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CONVERSA SOBRE ARQUITETURA E ESCOLA DO PORTO _39 (Rui Pinto, com Gonçalo Furtado)

CONVERSA SOBRE ARQUITETURA E ESCOLA DO PORTO _ MARÇO 2020 (Rui Pinto, com Gonçalo Furtado) / I./ [Gonçalo Furtado] - Propunha conversarmos sobre arquitetura em Portugal bem como sobre a escola do Porto. Podias, de forma sintética, enquadrar o ano em que ingressaste nos estudos em arquitetura, e quais os personagens e disciplinas que te marcaram mais. [Rui Pinto] - Eu entrei em 1974. Portanto, em setembro de 1974, após o 25 de abril e, estava em condições de me candidatar à entrada na Escola de Belas Artes, na 1ª Secção, ou seja, no curso de arquitetura. Como deves saber esse ano... [GF] - Esse ano letivo correspondeu ao chamado serviço cívico não é? [RP] - No meu caso, e de outros, o meu “serviço cívico” foi passado na escola, frequentando uma espécie de “ano zero”... [GF] - Houve a opção de um “ano zero” já na Escola. [RP] - Não me lembro muito bem, mas o que é certo é que um conjunto de alunos, enquadrados por alguns professores, estiveram juntos na Escola de Belas Artes, no curso de arquitetura, nesse ano lectivo 74/75. [GF] - Que ainda era um ano de serviço cívico, portanto não era o 1º ano do curso de arquitetura. Mas já andavam por ali. [RP] - Sim... [GF] - Se calhar arrumar coisas, etc. [RP] - Já não lembro muito bem, mas andávamos por ali. Serviu para conhecer a escola, os colegas, os professores... O ano lectivo seguinte – 1975/76, é, de certa maneira, o ano 1 do curso de arquitectura nos termos em que ele ainda hoje funciona. [GF] - Na escola… interrompera-se talvez…/ Entraste no 1º ano do curso de arquitetura em história democrática. [RP] - Exatamente, após a reestruturação do curso... [GF] - Seriam as Bases gerais nessa altura. [RP] - Sim, A partir de um documento chamado bases gerais. [GF] - No início do ano decidia-se o que/como é que ia ser. [RP] - Houve um processo eleitoral e concorreram 2 listas, 2 visões do que deviam vir a ser as bases gerais. [GF] - Amarela e Cinzenta. [RP] - Exatamente, a lista amarela e a lista cinzenta. [GF] - Foi neste ano? [RP] - Sim, acho que é neste ano. Concorreram 2 listas, a amarela e a lista cinzenta. Ganhou a lista cinzenta. Saberás as pessoas. [GF] - Lembras-te de haver assembleias magnas? [RP] - Houve reuniões abertas promovidas pelas 2 listas. [GF] - Andaste por aí? [RP] - Sim, andava. Ambas as listas organizaram as suas reuniões e fizeram os seus convites. [GF] - As suas reuniões, suas coisas, e os seus eventuais lóbis. [RP] - Sim... [GF] - Participaste na cinzenta. [RP] - Sim. Fui, digamos, convidado para participar nessas reuniões. [GF] - O teu nome aparece entre os apoiantes? [RP] - Não me lembro... [GF] - Mas lembras-te de estares em reuniões a discutir esses assuntos. [RP] - Estive em várias reuniões públicas que foram feitas pelas 2 listas. Estive em algumas reuniões privadas da lista cinzenta, feitas fora da escola... [GF] - Na casa ou no escritório de alguém. [RP] - Sim, foram feitas num escritório. A maior parte dos participantes eram professores e estavam também alguns alunos. E eu estive presente enquanto aluno do 1º ano. [GF] - Enquanto aluno do 1º ano participaste na discussão que decorria. [RP] - Sim. [GF] - A ideia que há é que era meia dúzia de professores, com alguns apoiantes e eventualmente mais uma dúzia de alunos de vários anos. [RP] - Quantas pessoas é que estariam nessas reuniões? Era uma mesa grande./ Portanto estava bastante gente (20 pessoas..., 30 pessoas...), mas não consigo precisar... [GF] - Podiam haver reuniões mais restritas do grupo de cada lista, outras mais abertas. [RP] - Como já disse, assisti a reuniões públicas organizadas por ambas as listas, e estive presente em reuniões mais restritas da lista cinzenta./ As reuniões abertas realizaram-se na escola, no anfiteatro de história, e, creio, que no anfiteatro grande... [GF] - Numa sala grande, uma aula magna./ As Bases gerais constituíram uma reestruturação do curso, de que somos devedores ainda hoje. [RP] - Sim, de uma certa maneira. Houve uma reestruturação do curso, de acordo com as Bases gerais. O ano lectivo 1975/76 inicia a concretização dessa reestruturação, e dá origem aquilo que o curso é hoje. A estrutura é semelhante, a estrutura vertical e horizontal dos anos é da mesma natureza daquilo que é hoje. Tinha um número menor de cadeiras... (não havia propriamente opcionais) mas a estrutura do curso era a mesma, ou, pelo menos, muito semelhante./ E as cadeiras podiam ter um nome diferente... Por exemplo no 1º ano, a cadeira de projecto chamava-se “Iniciação ao Projeto”... [GF] - Normalmente, o núcleo estava no Projeto. [RP] - Sim. No meu primeiro ano, em 1975/76, o responsável era o arquiteto Fernando Távora, e ele foi, simultaneamente, o meu professor. A outra personagem que o acompanhava era o Sérgio Fernandez... [GF] - O Sérgio Fernandez entrou logo em 1974. [RP] - A coisa passava-se na sala de exposições, uma sala única. 2 turmas grandes. O projeto com o Fernando Távora e o Sérgio Fernandez, e o desenho com o José Grade e o Joaquim Vieira, compartilhando a responsabilidade. [GF] - O 1º ano tinha 2 turmas e decorria no mesmo espaço. E as cadeiras teóricas? Era História de Arte ou História da arquitectura... [RP] - Acho que se chamava História da Arquitetura. Creio que nesse 1º ano ela foi dada pelo Arquitecto Vítor Sinde./ A noção que eu tenho é que as cadeiras que tinham mais peso, eram, claramente, o Projeto e o Desenho. [GF] - No 1º ano então: o Projeto, o Desenho e a História da Arquitetura. [RP] - O Desenho era, como já disse, uma co-regência, entre o Joaquim Vieira e o José Grade./ As que referi eram nitidamente as cadeiras com mais peso. Era um período em que as coisas se passavam, nos momentos mais importantes, no Projecto e no Desenho, em aulas com toda a gente no anfiteatro grande./ As imagens, por exemplo, que acompanhavam o discurso na História, eram obtidas através de retroprojeção de livros. E na altura, era raro a utilização de “slides”. [GF] - As aulas teóricas eram uma retroprojeção direta de imagens de livros, História ou Teoria da Arquitetura…. acho que houve uma altura em que se chamava assim. [RP] - Acho que se chamava História da Arquitetura.../ Mas voltando ao Projeto e, significativamente, a figura maior da escola – o arquitecto Fernando Távora, era o responsável da cadeira de Iniciação ao Projecto. O que parecia dizer que o melhor estava no princípio... [GF] - Mas deu TGOE… na tua altura o Távora estava no 1º ano a... [RP] - Isso é mais tarde... [GF] - E depois no 2º ano novamente tinha 2 turmas... [RP] - No meu 2º ano o meu professor de Projeto foi o Alexandre Alves Costa. O outro, julgo que era o Manuel Correia Fernandes. Mas continuava a ser na base de 2 professores./ E na cadeira de Desenho, o Alberto Carneiro. Sozinho. [GF] - Este ano é um ano importante. Por exemplo pela cadeira de Desenho e papel detido no ensino pelo Alberto Carneiro. [RP] - Há um primeiro momento, nesta disciplina de Desenho, em que o Alberto Carneiro nos atribui uma tarefa: construir uma série de cubos. Cubos pretos e brancos, em cartolina, com uma determinada dimensão e num número determinado. Não me lembro se era individual ou se era uma tarefa feita em turma. A partir desses modelos, o aluno faria uma série de desenhos a partir de composições que já não recordo se seriam livres ou programadas por ele... [GF] - Ecoa o exercício de iniciação ao projeto, com cubos de esferovite, com os quais se constrói uma cidade. [RP] - O que aconteceu na altura, foi que nós fizemos os cubos pretos e brancos, mas depois não estávamos afim de fazer o exercício. E isso acabou por resultar numa espécie de iniciativa.../ Na prática o que nós fizemos, num ato mais ou menos instintivo, ou talvez um bocado discutido, foi atirar os cubos pretos e brancos para o lago. Uma espécie de festa colectiva, com alguns banhos individuais à mistura. (Risos) [GF] - E ele... [RP] - O Alberto Carneiro assistiu à coisa sem qualquer reação visível, talvez com um sorriso... Eu acho que ele na altura percebeu que o que nós, no fundo, queríamos era desenhar a partir da realidade... talvez desenhar na rua. [GF] - Desenhos de coisas reais? [RP] - Desenhar livremente a partir da realidade, fosse ela qual fosse. Acho que havia um bocado essa ideia da realidade, não é? A realidade estava na rua. Havia coisas que estavam a acontecer… [GF] - A revolução real estava a acontecer na rua. [RP] - Sim. Mas o primeiro desenho, o primeiro desafio que o Alberto Carneiro fez a todos os alunos, foi: “Vocês vão para o Jardim da Escola, escolhem uma posição e desenham o que vêm, numa folha A4”, creio que ao alto, mas com a condição de o desenho preencher a folha inteira./ Cada um de nós foi para o Jardim e fez um desenho. Depois de entregues, ele escolhia alguns desenhos, e através da retroprojeção fazia uma sessão e comentava o desenho, falava sobre eles. Mas ele no fundo queria era falar de desenho e das formas, e da implicação do corpo no acto de desenhar. [GF] - Ele andara na Saint Martin's School of Art? [RP] - Eu não tinha propriamente noção de por onde é que ele tinha andado.../ Há uma cumplicidade nítida em construção... entre o Alberto Carneiro e o Alexandre Alves Costa, entre a cadeira de Desenho e a cadeira de Projeto. E, portanto, logo no princípio do ano letivo o Alberto Carneiro propõe-nos que vamos desenhar, fazer desenho para... [GF] - Desenhar para o terreno. Dizes que houve essa cumplicidade entre Projeto do Alves Costa e Desenho do Carneiro… no 2º ano. [RP] - Sim, para o terreno de Projeto. Lembro-me, no entanto, de uma coisa intermédia, um desenho que já se dirigia mais para a edificação. Eu lembro-me de ter feito um a partir do segundo ou terceiro piso do pavilhão de arquitetura. Era também numa folha A4, enquadrar uma coisa e desenhá-la... Eu na altura lembro-me de ter desenhado uma silhueta da “casa antiga”, na articulação entre a platibanda e a parte superior da fachada lateral, voltada para o nosso pavilhão./ O do jardim ainda o tenho, o outro já não sei se tenho... Julgo que imediatamente a seguir, os desenhos que ele nos pede que façamos no terreno, escolhendo livremente a origem do olhar, são doze, doze desenhos em cada semana... [GF] - Consistia uma aproximação ao lugar, pelo desenho… em número fixo. [RP] - Era ir para o terreno que, no caso, era num sítio até relativamente próximo, na Mouteira, na área onde hoje se situa o Ipanema Park. Ali era o terreno do Projeto. Portanto, os desenhos eram feitos, por escolha individual, a partir de qualquer posição situada no terreno. [GF] - E o que é que te lembras da História ou Teoria então ministrada também pelo Alexandre Alves Costa? Independentemente do ano em que ocorreria. [RP] - O que eu me lembro é que aquilo era, digamos, muito construído a partir do Benevolo. [GF] - Da “História da Arquitetura Moderna” do Leonardo Benevolo. [RP] - Sim. [GF] - Eram aulas para as 2 turmas. [RP] - Creio que sim. No anfiteatro de História, talvez com 60 ou 70 alunos.../ As imagens também eram feitas a partir de livros, talvez houvesse alguns slides. Eram aulas às quais nós prestávamos atenção, embora percebêssemos que aquilo era muito referido ao Benevolo, e muito menos ao Zevi, ao Michel Ragon... [GF] - O Michel Ragon e o Zevi. [RP] - As 3 histórias: do Benevolo, do Bruno Zevi, do Michel Ragon... O Alexandre estava mais centrado no Benevolo, era a sua maior referência, creio, e o seu maior apoio./ Alguns tinham o livro do Zevi, outros, raros, o Ragon. Poucos tínhamos os livros, os livros eram caros... [GF] - Alguns iam a Vigo comprar livros com a família. Não era o teu caso? [RP] - Não. [GF] - Ias à biblioteca… [RP] - Sim, ia à biblioteca.../ A Escola de Belas Artes, apesar de tudo, tinha uma biblioteca razoável. [GF] - De arquitetura moderna se calhar tinha algumas estantes. [RP] - A biblioteca era relativamente grande e tinha coisas, variadas. Tinha revistas.../ Tinha as obras clássicas da História das Arquitetura. Sabia-se que tinha boas coisas nos reservados... [GF] - E as pessoas que estudavam frequentavam-na, ou nem por isso? [RP] - Eu não tenho ideia de… eu próprio não a frequentava muito, não a vivia intensamente… [GF] - Baseava-se em apontamentos, pois se calhar ainda não haveria fotocópias? [RP] - Não, fotocópias não. Sim, fazíamos apontamentos... [GF] - E não havia sebentas. [RP] - Não havia sebentas. [GF] - Portanto tiravam notas em caderno no curso das aulas. [RP] - Sim... [GF] - E acediam a outros apontamentos ou sebentas advindas de alunos mais velhos que tivessem antes frequentado as disciplinas? [RP] - Não. [GF] - Iam, ouviam, etc. [RP] - Sim, em princípio, era um bocado disso./ Era em função da capacidade do professor de