a uma arquitectura de diálogo”, Abel refere: “É de questionar por quanto tempo a profissão arquitectónica pode sustentar decepções e desilusões desses dinossauros arquitectónicos num mundo amplamente aberto, participativo da Internet”. Veja-se: Ibid. [50] Gonçalo M Furtado C L, Envisioning an evolving environment: The encounters of Gordon Pask, Cedric Price and John Frazer (Dissertação de PhD, sob orientação de Neil Spiller e Iain Borden); Bartlett - University College of London, Londres, 2007. [51] Ibid. NOTAS: / (Este texto inclui excertos dos seguintes textos: / - Conferência no RPI em 2002, posteriormente publicado na revistas Nada. (Vd. Gonçalo Furtado, “Arquitectura e máquina”, in: AAVV, Nada, N.1, 2003, p.24-43. / - Conferência proferida no Artrónica (Mostra internacional de arte electrónica) em Bogotá em 2004; e parcialmente publicada na revista Postbooks. (vd. Gonçalo Furtado, “Arquitectura y cuerpo: Interfaces digitales e biotecnológicos”, in: AAVV, Postbook, N.6, Madrid, Novembro 2004, p.30-33; e também no paper “cidades digitais II: Considerações sobre planeamento e urbanismo face à SI”#V2- Espaço urbano e cibercultura” apresentado na V Bienal Ibero-americana ded la comunicación, no México em ca. 2005. / - Conferência apresentada no colóquio “The spirit of discovery”, posteriormente publicada na revista “Technoetic arts”. (Vd. Gonçalo Furtado, “Brief notes on two infinite scales”, in: AAVV, Technoetc arts: A Journal of speculative research”, V.5, N.2, Pylmouth, 2007, p.87-96. / - “Rumo a uma estética arquitectónica evolutiva”, publicado na revista Arq/a. (Vd. Gonçalo Furtado, “Rumo a uma estética arquitectónica evolutiva. Interesses tecno-científicos complexidade e as iniciais permissões do emergente”; in: AAVV, Arq/a, N.53, Lisboa, Janeiro 2008, p.20-23). / - Paper “Towards and evolutionary architectural aesthetics”, publicado nas actas do colóquio CAC 2008. (Vd. Gonçalo Furtado, “Towards an architectural aesthetics (Part A: Todays techno-scientfic interests and the earlier enabling of the emergent”, in: Gonçalo Furtado e Rui Póvoas (eds.), Contemporary architectural challenges, Porto: FAUP, 2008 p.15-18. / - Dissertação de Mestrado. (Vd. Gonçalo Furtado, Interferências: Do digital no campo da arquitectura, Barcelona: UPC, 200. (Apoio enquanto bolseiro da FCT). / - Dissertação de Doutoramento. (Vd. Gonçalo Furtado, “Towards an evolving environment” (PhD), Bartlett - University College of London, Londres, 2007. (Apoio enquanto bolseiro da FCT - POCI 2010 e fundo social Europeu). / AGRADECIMENTOS: / Xavier Costa, Neil Spiller, Inigo Jerez, Fransesc Munoz, Josep Montaner, Suzanne Sturm, Carlos Hernandez, Pau Sola Morales, Jorge Lino, UPC; IAAC, CCCB, Universidad de Reus, Universidad Pompeu Fabra, University of Chicago, University College of London, Rensellaer Polytechnic Institut, Artónica, FEUP, ESAD, Elisava, INEGI, IADE, Artrónica, Experimenta Design, Faculdade de Geografia (Bcn); University of Chicago, University of Calgary, Pontificia Universidad Javeriana, FAUP, Metroom.

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