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1/29/25
CONVERSA SOBRE ARQUITETURA E ESCOLA DO PORTO _39 (Rui Pinto, com Gonçalo Furtado)
CONVERSA SOBRE ARQUITETURA E ESCOLA DO PORTO _ MARÇO 2020
(Rui Pinto, com Gonçalo Furtado) /
I./
[Gonçalo Furtado] - Propunha conversarmos sobre arquitetura em Portugal bem como sobre a escola do Porto.
Podias, de forma sintética, enquadrar o ano em que ingressaste nos estudos em arquitetura, e quais os personagens e disciplinas que te marcaram mais.
[Rui Pinto] - Eu entrei em 1974. Portanto, em setembro de 1974, após o 25 de abril e, estava em condições de me candidatar à entrada na Escola de Belas Artes, na 1ª Secção, ou seja, no curso de arquitetura. Como deves saber esse ano...
[GF] - Esse ano letivo correspondeu ao chamado serviço cívico não é?
[RP] - No meu caso, e de outros, o meu “serviço cívico” foi passado na escola, frequentando uma espécie de “ano zero”...
[GF] - Houve a opção de um “ano zero” já na Escola.
[RP] - Não me lembro muito bem, mas o que é certo é que um conjunto de alunos, enquadrados por alguns professores, estiveram juntos na Escola de Belas Artes, no curso de arquitetura, nesse ano lectivo 74/75.
[GF] - Que ainda era um ano de serviço cívico, portanto não era o 1º ano do curso de arquitetura. Mas já andavam por ali.
[RP] - Sim...
[GF] - Se calhar arrumar coisas, etc.
[RP] - Já não lembro muito bem, mas andávamos por ali. Serviu para conhecer a escola, os colegas, os professores... O ano lectivo seguinte – 1975/76, é, de certa maneira, o ano 1 do curso de arquitectura nos termos em que ele ainda hoje funciona.
[GF] - Na escola… interrompera-se talvez…/
Entraste no 1º ano do curso de arquitetura em história democrática.
[RP] - Exatamente, após a reestruturação do curso...
[GF] - Seriam as Bases gerais nessa altura.
[RP] - Sim, A partir de um documento chamado bases gerais.
[GF] - No início do ano decidia-se o que/como é que ia ser.
[RP] - Houve um processo eleitoral e concorreram 2 listas, 2 visões do que deviam vir a ser as bases gerais.
[GF] - Amarela e Cinzenta.
[RP] - Exatamente, a lista amarela e a lista cinzenta.
[GF] - Foi neste ano?
[RP] - Sim, acho que é neste ano. Concorreram 2 listas, a amarela e a lista cinzenta. Ganhou a lista cinzenta. Saberás as pessoas.
[GF] - Lembras-te de haver assembleias magnas?
[RP] - Houve reuniões abertas promovidas pelas 2 listas.
[GF] - Andaste por aí?
[RP] - Sim, andava. Ambas as listas organizaram as suas reuniões e fizeram os seus convites.
[GF] - As suas reuniões, suas coisas, e os seus eventuais lóbis.
[RP] - Sim...
[GF] - Participaste na cinzenta.
[RP] - Sim. Fui, digamos, convidado para participar nessas reuniões.
[GF] - O teu nome aparece entre os apoiantes?
[RP] - Não me lembro...
[GF] - Mas lembras-te de estares em reuniões a discutir esses assuntos.
[RP] - Estive em várias reuniões públicas que foram feitas pelas 2 listas. Estive em algumas reuniões privadas da lista cinzenta, feitas fora da escola...
[GF] - Na casa ou no escritório de alguém.
[RP] - Sim, foram feitas num escritório. A maior parte dos participantes eram professores e estavam também alguns alunos. E eu estive presente enquanto aluno do 1º ano.
[GF] - Enquanto aluno do 1º ano participaste na discussão que decorria.
[RP] - Sim.
[GF] - A ideia que há é que era meia dúzia de professores, com alguns apoiantes e eventualmente mais uma dúzia de alunos de vários anos.
[RP] - Quantas pessoas é que estariam nessas reuniões? Era uma mesa grande./
Portanto estava bastante gente (20 pessoas..., 30 pessoas...), mas não consigo precisar...
[GF] - Podiam haver reuniões mais restritas do grupo de cada lista, outras mais abertas.
[RP] - Como já disse, assisti a reuniões públicas organizadas por ambas as listas, e estive presente em reuniões mais restritas da lista cinzenta./
As reuniões abertas realizaram-se na escola, no anfiteatro de história, e, creio, que no anfiteatro grande...
[GF] - Numa sala grande, uma aula magna./
As Bases gerais constituíram uma reestruturação do curso, de que somos devedores ainda hoje.
[RP] - Sim, de uma certa maneira. Houve uma reestruturação do curso, de acordo com as Bases gerais. O ano lectivo 1975/76 inicia a concretização dessa reestruturação, e dá origem aquilo que o curso é hoje. A estrutura é semelhante, a estrutura vertical e horizontal dos anos é da mesma natureza daquilo que é hoje. Tinha um número menor de cadeiras... (não havia propriamente opcionais) mas a estrutura do curso era a mesma, ou, pelo menos, muito semelhante./
E as cadeiras podiam ter um nome diferente... Por exemplo no 1º ano, a cadeira de projecto chamava-se “Iniciação ao Projeto”...
[GF] - Normalmente, o núcleo estava no Projeto.
[RP] - Sim. No meu primeiro ano, em 1975/76, o responsável era o arquiteto Fernando Távora, e ele foi, simultaneamente, o meu professor. A outra personagem que o acompanhava era o Sérgio Fernandez...
[GF] - O Sérgio Fernandez entrou logo em 1974.
[RP] - A coisa passava-se na sala de exposições, uma sala única. 2 turmas grandes. O projeto com o Fernando Távora e o Sérgio Fernandez, e o desenho com o José Grade e o Joaquim Vieira, compartilhando a responsabilidade.
[GF] - O 1º ano tinha 2 turmas e decorria no mesmo espaço. E as cadeiras teóricas? Era História de Arte ou História da arquitectura...
[RP] - Acho que se chamava História da Arquitetura. Creio que nesse 1º ano ela foi dada pelo Arquitecto Vítor Sinde./
A noção que eu tenho é que as cadeiras que tinham mais peso, eram, claramente, o Projeto e o Desenho.
[GF] - No 1º ano então: o Projeto, o Desenho e a História da Arquitetura.
[RP] - O Desenho era, como já disse, uma co-regência, entre o Joaquim Vieira e o José Grade./
As que referi eram nitidamente as cadeiras com mais peso. Era um período em que as coisas se passavam, nos momentos mais importantes, no Projecto e no Desenho, em aulas com toda a gente no anfiteatro grande./
As imagens, por exemplo, que acompanhavam o discurso na História, eram obtidas através de retroprojeção de livros. E na altura, era raro a utilização de “slides”.
[GF] - As aulas teóricas eram uma retroprojeção direta de imagens de livros, História ou Teoria da Arquitetura…. acho que houve uma altura em que se chamava assim.