interessar os alunos. E acho que estávamos, no geral, atentos. [GF] - O Jacinto Rodrigues teve uma passagem de exílio por França, mas já estaria na escola. [RP] - Falas no nome do Jacinto Rodrigues. Eu, de facto, lembro-me muitíssimo bem da sua chegada. Eu julgo que isso deve ter acontecido no 1º ano, portanto, em 1975/76. [GF] - Falava-se, e a sua chegada que era esperada. [RP] - Sim./ Lembro-me muito bem de uma sessão, em concreto, feita no anfiteatro de história... [GF] - Não na aula magna, no anfiteatro de história. [RP] -... em que ele é apresentado pelo Alexandre Alves Costa. Lembro-me que estava mais gente sentada na mesa. É apresentado como alguém que tinha estado em França, “exilado”, e foi descrita a sua formação académica multidisciplinar, em filosofia, em sociologia, em urbanística. [GF] - Dizes que foi então introduzido à escola pelo Alves Costa. [RP] - O Jacinto foi apresentado como uma grande “contratação” para o corpo docente... [GF] - As aulas do Távora, eram teóricas, caracterizando-se como de cultura geral arquitetónica. Não eram acompanhadas com diapositivos, mas pelo estabelecimento de relacionamentos que ele ia desenhando. [RP] - Enquanto meu professor de projecto, no 1º ano, o arquitecto Távora, quase sempre quando comentava os desenhos, acompanhava a palavra com o desenho, e, sim, era muito emocionante...ele falava connosco como “adultos”, o senhor, a senhora.../ Nas aulas nos anfiteatros, ele falava, maravilhosamente, e, muitas vezes, com o giz, branco, desenhava, em paralelo com a palavra. E essas duas formas de falar connosco tinham uma capacidade de nos tocar, de nos empolgar... [GF] - O Jacinto Rodrigues, foi das primeiras pessoas que se muniram de compilações de diapositivos sistematicamente organizados. [RP] - Sim, ele tinha um arquivo muito grande de imagem. Ele tinha umas pastas/ dossier, com os slides todos organizados e identificados. Tudo muito organizado... Tinha, realmente, um banco de imagens muito grande, referidas às matérias que tratava nas aulas. O discurso era muito apoiado por imagens, as imagens eram feitas através de slides. Mas o Jacinto tinha um grande poder comunicacional, e um discurso político muito forte, muito convicto, muito abrangente, muito interpelante. [GF] - E era um discurso… um retrato revolucionário./ Sobre temas como a utopia, as vanguardas, a ecologia…/ [RP] -...”o urbanismo revolucionário”, “a arquitectura da revolução”, a vanguarda soviética, a Bauhaus, os utopistas franceses e ingleses, a ecologia, Wilhelm Reich, etc., etc., tudo temas que tinha estudado e dos quais possuía vasta documentação, e sobre os quais tinha escrito e publicado./ Esses assuntos que até então nos apareciam diluídos nos livros de história da arquitetura moderna eram tratados pelo Jacinto Rodrigues de forma autónoma e usando muita e variada documentação. [GF] - Há pouco referias alguns livros… E, para o fim do curso, lembras-te de mais algum livro que tenham lido? Liam aquele do Bohigas do “Contra uma arquitetura adjetivada”, não era? [RP] - Sim, “Contra Uma Arquitectura Adjectivada” do Bohigas... [GF] - Lembras-te de mais algum? / Do Gregotti talvez? [RP] - Lembro-me, em particular, de ler “Ornamento y Delito”, do Loos, na tradução espanhola da Gustavo Gili. O exemplar que ainda tenho, era de um colega meu amigo, e depois acabou por ficar perdido lá em casa, no meio de uns livros. (Risos) [GF] - Os livros do Nuno Portas, vocês liam? [RP] - Não, nessa altura não. No meu caso só muito mais tarde... [GF] - E os clássicos, inclusive o Gropius ou... [RP] - No meu caso o contacto com muitos desses autores foi feito através dos livros de história... Nalguns casos alguém tinha um desses livros, mas a maioria de nós não.../ Algumas revistas... [GF] - A L'architecture d’aujourd'hui, ou a Architectural Design? [RP] - L'architecture d’aujourd’hui, a “AD” [Architectural Design], a Casabella, a Lotus… [GF] - Tu tiveste o Nuno Cameira? [RP] - Não, já não estava na escola no meu tempo. [GF] - Esse é que trazia algumas coisas anglo-saxónicas? A Architectural Design, ou a Architectural Review que talvez seja mais tarde… E as italianas. [RP] - Não tenho ideia.../ Eu, por exemplo, em 1976/77 tinha-me casado e fomos com os meus sogros a Londres. E trouxe uns números da AD... [GF] - Porque a AD publicava coisas que não apareciam tanto, por exemplo a L’architecture d’aujourd’hui… [RP] - Não, não foi por rebeldia em relação à L'architecture d’aujourd’hui. Eu acho que foi só porque eu estava em Londres. Nas livrarias... Nessa altura havia aquelas coisas que existiam antigamente, grandes livrarias, discotecas gigantescas. (Risos) Lá parecia-me que havia tudo, todos os livros, todos os discos... Mas o dinheiro era pouco e perante “tudo” como escolher..., e eu não sabia bem o que procurava... [GF] - Nessa altura, embora a cultura ainda fosse mais francófona, na vossa geração, a música e cinema era já muito via Londres, não é? E quem pudesse… [RP] - Eu não sou do “rock & rol”, nunca fui.../ Na música algum interesse pelo folk anglo saxónico, pela canção de protesto, francesa, inglesa, espanhola, e claro José Afonso, num lugar muito acima, para além de rótulos, classificações. Mas sobretudo um interesse pela música antiga, pela música barroca em particular./ E também um gosto, um interesse, pelas arquitecturas antigas, pela cidade antiga, pelo Porto e pela sua história particular, simétrico, talvez, de um fascínio pelas arquitecturas não eruditas ou de raíz “popular”. E aqui gostaria de referir, creio que em 1977 ou 1978, uma visita ao que restava de Vilarinho das Furnas, nesse época emersa das águas, à qual se seguiu, na continuação da viagem, a visita a Tourém e a Pítões das Júnias./ Pela primeira vez vimos e sentimos aquilo que o “Inquérito” procurou documentar e representar. O regresso do gado, o Forno do Povo a cozer o pão, as ruas cobertas com as camas do gado, as casas, algumas ainda colmadas. E em Pítões tivemos a oportunidade de conhecer uma dessas casas, dos pais da senhora Maria que, noutra casa “moderna” e gelada, servia refeições e alugava quartos. Naquela casa, quente, a lareira, o escano, a cama, as aberturas reduzidas a uma expressão mínima, o grunhir dos porcos no piso inferir que reclamavam os restos que sabiam que iam obter através de um orifício no pavimento. Estivemos lá, talvez sem a consciência de que se tratava de um mundo, feito de pessoas, dos seus animais, modos de vida, que iria brevemente desaparecer, para sempre... [GF] - Falando de Portugal interessou-te o que “Inquérito procurou documentar” e que nos 70/80s desapareceria para sempre./ Por outro lado, inicia-se também por essa altura e geração uma transição, em que cultura das gerações de estudantes passa se mais anglófona. [RP] - No meu caso a relação com a cultura francesa é uma coisa importante, ao nível da música, do cinema... Mas também o cinema italiano, o cinema inglês, japonês... A frequência do antigo cinema Estúdio, na rua de Costa Cabral e na vizinhança da casa dos meus pais, foi uma verdadeira escola... Os filmes de Ingmar Bergman, Pasolini, os irmãos Taviani, Nagisa Oshima.../ Na música, tinha a ver com a rádio. Havia bons programas... Eu conheci Léo Ferré, Jacques Brel, Serge Regiani e tantos outros, através de um programa do José Nuno Martins que passava muita música francesa. Mas sobretudo o “Em Órbita” um programa, diário, realizado por Jorge Gil, que era arquitecto, e que, a partir de 1974, com uma locução maravilhosa de João David Nunes e Cândido Mota que liam os textos do Jorge Gil, e me fez descobrir e alimentar uma paixão pela música antiga, pela música barroca, pela música clássica, e pelos seus intérpretes e as suas formações, em instrumentos da época – uma paixão que se mantém, e que de certa forma faz parte um de um gosto pela história em geral, e pela história da cidade, pela cidade do Porto, em particular... [GF] - Em 1974/1976, ocorre o SAAL, e o irem para o terreno? [RP] - Sim, em 1975 eu fui trabalhar para Brigada de São Pedro da Cova, dirigida pelo Manuel Correia Fernandes. Acompanhavam-me, como estudantes do 1º ano, a Alexandra Gesta, o Luís Gaspar, a Conceição [Mi]. Os mais velhos, que tinham constituído a brigada inicial da Bela Vista – uma enorme área de clandestinos na antiga estrada de D. Miguel, vizinha dos antigos bairros das minas, eram o Luís Miranda, o Virgínio Moutinho, o Francisco Morais, a “Tininha” Valente. Simultaneamente à entrada dos mais novos juntaram-se formalmente os arquitectos José Quintão e Jorge Gonçalves, o engenheiro António Cerveira Pinto, a Isabel Teixeira, a Luísa Cerveira Pinto, a Luísa Brandão. Muita gente..., com formações variadas ou, como era o meu caso, com falta dela... [GF] - Mas eram inquéritos, falar com as pessoas e.... [RP] - O trabalho que nós, os mais novos fazíamos, consistia em fazer inquéritos detalhados, alguns levantamentos, estar presentes nas reuniões com os moradores dos vários núcleos que constituíam os bairros das minas; ouvir, informar qual era o estado das operações, o que estava em curso... [GF] - Às condições de vida. [RP] - Sim, também... [GF] - Os mais velhos do curso de arquitetura é que faziam os desenhos./ A ideia que eu tenho é que os alunos do 1º e do 2º ano levantavam mais a informação, faziam a análise e depois os outros faziam a síntese de projeto, digamos assim. [RP] - Como já referi a Brigada da Bela Vista, como consequência da ocupação dos antigos escritórios das minas de São Pedro da Cova, ampliou-se. Passou não só a incluir a Bela Vista, que era, no fundo, um bairro clandestino desenvolvido na estrada de D. Miguel, mas também os diversos núcleos daquilo que na altura constituía os chamados Bairros das Minas de São Pedro da Cova./ E assim a operação S.A.A.L passou a designar-se Brigada de São Pedro da Cova. [GF] - Portanto, incluía a Brigada original, que era a do bairro clandestino da Bela Vista, e depois os outros bairros? Constituídos por núcleos das casas dos trabalhadores das Minas, surgidos como consequência da ocupação das instalações dos escritórios? [RP] - Sim. E a própria Brigada montou um escritório, localmente, numa sala dos antigos escritórios das minas. E nós, todos os dias íamos para lá, e fazíamos o que tínhamos a fazer a partir daquela instalação. [GF] - Portanto a Brigada tinha escritório cá e lá. Envolvia o Manuel Correia Fernandes e o José Quintão, entre outros. [RP] - Havia 2 escritórios, um cá no Porto, que era o escritório do Manuel Correia Fernandes em Santos Pousada. E nessa sala trabalhavam um conjunto de pessoas que depois se alarga. Ali estavam o José Quintão e o Jorge Gonçalves, a trabalhar numa dimensão mais territorial do problema e o núcleo mais directamente ligado ao desenvolvimento dos projectos de arquitectura, sob a responsabilidade do Manuel Correia Fernandes, constituído pelo Luís Miranda, pelo Francisco Morais, Virgínio Moutinho... [GF] - Referes muita gente: do Virgílio Moutinho, ao Luís Miranda ou Luísa Brandão./ Então, no 1º ano o SAAL…/ E nestes anos não tiveste já professores como o Lixa Filgueiras ou o Arnaldo Araújo. [RP] - E sim, o 1º ano, aulas, S.A.A.L., e tudo o que existia para além disso... Um tempo, uma vida muito preenchida.../ Não, não tive o Arnaldo Araújo como professor, porque naquela altura ele dava aulas na 2ª secção da Escola, em pintura/escultura. Quanto ao Lixa Filgueiras nunca o conheci como professor... [GF] - Retomando. E quem é que eram os professores no 3º ano as diversas disciplinas… quem dava Projeto? [RP] - No 3º ano, na minha turma, era o Cristiano Moreira./ Nesse ano, portanto em 1977/78, havia 3 turmas de Projeto. Não me recordo dos outros professores de Projecto... [GF] - 3 turmas? [RP] - Havia 3 turmas de Projeto. Portanto, é natural que houvesse 3 professores, mas eu não me lembro quem eram os outros. [GF] - O Cristiano Moreira dava projeto, e a Construção era o Siza./ Não sei se o Jorge Gigante pai dava construção no 4º ano a seguir? [RP] - Estamos no ano lectivo 1977/78. O professor de construção do 3º ano era o Siza. E o Siza rapidamente e com a cumplicidade do Cristiano Moreira, tornou-se no personagem essencial da crítica ao projecto dos alunos… [GF] - Uma relação próxima entre Projeto e Construção, no 3º ano. [RP] - Sim. Não me lembro se havia formalmente um tempo de construção, ou se o Siza ia ao tempo e ao espaço da aula do Projeto./ Mas ia mesmo, não era de vez em quando. Era uma relação constante, uma presença constante... [GF] - O Siza na altura estava na escola em Construção… [RP] - Sim. Nunca achei que ele faltava às aulas; não normalmente. Era uma presença muito importante, porque rapidamente se transformava na voz mais ouvida. Porque o Cristiano dava espaço e tempo para que isso acontecesse. Lembro-me perfeitamente do Siza comentar