writings on architecture, design and cultural studies (incl. cedric price, gordon pask and many other stuff)
6/23/23
Escola do Porto: Notas dispersas IX (por Gonçalo Furtado)
4.1. – Sobre Álvaro Siza Vieira (aquando celebração do seu 90º aniversário). /
“Da sabedoria humilde: Memória de conversas com Álvaro Siza Vieira”
Gonçalo Furtado, Coimbra, Junho 2023 /
I.
Álvaro Siza Veira é autor de uma obra impactante internacionalmente, de um método projectual incansável inspirador da “escola do porto”, de um desenho intenso e de uma escrita bela. Para além disso, é um homem generoso, abrangente e aberto, uma sábio humilde. A sua influência é ímpar para a visibilidade internacional da arquitectura portuguesa e para as gerações de arquitectos dos últimos 60 anos. /
Ana Silva e Bárbara Silva encontram-se a organizar um exposição na galeria Note que“… seja uma celebração dos 90 anos de Álvaro Siza Vieira e a partir de uma reflexão conjunta do que aprendemos com a sua obra (email de Silva, 30.5.2023). /
Recordo uma continuidade e multiplicidade de situações de aprendizagens. Um primeiro cruzamento na rua da Alegria, a sua aula magistral para TGOE, a sua 1ª cozinha em casa do Salgado, uma conferência sobre o Chiado, a publicação de início os 90s, a conversa televisiva com Manuel G. Dias, visita a obras na Holanda e Veneza, a vivência dos espaços da FAUP e feedback amável pelo arquitecto a uma dissertação que orientava, a frequência do atelier do Alvarinho, um par de conversas partilhadas de cigarros no seu atelier, e a tarde tranquila passada a ouvi-lo na sua nova casa. /
A extensão disponível para o presente texto não permite escrever todas as situações, pelo que desejo partilhar apenas o último par dessas ocorrido há 20 anos. /
ii.
Na altura deslocara-me ao outro lado do atlântico para conferências na Pontifícia Universidad Javeriana de Bogotá. A chegada fora marcada pelo encontro com o director Álvaro Botero, que era surpreendentemente parecido com o nosso herói português, e que me pediu que entregasse um par de fotografias deles num workshop de projecto de habitação social ocorrido em Los Andes nos anos 70. Recordo-me do sorriso esboçado pelo Siza no seu escritório, as suas memórias e a humildade com que solicitou um telefonema ao congénere com quem algures se cruzara para agradecer a foto. Mas mais, as palavras bondosas que me privilegiou ouvir nas horas seguintes acerca da importância da habitação social, da dedicação que lhe conferiu em Portugal e noutros países, e sobre África (penso que Cabo Verde). Impressionou-me como, entre cigarros partilhados, todas as suas palavras focavam, não em soluções formais, mas em primados sociais e preocupações com o ser humano. /
iii.
Por altura do meu comissariado da exposição “Tracing Portugal” na AA com apoio da Gulbenkian, tive igualmente o privilégio de usufruir do conhecimento e conselhos sábios do arquitecto maior português, entre caixotes da nova casa para onde então se mudara. /
Num primeiro momento, propus o mote da Arquitectura Portuguesa sobe o prisma da “Continuidade e ruptura”, e recebi uma sequência de esclarecimentos: /
Sobre a modernidade portuguesa e Távora: a influência desse “arquitecto invulgar”, a abertura que levou à “revisão do moderno” e a aproximação “dos arquitectos e população” no pós-revolução - “São percursos diferentes…, a influência no meu trabalho da arquitectura vernacular é muito menos directa e pura. O que se transmitiu foi uma atitude de ‘continuidade’ que questionou um latente espírito de conservadorismo que não convida o que é novo” (sic). /
Sobre o “norte e o sul”, apesar da existência de diferentes circunstâncias: “a dicotomia Lisboa-Porto é mais um invento, apenas vinda das própria realidade da produção” (sic). /
Sobre o mito das escolas: “Existiu nos anos 50/60 uma escola que melhor conseguiu contornar o aperto das pressões. Não vejo muito sentido usar o termo escola [do porto] depois, é fonte de equívocos e algum elitismo” (sic). /