[RP] - Acho que se chamava História da Arquitetura.../
Mas voltando ao Projeto e, significativamente, a figura maior da escola – o arquitecto Fernando Távora, era o responsável da cadeira de Iniciação ao Projecto. O que parecia dizer que o melhor estava no princípio...
[GF] - Mas deu TGOE… na tua altura o Távora estava no 1º ano a...
[RP] - Isso é mais tarde...
[GF] - E depois no 2º ano novamente tinha 2 turmas...
[RP] - No meu 2º ano o meu professor de Projeto foi o Alexandre Alves Costa. O outro, julgo que era o Manuel Correia Fernandes. Mas continuava a ser na base de 2 professores./
E na cadeira de Desenho, o Alberto Carneiro. Sozinho.
[GF] - Este ano é um ano importante. Por exemplo pela cadeira de Desenho e papel detido no ensino pelo Alberto Carneiro.
[RP] - Há um primeiro momento, nesta disciplina de Desenho, em que o Alberto Carneiro nos atribui uma tarefa: construir uma série de cubos. Cubos pretos e brancos, em cartolina, com uma determinada dimensão e num número determinado. Não me lembro se era individual ou se era uma tarefa feita em turma. A partir desses modelos, o aluno faria uma série de desenhos a partir de composições que já não recordo se seriam livres ou programadas por ele...
[GF] - Ecoa o exercício de iniciação ao projeto, com cubos de esferovite, com os quais se constrói uma cidade.
[RP] - O que aconteceu na altura, foi que nós fizemos os cubos pretos e brancos, mas depois não estávamos afim de fazer o exercício. E isso acabou por resultar numa espécie de iniciativa.../
Na prática o que nós fizemos, num ato mais ou menos instintivo, ou talvez um bocado discutido, foi atirar os cubos pretos e brancos para o lago. Uma espécie de festa colectiva, com alguns banhos individuais à mistura. (Risos)
[GF] - E ele...
[RP] - O Alberto Carneiro assistiu à coisa sem qualquer reação visível, talvez com um sorriso... Eu acho que ele na altura percebeu que o que nós, no fundo, queríamos era desenhar a partir da realidade... talvez desenhar na rua.
[GF] - Desenhos de coisas reais?
[RP] - Desenhar livremente a partir da realidade, fosse ela qual fosse. Acho que havia um bocado essa ideia da realidade, não é? A realidade estava na rua. Havia coisas que estavam a acontecer…
[GF] - A revolução real estava a acontecer na rua.
[RP] - Sim.
Mas o primeiro desenho, o primeiro desafio que o Alberto Carneiro fez a todos os alunos, foi: “Vocês vão para o Jardim da Escola, escolhem uma posição e desenham o que vêm, numa folha A4”, creio que ao alto, mas com a condição de o desenho preencher a folha inteira./
Cada um de nós foi para o Jardim e fez um desenho. Depois de entregues, ele escolhia alguns desenhos, e através da retroprojeção fazia uma sessão e comentava o desenho, falava sobre eles. Mas ele no fundo queria era falar de desenho e das formas, e da implicação do corpo no acto de desenhar.
[GF] - Ele andara na Saint Martin's School of Art?
[RP] - Eu não tinha propriamente noção de por onde é que ele tinha andado.../
Há uma cumplicidade nítida em construção... entre o Alberto Carneiro e o Alexandre Alves Costa, entre a cadeira de Desenho e a cadeira de Projeto. E, portanto, logo no princípio do ano letivo o Alberto Carneiro propõe-nos que vamos desenhar, fazer desenho para...
[GF] - Desenhar para o terreno. Dizes que houve essa cumplicidade entre Projeto do Alves Costa e Desenho do Carneiro… no 2º ano.
[RP] - Sim, para o terreno de Projeto.
Lembro-me, no entanto, de uma coisa intermédia, um desenho que já se dirigia mais para a edificação. Eu lembro-me de ter feito um a partir do segundo ou terceiro piso do pavilhão de arquitetura. Era também numa folha A4, enquadrar uma coisa e desenhá-la... Eu na altura lembro-me de ter desenhado uma silhueta da “casa antiga”, na articulação entre a platibanda e a parte superior da fachada lateral, voltada para o nosso pavilhão./
O do jardim ainda o tenho, o outro já não sei se tenho...
Julgo que imediatamente a seguir, os desenhos que ele nos pede que façamos no terreno, escolhendo livremente a origem do olhar, são doze, doze desenhos em cada semana...
[GF] - Consistia uma aproximação ao lugar, pelo desenho… em número fixo.
[RP] - Era ir para o terreno que, no caso, era num sítio até relativamente próximo, na Mouteira, na área onde hoje se situa o Ipanema Park. Ali era o terreno do Projeto. Portanto, os desenhos eram feitos, por escolha individual, a partir de qualquer posição situada no terreno.
[GF] - E o que é que te lembras da História ou Teoria então ministrada também pelo Alexandre Alves Costa? Independentemente do ano em que ocorreria.
[RP] - O que eu me lembro é que aquilo era, digamos, muito construído a partir do Benevolo.
[GF] - Da “História da Arquitetura Moderna” do Leonardo Benevolo.
[RP] - Sim.
[GF] - Eram aulas para as 2 turmas.
[RP] - Creio que sim. No anfiteatro de História, talvez com 60 ou 70 alunos.../
As imagens também eram feitas a partir de livros, talvez houvesse alguns slides. Eram aulas às quais nós prestávamos atenção, embora percebêssemos que aquilo era muito referido ao Benevolo, e muito menos ao Zevi, ao Michel Ragon...
[GF] - O Michel Ragon e o Zevi.
[RP] - As 3 histórias: do Benevolo, do Bruno Zevi, do Michel Ragon... O Alexandre estava mais centrado no Benevolo, era a sua maior referência, creio, e o seu maior apoio./
Alguns tinham o livro do Zevi, outros, raros, o Ragon. Poucos tínhamos os livros, os livros eram caros...
[GF] - Alguns iam a Vigo comprar livros com a família. Não era o teu caso?
[RP] - Não.
[GF] - Ias à biblioteca…
[RP] - Sim, ia à biblioteca.../
A Escola de Belas Artes, apesar de tudo, tinha uma biblioteca razoável.
[GF] - De arquitetura moderna se calhar tinha algumas estantes.
[RP] - A biblioteca era relativamente grande e tinha coisas, variadas. Tinha revistas.../
Tinha as obras clássicas da História das Arquitetura. Sabia-se que tinha boas coisas nos reservados...
[GF] - E as pessoas que estudavam frequentavam-na, ou nem por isso?
[RP] - Eu não tenho ideia de… eu próprio não a frequentava muito, não a vivia intensamente…
[GF] - Baseava-se em apontamentos, pois se calhar ainda não haveria fotocópias?
[RP] - Não, fotocópias não. Sim, fazíamos apontamentos...
[GF] - E não havia sebentas.
[RP] - Não havia sebentas.
[GF] - Portanto tiravam notas em caderno no curso das aulas.
[RP] - Sim...
[GF] - E acediam a outros apontamentos ou sebentas advindas de alunos mais velhos que tivessem antes frequentado as disciplinas?