variadíssimos trabalhos prático que na altura estavam a ser feitos nas Fontainhas. [GF] - Às vezes, estaria até ás vezes exclusivamente estaria a falar sobre o Projeto. [RP] - Para mim o Siza, como já disse, era a voz mais ouvida, era um estímulo para todos.../ Lembro de um papelinho que ele escreveu para permitir que alguns de nós fossemos à Bouça, visitar a obra... [GF] - Pois o Siza estava com a Bouça. Tu tens esse papel? [RP] - Não, não tenho..., mas reproduzi o texto, copiando-o, numa folha de entrega de uma fase do trabalho... [GF] - E no 4º ano? [RP] - No 4º ano, em 1978/79 o professor de projecto, na minha turma era o arquitecto Augusto Amaral. Na construção o professor do ano era o arquitecto Gigante. A ideia que eu tenho é que ele ia ao tempo do Projeto. Ele era uma pessoa com o qual os alunos tinham uma relação muito especial, muito aberta, muito forte. Ele, de alguma maneira estava ali para nos ajudar, para nos ajudar a pensar. E dava exemplos, tornava simples coisas complicadas..., e era um contador de histórias maravilhoso – histórias da vida, da profissão./ Em termos pessoais, essa relação veio a transformar-se numa relação de grande amizade, de muita proximidade. Terei sempre saudades dele. E sei que essa saudade é compartilhada por muitos de nós, de múltiplas gerações./ Continuo a pensar que ele nos faz imensa falta... [GF] - A relação entre Projeto e Construção funcionava melhor…/ Para além da tal relação entre Desenho e Projeto do 2º ano que então estava articulada… [RP] - Sim, acho que essa proximidade funcionava bem. [GF] - 4º ano? E nas teóricas? [RP] - O Ricardo Figueiredo deu-me aulas, talvez no 4º ou no 5º ano... [GF] - E o Domingos Tavares? [RP] - O Domingos Tavares nunca o tive como professor./ Mas lembro-me de ele ir ao espaço do Projeto, já não lembro em que ano. E ele comentou uma série de projetos que foram postos na parede. E ele, sem nunca os ter tido visto anteriormente, fez uns comentários interessantes sobre os Projetos. Sem nunca os ter visto... e com uma grande argúcia. [GF] - E Urbanologia, havia uma coisa assim? [RP] - Acho que sim, mas eu não sei se era esse o nome da cadeira na altura./ Estou-me a lembrar de outros nomes. O Rui Braz, também fui aluno dele, a cadeira julgo que se chamava Economia Urbana. No 4º ou no 5º ano. [GF] - O Rui Braz devia ter acabado de entrar. [RP] - Sim. [GF] - E o Francisco Barata que nasceu em 1950 já daria aulas? [RP] - Não, não faz parte do meu filme do curso. Nem sei se na altura ele já estaria a dar aulas. Mas eu conheci-o no meu 1º ano, em que ele era ainda aluno, creio, e ele também fazia parte da lista cinzenta. O Chico nasceu em 1950 e eu creio que em 1975 ele devia ser aluno do 5º ou do 6º ano... [GF] - O Carlos Guimarães era do ano do Manuel Mendes, ambos nascidos no ano anterior ao Francisco Barata. [RP] - Sim. Sei que eles são da colheita de 1949 e têm uma diferença de idade de um mês... [GF] - E o estágio de fim de curso? [RP] - Com a reestruturação, o curso passou a ter 5 anos mais relatório de estágio obrigatório./ O aluno que frequentava o curso de 6 anos, como por exemplo a Madalena Pinto da Silva, que em 1975/76 frequentava o 2º ano, não tinha estágio obrigatório, podia optar por fazer ou não fazer relatório de estágio, e não o fazendo obtinha no final desses 6 anos o diploma, passando a ser “Diplomado em Arquitectura pela Escola Superior de Belas Artes do Porto”. [GF] - Dizes que a reestruturação do curso de 6 anos passou a ter obrigatoriedade de estágio no último ano, que antes era mais opcional. [RP] - Como já disse, os alunos que iniciaram o curso em 1975/76 passaram a ter estágio obrigatório./ No início desse ano lectivo foi permitida aos alunos que iriam frequentar o 2º ano de um curso de 6 anos a possibilidade de se “transferirem” para o 1º ano (de um curso de 5anos+estágio obrigatório) Em 1975/76 os alunos que fizeram essa escolha frequentaram o curso inteiro comigo./ Portanto, formalmente, fizeram 6 anos, mas estiveram connosco desde o 1º ano. Formalmente, estavam no 2º, mas frequentaram esse 1º ano. Como por exemplo, a Maria Manuel [Mané], o Francisco Valente [Chico Smile]... [GF] - E a Maria Casanova? [RP] - A Maria José Casanova, não... [GF] - Fizeste o relatório como? [RP] - O relatório de estágio era uma coisa que... Eu acabei a parte escolar do curso em 1980... [GF] - E depois, o relatório de estágio era uma coisa que só se fazia após experiência em escritório. [RP] - Não se fazia logo porque era suposto haver uma atividade profissional, fosse ela qual fosse. Na época, as pessoas se o conseguissem iam trabalhar para um “escritório”. Eram essas experiências que criavam as condições para “relatar” a experiência e reflectir sobre ela. [GF] - Passado uns três anos ou quatro anos… [RP] - Ou 5, ou 6, ou, como no meu no meu caso, 7 anos.../ Entreguei o relatório só em 1987. [GF] - E onde estiveste esses 7 anos? (Risos) [RP] - No dia 1 de Setembro de 1980, no ano em acabei a parte escolar do curso eu e a Maria Manuel [Mané] fomos trabalhar para o gabinete JB, na rua Latino Coelho, um escritório de um personagem muito conhecido no meio - o João Baptista ou, para alguns mais velhos, o “João das Barbas”./ O Manuel Correia Fernandes, que, creio, tinha com ele trabalhado, sabia que ele precisava de 2 pessoas. A lista de pessoas da escola que lá trabalharam ou com ele colaboraram é interminável: Manuel Fernandes Sá, Manuel Correia Fernandes, Bento Lousã, José Grade, Joaquim Vieira, Manuel Mendes, Luís Casal, José Miranda [Mirandinha], Guilherme Castro, Maria José Casanova etc., e depois de nós muitos outros... [GF] - O JB era um tipo chamado João Batista Correia de Souza. Com atividade de arquitetura e design. [RP] - Ele nunca tinha concluído o curso. Ele não tinha o diploma. Mas tinha um escritório grande. O escritório tinha um núcleo de arquitetura e especialidades, e tinha uma outra secção, noutro andar, onde, entre muitos outros, trabalharam o José Grade, o Joaquim Vieira, o Fernando Pinto Coelho, e ali se faziam trabalhos de design, arquitectura de interiores, “decoração” ... Enfim, um “gabinete” multifacetado... [GF] - Um pequeno Conceição Silva da cidade? (Risos) [RP] - Sim, sim, de uma certa maneira... Ele era muito relacionado nos meios da burguesia portuense... e não só.../ Conhecia toda a gente que importava na época, por exemplo o Jorge de Brito que tinha fundado o BIP [Banco Intercontinental Português] e para ele desenvolveu variadíssimos projectos de agências bancárias./ Mas não só para BIP. Eu próprio, fiz três ante-projectos para três agências de outros 2 bancos [Pinto & Sotto Mayor e Borges & Irmão] e as três acabaram por ser construídas, respeitando os termos do formulado nos ante-projectos... Eu acho que o João Baptista, sabia o que queria, sabia de alguma maneira o que os clientes queriam e até onde podia ir, e, no fundo, contratava outras pessoas para fazer os projetos nesses termos. [GF] - Era uma empresa, com presença na cidade. [RP] - Ele sabia o que era bom... Ele colecionava pintura, negociava em mobiliário, “antiguidades”. Tinha em casa belíssimas peças de mobiliário e boa pintura. Era um personagem “complexo”, às vezes generoso, outras irrascível, e era também de “amores”, de “paixões” e de “humores” em relação aos seus colaboradores.../ Ele disse-me no nosso primeiro encontro formal “aqui no escritório é tudo comunas”, que só havia comunas..., e ele referia-se essencialmente aos arquitectos... (Risos) No meu primeiro dia de trabalho chamou-me ao gabinete dele e disse-me: “tu vais fazer o Concurso para o Centro Cultural da Secretaria de Estado da Cultura no Porto [março?!, 1981], ou seja, o concurso da S.E.C. que o Eduardo Souto Moura ganhou. E eu tremi, por dentro.../ Era o meu primeiro trabalho profissional. Mas a coisa fez-se. A “solução”, entregue no concurso, embora com semelhança de princípios da solução do Eduardo – sábia na sua economia e contenção volumétrica - tinha uma extensão excessiva e falta de clareza... [GF] - Não sabia que tinhas colaborado num projecto para o concurso da SEC de 1981./ Em 1981/89, acompanhaste o Alexandre, o Sérgio, o Correia Fernandes ao recém-criado curso de Luanda? [RP] - Eu e a Maria Manuel [Mané] estivemos no JB um ano só./ Entretanto surgiu a possibilidade de irmos para Angola para o curso de arquitectura recém-criado, que era então dirigido pelo arquitecto Vasco Vieira da Costa, e com o qual o Manuel Correia Fernandes tinha trabalhado e com ele mantinha relações de amizade. O Manuel Correia Fernandes, o Alexandre e o Sérgio, tinham-se envolvido, creio que por convite do Vieira da Costa, na criação do curso, e para lá viajaram várias vezes. Creio que foi feito um protocolo entre a “escola” e o curso em Angola que passava pela ida de alguns docentes.../ Assim, em Novembro de 1981, o Henrique Carvalho [docente do 1º ano da escola], eu e a Maria Manuel partimos juntos para essa aventura... [GF] - Dizes que que no início dos anos 80s a escola contribuiu para o curso de arquitectura em Angola./ Esteve lá o José Manuel Soares, a Luísa Brandão e o Mirandinha? [RP] - Quando lá chegamos o José Manuel Soares e a Luísa Brandão tinham acabado de regressar e concluído a suas “missões”. O José Miranda [Mirandinha], tinha regressado mais cedo... [GF] - O Mirandinha era colaborador, na altura, do escritório do Alcino Soutinho. No essencial era ele e o Luís Casal. [RP] - Sim, o José Miranda e o Luís Casal, creio que eram, reconhecidamente, personagens importantes do “escritório” do Alcino Soutinho. [GF] - É esta tripla que faz aqueles projetos muito conhecidos do Soutinho. O Museu de Amarante, a Câmara de Matosinhos… [RP] - Sim... [GF] - No final dos anos 70 tinha acabado de fazer esses projetos? [RP] - Sim, creio que essas três pessoas eram, na época, o núcleo criativo essencial do escritório do Soutinho... [GF] - Um deles esteve contigo lá ou? [RP] - Não. Como já disse o Mirandinha tinha regressado mais cedo./ De certa maneira o Henrique, a Maria Manuel e eu, fomos substituir os recém regressados. Acho que o José Manuel Soares e a Luísa ficaram lá dois anos letivos, mas não nos chegamos a cruzar lá, em Luanda... [GF] - Vais tu, o Henrique Carvalho, e a Maria Manuel (Mané). [RP] - Eu, supostamente, ia dar uma cadeira de Desenho. O Henrique ia “substituir” o José Manuel Soares. A Mané… Já não me lembro exatamente o que estava combinado com ela./ Depois chegamos lá, e isto afinal virou-se um bocado ao contrário, porque, afinal, havia uma sueca que tinha que dar Desenho... [GF] - Portanto, na altura, o Vasco Vieira da Costa, era diretor do curso. [RP] - Sim./ No nosso primeiro encontro em Luanda, o arquiteto disse-me: “Você vai dar a História da Arquitetura e das Cidades”...Era o diretor do curso, uma espécie de pai e mãe do curso... Fiquei doente, por dentro... Se me tivessem dito, em Portugal, que eu ia dar História da Arquitetura das Cidades não sei se teria aceite... Mas naquele momento era impossível recuar. No fundo acabei por dar três semestres da cadeira de história. Foi um desafio que acabei por ter de aceitar. Saiu-me do corpo, sobrevivi, e foi um enorme prazer... [GF] - E depois vieste para cá trabalhar em parceria com o Virgínio Moutinho, até 1987./ Em meados dos anos 80 estiveste um par de anos como monitor do Alves Costa. Em História da Arquitetura Portuguesa? [RP] - Depois vim trabalhar... Vim continuar uma relação que já tinha mais ou menos estabelecida com o Virgínio Moutinho. Que foi, digamos, o único sítio em que eu trabalhei consecutivamente. Até 1987, eu estive na “privada”, e incluindo nesse período os 2 anos letivos (1983-84 e 1984-85) em que estive como monitor do Alexandre Alves Costa na História da Arquitectura Portuguesa. Eu não tinha condições para poder ser contratado de outra maneira. Como não tinha o relatório de estágio entregue, não tinha diploma, e não podia concorrer. E porque na altura também não deve ter havido concurso. (Risos)/ Algumas pessoas na época pressionaram-me “Quando é que fazes? Quando é que entregas essa coisa do relatório? Porque se não, enquanto não fores, não podes concorrer. Eventualmente podias ter condições para vir dar aulas para aqui…”. [GF] - A comissão de instalação da FAUP, penso que compreende o período de 1979-84. [RP] - Eu concluí a parte escolar do curso em 1980, e por isso ainda estava na escola nesse período inicial da “Comissão Instaladora”. Assisti a algumas reuniões em que se discutia com calor... [GF] - Não era pacífico para todos que fosse uma coisa boa perder aquela relação antiga com as Belas Artes e entrar para a Universidade. [RP] - Sim, havia algumas dúvidas, mas o comboio estava em andamento... e o arquitecto Távora era uma voz poderosa de uma vontade de entrar para a Universidade... constituir uma