Sobre o contexto pós-revolução e anos 80s: “A grande diferença pós 25 de Abril foi a dedscentralização da presença dos arquitectos para além de Lisboa e Porto…. Observo uma destruição generalizada do território. Que vale uma obra de arquitectura num território delapidado? Penso que se trata de um aspecto que não está tomado à escala devida pela muita pequenez que há na política” (sic). /
Sobre a crítica de arquitectura e o “Regionalismo crítico”: “Falando de Frampton, acho que a sua obra como crítico é de uma ‘continuidade’…. Quanto ao termo ‘regionalismo crítico’… tenho ideia de ter dito uma vez que era uma termo inconveniente…, ressalta o regionalismo” (sic). /
Sobre a questão (muito pós-moderna) da “autoria”: “Há um desentendimento do que é a palavra ‘autoria’, porque no fundo há uma complementaridade do que é a intenção pessoal ou de grupo e os meios possíveis. Sempre houve foi historicamente uma tensão e luta ideológica” (sic). /
Sobre a(s) postura(s) pós-modernas: “Hoje já não se fala no sentido superficial de estilo em pós-modernismo…, as denominações são redutoras ainda que necessárias” (sic). /
Num segundo momento da conversa, propus focarmos o comissariado que eu tinha em mãos bem como sobre a contemporaneidade e o sentido da arquitectura; tendo recebido generosos conselhos e partilha. /
Sobre a reflexão que empreendia em redor da exposição sob o título “Continuidade e ruptura”: “Como é natural não é tudo rupturas e continuidade legíveis aqui e ali…. Numa exposição de gente nova são importantes muitos aspectos; como contar com a sua dificuldade de aceder ao trabalho….. Os arquitectos já são reconhecidos e trabalham em todo o país, mas há muito mais dificuldade, muito mais burocracia e formalismo…. Há realmente condições, a tal abertura à informação, mobilidade etc. Mas em Portugal há uma coisa que é a desordem do território e que afecta a arquitectura…. Uma exposição organizada assim representa uma escolha e balanço do que se está a produzir. Tem valor documental e será também desencadeadora de debate” (sic). /
Sobre experiências de proximidade Arquitectura e Arte: “Agora está a acontecer, e é curioso como há muitos artistas a aproximarem-se da Arquitectura. Parece-me um aspecto positivo e que se opõe à tendência de total especialização…. Penso muitas vezes no surgimento de uma abertura, de relacionamento, rompendo com esse espírito terrível da especialização…. Num campo tão vasto haverá especialização, mas vejo que o desafio é o relacionamento e complementaridade em curso” (sic). /
Sobre a contemporaneidade e o tempo: “Hoje apreciamos tudo sujeito a essa vertigem do imediato, mas o tempo é o arquitecto, o tempo trabalha muito e cada vez se aceita menos a sua existência e importância. Tudo é mais intenso na vida contemporânea” (sic). /
Por fim , perguntei eu ao mestre sobre o sentido da Arquitectura: “Se pensarmos na vida de um arquitecto e os seus tempos de institucionalização, as gerações que exponho são muito jovens. Após uma vida e a notabilidade que esta lhe conferiu, para que é que lhe parece que serve a arquitectura e porque é que faz arquitectura?”. Rematou Siza Vieira: “Em princípio faz-se para a pessoas viverem melhor… ou às vezes pior não é? (risos). Por outro lado, o interesse por construir faz parte da natureza humana e suas necessidades, concentrando-se em pessoas que são insubstituíveis para isso.… Se calhar em cada arquitecto existe o desejo que não fosse necessário arquitectura. Mas, por exemplo, aqui há uma ânsia de construir no centro histórico e não é necessário…. (Há pouco falávamos de autoria, e há situações em que também não se percebe que isso não é necessariamente inovação. (Recordo que o meu ‘Plano do Chiado’ que atendeu o centro histórico como um todo arquitectónico foi atacado de pastiche” (sic). /
iv.
A vida do homem Siza Vieira é uma lição de superação permanente, de sabedoria humilde e de bondade para com o outro ser humano. Recordo com admiração respeitosa, os
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