[RP] - Não.
[GF] - Iam, ouviam, etc.
[RP] - Sim, em princípio, era um bocado disso./
Era em função da capacidade do professor de interessar os alunos. E acho que estávamos, no geral, atentos.
[GF] - O Jacinto Rodrigues teve uma passagem de exílio por França, mas já estaria na escola.
[RP] - Falas no nome do Jacinto Rodrigues. Eu, de facto, lembro-me muitíssimo bem da sua chegada. Eu julgo que isso deve ter acontecido no 1º ano, portanto, em 1975/76.
[GF] - Falava-se, e a sua chegada que era esperada.
[RP] - Sim./
Lembro-me muito bem de uma sessão, em concreto, feita no anfiteatro de história...
[GF] - Não na aula magna, no anfiteatro de história.
[RP] -... em que ele é apresentado pelo Alexandre Alves Costa. Lembro-me que estava mais gente sentada na mesa. É apresentado como alguém que tinha estado em França, “exilado”, e foi descrita a sua formação académica multidisciplinar, em filosofia, em sociologia, em urbanística.
[GF] - Dizes que foi então introduzido à escola pelo Alves Costa.
[RP] - O Jacinto foi apresentado como uma grande “contratação” para o corpo docente...
[GF] - As aulas do Távora, eram teóricas, caracterizando-se como de cultura geral arquitetónica. Não eram acompanhadas com diapositivos, mas pelo estabelecimento de relacionamentos que ele ia desenhando.
[RP] - Enquanto meu professor de projecto, no 1º ano, o arquitecto Távora, quase sempre quando comentava os desenhos, acompanhava a palavra com o desenho, e, sim, era muito emocionante...ele falava connosco como “adultos”, o senhor, a senhora.../
Nas aulas nos anfiteatros, ele falava, maravilhosamente, e, muitas vezes, com o giz, branco, desenhava, em paralelo com a palavra. E essas duas formas de falar connosco tinham uma capacidade de nos tocar, de nos empolgar...
[GF] - O Jacinto Rodrigues, foi das primeiras pessoas que se muniram de compilações de diapositivos sistematicamente organizados.
[RP] - Sim, ele tinha um arquivo muito grande de imagem. Ele tinha umas pastas/ dossier, com os slides todos organizados e identificados. Tudo muito organizado... Tinha, realmente, um banco de imagens muito grande, referidas às matérias que tratava nas aulas. O discurso era muito apoiado por imagens, as imagens eram feitas através de slides. Mas o Jacinto tinha um grande poder comunicacional, e um discurso político muito forte, muito convicto, muito abrangente, muito interpelante.
[GF] - E era um discurso… um retrato revolucionário./
Sobre temas como a utopia, as vanguardas, a ecologia…/
[RP] -...”o urbanismo revolucionário”, “a arquitectura da revolução”, a vanguarda soviética, a Bauhaus, os utopistas franceses e ingleses, a ecologia, Wilhelm Reich, etc., etc., tudo temas que tinha estudado e dos quais possuía vasta documentação, e sobre os quais tinha escrito e publicado./
Esses assuntos que até então nos apareciam diluídos nos livros de história da arquitetura moderna eram tratados pelo Jacinto Rodrigues de forma autónoma e usando muita e variada documentação.
[GF] - Há pouco referias alguns livros… E, para o fim do curso, lembras-te de mais algum livro que tenham lido? Liam aquele do Bohigas do “Contra uma arquitetura adjetivada”, não era?
[RP] - Sim, “Contra Uma Arquitectura Adjectivada” do Bohigas...
[GF] - Lembras-te de mais algum? / Do Gregotti talvez?
[RP] - Lembro-me, em particular, de ler “Ornamento y Delito”, do Loos, na tradução espanhola da Gustavo Gili. O exemplar que ainda tenho, era de um colega meu amigo, e depois acabou por ficar perdido lá em casa, no meio de uns livros. (Risos)
[GF] - Os livros do Nuno Portas, vocês liam?
[RP] - Não, nessa altura não. No meu caso só muito mais tarde...
[GF] - E os clássicos, inclusive o Gropius ou...
[RP] - No meu caso o contacto com muitos desses autores foi feito através dos livros de história... Nalguns casos alguém tinha um desses livros, mas a maioria de nós não.../
Algumas revistas...
[GF] - A L'architecture d’aujourd'hui, ou a Architectural Design?
[RP] - L'architecture d’aujourd’hui, a “AD” [Architectural Design], a Casabella, a Lotus…
[GF] - Tu tiveste o Nuno Cameira?
[RP] - Não, já não estava na escola no meu tempo.
[GF] - Esse é que trazia algumas coisas anglo-saxónicas? A Architectural Design, ou a Architectural Review que talvez seja mais tarde… E as italianas.
[RP] - Não tenho ideia.../
Eu, por exemplo, em 1976/77 tinha-me casado e fomos com os meus sogros a Londres. E trouxe uns números da AD...
[GF] - Porque a AD publicava coisas que não apareciam tanto, por exemplo a L’architecture d’aujourd’hui…
[RP] - Não, não foi por rebeldia em relação à L'architecture d’aujourd’hui. Eu acho que foi só porque eu estava em Londres. Nas livrarias... Nessa altura havia aquelas coisas que existiam antigamente, grandes livrarias, discotecas gigantescas. (Risos) Lá parecia-me que havia tudo, todos os livros, todos os discos... Mas o dinheiro era pouco e perante “tudo” como escolher..., e eu não sabia bem o que procurava...
[GF] - Nessa altura, embora a cultura ainda fosse mais francófona, na vossa geração, a música e cinema era já muito via Londres, não é? E quem pudesse…
[RP] - Eu não sou do “rock & rol”, nunca fui.../
Na música algum interesse pelo folk anglo saxónico, pela canção de protesto, francesa, inglesa, espanhola, e claro José Afonso, num lugar muito acima, para além de rótulos, classificações. Mas sobretudo um interesse pela música antiga, pela música barroca em particular./
E também um gosto, um interesse, pelas arquitecturas antigas, pela cidade antiga, pelo Porto e pela sua história particular, simétrico, talvez, de um fascínio pelas arquitecturas não eruditas ou de raíz “popular”. E aqui gostaria de referir, creio que em 1977 ou 1978, uma visita ao que restava de Vilarinho das Furnas, nesse época emersa das águas, à qual se seguiu, na continuação da viagem, a visita a Tourém e a Pítões das Júnias./
Pela primeira vez vimos e sentimos aquilo que o “Inquérito” procurou documentar e representar. O regresso do gado, o Forno do Povo a cozer o pão, as ruas cobertas com as camas do gado, as casas, algumas ainda colmadas. E em Pítões tivemos a oportunidade de conhecer uma dessas casas, dos pais da senhora Maria que, noutra casa “moderna” e gelada, servia refeições e alugava quartos. Naquela casa, quente, a lareira, o escano, a cama, as aberturas reduzidas a uma expressão mínima, o grunhir dos porcos no piso inferir que reclamavam os restos que sabiam que iam obter através de um orifício no pavimento. Estivemos lá, talvez sem a consciência de que se tratava de um mundo, feito de pessoas, dos seus animais, modos de vida, que iria brevemente desaparecer, para sempre...