Faculdade, um ensino que provavelmente… [GF] - Universitário. [RP] - Sim./ As vozes que na altura mais contaram, achavam que as coisas iriam mudar para melhor, com outros meios, com outras condições, talvez com novas instalações, talvez com outro reconhecimento social... A “Universidade” foi um íman poderoso, uma atração com muitos encantos... [GF] - O teu curso foi claro tudo lá./ Tu acabaste como “diplomado” pela ESBAP, já em 1987? [RP[ - Sim, em 1987, com a defesa do relatório de estágio, obtive o diploma./ Eu não sou licenciado, eu sou diplomado, com muito orgulho, pela Escola Superior de Belas Artes do Porto, com a respectiva carta de curso assinada por Pedro Ramalho, presidente do conselho directivo da 1ª secção... (Risos) [GF] - Mas em 1987, havia talvez já a FAUP desde 1984? [RP] - Sim. Mas a o curso de arquitectura da E.S.B.A.P (a 1ª secção) ainda se mantém formalmente pelo menos até às chamadas provas de agregação do Ricardo Figueiredo, que são, creio, o último acto académico da 1ª Secção da E.S.B.A.P.. [GF] - Essas provas de agregação do Ricardo Figueiredo ainda são um ato final na ESBAP. [RP] - Sim, o Ricardo Figueiredo é o último docente a fazer aquelas provas. [GF] - O chamado concurso de agregação, ainda no âmbito das escolas superiores de Belas Artes, feito pelo Alves Costa, Sérgio Fernandez, Alfredo Matos Ferreira e? [RP] - Sim... [GF] - Tinha uma componente prática, que consistia em desenvolver um projeto e, uma parte teórica que escrevia uma espécie de tese./ Tu começas a dar aulas lá ou cá nas cavalariças da Casa cor de rosa? [RP] - Acho que na casa cor de rosa... O arranjo das cavalariças é mais à frente.../ Do Carlos Ramos ainda me lembro de ter visto um primeiro projeto do Siza, um volume compacto, ao fundo do jardim.../ Por um acaso da sorte eu fui das primeiras pessoas a entrar na casa cor de rosa. Tinham acabado de tomar posse da casa. O Alexandre tinha as chaves... Entramos pelo portão, entramos na casa praticamente vazia. Alguns sofás, uma belíssima mesa de sala de jantar, uma grande tela numa parede (que hoje se encontra na sala do conselho científico, creio). Uma espécie de momento inicial das novas instalações... [GF] - Dizes que tinham tomado posse da Casa cor de rosa. Portanto eles deviam andar com a chave no bolso. (Risos)/ E estava tudo vazio. Não tinham comprado o recheio? [RP] - A casa estava praticamente vazia, com excepção da antiga sala de jantar onde permanecia aquela belíssima mesa e as respectivas cadeiras, alguns sofás e uma tela retratando um aristocrata com a sua armadura. Tudo coisas que, creio, foram negociadas com o antigo proprietário. [GF] - Qual era o teu sentimento perante abandonar o centro do Porto, a sua dinâmica, e vir aqui para perto de vias rápidas… para uma casa senhorial com um jardim? [RP] - Quer dizer... [GF] - Havia contestação por pessoas que não queriam? [RP] - Sim. Mas o facto estava consumado... [GF] - Mas digamos, quando entraste na casa com a chave, eras monitor do Alexandre e ainda aluno. [RP] - Eu estava mais do lado das pessoas que não viam isto assim propriamente… [GF] - Como um problema? [RP] - Não, ao contrário... [GF] - Que preferiam ficar lá? [RP] - Sim, eu achava que havia em muitos aquele desejo de entrar para a Universidade, aquela pressão de ir haver novas instalações... e neles um sentimento de promoção que eu não partilhava. [GF] - Por aquele problema de limitação em termos de instalações no lado de lá?. [RP] - Sim. Mas a resistência foi-se rapidamente esbatendo... [GF] - Não vias que fosse assim uma grande mais valia vir para a Universidade? [RP] - Sim, havia alguma coisa que certamente se ia perder, talvez a minha crença de uma certa artisticidade... [GF] - Mas a comissão instaladora, já então via completamente como mais valia vir para a Universidade. [RP] - Sim, acho que o corpo docente estava todo de acordo... E com o arquitecto Távora como figura cimeira dessa vontade, desse entusiasmo... [GF] - Tu eras o monitor do Alexandre em 1983/84. [RP] - Fui monitor do Alexandre Aves Costa, em História da Arquitectura Portuguesa, durante os anos lectivos de 1983-84 e 1984-85. Nessa altura a questão estava mais do que ultrapassada, o facto estava consumado... [GF] - Após a entrega do teu relatório de estágio, candidatas-te em concursos de 1988/89. Já para projecto de ano inicial, que tinha como regente Manuel Correia Fernandes e que ainda decorria nas Belas Artes. [RP] - Eu entrei por concurso em 1989, no ano letivo de 1989/90, e comecei a dar aulas em março, já o ano lectivo decorria. Creio que houve um primeiro concurso, em 1988, mas foi anulado. Depois houve um segundo, em 1989 e eu entrei./ As aulas do 1º e do 2º ano aconteciam ainda na escola, no pavilhão de arquitetura. Portanto, eu estive uma série de anos ainda no pavilhão de arquitetura. O novo edifício estava em tosco. Suponho que o Pavilhão Carlos Ramos estava concluído e as antigas cavalariças reabilitadas. [GF] - E depois, manteve-se em tosco? Houve 2 concursos de empreiteeiros e 2 ou 3 fases de construção. [RP] - A empreitada de toscos foi feita por uma empresa espanhola, creio que a “SANJOSE Constructora”. A obra, na globalidade, ainda durou uns anos. [GF] - Houve uma falência pelo meio. Que também parou a construção./ O facto da obra ter tido uma primeira empreitada de toscos, permitiu, no final dessa fase, ter uma experiência extraordinária do essencial da arquitectura do edifício... [GF] - Há um filme do Ferreira Alves. [RP] - Sim. O filme explorava uma obra que, embora em tosco, permitia ver o essencial do conjunto já completamente formado. Era possível percorrer os vários corpos e ter, piso a piso, uma visão panorâmica, em plano contínuo, em relação às suas quatro frentes. Para além da caixa de escadas e do bloco do elevador, tudo o resto era um espaço aberto, com sucessivos enquadramentos que a sucessão dos vãos permitia da cidade. Subias um piso, o essencial mantinha-se mas alguma coisa mudava, subtilmente. Aquilo era uma coisa maravilhosa. E, se bem me lembro, o filme revela esse aspecto muito bem... [GF] - Deste muito aulas de Projeto no 2º ano. [RP] - A maior parte da minha carreira docente foi feita no 2º ano na cadeira de projecto. No entanto entre 2006 e 2008 estive ligado ao MLAC. (hoje Teoria 1) – primeiro com o José Salgado e depois como regente – a que se seguiram, entre 2008 e 2011 três anos lectivos ligado à TGOE. com o Manuel Graça Dias, e, nos cinco anos lectivos seguintes, entre 2011 e 2016, estive em Projecto 1, com o José Manuel Soares./ No ano lectivo 2016-2017 regressei definitivamente ao 2º ano, ao projecto 2... [GF] - Sim. [RP] - Quando entrei em 1989-90, substituindo Ricardo Figueiredo, o regente formal era o Manuel Correia Fernandes. Mas o personagem principal era o Alberto Carneiro, e creio que ele achava que sozinho poderia tomar conta das coisas, num tempo em que a cadeira de desenho tinha um grande protagonismo na condução das operações comuns entre projecto e desenho.../ No ano seguinte (1990-91) o Alexandre [Alves Costa] assume a regência durante dois ou três anos... E as coisas correram bem, com liberdade de acção e de pensamento. Depois segue-se um período longo em que a regência passou a ser relativamente discreta e o conjunto dos assistentes passaram, na prática, a conduzir o processo. Orientava-mos os trabalhos nas turmas, dividia-mos as aulas teóricas entre nós. [GF] - Quando eu estive lá com monitor, em finais dos anos 90, era essa equipa que lidava com aquilo. Formalmente o regente foi o Ricardo Figueiredo. [RP] - Sim, nós lidávamos com aquilo... [GF] - Ouvi dizer que a Madalena tinha proposto que tal voltasse a existir, mas quiçá não teve acolhimento… Então, era como vocês funcionavam... [RP] - Sim, as coisas eram assim... [GF] - Tinham vindo a gerir juntos a cadeira. [RP] - Sim, nós geríamos aquilo, no essencial. Geríamos com a cumplicidade do regente formal, mas nós geríamos./ E até houve um ano em que… É o ano lectivo de 1992-93 em que o António Quadros depois de regressado à escola e de ter sido o professor de desenho do curso em Viseu, vem dar aulas de Desenho no 2º ano. O António Quadros era uma figura extraordinária, com saberes multifacetados... Assim, o ano foi, de certa maneira, dividido em 2... Num piso, com três turmas, o António Quadros, eu, o Carlos Machado e o João Rocha; noutro piso, outras três turmas com o Alberto Carneiro... a Madalena, O Daniel Oliveira, o João Mendes Ribeiro que depois de ter entrado em Coimbra foi substituído pelo Pedro Alarcão [GF] - Dizes que o ano decorreu quase dividido em 2 em 1992-3. Em cima estava o António Quadros. E em baixo o Alberto Carneiro, com outros 3 docentes de projecto. [RP] - Sim, com a Madalena, o Daniel Oliveira, o João Mendes Ribeiro, que depois de ter entrado em Coimbra, foi substituído pelo Pedro Alarcão./ Era o ano lectivo 1992-93 e claro que o programa do exercício era o mesmo, o terreno era o mesmo – o quarteirão da biblioteca em S. Lázaro, para as seis turmas, embora o ano estivesse, de alguma forma, partido em 2, fruto de diferenças entre os 2 responsáveis do desenho, e de um papel muito discreto dos responsáveis formais de Projecto – o Ricardo Figueiredo, no meu piso e o Manuel Correia Fernandes no piso abaixo – e das diferenças entre os dois grupos de “assistentes”.../ Nós fazíamos, na cadeira, o trabalho praticamente todo. Nesse ano eram alunos, por exemplo: o António Neves – meu aluno, o Joaquim Moreno, aluno do Carlos Machado, e o Alberto Lage, aluno do Daniel. [GF] - Eu quando fui aluno em 1994, era outra vez o Correia Fernandes. Quiçá porque o Alexandre Alves Costa tinha ido para Coimbra… [RP] - É possível que sim.... Eu trabalho com o Alexandre uma série de anos. E creio que o último ano que trabalhámos juntos foi no ano lectivo 1995-96. Nesse ano o terreno de Projeto não era no Porto, mas sim em Coimbra. Era na alta, entre os antigos Colégios das Artes e de S. Jerónimo. Foi, para mim, uma experiência gratificante. Havia um espaço de liberdade. Havia uma cumplicidade, mas também alguma disputa, alguma discussão, controvérsia, saudável, produtiva... [GF] - Quando houve o pólo de Viseu, alguns dos colegas que mencionaste foram lecionar lá. [RP] - Sim... [GF] - Alguns colegas que entraram no mesmo concurso de 1989, foram para Viseu? [RP] - Foram a Madalena, o Daniel, o Pedro Alarção... acompanhados pelo Sérgio como responsável do Projecto... O professor de Desenho, e talvez não apenas professor de Desenho..., era o António Quadros. [GF] - Lembras-te se o Lacerda, a Casanova? [RP] - Não... [GF] - O preferível para vocês era ficar cá? [RP] - Como resultado do concurso o Rui Mealha e eu ficamos no Porto. A Madalena e o Daniel foram colocados em Viseu... [GF] - O Daniel é mais velho do que o Pedro Alarcão. [RP] - Acho que sim.../ O Daniel vinha de Águeda, depois parava numa estação de serviço e depois o Sérgio é que normalmente levava o carro. E depois juntavam-se e iam para cima. A aula era à segunda feira, o dia inteiro, depois vinham para baixo ou dormiam lá uma noite... [GF] - Ah. [RP] - Para concluir aquela parte... Quando o regente formal é o Alexandre Alves Costa, estamos os dois sempre presentes, em simultâneo. É uma espécie de construção bicéfala da coisa. Bicéfala, quer dizer, ele “mandava”, mas o mandar dele era muito aberto à… [GF] - Aberto à colaboração? [RP] - Sim, mas mais do que isso. O clima era muito ameno, caloroso. Ele nunca exerceu a autoridade e eu sempre me senti à vontade para propor coisas ou para discordar. Foi, por exemplo, introduzir um exercício inicial que já tivesse a ver com a área de estudo, e que permitia que alunos e docentes iniciassem uma relação de trabalho que ia durar um ano inteiro. E permitia um progressivo conhecimento do aluno, encontrar formas de comunicação, de entendimento... [GF] - Ele na altura ainda era o diretor da escola? [RP] - Na altura, como sabes, não havia a figura de director. Havia, sim, o cargo de Presidente do Conselho Directivo, que era resultante de uma eleição. [GF] - E quando foste monitor?/ Depois ele também não podia estar a… Tinha que confiar, delegar e colaborar com os colegas. [RP] - Quando eu fui monitor, entre outubro de 1983 e outubro de 1985, o Alexandre creio que era membro da Comissão Instaladora.../ Eu como monitor nunca estive sozinho com os alunos. No final de 1984, creio que em novembro, a Marta Oliveira junta-se a nós na História da Arquitectura Portuguesa.../ E enquanto estive com ele na disciplina de Projeto, eu também nunca estive sozinho. Estávamos sempre os dois. Víamos os trabalhos em comum, avaliávamos em comum.... Houve um ano que tivemos talvez para aí, 60 alunos os dois... e o modo de acompanhar os trabalhos manteve-se no essencial

1/17/25

Workshop Anual de Inovação Pedagógica

"Organizado pela Unidade de Inovação Educativa da Universidade do Porto, o Workshop Anual de Inovação Pedagógica tem como propósito promover e divulgar práticas educativas inovadoras que respondam aos desafios pedagógicos atuais". in https://www.up.pt/eventos/event/workshop-anual-de-inovacao-pedagogica-2025 / Programa / 6 de Fevereiro de 2025 8:30 Receção dos participantes 9:00 Sessão de abertura 9:15 Conferência 9:55 Mesa-redonda 10:25 Coffee break 10:55 Painel I 12:00 Painel II 13:00 Pausa para almoço 14:00 Painel III 4:00 Painel III 14h00 - Teoria de Arquitetura: a experiência de prática pedagógica inovadora e multimédia Gonçalo M Furtado Ca, Cristina e Silva e Pedro A Santos 14h15 - Programa de ocupações artísticas temporárias na sala de aula - Projeto L Samuel Moreira da Silva, Selma Cifka Calapez e Ana Raquel Silva 14h30 - Uma abordagem multidisciplinar e humanizada no ensino da Medicina Genómica através da colaboração com a sociedade Paula Jorge, Lúcia Lacerda e Célia Soares 15:00 Painel IV 16:00 Coffee break 16:30 Painel V / 7 de Fevereiro de 2025 9:00 Receção dos participantes 9:30 Conferência 10:20 INOV-NORTE: resultados do levantamento de práticas pedagógicas na U.Porto 10:40 Entrega de Diplomas do Selo de Qualidade Inovação Pedagógica 2024 11:00 Coffee break 11:30 Painel VI 12:30 Almoço 14:00 Painel VII 15:00 Painel VIII 16:00 Sessão de Encerramento 16:15 Coffee break & Networking

1/11/25

CONVERSA SOBRE ARQUITECTURA E ESCOLA DO PORTO _ FEVEREIRO 2019 (Sérgio Fernandez, com Gonçalo Furtado)

CONVERSA SOBRE ARQUITECTURA E ESCOLA DO PORTO _ FEVEREIRO 2019 (Sérgio Fernandez, com Gonçalo Furtado) I. Gonçalo Furtado - Sérgio, nesta primeira parte propunha-lhe um enfoque de enquadramento. Como eu, outros colegas de muitas de gerações foram seus assistentes. É mais ou menos unânime, quando partilhamos a experiência que tivemos com o Sérgio, referir as suas características - a sua seriedade, humildade, bem como também o optimismo./ O Sérgio foi sempre uma pessoa muito conciliadora e paternal. Sérgio Fernandez - Não me digas que sou chato. (risos) GF - Não digo de todo. (risos) / Referia-me à sua capacidade de liderança, de lidar com pessoas muito diferentes. Por exemplo a equipa em que eu estava, recordo-me que integrava o José Manuel Soares, o Pedro Gadanho, a Luísa Brandão… eu era o mais novo e gostava de todos. (risos) / SF - Uma pessoa não pode, numa escola, criar, ou alimentar problemas. Não pode. GF - Promovia sempre caminhos para essas pessoas independentemente das suas diferenças e de provirem de tantas gerações. SF - Mas isso é uma questão de formação pessoal, não tem que ver com arquitectura, nem com escola. GF - Puderam todos conhecê-lo como arquitecto, como professor, e penso que como homem. De usufruir dessa sua dimensão humana. SF - Ah. GF - No outro dia recordei-me das viagens com alunos à sua casa de férias - a VILL’Alcina. E o impacto nos alunos ao aperceberem-se que tinha cortinas em vez de portas nos quartos. / E quando a visitámos, o Sérgio tinha cervejas no congelador à nossa espera. (risos) SF - Agora já não tem porque aparece muita malta. II. GF - Se o Sérgio permitir perguntar, nasceu em que ano? SF - 1937. GF - Portanto, lembra-se da 2ª guerra mundial e de coisas dessa altura. SF - Há coisas que marcam, mas lembro-me de coisas inacreditáveis como se fossem ontem. Passámos a guerra. Na guerra, apesar de tudo, fomos muito protegidos, porque a minha família tinha bom nível de vida. Porque passou-se mal aqui também, com o racionamento e muitos outros limites, não era fácil viver-se. Por exemplo, não se pôde circular de automóvel durante muito tempo, era complicado. Sei que nós, lá em casa, tivemos todos uma espécie de valores positivos que nos foram transmitindo, que resultaram no que somos. GF - Era religiosa a sua família? SF - A minha mãe dizia que sim mas, a pretexto de ter a tensão arterial muito alta não ia à missa, que se sentia mal. O meu pai não era de todo. Os meus irmãos e eu fomos batizados, e a minha irmã casou-se pela igreja. Uma religião um bocadinho a puxar ao avesso. Não praticámos de todo a religião lá em casa. Havia uma família. Tínhamos uma educação que classificaria de muito correcta. GF - Como é que foi o percurso do Sérgio até chegar a ir estudar arquitectura? / Contou-me uma vez o episódio de quando o comunicou à sua família, e do conselho familiar que se juntou para debater essa questão. SF - Eu sou filho de uma família bem instalada na vida. Éramos três irmãos e um primo que vivia connosco em casa. Saímos os três, bastante direitinhos, quando tínhamos todas as condições para não sairmos, porque usufruíamos de um bem-estar, que não era comum. Vivemos no Porto sempre. GF - Mas os seus ancestrais vieram da Catalunha. SF - Vieram de Barcelona. GF - Portanto…. SF - Já estamos cá há cento e tal anos. O meu pai veio para cá viver quando tinha 5 anos. Mantivemos sempre aquela coisa de ser catalães. Em casa eu continuo a falar com os meus irmãos em catalão. Em casa falava-se catalão e português, nunca castelhano. Era um daquelas famílias que havia antes, que juntava pais, avós e tudo, num casarão enorme. Como eu disse tinha uma família que tinha dinheiro. O meu pai, a minha mãe também, mas o meu pai especialmente vivia para nós e dava-nos tudo e mais alguma coisa. E, portanto, o normal é que nós todos saíssemos uns idiotas. Hoje em dia eu acho que naquela atmosfera, nenhum de nós saiu torto. GF - Quando diz “sair torto” é sair pedante ou politicamente doutra forma? SF - O meu pai não era propriamente um revolucionário, mas era bastante progressista. GF - Não era de esquerda? SF - Era mais ou menos. Era contra o regime, embora nós não o pudéssemos expressar porque estávamos sempre ameaçados de nos porem fora daqui, por sermos estrangeiros. E era uma ameaça que se sentia. Todos anos tinha de ir à PIDE, renovar a minha licença de residência. A minha família não, com os meus pais não se importavam, a mim chamaram-me sempre para renovar o certificado. GF - Estava numa geração específica… e podiam surgir problemas. SF - Portanto, eu acho que fomos muitíssimo bem educados. Por exemplo, os meus pais achavam que a melhor coisa que podiam fazer ao dinheiro, era pormo-nos a viajar. E viajámos imenso, e isso realmente abriu-nos muito a cabeça. GF - Viajaram já nos anos 50. SF - Eu fartei-me de viajar desde pequeno. GF - Isso das viagens era importante. SF - Essa coisa da viagem. Com 16 anos mandaram-me um mês para Londres, porque eu era bom aluno na disciplina de inglês. GF - Portanto, pós guerra em Londres, ainda viu lá tudo partido? SF - Londres arrasada completamente. Tudo em caves, só se viam caves. Uma parte da “City” toda arrasada. Tive de tirar senhas de racionamento e tudo para estar lá, embora fosse miúdo e turista. GF - Depois a escola, depois entra na Faculdade. E a sua colaboração com os ateliers. SF - É assim, o meu pai dava-se casualmente, com muitos arquitectos. Era do contra, havia o hábito das pessoas se reunirem no café e, o meu pai ia muito à Brasileira. A Brasileira era o café da malta do contra. Aliás, parte deles fizeram outro café, em que o meu pai até foi sócio, que era o Rialto, que foi projectado pelo Arq. Andrade. Era também um café de intelectuais. O meu pai não era propriamente um intelectual, mas dava-se com essa gente toda. E eu conhecia os arquitectos, portanto, a arquitectura. GF - O que é que o Pai do Sérgio fazia? SF - Era importador e exportador de couros. Fundamentalmente da América do Sul. E eu suponho que, aquela convivência com os arquitectos talvez tenha despertado alguma coisa. E eu era um menino que, dizia-se, tinha jeitinho para o desenho. E foi natural. GF - Depois colaborou com o Viana de Lima. SF - No tal grupo de arquitectos aparecia, de vez em quando, o Arq. Viana de Lima. Era mais com o Arq. Losa, mas o Viana de Lima também. E quando eu entrei para a escola entrou comigo a filha do Viana de Lima. Estudamos juntos, e sempre fomos muito próximos até ela morrer. Foi natural ir para o escritório dele. GF - Esteve lá quanto tempo? SF - Estive bastantes anos. Os estudantes de arquitectura, todos trabalhámos em escritório. Eu nem percebo como, porque nós tínhamos imensas aulas. E claro, havia os tipos que tinham mais sorte ou mais inteligência, ou mais sensibilidade, e escolhiam arquitectos melhores do que os outros. E portanto, eu tive a sorte de estar com o Viana de Lima e foi ótimo. GF - E lembra-se, mais ou menos, dos anos em que entrou e saiu? SF - Eu entrei para o Viana de Lima no terceiro ano, no princípio do terceiro ano, acho eu. E depois fiquei até ao fim, até sair para fazer a tese de fim de curso. GF - Ainda esteve nos anos do projecto da Faculdade de Economia. SF - Ainda desenhei o projecto da Faculdade de Economia. Não acompanhei a obra de todo. Já não estava lá. / III. / GF - Sobre antecedentes da Juventude, à bocado falava do Arq. Viana de Lima. Pode falar do seu contato com o workshop do CIAM? SF - Foi mesmo uma reunião do Congresso do CIAM. GF - Foi como estudante? SF - Eu não fui como estudante, fui à má fila. Fui quase de pendura. Eu estava a trabalhar com o Viana de Lima (e o meu cunhado também estava a trabalhar lá). O Viana de Lima foi ao CIAM e, com ele, a filha. O Arq. Távora também. Dávamo-nos muito bem. E decidimos aproveitar aquele intervalo no escritório para fazer uma viagem e ir ver umas coisas do Corbusier. Nós éramos todos os fãs do Corbusier e o Arq. Lousan e eu metemo--nos num carro e fomos por aí acima. Depois dissemos assim, “porque é que a gente não vai lá espreitar o CIAM?”, convencidos de que nos iam mandar dar uma volta. E foi exactamente o contrário. Fomos impecavelmente recebidos, estivemos em tudo. Só não tivemos foi opinião (porque não era connosco). Mas assistimos a tudo. Foi um deslumbramento para um estudante de arquitectura. Creio que andava no terceiro ano. /Estavam lá os autores dos livros e das revistas todas que eu conhecia. Estavam lá e a falar comigo! GF - Em finais dos anos 50? SF - 1959. Foi uma coisa absolutamente deslumbrante para nós. De repente vimos aquelas figuras que eram míticas. O Tange, o Rogers, o Van Eyck, lá connosco. Puseram-nos completamente à vontade. Era um dos dois únicos estudantes, tirando a filha do Viana de Lima, que também estava lá. GF - Então, entre esses “pop stars”, davam-se bem. SF - Os pop stars nem sempre se davam bem, eles pegavam-se bastante. GF - Hoje, um dos problemas actuais é o mediatismo, e os arquitectos comportarem-se como se fossem estrelas de rock. Cria-nos fascínio imaginar-se a ver essas estrelas de rock. Como é que eram os comportamentos deles? SF - Isso depende muito das pessoas. O Rogers era um Távora italiano, um encanto, fartei-me de passear com ele pelos bosques lá, à conversa. Era uma personagem maravilhosa. O Bakema, holandês, que era um dos principais da coisa, era um chato de primeira. GF - Ai era? Porque dizem que o Bakema e o Corbusier, é que curiosamente depois foram apoiar esta nova geração que surgiu. Mas não é essa a ideia do Sérgio... SF - Não. O Peter Smithson era um tipo simpático, ela (Alison Smithson), nem por isso. Era muito retorcida. Depois havia o Coderch, eu ia focado no Coderch, mas era um snob de primeira ordem. GF - Mas depois o texto dele é de um génio. SF - Pois, eu sei, é maravilhoso. E eu ia com isso na cabeça. GF - Mas não era bem isso. SF - Embirrei com ele solenemente. GF - É interessante essa coisa dos passeios com o Rogers. De alguma forma, a Casabella é o ambiente que eu associo em sintonia com o que vocês fazem. SF - O Rogers e o Távora eram iguais. Estava lá toda a gente importante do mundo da arquitectura. GF - E o Corbusier não foi? Não o viu? SF - O Corbusier não foi. Não o vi. Eu até fui ao atelier do Corbusier, mas ele não estava lá. Ele não foi propositadamente ao CIAM. Ele não foi ao CIAM, foi nesse ano que acabou. Vim a saber que não queria. Pressentia que o CIAM tinha chegado ao fim. / IV. / GF - O Sérgio entrou para a Faculdade, penso que em 1974? SF - Sim. Foi logo a seguir ao 25 de abril. / O professor Joaquim Machado, até aí director, saiu com o 25 de abril… E telefonaram para eu vir para escola, não sei se foi no dia 26 ou 27. Não sei se ele já tinha saído, mas estava, pelo menos em processo de saída. / Eu vivi sempre no Porto, tinha relação com a Escola, com os alunos e até com os professores… alguns eram amigos de casa. Mas não tinha considerado muito vir para a Escola. / Aconteceu logo a seguir ao 25 de abril… E estavam as coisas muito desorganizadas no Ministério. Estive um mês ou coisa parecida, a trabalhar junto do 4º ano e, os contratos não andavam, porque tudo estava muito confuso. Tive contrato a partir de 1975. GF - Na Escola lecionou sempre em Projecto. SF - Sempre em Projecto… GF - Lecionou também em Viseu nos anos 80. SF - A não ser quando a Escola criou essa secção em Viseu… em que eu fiz também Teoria Geral da Organização do Espaço. GF - Essa “Teoria Geral da Organização do Espaço”, era a que o professor Fernando Távora dava no Porto. SF - Era a cadeira que o arquitecto Távora tinha feito cá no Porto. GF - No Porto, inicialmente o Sérgio dera Projecto também com o professor Fernando Távora. SF - Sim. Eu fui assistente do Távora em Projecto. / E, depois, bastante mais tarde, a Escola abriu uma secção em Viseu… Aí deram-me essa cadeira e, eu fiz durante dois anos. GF - Lecionou o programa de TGOE do professor Fernando Távora os 2 anos? SF - Claro. Era muito baseado na cadeira que ele dava. / O Arq. Távora tinha uma qualidade, uma amplitude que eu não tinha. GF - O Sérgio aplicava uma estrutura parecida, para assegurar a mesma formação. SF - Exatamente. GF - Até porque se previa que os alunos de Viseu só frequentassem 2 anos lá. SF - E, depois, vinham para o Porto. Portanto tinham que ter uma formação semelhante. GF - Como é que o Sérgio recorda esse programa? / As aulas de teoria existentes correspondiam a esse primeiro ano do Távora. Ainda não tinha surgido uma coluna vertical de teoria? SF - Se calhar ainda não havia. / A cadeira do Arq. Távora era uma cadeira que era fundamental, de formação geral. GF - De cultura geral arquitectónica. SF - O Távora tinha um potencial teórico e tinha uma cultura vastíssima, o que imprimia a essa cadeira um carácter espetacular. / Os alunos gostavam imenso, e ele também gostava imenso de dar essa cadeira. / Era no fundo um conjunto de conversas encadeadas em torno das questões da arquitectura, do território; por aí fora até aos nossos dias. E era muito bem feito. GF - Compreendia um lastro temporal muito amplo. SF - Tinha o condão de abrir as cabeças dos miúdos para outra perspectiva, tornava-os culturalmente abertos. GF - Aptos. SF - Exato, era isso. A estrutura era por temas, ou era por períodos… GF - A estrutura era por temas, ou era por períodos… SF - Ele começava no território e tal, mas depois ia focando coisas, o Egipto, como de repente podia ir a Versalhes e voltava. Não era uma coisa muito rígida. GF - Do ponto vista cronológico não era rígida. / Mas começava numa escala da paisagem. SF - Claro. / Eu diria que abarcava todas. Eu lembro-me de ele, a propósito de Versalhes, falar - por exemplo - nos botões que nós usamos nos casacos, nas mangas. Falava disso, contando que fora o resultado de uma legislação pelo facto dos soldados limparem o nariz às mangas. E o rei mandou pôr aqueles botões, para eles não poderem sujar as mangas com ranho. / Era tão diverso como isto, o conhecimento daquela pessoa. GF - Ele referia histórias ou viagens, bem como livros de autores ou obras de arquitectura… desenhava ao mesmo tempo. / Sabemos que, nas aulas, era assim. SF - Ele desenhava sempre, não usava slides. / Slides foi uma coisa que eu fiz em Viseu. Porque não tinha a capacidade que ele tinha a desenhar, nem a sabedoria. E o slide era uma muleta. Eu não tinha a capacidade que ele tinha. / Porque ele improvisava… ele estava a falar e também desenhava. / Eu não tinha essa capacidade e não tinha o arcabouço cultural que ele tinha. GF - Eu já esperava que a sua reiterada humildade surgisse na nossa conversa e entrevista. (risos) SF - De qualquer um de nós. (risos) GF - Tendo sido seu assistente, reconheço-o como genuíno pedagogo, em que a cultura é mascarada de humildade. SF - A cultura. / O peso cultural que o Arq. Távora tinha… realmente não se encontra em muitas pessoas. É por isso que o Távora é o Távora. Nós, os outros, realmente não éramos nem próximos! / Bem, próximos pessoalmente, éramos. Eu conheci o Távora como professor e, muito pouco tempo depois, passei a ter amizade com ele… Assim, como amigos, a visitar, a andarmos juntos, etc. / Tinha uma grande proximidade com ele, mas tinha uma grande distância cultural. Ele era muito melhor do que eu. / V. / GF - O Sérgio deu um dos contributos importantes para a história da arquitectura moderna em Portugal. Fê-lo com o seu livro… o qual de resto marca trabalhos posteriores. Pode falar sobre isso? SF - O livrinho, eu considero que foi útil. / Foi muito útil na altura, porque condensou uma data de elementos que não estavam até aí condensados e, nessa medida, foi muito útil. E pronto. Ponto final. / Eu, até aqui há bem pouco tempo, tive ocasião de o ler outra vez e acho uma chumbada que não se aguenta. / GF - Ai! (risos) SF - Além de conter alguns erros. (risos) GF - Além de ser muito pioneiro. (risos) SF - Foi talvez a primeira vez. GF - Oh Sérgio. Incluso sabemos que os meios disponíveis diferiam ainda muito dos de hoje. Muitas coisas que estão lá, na altura eram coisas inovadoras. SF - Mas tem coisas incorrectas. GF - Deverá ter incorrecções. Mas os recursos/métodos de investigação que o Sérgio tinha na altura, nada tem a ver com agora. SF - Foi realmente um trabalho de síntese que me pareceu importante na altura. E que eu achei útil. / Neste momento, aqui há tempos, quiseram reeditar aquilo. Parece-me que não tem sentido. GF - Sérgio! Data daquela altura. O livr /o foi logo publicado em 1983! SF - 1983. GF - Ao que acresce que décadas depois, o Sérgio contribuiu para o inquérito da arquitectura do século XX. SF - Sim. / VI. / GF - Mas recuando e regressando atrás. / O professor Fernando Távora veio para a escola, com outros jovens na altura, por convite do então director e pioneiro da arquitectura moderna Carlos Ramos. SF - Sim. GF - O Carlos Ramos num primeiro concurso acho que escolheu o Octávio Lixa Filgueiras… Ou o Távora? SF - Não… GF - O Távora já tinha sido seu professor? Já tinha tido aquele cadeirão de teoria e história? SF - Era “Teoria Geral da Organização do Espaço”. GF - Não, na altura não era. SF - Não, era Teoria e História. GF - O Arq. Carlos Ramos, antes de sair, deixou o Arq. Arnaldo Araújo, etc.? SF - Eu acho que não. Foi talvez o Filgueiras. GF - Isso. / Os alunos tinham as aulas com o Távora de que falámos, bem como outras. Por exemplo “Arquitectura Analítica”, onde empreenderiam uma espécie de abordagem teórica. SF - As aulas de Arquitectura Analítica. GF - Do Arq. Filgueiras, que o Sérgio também já mencionou. SF - O Filgueiras até fez alguns projectos, com o Arq. Soutinho. / O Filgueiras também não era um tipo virado para o projecto. / O Filgueiras era um tipo também muito culto. Tinha espírito de jesuíta. / GF - Como o professor Fernando Távora, o Filgueiras e o Arnaldo Araújo tinham ambos passado também pelo inquérito de 1955. SF - O Filgueiras, tive em projecto nos meus últimos anos. / O Arnaldo Araújo era um tipo muitíssimo culto. Como arquitecto, fez pouca coisa. Era um académico. / Eu nunca tive o Arnaldo como professor directo. Foi meu orientador de tese, mas nunca o tive como professor mesmo. GF - Sim. A partir de determinado momento surgiram na escola teses ou trabalhos de fim de curso que não consistiam num projecto, mas antes tinham natureza teórica. O do Sérgio foi orientado pelo Arnaldo Araújo, no seu trabalho de 1965. SF - O Arnaldo foi orientador do meu trabalho de tese final. GF - Dizia que tinha um ênfase mais académico? SF - O Arnaldo Araújo era um tipo muito interessado e muito ligado ao inquérito. / Eu estava a fazer um trabalho na sequência do inquérito e, portanto, foi natural escolher o Arnaldo e demo-nos muito bem. GF - Como é que o Sérgio recorda essas conversas? SF - Era muito interessante, muito interessado nas questões da sociologia e principalmente nas etnografias e, portanto, nadava bem naquilo. / Depois coincidiu que ele foi viver para Bragança. Nessa altura, portanto, já não estava na Escola. E ele orientava, tínhamos conversas, de como se ia fazer, em relação à tese. Foi ele que orientou a minha tese. GF - Falámos já de vários nomes. Não haveria mais personagens digamos teóricos? SF - Eu acho que, nesse ponto de vista, a escola era muito fraca. Havia depois os professores de história. História da Arte, História da Arquitectura. GF - Ainda não tinha havido esta autonomização da história da arquitectura, que o Alexandre e outros depois vêm a fazer. SF - Havia uma História da Arquitectura. GF - Por um “historiador de arte” nato. SF - O professor Gusmão, era bastante bom. Era muito virado para a história, não era arquitectura, era para a história. Portanto, tinha essa vertente mais de história do que doutra coisa. / VII. / GF - E depois, o regime experimental? SF - Eu já cá não estava. Porque eu estava fora da Escola, por isso não tive nada a ver com isso. GF - Em certos momento também houve afastamentos mais ou menos voluntários… SF - Penso que em determinado momento o Arnaldo Araújo se auto afastou. / O Arnaldo não foi posto fora. / Depois, teve problemas, doenças e tal. Era um tipo complicado. / GF - Aqueles levantamentos que faziam em “Arquitectura Analítica”, tinham alguma preocupação social? SF - O Filgueiras… / Reagiu muito mal ao 25 de abril, contrariamente àquilo que seria de esperar, porque era um tipo contra o regime e que tinha subscrito uma série de coisas contra o regime, etc. Mas depois (e eu estou a fazer uma caricatura, pode não corresponder exactamente à verdade), achou que a Escola tinha entrado numa rebaldaria e reagiu muito mal. / E ele também se auto excluiu. / GF - Ninguém foi saneado dessa gente. SF - A única pessoa que foi mais ou menos saneada aqui e, não foi por razões políticas, foi o Ricca. / Que os alunos detestavam. Eu fui aluno dele. O Ricca foi o único que foi mais ou menos empurrado para sair. GF - O Ricca dava projecto. SF - Projecto. VIII. GF - Naturalmente ao longo dos anos 60, 70 e 80, expandiu-se a equipe docente, incorporando muitas pessoas que concluíram o curso nessas décadas. / O Sérgio entra em 1974. SF - Sim. GF - E depois… A experiência do SAAL, que aglomera todos outra vez à volta do desenho/projecto. SF - Foi no imediato do 25 de abril. E a escola, de repente, sentiu-se politicamente obrigada, entre aspas, a sair para fora e tratar das condições reais da habitação. GF - Já antes havia preocupações sociais na escola, ainda que quiçá por via de abordagens mais etnográficas. A recusa, foi assim uma coisa… SF - A recusa de? GF - A alegada “recusa do desenho”, pretenderia constituir-se como uma espécie de impasse em prole de alguma reflexão ou crítica? SF - Eu acho que a recusa do desenho foi exactamente esse interesse especial pela sociologia e pelas questões sociais, que passou a dar menos importância ao desenho. GF - Diz interesse especial pelas questões sociais, que passou a dar menos importância ao desenho. SF - Mas que foi retomada completamente com o SAAL… Porque quando se teve que vir cá para fora, começou-se a pensar que, realmente, não se sabia fazer nada útil, sabia-se muito pouco. GF - Tinham que desenhar e assegurar a habitação. SF - A malta sentia que havia lacunas relativamente à capacidade de projectar. GF - Começou-se a perceber que não se sabia ainda projectar/construir? SF - Foram os próprios estudantes que reconheceram isso, que a gente não tinha, não era muito considerado. Era um bocado à maneira italiana, um bocado de teoria, de fala. As pessoas realmente consciencializaram que precisavam de saber projectar. Portanto, voltou tudo ao desenho. GF - Possuíam preocupações sociais. E tornaram-se mais neo-realistas, mais próximos da realidade. Mais realistas, porque tinham que lidar com as coisas, queriam intervir mesmo. / Perante o imperativo de projectar/construir, os estudantes apercebem-se de deficiências que tinham de formação. SF - É uma visão geral, não sei se posso especificar. Mas, realmente, genericamente, foi isso que aconteceu. GF - No que tange à reestruturação do ensino, apresentaram propostas 2 listas (uma penso que incluía o Alexandre, etc)? / Uma das listas, tinha essa ideia muito centrada no projecto. A outra sugeria uma abordagem diversa. / Uma das listas apresentava-se um pouco mais organizada que a outra. / Mas ambas acabam unindo-se, em torno do consenso em redor do desenho-projecto. SF - A importância do desenho realmente foi redescoberta após o 25 de abril. E a importância da história… A história e o desenho foram fundamentais. / IX. / GF - Nessa altura, houve um reitor que penso que provinha de Letras ou Humanidades, penso que pode ter sido o único com tal proveniência até hoje. / A criação da FAUP ocorrerá entre 1978 a 1980 e tal. SF - Eu não participei nisso. / Era o Távora, o Alexandre Alves Costa e o Domingos Tavares. GF - A comissão de instalação foi presidida pelo professor Fernando Távora, o qual defendeu que a constituição da comissão incluísse em maioria arquitectos. / Primeiro penso que eram mais afim de engenharia, quiçá até desejariam conduzir o curso de arquitectura