[GF] - Falando de Portugal interessou-te o que “Inquérito procurou documentar” e que nos 70/80s desapareceria para sempre./
Por outro lado, inicia-se também por essa altura e geração uma transição, em que cultura das gerações de estudantes passa se mais anglófona.
[RP] - No meu caso a relação com a cultura francesa é uma coisa importante, ao nível da música, do cinema... Mas também o cinema italiano, o cinema inglês, japonês...
A frequência do antigo cinema Estúdio, na rua de Costa Cabral e na vizinhança da casa dos meus pais, foi uma verdadeira escola... Os filmes de Ingmar Bergman, Pasolini, os irmãos Taviani, Nagisa Oshima.../
Na música, tinha a ver com a rádio. Havia bons programas... Eu conheci Léo Ferré, Jacques Brel, Serge Regiani e tantos outros, através de um programa do José Nuno Martins que passava muita música francesa. Mas sobretudo o “Em Órbita” um programa, diário, realizado por Jorge Gil, que era arquitecto, e que, a partir de 1974, com uma locução maravilhosa de João David Nunes e Cândido Mota que liam os textos do Jorge Gil, e me fez descobrir e alimentar uma paixão pela música antiga, pela música barroca, pela música clássica, e pelos seus intérpretes e as suas formações, em instrumentos da época – uma paixão que se mantém, e que de certa forma faz parte um de um gosto pela história em geral, e pela história da cidade, pela cidade do Porto, em particular...
[GF] - Em 1974/1976, ocorre o SAAL, e o irem para o terreno?
[RP] - Sim, em 1975 eu fui trabalhar para Brigada de São Pedro da Cova, dirigida pelo Manuel Correia Fernandes. Acompanhavam-me, como estudantes do 1º ano, a Alexandra Gesta, o Luís Gaspar, a Conceição [Mi]. Os mais velhos, que tinham constituído a brigada inicial da Bela Vista – uma enorme área de clandestinos na antiga estrada de D. Miguel, vizinha dos antigos bairros das minas, eram o Luís Miranda, o Virgínio Moutinho, o Francisco Morais, a “Tininha” Valente. Simultaneamente à entrada dos mais novos juntaram-se formalmente os arquitectos José Quintão e Jorge Gonçalves, o engenheiro António Cerveira Pinto, a Isabel Teixeira, a Luísa Cerveira Pinto, a Luísa Brandão. Muita gente..., com formações variadas ou, como era o meu caso, com falta dela...
[GF] - Mas eram inquéritos, falar com as pessoas e....
[RP] - O trabalho que nós, os mais novos fazíamos, consistia em fazer inquéritos detalhados, alguns levantamentos, estar presentes nas reuniões com os moradores dos vários núcleos que constituíam os bairros das minas; ouvir, informar qual era o estado das operações, o que estava em curso...
[GF] - Às condições de vida.
[RP] - Sim, também...
[GF] - Os mais velhos do curso de arquitetura é que faziam os desenhos./
A ideia que eu tenho é que os alunos do 1º e do 2º ano levantavam mais a informação, faziam a análise e depois os outros faziam a síntese de projeto, digamos assim.
[RP] - Como já referi a Brigada da Bela Vista, como consequência da ocupação dos antigos escritórios das minas de São Pedro da Cova, ampliou-se. Passou não só a incluir a Bela Vista, que era, no fundo, um bairro clandestino desenvolvido na estrada de D. Miguel, mas também os diversos núcleos daquilo que na altura constituía os chamados Bairros das Minas de São Pedro da Cova./
E assim a operação S.A.A.L passou a designar-se Brigada de São Pedro da Cova.
[GF] - Portanto, incluía a Brigada original, que era a do bairro clandestino da Bela Vista, e depois os outros bairros? Constituídos por núcleos das casas dos trabalhadores das Minas, surgidos como consequência da ocupação das instalações dos escritórios?
[RP] - Sim. E a própria Brigada montou um escritório, localmente, numa sala dos antigos escritórios das minas. E nós, todos os dias íamos para lá, e fazíamos o que tínhamos a fazer a partir daquela instalação.
[GF] - Portanto a Brigada tinha escritório cá e lá. Envolvia o Manuel Correia Fernandes e o José Quintão, entre outros.
[RP] - Havia 2 escritórios, um cá no Porto, que era o escritório do Manuel Correia Fernandes em Santos Pousada. E nessa sala trabalhavam um conjunto de pessoas que depois se alarga. Ali estavam o José Quintão e o Jorge Gonçalves, a trabalhar numa dimensão mais territorial do problema e o núcleo mais directamente ligado ao desenvolvimento dos projectos de arquitectura, sob a responsabilidade do Manuel Correia Fernandes, constituído pelo Luís Miranda, pelo Francisco Morais, Virgínio Moutinho...
[GF] - Referes muita gente: do Virgílio Moutinho, ao Luís Miranda ou Luísa Brandão./
Então, no 1º ano o SAAL…/
E nestes anos não tiveste já professores como o Lixa Filgueiras ou o Arnaldo Araújo.
[RP] - E sim, o 1º ano, aulas, S.A.A.L., e tudo o que existia para além disso... Um tempo, uma vida muito preenchida.../
Não, não tive o Arnaldo Araújo como professor, porque naquela altura ele dava aulas na 2ª secção da Escola, em pintura/escultura. Quanto ao Lixa Filgueiras nunca o conheci como professor...
[GF] - Retomando. E quem é que eram os professores no 3º ano as diversas disciplinas… quem dava Projeto?
[RP] - No 3º ano, na minha turma, era o Cristiano Moreira./
Nesse ano, portanto em 1977/78, havia 3 turmas de Projeto. Não me recordo dos outros professores de Projecto...
[GF] - 3 turmas?
[RP] - Havia 3 turmas de Projeto. Portanto, é natural que houvesse 3 professores, mas eu não me lembro quem eram os outros.
[GF] - O Cristiano Moreira dava projeto, e a Construção era o Siza./
Não sei se o Jorge Gigante pai dava construção no 4º ano a seguir?
[RP] - Estamos no ano lectivo 1977/78. O professor de construção do 3º ano era o Siza. E o Siza rapidamente e com a cumplicidade do Cristiano Moreira, tornou-se no personagem essencial da crítica ao projecto dos alunos…
[GF] - Uma relação próxima entre Projeto e Construção, no 3º ano.
[RP] - Sim. Não me lembro se havia formalmente um tempo de construção, ou se o Siza ia ao tempo e ao espaço da aula do Projeto./
Mas ia mesmo, não era de vez em quando. Era uma relação constante, uma presença constante...
[GF] - O Siza na altura estava na escola em Construção…
[RP] - Sim.
Nunca achei que ele faltava às aulas; não normalmente. Era uma presença muito importante, porque rapidamente se transformava na voz mais ouvida. Porque o Cristiano dava espaço e tempo para que isso acontecesse. Lembro-me perfeitamente do Siza comentar variadíssimos trabalhos prático que na altura estavam a ser feitos nas Fontainhas.