para a alçada da engenharia. / O tal reitor diz ao professor Fernando Távora que presida tal processo. Este aceita, ressalvando que a comissão tivesse uma maioria de arquitectos. / Tais arquitectos foram, para além do Távora e do Domingos, penso que o Alexandre. Segundo me contou o Domingos, em pouco tempo os arquitectos que integravam a comissão começaram a usufruir de compreensão e respeito dos outros. / Instaurou-se a Faculdade que, nessa altura, teve como director o professor Fernando Távora. O Sérgio também foi elemento de uma direcção desse. SF - Era o Távora, o director, e eu também estava na direcção. Era um dos elementos da direcção. / GF - Como é que o Sérgio recorda esse momento importante da história? SF - Foi algo conturbado, porque havia muita gente com receio da nossa integração na Universidade. Inclusivamente, havia problema de resistência. Pois… Eu não estava nada de acordo com isso. GF - Alguns receios. SF - Havia receio. Poderia conduzir à perda da independência do vector artístico e da história que nós tínhamos. GF - De… quase se retomar aspectos da reforma de 1957. SF - As pessoas tinham essa experiência, reagiam muito mal a essa ideia. / Depois, o trabalho, foi impormo-nos na Universidade… / E passamos a ser, ao contrário, a ser tratados como elementos de importância. A Escola passou a gozar de bastante prestígio na Universidade. Venceu-se! GF - O professor Fernando Távora terá continuado sempre a dar a sua cadeira de Teoria. SF - O Távora fazia só essa cadeira. / Eu passei a ter Projecto, durante uns anos. GF - Só um aparte por curiosidade, o arquitecto Alfredo Matos Ferreira estava consigo? SF - Não, o Arq. Matos Ferreira entrou depois. / O primeiro ano era muito grande. E estivemos os dois de acordo, juntos, em partilhar a gestão do primeiro ano. GF - Dizíamos então que, neste período coincidente com esta fase após 1978, o Sérgio esteve na direcção com o professor Fernando Távora. SF - Sim. Ainda antes de haver Faculdade, estive na direcção com o Távora. / E, depois, estive muito mais tarde na direcção da Faculdade. GF - O professor Fernando Távora foi seguido pelo professor Alexandre Alves Costa como director. O Sérgio assumiu uma vez mais a vice-direcção. SF - Com o Alexandre, eu era vice presidente. GF - Não houve quase interregno nenhum… integrou órgãos por períodos longos. SF - Pois, porque eu estive na direcção da Escola… / Aliás, até era uma coisa engraçada, porque eu tinha nacionalidade espanhola. E fui director de uma escola pública portuguesa, o que era uma coisa impensável antes do 25 de abril. GF - A isso podia chamar-se globalização. (risos) SF - Exato, era impensável. (risos) / Depois naturalizei-me português… e tenho, desde então, as duas nacionalidades. GF - Logo no início dos anos 80 o Sérgio requereu nacionalidade portuguesa. SF - Ah, quando eu fiz as provas, ainda era espanhol. Acho eu... Não sei se 1983. Não sei, em 1980 e tal. GF - Em 1982 ou 83 o Sérgio apresentou as suas provas académicas. SF - Foi em 1982, 1983. GF - Vivia-se o tal processo de transição para Faculdade, compreendido entre 1979 e 1984. / A data das provas tem alguma coincidência com a criação da Faculdade? SF - Não. GF - Ou com uma necessidade de haver agregados? SF - Nós fizemos as provas antes da Faculdade existir. GF - Fizeram porque queriam fazer, ou era uma necessidade que a própria Faculdade tinha? SF - Tínhamos que fazer, para prosseguir a carreira académica. / X. / GF - O professor Alexandre Alves Costa é um dos teóricos fundamentais para esta ideia de “Escola do Porto”. SF - O Alexandre é um tipo muitíssimo culto. É um tipo muitíssimo culto, como digo, e tem uma formação cívica que lhe deu realmente uma capacidade de agir sempre num sentido que eu considero correcto. GF - E sobre o períplo do Siza, Alves Costa e Nuno Portas pelas universidades italianas? Peso que nos anos 70/80s. SF - O Nuno Portas é outro tipo, que foi muito importante para arquitectura, no lançamento de uma abertura às questões do urbanismo, tanto como o Siza às questões do desenho. GF - Primeiro da orgânica, da terceira via e, depois, da Escola do Porto. SF - E com o qual eu discordava imensas vezes. GF - Administrativamente? SF - Não só administrativamente, mas com a questão de urbanismo e não sei o quê. Discordava muitas vezes, mas continuo a achar que é um tipo fundamental na nossa formação e na daqueles que nós todos somos e fazemos. Aliás, fomos nós que o trouxemos. GF - A direcção do professor Alves Costa, esteve em 2 mandatos. SF - Tivemos, salvo erro, 8 anos. GF - Portanto, nos anos 80, até ao final dos anos 80. SF - Deve ter sido. GF - Como é que evoluiu a Teoria… há bocado dizia-me que aquilo antes era algo mais deficiente. Mas passado mais de uma década desde os anos 70 e, chegando a plenos anos 80? SF - Eu suponho que começou a nova Teoria. Não sei quem a dava. GF - O Arq. Távora, etc. E havia mais aulas teóricas… essa coluna. SF - A teoria começou a ter mais peso. A Teoria começou a ganhar uma certa importância. Também porque o curso começou a ter mais peso. / Não sei precisar como, nem sobre decisões nesse sentido. GF - Posteriormente, no início da década de 90, as disciplinas da coluna de Teoria, adquirem novas designações. Com denominações próximas a cada ano/projecto (Por exemplo, a Teoria no terceiro ano - seria “formas de habitar ou de habitação” - deste género). SF - E então teve o Arq. Domingos, teve o Arq. Ricardo Figueiredo, era? Deve ter sido isso. GF - Essas designações persistiram durante mais de uma década, e até há pouco. SF - Eu acho que isso é uma necessidade sentida de dar peso. GF - O Sérgio integrou outros órgãos para além do directivo de que já falámos. / Por exemplo, o científico. Não sei se nesta altura? SF - Estava. Isto foi uma necessidade sentida de dar peso… Quer dizer, fazer projecto sem chamar à atenção para as bases teóricas, que estão por trás dele, não tinha muito sentido. Não tinha e não tem. GF - A coluna de projecto, organizou-se com tais programas - introdução, habitação, equipamentos, urbano, etc. SF - Sim. GF - A introdução do lado da teoria geral, era a concebida pelo professor Fernando Távora. / No lado da Introdução ao Projecto ou Projecto I, era o Sérgio. / Eu fui assistente do Sérgio no 1º ano e, tal introdução começa na escala grande e desce à pequena do edifício e do módulo/quarto. Vai de um ponto de vista mais abstrato a um ponto de vista mais concreto. SF - Sim. GF - Depois passei - ainda que apenas um ano - por TGOE. Tal constitui uma espécie de teoria e cultura geral para o 1º ano. SF - Programa p’ra gente. GF - Nos outros anos (do 2º ao 5º), o Projecto fica ligado a um programa. / Por exemplo, no 3º ano fica ligado ao programa da habitação e etc. / A paralela cadeira de Teoria, foi dada no 3º ano pelo Arq. Manuel Mendes (antes fora dada pelo Arq. Domingos Tavares, depois pelo Francisco Barata, etc.). SF - As teorias mais ligadas. GF - Ligadas ao programa da habitação, no caso da FAUP focado no 3º ano do curso. SF - Não me lembro muito bem. GF - Teria a ver com isto… com reforçar a componente de pensamento do projecto. SF - Exatamente. GF - E só depois, já em 2008, é que ocorreu a renomeação das disciplinas. Sofisticação… O Sérgio ainda estava. Só se aposentaria em 2010. SF - Acho que sim. GF - Em 2010 aposentou-se. Mas posteriormente, ainda proferiu uma “última aula”. Uns professores proferem-na, outros não. SF - Eu não queria fazer aula. Depois o Francisco Barata chagou-me a cabeça, aí eu lá fiz a aula. A última aula foi passado 1 ano ou 2. GF - Ao que acresce que foi-lhe atribuído o prémio de professor emérito da Universidade do Porto. / Na nossa área, há o Domingos, o Alexandre, o Sérgio... SF - O Quintão. E mais não sei. Foi mal. Saí. / Ser professor emérito é uma coisa. GF - É uma coisa honorífica Sérgio! SF - É. / XI. / GF - Mas retomando o período/assunto que falávamos… por um lado sucederam-se direcções, houve evoluções na coluna de teorias, etc. / Ah! E avançámos para uma reformação da Licenciatura em Mestrado integrado. SF - Nisso tudo eu já não interferi. GF - Já não estava nos órgãos da direcção. / Ao que acresce, em 2008, a criação do programa de outro ciclo, o PDA. SF - Isso são exigências que decorrem da nossa permanência na Universidade. A Universidade tem essa estrutura, e nós temos que ir atrás. GF - E como é que o Sérgio viu isso? SF - Não me pareceu mal. GF - A criação do PDA, do CEAU - Centro de Estudos de Arquitectura e Urbanismo - ou centro de investigação. SF - Eu até presidi o Centro de Estudos inicial da FAUP… GF - O CEAU, o CEFA? SF - E eu achei que isso eram aportações positivas. / Nunca vi isso como defeito, antes pelo contrário, o Centro de Estudos não funcionava mal. Quando eu lá estive… / Não sei se agora funciona melhor, é capaz de funcionar. GF - Tinha poucos meios? SF - Tínhamos poucos meios e não sabíamos muito bem como mexer com aquilo. GF - Mas fizeram muitos projectos, muitas coisas. SF - Fizemos, mas exactamente, às tantas, aquilo teve um pendor que me parecia um bocado tolo. Não digo tolo, mas que era mais de projectar do que era um ateliê da faculdade, e isso não me parecia muito correcto. GF - Prestava-se serviços, etc. / XII./ GF - Nos anos 90, a escola teve um período de direcção pelo Manuel Correia Fernandes (que sucedeu a direcção do professor Alexandre Alves Costa). SF - O Manuel, também conheço de jovem, porque quando fiz a tese em Rio de Onor, esteve lá comigo. GF - Porquê? SF - Fizemos um trabalho em Rio de Onor. Eles eram ali de Vinhais, terras ao lado. O Manuel Correia Fernandes era outro tipo super inteligente. Eu acho que é coerente a agir, a acção dele é um bocadinho mais difusa. Acho que o Alexandre é mais. GF - Um excelente projectista de habitação. SF - Tem, tem coisas bem feitas. O tipo era bom. Ele sempre foi bom aluno, etc. GF - O Manuel Correia Fernandes esteve na direcção da FAUP. SF - Como director não sei o que dizer. / Nós tivemos algumas dissidências. Tiveram bastante carácter administrativo… Como digo, tivemos algumas dissidências de carácter mais ou menos administrativo, quando chegou. GF - O Sérgio também provinha das direcções anteriores. Portanto, é normal que isso acontecesse. SF - Pois é. Não foi aquela coisa do tipo que quer mudar tudo porque os outros fizeram tudo mal. Foi assim um bocadinho. GF - Mas houve rupturas a que níveis? SF - Coisas administrativas, que não deviam ter sido autorizadas e que foram, umas coisas sem interesse. Mas não aconteceu nada de especial. GF - Opções ideológicas ou problemas laborais? SF - Ideológicas sempre tivemos. Esta Escola tem esta coisa também. GF - E com o professor Alexandre Alves Costa? SF - Nós éramos os dois directores. GF - Pois, o Sérgio era vice-director. SF - Tivemos umas ligeiras, já não sei dizer. GF - São muitas esquerdas. Uma vida muito longa com momentos muito... SF - Não, eu ia dizer o contrário. Como a escola nasceu relativamente pequena, isto foi sendo uma família de continuidade. Pois agora, com a dimensão conquistada, não sei se corre tudo bem assim ou não. GF - Eram poucos, era fácil contá-los pela mão. SF - Conhecemo-nos, somos amigos, etc. É um bocado difícil estar a explicar. GF - O professor Domingos estava numa esquerda, mais do PC. E o Siza Vieira, passou pelo PC? SF - Passámos todos. Eu nunca fui filiado no PC, mas fui um colaborante, até ao 25 de abril, porque era a única estrutura. Nunca fui filiado, mas apoiei sempre o Bloco de Esquerda. Pronto, o Siza está de acordo, como eu estou muitas vezes de acordo com o PC, é uma questão de estar contra uma série de coisas, com razão da maior parte dos casos. GF - O professor Domingos Tavares vinha de Aveiro e, também chegou a assumir a direcção da escola. SF - Nunca me pareceu mal. Não sei fazer críticas. GF - Ah. SF - Eu acho que a Faculdade estava lançada e estava a andar, pelo que não sei se os directores por aí fora se marcaram muito, em termos de alterações. GF - Em termos históricos? SF - Não me parece que se tenham marcado muito, nem o Manuel, nem o Domingos. Acho que é uma sequência natural do que estava feito. / Havia uma sequência muito directa da malta velha. Quando saíram todos os velhos, talvez isso tenha alterado um bocadinho. GF - O Barata faleceu infelizmente. Tivemos agora uma exposição interessante dele na FAUP. SF - Sim. GF - O Sérgio referia-se à “sequência da malta velha” - após o Alves Costa, o Correia Fernandes e o Domingos Tavares, etc. - como uma “sequência natural do que estava feito”. / Mas acrescentou: “Quando saíram todos os velhos, talvez isso tenha alterado um bocadinho”. Mas estava a referir-se a estas saídas, desta “malta”… a qual saiu por volta da mesma altura que o Sérgio saiu. Ou seja já em 2010, recentemente… SF - Sim, saí eu, saiu o Alexandre, o Domingos, saiu não sei quem. / / Aí talvez tenha havido uma ligeira alteração. / GF - Não asseguram essa transição, até com gerações intermédias? SF - Eu não sei se não assegurámos. / Aliás, eu acho que essa coisa das crises só faz bem. As crises só fazem bem. As crises vencem-se e nós não éramos melhores do que os outros. Éramos talvez diferentes e, em muitos casos, se calhar antiquados. É natural, as coisas evoluem. GF - Mas a geração do Sérgio, só há meia dúzia de anos é que saiu da Faculdade, e vêm aqui muitas vezes dar aula, orientar coisas, etc. / Como é que vê estes últimos 8 anos da faculdade? SF - Eu acho que é natural. Nessas actividades, o último foi o Carlos Guimarães. Acho que foram tipos que deram, mais ou menos, continuidade. GF - O Carlos Guimarães também saiu no ano passado. Agora tivemos uma alteração para uma geração mais nova. SF - Daqui a pouco já serão velhos. Isto vai andando. Não assusta nada. GF -E outras gerações também estão a entrar. SF - Claro! / XIII. / GF - E no que tange à produção arquitectónica, que perceção tem? SF - A perceção que tenho em relação à arquitectura… / De modo geral, acho que se faz arquitectura de qualidade, que está muito mais disseminada, há muito mais arquitectura de qualidade. / O que eu duvido é da qualidade dessa arquitectura. Parece-me muito mais espectacular. Há muito espectáculo. / Mas isso não é problema da Escola, é um problema geral. Na Europa toda. Portanto, a Escola vai um pouco atrás. E depois, o mandato de universidades por aí fora. E muitas delas não se sabe bem como…. / [...] XIV. / GF - A explosão coincidiu com as décadas que estávamos a falar. A nossa Escola sempre ficou… sobressaiu? SF - Eu acho que esta Escola, apesar de tudo, continua a ser uma referência. / Eu acho que, evidentemente, há uma série de coisas que não beneficiam esta escola, nem nenhuma, como por exemplo, a necessidade de concorrência entre as pessoas que cá trabalham. GF - Era a burocratização que falávamos há bocado ou noutro dia. SF - Não beneficia ninguém, não serve para nada, só serve para abafar a espontaneidade, para falar dos interesses, etc. E só serve para tornar isso uma obrigação. O que eu acho um erro. GF - Ah. SF - Essa é a ideia que eu tenho. Posso estar errado, porque eu não estou agora. Mas é um bocado a ideia que eu tenho disto. E eu não culpo ninguém, não é por estar este director ou que o director nunca é um “mainstream”. GF - Pois, é o/um “mainstream”. E retomando a produção da arquitectura, o Sérgio dizia? Estávamos agora a referir também o ensino privado… / Para esta escola, o período desde os anos 80, foi importante. Coincide com uma maturação da internacionalização da escola. Bem como do nome do Siza, etc. SF - O nome do Siza. GF - Muitos de vocês contribuíram para uma certa construção identitária, que se demonstrou decisiva para uma ideia de Escola do Porto. SF - Eu acho que a Escola tinha um peso, que eu acho que ainda tem, apesar de tudo. / Agora acho que não está tão sozinha quanto estava. / [...] GF - Estávamos a falar dos anos 80 e…. (Coincide com a ocorrência daquela exposição em Lisboa “Depois do modernismo” a que vocês não foram). / Sucedeu-se a criação de muitos cursos no privado e, a criação de alguns no público. SF - Escolas, como por exemplo Coimbra, têm dignidade. / Portanto, as coisas vão se alterando. / Quanto às escolas privadas, não sei, não as conheço bem. / GF - O Sérgio acho que não lecionou em Coimbra, mas lecionou em Guimarães. SF - Guimarães também é razoável. Creio que Coimbra é melhor. Não tenho ideia. Guimarães conheço porque estive lá. Eu estive durante anos lá a dar aulas. Fui emprestado pelo Reitor para dar aulas em Guimarães. GF - Algumas personalidades da FAUP participaram na criação dos cursos congéneres nas Universidades púbicas de Coimbra e do Porto. SF - A faculdade também foi criar o curso em Guimarães. Foi criado por nós e depois eu fiquei lá a dar aulas de Projecto. GF - Com o Bandeira e outros que eram os seus assistentes. SF - Acho que Guimarães tem boas hipóteses de crescer. Às vezes parece um pouquinho mais imatura que Coimbra, mas, é também uma hipótese bastante boa. GF - Ah. [...] GF - Retomando a ideia que indagava, da Escola do Porto ter sobressaído. / Por exemplo, em termos de projecto… muitos dos melhores arquitectos da vossa geração, anos 70-80-90, estavam na FAUP. / Acresce que o Siza inquestionavelmente ganhava exponencialmente reconhecimento internacional. / E vendo as revistas da altura, etc. SF - Não éramos dos piores. / Claro que nunca tivemos esse padrão do Siza, que realmente é excepcional e, que eu considero acima de todos os outros. Uma distância absolutamente abismal, não tem nada a ver com os outros arquitectos portugueses, por mais que se esforcem. Realmente o Siza é o Siza, o resto é paisagem, mesmo que boa. GF - É uma paisagem, composta por considerável quantidade de qualidade! SF - Sim, aliás, Portugal é um sucesso ao nível da arquitectura, um sucesso internacional. Não tenho dúvida nenhuma sobre isso. GF - Nessas gerações houve um consenso no que tange ao projecto, de fazer bem, pelo desenho. Bem como havia uma rede de conceitos - do contexto ao lugar, etc. SF - E é o que eu acho que é preciso. / Eu quero crer que ainda se mantém. Porque a Escola do Porto continua a ser uma Escola de prestígio. GF - Há bocado falava de uma transformação na produção da arquitectura, constatando que se tornou-se agora mais espetacular. Isso não corresponde a esse período? SF - Não. Eu dizia mais actualmente. XV. GF - Na transição do século, talvez anos 2000 para a frente. SF - A questão dos Erasmus também contribuiu um bocado para isso… E eu acho que a experiência Erasmus é extraordinariamente positiva. Não tenho a certeza que seja para aprender a fazer arquitectura, mas para aprender coisas da vida. Acho que sim. / Mas trouxe uma série de modelos com que não lidávamos e que passámos a lidar e a integrar. Há um certo culto do desenho, mas que agora não é bem do desenho, é… GF - Imagéticas? SF - Da imagem, exactamente. E é geral, realmente. Isto não é defeito da Escola, desta escola, nem é deste país, é em todos. / Mas o nosso país continua a ser considerado... GF - De grande qualidade arquitectónica. SF - Continua a ser considerado um país com grande qualidade arquitectónica. GF - Ao longo deste períodos/anos, como é que viu o Associativismo da nossa área? Tal passou pelas transformações de um Sindicato em Associação, bem como a posterior evolução para uma Ordem. 7 E no que tange à relação desse Associativismo… ou da disciplina e comunidade profissional com a sociedade que lhe é contemporânea? SF - Antigamente, a “Ordem” era uma… era um organismo de Estado. Portanto, sujeito ao regime. Até ao 25 de abril era um organismo de Estado em que as pessoas eram submetidas, eram politicamente aprovadas, etc. Era absolutamente reprovável. Nós não íamos à ordem, senão em grupos. Porque éramos atacados como comunas e não sei quê. Era uma coisa absolutamente de terror. / Depois, com 25 de abril, essas coisas alteraram-se e passaram a ser relativamente democráticas. GF - Diz que o associativismo deixou de ser refém do Estado ou afim, depois da revolução democrática. [...] SF - Os arquitectos eram prestigiadíssimos. Mas não havia um único arquitecto num lugar de destaque em parte nenhuma, antes, nas estruturas estatais, etc. E isso modificou-se muito. / Quando eu quis ir para arquitectura, dizia-se que… E os meus pais eram super liberais… os meus ainda fizeram uma espécie de reunião do conselho de família com a presença de um amigo de casa, engenheiro e arquitecto, professor na Escola, que rematou a reunião, dizendo “Se o rapaz quer ir, deixai-o ir, paciência”. GF - Relativamente a estes últimos tempos e Escola… / Penso que o Sérgio já disse que (por altura da direcção do Francisco Barata, etc.) a escola seguiu o caminho normal. SF - Uma continuidade. GF - Dado que o Sérgio esteve ali nas 2 ou 3 décadas antes, ao nível ao ensino (e especificamente quanto à área da Teoria que antes referíamos), viu alguma transformação? SF - Eventualmente vi. Não tenho consciência disso propriamente, mas muito provavelmente as coisas foram aprofundadas e melhoradas. GF - São 30 anos de existência de uma coluna. Tais melhoramentos chegavam a sentir-se no projecto? SF - Não. Eu estava no primeiro ano. Portanto, o que eu tinha era a influência que vinha do liceu. Não tinha reflexos disso diretamente ainda. / Mas acho que sim nos anos seguintes do curso e, acho que os estudantes saíram conscientes daqui. Acho que isso melhorou muito. GF - Tem optimismo. SF - Não é optimismo, as coisas têm altos e baixos, mas não andam para trás. / E eu acho que é melhor em termos da teoria. Não piorou, de certeza absoluta. / Há coisas em que eu não gostaria de não sei o quê, mas são pontuais e não influi em nada na qualidade geral das pessoas. Eu acho que estamos bem melhor do que no tempo da pedra lascada. Não creio que a Escola se está a estragar… Se está, pode ser temporário. GF - Vê com optimismo o futuro da escola? Da Arquitectura portuguesa já percebi que sim. SF - Mas não estou assim muito aflito com isso. XVI. GF - Por último, referir que o Sérgio sempre fez muito projecto! Fez os primeiros projectos com o Pedro Ramalho? Antes desta segunda fase de colaboração com o professor Alexandre Alves Costa. SF - Esteve muitos anos a trabalhar em sociedade, até 1974. Trabalhámos juntos. GF - Até 1974? E depois disso? SF - Passados uns anos, estive a trabalhar com Alexandre e, posteriormente, fizemos mesmo a sociedade. GF - No início dos anos 80? SF - Sim, 80 e qualquer coisa. GF - Eu conheci pessoas que trabalharam lá no “Atelier 15”, e sei que o Sérgio continua a acompanhar. SF - Isso acompanho. GF - Acompanhar projectos e obras. Ainda hoje, o Sérgio vem com botas com lama, porque acaba de vir de uma obra. SF - Acabo de vir do Cinema Batalha. Entre mim o Alexandre não fazemos distinção e, até entre os colaboradores não fazemos. Agora já não se trata de colaboradores, porque o escritório está a mingar. Só temos um colaborador permanente. Na altura éramos 7. GF - Esta obra do Cinema Batalha é muito importante. SF - É importantíssima. GF - O Cinema Batalha é dos anos 40? SF - É de 1946. Fabulosa, mas está num estado absolutamente inimaginável, agora é que se começa a descobrir. GF - Do ponto de vista da dificuldade técnica do reconstruir? SF - A arquitectura contemporânea é muito mais difícil de reconstruir ou de reabilitar. Nós temo-nos deparado com coisas inacreditáveis. E, no Batalha, eu não percebo como é que as pessoas nunca caíram até ao rés do chão devido à degradação de alguns elementos de betão armado e coisas assim, é um inferno. Por vezes apetece dizer: “se fosse eu que mandasse, mandava arrasar tudo e construir um Batalha novo”. Igual, mas novo. Quer dizer, é uma blasfémia, mas é isso que apetece. GF - Até politicamente é ícone. SF - Eu acho que eu mantinha a imagem. GF - É uma das grandes preocupações da geração actual. A arquitectura realmente em termos do projecto orienta-se muito para a reabilitação. / Vai-se fazer muita reabilitação, porque as obras estão num estado... Quiçá nós devíamos ter mais formação. SF - Muito mal. Eu acho que o betão até tem uma duração específica, mas não é só o betão. GF - A duração deste parque edificado está a chegar ao limite. A grande missão daqui para a frente será a reabilitação das cidades. SF - E depois outras coisas que são (e ainda bem) as exigências de conforto, da acessibilidade, etc. GF - Ainda bem, mas é um excesso de burocratização. Frequentemente oiço arquitectos de várias gerações a criticarem-na. SF - Quando isso é aplicado é outra coisa. GF - Haver regulamentos. SF - Agora, que é preferível que uma pessoa possa ir ao cinema, sem ser levado ao colo por não sei quantas pessoas, é bom e um benefício. E não era. Não sei como é que faziam antigamente. No Batalha, não iam a parte nenhuma porque há imensos degraus. GF - O Sérgio continuará a desenhar e coordenar projectos como sempre. Mas ao coordenar uma obra complexíssima como por exemplo o Batalha, não sente a prática da arquitectura muito senão demasiado regulamentada, burocratizada? SF - Terrível. GF - Gastar-se mais tempo com coisas paralelas, do que com a arquitectura. SF - E depois há outras coisas. Há realmente um desenvolvimento científico da construção. Obrigam-nos a coisas que de que nem se fazia ideia há uns anos, mas que são precisas para ter em conta uma data de fatores. Os regulamentos oficiais são um quebra-cabeça em qualquer projecto. GF - No entanto, o Sérgio é optimista quanto à disciplina. SF - Sou. Acho que há muita coisa a corrigir, principalmente a desburocratizar. GF - A nossa actividade, vai ser cada vez mais complexa. Obrigado Sérgio.