[GF] - Às vezes, estaria até ás vezes exclusivamente estaria a falar sobre o Projeto.
[RP] - Para mim o Siza, como já disse, era a voz mais ouvida, era um estímulo para todos.../
Lembro de um papelinho que ele escreveu para permitir que alguns de nós fossemos à Bouça, visitar a obra...
[GF] - Pois o Siza estava com a Bouça. Tu tens esse papel?
[RP] - Não, não tenho..., mas reproduzi o texto, copiando-o, numa folha de entrega de uma fase do trabalho...
[GF] - E no 4º ano?
[RP] - No 4º ano, em 1978/79 o professor de projecto, na minha turma era o arquitecto Augusto Amaral. Na construção o professor do ano era o arquitecto Gigante. A ideia que eu tenho é que ele ia ao tempo do Projeto. Ele era uma pessoa com o qual os alunos tinham uma relação muito especial, muito aberta, muito forte. Ele, de alguma maneira estava ali para nos ajudar, para nos ajudar a pensar. E dava exemplos, tornava simples coisas complicadas..., e era um contador de histórias maravilhoso – histórias da vida, da profissão./
Em termos pessoais, essa relação veio a transformar-se numa relação de grande amizade, de muita proximidade. Terei sempre saudades dele. E sei que essa saudade é compartilhada por muitos de nós, de múltiplas gerações./
Continuo a pensar que ele nos faz imensa falta...
[GF] - A relação entre Projeto e Construção funcionava melhor…/
Para além da tal relação entre Desenho e Projeto do 2º ano que então estava articulada…
[RP] - Sim, acho que essa proximidade funcionava bem.
[GF] - 4º ano? E nas teóricas?
[RP] - O Ricardo Figueiredo deu-me aulas, talvez no 4º ou no 5º ano...
[GF] - E o Domingos Tavares?
[RP] - O Domingos Tavares nunca o tive como professor./
Mas lembro-me de ele ir ao espaço do Projeto, já não lembro em que ano. E ele comentou uma série de projetos que foram postos na parede. E ele, sem nunca os ter tido visto anteriormente, fez uns comentários interessantes sobre os Projetos. Sem nunca os ter visto... e com uma grande argúcia.
[GF] - E Urbanologia, havia uma coisa assim?
[RP] - Acho que sim, mas eu não sei se era esse o nome da cadeira na altura./
Estou-me a lembrar de outros nomes. O Rui Braz, também fui aluno dele, a cadeira julgo que se chamava Economia Urbana. No 4º ou no 5º ano.
[GF] - O Rui Braz devia ter acabado de entrar.
[RP] - Sim.
[GF] - E o Francisco Barata que nasceu em 1950 já daria aulas?
[RP] - Não, não faz parte do meu filme do curso. Nem sei se na altura ele já estaria a dar aulas. Mas eu conheci-o no meu 1º ano, em que ele era ainda aluno, creio, e ele também fazia parte da lista cinzenta. O Chico nasceu em 1950 e eu creio que em 1975 ele devia ser aluno do 5º ou do 6º ano...
[GF] - O Carlos Guimarães era do ano do Manuel Mendes, ambos nascidos no ano anterior ao Francisco Barata.
[RP] - Sim. Sei que eles são da colheita de 1949 e têm uma diferença de idade de um mês...
[GF] - E o estágio de fim de curso?
[RP] - Com a reestruturação, o curso passou a ter 5 anos mais relatório de estágio obrigatório./
O aluno que frequentava o curso de 6 anos, como por exemplo a Madalena Pinto da Silva, que em 1975/76 frequentava o 2º ano, não tinha estágio obrigatório, podia optar por fazer ou não fazer relatório de estágio, e não o fazendo obtinha no final desses 6 anos o diploma, passando a ser “Diplomado em Arquitectura
pela Escola Superior de Belas Artes do Porto”.
[GF] - Dizes que a reestruturação do curso de 6 anos passou a ter obrigatoriedade de estágio no último ano, que antes era mais opcional.
[RP] - Como já disse, os alunos que iniciaram o curso em 1975/76 passaram a ter estágio obrigatório./
No início desse ano lectivo foi permitida aos alunos que iriam frequentar o 2º ano de um curso de 6 anos a possibilidade de se “transferirem” para o 1º ano (de um curso de 5anos+estágio obrigatório) Em 1975/76 os alunos que fizeram essa escolha frequentaram o curso inteiro comigo./
Portanto, formalmente, fizeram 6 anos, mas estiveram connosco desde o 1º ano. Formalmente, estavam no 2º, mas frequentaram esse 1º ano. Como por exemplo, a Maria Manuel [Mané], o Francisco Valente [Chico Smile]...
[GF] - E a Maria Casanova?
[RP] - A Maria José Casanova, não...
[GF] - Fizeste o relatório como?
[RP] - O relatório de estágio era uma coisa que... Eu acabei a parte escolar do curso em 1980...
[GF] - E depois, o relatório de estágio era uma coisa que só se fazia após experiência em escritório.
[RP] - Não se fazia logo porque era suposto haver uma atividade profissional, fosse ela qual fosse. Na época, as pessoas se o conseguissem iam trabalhar para um “escritório”. Eram essas experiências que criavam as condições para “relatar” a experiência e reflectir sobre ela.
[GF] - Passado uns três anos ou quatro anos…
[RP] - Ou 5, ou 6, ou, como no meu no meu caso, 7 anos.../
Entreguei o relatório só em 1987.
[GF] - E onde estiveste esses 7 anos? (Risos)
[RP] - No dia 1 de Setembro de 1980, no ano em acabei a parte escolar do curso eu e a Maria Manuel [Mané] fomos trabalhar para o gabinete JB, na rua Latino Coelho, um escritório de um personagem muito conhecido no meio - o João Baptista ou, para alguns mais velhos, o “João das Barbas”./
O Manuel Correia Fernandes, que, creio, tinha com ele trabalhado, sabia que ele precisava de 2 pessoas. A lista de pessoas da escola que lá trabalharam ou com ele colaboraram é interminável: Manuel Fernandes Sá, Manuel Correia Fernandes, Bento Lousã, José Grade, Joaquim Vieira, Manuel Mendes, Luís Casal, José Miranda [Mirandinha], Guilherme Castro, Maria José Casanova etc., e depois de nós muitos outros...
[GF] - O JB era um tipo chamado João Batista Correia de Souza. Com atividade de arquitetura e design.
[RP] - Ele nunca tinha concluído o curso. Ele não tinha o diploma. Mas tinha um escritório grande. O escritório tinha um núcleo de arquitetura e especialidades, e tinha uma outra secção, noutro andar, onde, entre muitos outros, trabalharam o José Grade, o Joaquim Vieira, o Fernando Pinto Coelho, e ali se faziam trabalhos de design, arquitectura de interiores, “decoração” ... Enfim, um “gabinete” multifacetado...
[GF] - Um pequeno Conceição Silva da cidade? (Risos)
[RP] - Sim, sim, de uma certa maneira...
Ele era muito relacionado nos meios da burguesia portuense... e não só.../
Conhecia toda a gente que importava na época, por exemplo o Jorge de Brito que tinha fundado o BIP [Banco Intercontinental Português] e para ele desenvolveu variadíssimos projectos de agências bancárias./
Mas não só para BIP. Eu próprio, fiz três ante-projectos para três agências de outros 2 bancos [Pinto & Sotto Mayor e Borges & Irmão] e as três acabaram por ser construídas, respeitando os termos do formulado nos ante-projectos...
Eu acho que o João Baptista, sabia o que queria, sabia de alguma maneira o que os clientes queriam e até onde podia ir, e, no fundo, contratava outras pessoas para fazer os projetos nesses termos.
[GF] - Era uma empresa, com presença na cidade.
[RP] - Ele sabia o que era bom... Ele colecionava pintura, negociava em mobiliário, “antiguidades”. Tinha em casa belíssimas peças de mobiliário e boa pintura. Era um personagem “complexo”, às vezes generoso, outras irrascível, e era também de “amores”, de “paixões” e de “humores” em relação aos seus colaboradores.../
Ele disse-me no nosso primeiro encontro formal “aqui no escritório é tudo comunas”, que só havia comunas..., e ele referia-se essencialmente aos arquitectos... (Risos)
No meu primeiro dia de trabalho chamou-me ao gabinete dele e disse-me: “tu vais fazer o Concurso para o Centro Cultural da Secretaria de Estado da Cultura no Porto [março?!, 1981], ou seja, o concurso da S.E.C. que o Eduardo Souto Moura ganhou. E eu tremi, por dentro.../
Era o meu primeiro trabalho profissional. Mas a coisa fez-se. A “solução”, entregue no concurso, embora com semelhança de princípios da solução do Eduardo – sábia na sua economia e contenção volumétrica - tinha uma extensão excessiva e falta de clareza...
[GF] - Não sabia que tinhas colaborado num projecto para o concurso da SEC de 1981./
Em 1981/89, acompanhaste o Alexandre, o Sérgio, o Correia Fernandes ao recém-criado curso de Luanda?
[RP] - Eu e a Maria Manuel [Mané] estivemos no JB um ano só./
Entretanto surgiu a possibilidade de irmos para Angola para o curso de arquitectura recém-criado, que era então dirigido pelo arquitecto Vasco Vieira da Costa, e com o qual o Manuel Correia Fernandes tinha trabalhado e com ele mantinha relações de amizade.
O Manuel Correia Fernandes, o Alexandre e o Sérgio, tinham-se envolvido, creio que por convite do Vieira da Costa, na criação do curso, e para lá viajaram várias vezes.
Creio que foi feito um protocolo entre a “escola” e o curso em Angola que passava pela ida de alguns docentes.../
Assim, em Novembro de 1981, o Henrique Carvalho [docente do 1º ano da escola], eu e a Maria Manuel partimos juntos para essa aventura...
[GF] - Dizes que que no início dos anos 80s a escola contribuiu para o curso de arquitectura em Angola./
Esteve lá o José Manuel Soares, a Luísa Brandão e o Mirandinha?
[RP] - Quando lá chegamos o José Manuel Soares e a Luísa Brandão tinham acabado de regressar e concluído a suas “missões”. O José Miranda [Mirandinha], tinha regressado mais cedo...
[GF] - O Mirandinha era colaborador, na altura, do escritório do Alcino Soutinho. No essencial era ele e o Luís Casal.
[RP] - Sim, o José Miranda e o Luís Casal, creio que eram, reconhecidamente, personagens importantes do “escritório” do Alcino Soutinho.
[GF] - É esta tripla que faz aqueles projetos muito conhecidos do Soutinho. O Museu de Amarante, a Câmara de Matosinhos…
[RP] - Sim...
[GF] - No final dos anos 70 tinha acabado de fazer esses projetos?
[RP] - Sim, creio que essas três pessoas eram, na época, o núcleo criativo essencial do escritório do Soutinho...
[GF] - Um deles esteve contigo lá ou?
[RP] - Não. Como já disse o Mirandinha tinha regressado mais cedo./
De certa maneira o Henrique, a Maria Manuel e eu, fomos substituir os recém regressados. Acho que o José Manuel Soares e a Luísa ficaram lá dois anos letivos, mas não nos chegamos a cruzar lá, em Luanda...
[GF] - Vais tu, o Henrique Carvalho, e a Maria Manuel (Mané).
[RP] - Eu, supostamente, ia dar uma cadeira de Desenho. O Henrique ia “substituir” o José Manuel Soares. A Mané… Já não me lembro exatamente o que estava combinado com ela./
Depois chegamos lá, e isto afinal virou-se um bocado ao contrário, porque, afinal, havia uma sueca que tinha que dar Desenho...
[GF] - Portanto, na altura, o Vasco Vieira da Costa, era diretor do curso.
[RP] - Sim./
No nosso primeiro encontro em Luanda, o arquiteto disse-me: “Você vai dar a História da Arquitetura e das Cidades”...Era o diretor do curso, uma espécie de pai e mãe do curso... Fiquei doente, por dentro... Se me tivessem dito, em Portugal, que eu ia dar História da Arquitetura das Cidades não sei se teria aceite... Mas naquele momento era impossível recuar. No fundo acabei por dar três semestres da cadeira de história. Foi um desafio que acabei por ter de aceitar. Saiu-me do corpo, sobrevivi, e foi um enorme prazer...
[GF] - E depois vieste para cá trabalhar em parceria com o Virgínio Moutinho, até 1987./
Em meados dos anos 80 estiveste um par de anos como monitor do Alves Costa. Em História da Arquitetura Portuguesa?
[RP] - Depois vim trabalhar... Vim continuar uma relação que já tinha mais ou menos estabelecida com o Virgínio Moutinho. Que foi, digamos, o único sítio em que eu trabalhei consecutivamente. Até 1987, eu estive na “privada”, e incluindo nesse período os 2 anos letivos (1983-84 e 1984-85) em que estive como monitor do Alexandre Alves Costa na História da Arquitectura Portuguesa. Eu não tinha condições para poder ser contratado de outra maneira. Como não tinha o relatório de estágio entregue, não tinha diploma, e não podia concorrer. E porque na altura também não deve ter havido concurso. (Risos)/
Algumas pessoas na época pressionaram-me “Quando é que fazes? Quando é que entregas essa coisa do relatório? Porque se não, enquanto não fores, não podes concorrer. Eventualmente podias ter condições para vir dar aulas para aqui…”.
[GF] - A comissão de instalação da FAUP, penso que compreende o período de 1979-84.
[RP] - Eu concluí a parte escolar do curso em 1980, e por isso ainda estava na escola nesse período inicial da “Comissão Instaladora”. Assisti a algumas reuniões em que se discutia com calor...
[GF] - Não era pacífico para todos que fosse uma coisa boa perder aquela relação antiga com as Belas Artes e entrar para a Universidade.
[RP] - Sim, havia algumas dúvidas, mas o comboio estava em andamento... e o arquitecto Távora era uma voz poderosa de uma vontade de entrar para a Universidade... constituir uma Faculdade, um ensino que provavelmente…
[GF] - Universitário.
[RP] - Sim./
As vozes que na altura mais contaram, achavam que as coisas iriam mudar para melhor, com outros meios, com outras condições, talvez com novas instalações, talvez com outro reconhecimento social... A “Universidade” foi um íman poderoso, uma atração com muitos encantos...
[GF] - O teu curso foi claro tudo lá./
Tu acabaste como “diplomado” pela ESBAP, já em 1987?
[RP[ - Sim, em 1987, com a defesa do relatório de estágio, obtive o diploma./
Eu não sou licenciado, eu sou diplomado, com muito orgulho, pela Escola Superior de Belas Artes do Porto, com a respectiva carta de curso assinada por Pedro Ramalho, presidente do conselho directivo da 1ª secção... (Risos)
[GF] - Mas em 1987, havia talvez já a FAUP desde 1984?
[RP] - Sim. Mas a o curso de arquitectura da E.S.B.A.P (a 1ª secção) ainda se mantém formalmente pelo menos até às chamadas provas de agregação do Ricardo Figueiredo, que são, creio, o último acto académico da 1ª Secção da E.S.B.A.P..
[GF] - Essas provas de agregação do Ricardo Figueiredo ainda são um ato final na ESBAP.
[RP] - Sim, o Ricardo Figueiredo é o último docente a fazer aquelas provas.
[GF] - O chamado concurso de agregação, ainda no âmbito das escolas superiores de Belas Artes, feito pelo Alves Costa, Sérgio Fernandez, Alfredo Matos Ferreira e?
[RP] - Sim...
[GF] - Tinha uma componente prática, que consistia em desenvolver um projeto e, uma parte teórica que escrevia uma espécie de tese./
Tu começas a dar aulas lá ou cá nas cavalariças da Casa cor de rosa?
[RP] - Acho que na casa cor de rosa... O arranjo das cavalariças é mais à frente.../
Do Carlos Ramos ainda me lembro de ter visto um primeiro projeto do Siza, um volume compacto, ao fundo do jardim.../
Por um acaso da sorte eu fui das primeiras pessoas a entrar na casa cor de rosa. Tinham acabado de tomar posse da casa. O Alexandre tinha as chaves... Entramos pelo portão, entramos na casa praticamente vazia. Alguns sofás, uma belíssima mesa de sala de jantar, uma grande tela numa parede (que hoje se encontra na sala do conselho científico, creio). Uma espécie de momento inicial das novas instalações...
[GF] - Dizes que tinham tomado posse da Casa cor de rosa. Portanto eles deviam andar com a chave no bolso. (Risos)/
E estava tudo vazio. Não tinham comprado o recheio?
[RP] - A casa estava praticamente vazia, com excepção da antiga sala de jantar onde permanecia aquela belíssima mesa e as respectivas cadeiras, alguns sofás e uma tela retratando um aristocrata com a sua armadura. Tudo coisas que, creio, foram negociadas com o antigo proprietário.
[GF] - Qual era o teu sentimento perante abandonar o centro do Porto, a sua dinâmica, e vir aqui para perto de vias rápidas… para uma casa senhorial com um jardim?
[RP] - Quer dizer...
[GF] - Havia contestação por pessoas que não queriam?
[RP] - Sim. Mas o facto estava consumado...
[GF] - Mas digamos, quando entraste na casa com a chave, eras monitor do Alexandre e ainda aluno.
[RP] - Eu estava mais do lado das pessoas que não viam isto assim propriamente…
[GF] - Como um problema?
[RP] - Não, ao contrário...
[GF] - Que preferiam ficar lá?
[RP] - Sim, eu achava que havia em muitos aquele desejo de entrar para a Universidade, aquela pressão de ir haver novas instalações... e neles um sentimento de promoção que eu não partilhava.
[GF] - Por aquele problema de limitação em termos de instalações no lado de lá?.
[RP] - Sim. Mas a resistência foi-se rapidamente esbatendo...
[GF] - Não vias que fosse assim uma grande mais valia vir para a Universidade?
[RP] - Sim, havia alguma coisa que certamente se ia perder, talvez a minha crença de uma certa artisticidade...
[GF] - Mas a comissão instaladora, já então via completamente como mais valia vir para a Universidade.
[RP] - Sim, acho que o corpo docente estava todo de acordo... E com o arquitecto Távora como figura cimeira dessa vontade, desse entusiasmo...
[GF] - Tu eras o monitor do Alexandre em 1983/84.
[RP] - Fui monitor do Alexandre Aves Costa, em História da Arquitectura Portuguesa, durante os anos lectivos de 1983-84 e 1984-85. Nessa altura a questão estava mais do que ultrapassada, o facto estava consumado...
[GF] - Após a entrega do teu relatório de estágio, candidatas-te em concursos de 1988/89.
Já para projecto de ano inicial, que tinha como regente Manuel Correia Fernandes e que ainda decorria nas Belas Artes.
[RP] - Eu entrei por concurso em 1989, no ano letivo de 1989/90, e comecei a dar aulas em março, já o ano lectivo decorria. Creio que houve um primeiro concurso, em 1988, mas foi anulado. Depois houve um segundo, em 1989 e eu entrei./
As aulas do 1º e do 2º ano aconteciam ainda na escola, no pavilhão de arquitetura. Portanto, eu estive uma série de anos ainda no pavilhão de arquitetura.
O novo edifício estava em tosco. Suponho que o Pavilhão Carlos Ramos estava concluído e as antigas cavalariças reabilitadas.
[GF] - E depois, manteve-se em tosco? Houve 2 concursos de empreiteeiros e 2 ou 3 fases de construção.
[RP] - A empreitada de toscos foi feita por uma empresa espanhola, creio que a “SANJOSE Constructora”. A obra, na globalidade, ainda durou uns anos.
[GF] - Houve uma falência pelo meio. Que também parou a construção./
O facto da obra ter tido uma primeira empreitada de toscos, permitiu, no final dessa fase, ter uma experiência extraordinária do essencial da arquitectura do edifício...
[GF] - Há um filme do Ferreira Alves.
[RP] - Sim.
O filme explorava uma obra que, embora em tosco, permitia ver o essencial do conjunto já completamente formado. Era possível percorrer os vários corpos e ter, piso a piso, uma visão panorâmica, em plano contínuo, em relação às suas quatro frentes. Para além da caixa de escadas e do bloco do elevador, tudo o resto era um espaço aberto, com sucessivos enquadramentos que a sucessão dos vãos permitia da cidade. Subias um piso, o essencial mantinha-se mas alguma coisa mudava, subtilmente. Aquilo era uma coisa maravilhosa. E, se bem me lembro, o filme revela esse aspecto muito bem...
[GF] - Deste muito aulas de Projeto no 2º ano.
[RP] - A maior parte da minha carreira docente foi feita no 2º ano na cadeira de projecto. No entanto entre 2006 e 2008 estive ligado ao MLAC. (hoje Teoria 1) – primeiro com o José Salgado e depois como regente – a que se seguiram, entre 2008 e 2011 três anos lectivos ligado à TGOE. com o Manuel Graça Dias, e, nos cinco anos lectivos seguintes, entre 2011 e 2016, estive em Projecto 1, com o José Manuel Soares./
No ano lectivo 2016-2017 regressei definitivamente ao 2º ano, ao projecto 2...
[GF] - Sim.
[RP] - Quando entrei em 1989-90, substituindo Ricardo Figueiredo, o regente formal era o Manuel Correia Fernandes. Mas o personagem principal era o Alberto Carneiro, e creio que ele achava que sozinho poderia tomar conta das coisas, num tempo em que a cadeira de desenho tinha um grande protagonismo na condução das operações comuns entre projecto e desenho.../
No ano seguinte (1990-91) o Alexandre [Alves Costa] assume a regência durante dois ou três anos... E as coisas correram bem, com liberdade de acção e de pensamento. Depois segue-se um período longo em que a regência passou a ser relativamente discreta e o conjunto dos assistentes passaram, na prática, a conduzir o processo. Orientava-mos os trabalhos nas turmas, dividia-mos as aulas teóricas entre nós.
[GF] - Quando eu estive lá com monitor, em finais dos anos 90, era essa equipa que lidava com aquilo. Formalmente o regente foi o Ricardo Figueiredo.
[RP] - Sim, nós lidávamos com aquilo...
[GF] - Ouvi dizer que a Madalena tinha proposto que tal voltasse a existir, mas quiçá não teve acolhimento… Então, era como vocês funcionavam...
[RP] - Sim, as coisas eram assim...
[GF] - Tinham vindo a gerir juntos a cadeira.
[RP] - Sim, nós geríamos aquilo, no essencial. Geríamos com a cumplicidade do regente formal, mas nós geríamos./
E até houve um ano em que… É o ano lectivo de 1992-93 em que o António Quadros depois de regressado à escola e de ter sido o professor de desenho do curso em Viseu, vem dar aulas de Desenho no 2º ano. O António Quadros era uma figura extraordinária, com saberes multifacetados... Assim, o ano foi, de certa maneira, dividido em 2... Num piso, com três turmas, o António Quadros, eu, o Carlos Machado e o João Rocha; noutro piso, outras três turmas com o Alberto Carneiro... a Madalena, O Daniel Oliveira, o João Mendes Ribeiro que depois de ter entrado em Coimbra foi substituído pelo Pedro Alarcão
[GF] - Dizes que o ano decorreu quase dividido em 2 em 1992-3. Em cima estava o António Quadros. E em baixo o Alberto Carneiro, com outros 3 docentes de projecto.
[RP] - Sim, com a Madalena, o Daniel Oliveira, o João Mendes Ribeiro, que depois de ter entrado em Coimbra, foi substituído pelo Pedro Alarcão./
Era o ano lectivo 1992-93 e claro que o programa do exercício era o mesmo, o terreno era o mesmo – o quarteirão da biblioteca em S. Lázaro, para as seis turmas, embora o ano estivesse, de alguma forma, partido em 2, fruto de diferenças entre os 2 responsáveis do desenho, e de um papel muito discreto dos responsáveis formais
de Projecto – o Ricardo Figueiredo, no meu piso e o Manuel Correia Fernandes no piso abaixo – e das diferenças entre os dois grupos de “assistentes”.../
Nós fazíamos, na cadeira, o trabalho praticamente todo. Nesse ano eram alunos, por exemplo: o António Neves – meu aluno, o Joaquim Moreno, aluno do Carlos Machado, e o Alberto Lage, aluno do Daniel.
[GF] - Eu quando fui aluno em 1994, era outra vez o Correia Fernandes. Quiçá porque o Alexandre Alves Costa tinha ido para Coimbra…
[RP] - É possível que sim....
Eu trabalho com o Alexandre uma série de anos. E creio que o último ano que trabalhámos juntos foi no ano lectivo 1995-96. Nesse ano o terreno de Projeto não era no Porto, mas sim em Coimbra. Era na alta, entre os antigos Colégios das Artes e de S. Jerónimo. Foi, para mim, uma experiência gratificante. Havia um espaço de liberdade. Havia uma cumplicidade, mas também alguma disputa, alguma discussão, controvérsia, saudável, produtiva...
[GF] - Quando houve o pólo de Viseu, alguns dos colegas que mencionaste foram lecionar lá.
[RP] - Sim...
[GF] - Alguns colegas que entraram no mesmo concurso de 1989, foram para Viseu?
[RP] - Foram a Madalena, o Daniel, o Pedro Alarção... acompanhados pelo Sérgio como responsável do Projecto... O professor de Desenho, e talvez não apenas professor de Desenho..., era o António Quadros.
[GF] - Lembras-te se o Lacerda, a Casanova?
[RP] - Não...
[GF] - O preferível para vocês era ficar cá?
[RP] - Como resultado do concurso o Rui Mealha e eu ficamos no Porto. A Madalena e o Daniel foram colocados em Viseu...
[GF] - O Daniel é mais velho do que o Pedro Alarcão.
[RP] - Acho que sim.../
O Daniel vinha de Águeda, depois parava numa estação de serviço e depois o Sérgio é que normalmente levava o carro. E depois juntavam-se e iam para cima. A aula era à segunda feira, o dia inteiro, depois vinham para baixo ou dormiam lá uma noite...
[GF] - Ah.
[RP] - Para concluir aquela parte... Quando o regente formal é o Alexandre Alves Costa, estamos os dois sempre presentes, em simultâneo. É uma espécie de construção bicéfala da coisa. Bicéfala, quer dizer, ele “mandava”, mas o mandar dele era muito aberto à…
[GF] - Aberto à colaboração?
[RP] - Sim, mas mais do que isso. O clima era muito ameno, caloroso. Ele nunca exerceu a autoridade e eu sempre me senti à vontade para propor coisas ou para discordar. Foi, por exemplo, introduzir um exercício inicial que já tivesse a ver com a área de estudo, e que permitia que alunos e docentes iniciassem uma relação de trabalho que ia durar um ano inteiro. E permitia um progressivo conhecimento do aluno, encontrar formas de comunicação, de entendimento...
[GF] - Ele na altura ainda era o diretor da escola?
[RP] - Na altura, como sabes, não havia a figura de director. Havia, sim, o cargo de Presidente do Conselho Directivo, que era resultante de uma eleição.
[GF] - E quando foste monitor?/
Depois ele também não podia estar a… Tinha que confiar, delegar e colaborar com os colegas.
[RP] - Quando eu fui monitor, entre outubro de 1983 e outubro de 1985, o Alexandre creio que era membro da Comissão Instaladora.../
Eu como monitor nunca estive sozinho com os alunos.
No final de 1984, creio que em novembro, a Marta Oliveira junta-se a nós na História da Arquitectura Portuguesa.../
E enquanto estive com ele na disciplina de Projeto, eu também nunca estive sozinho. Estávamos sempre os dois. Víamos os trabalhos em comum, avaliávamos em comum.... Houve um ano que tivemos talvez para aí, 60 alunos os dois... e o modo de acompanhar os trabalhos manteve-se no essencial
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