1/10/21

Departamento Cultural da AEFAUP

 

Partilha, 

a pedido do Departamento Cultural da AEFAUP

Gonçalo Furtado, Janeiro 2021

 

 Solicita-me o Departamento cultural da AEFAUP que partilhe com a comunidade escolar um série de interesses/influências/sugestões.

 

Vi recentemente o FILME sobre Hannah Arendt de Margarethe von Trotta, filme que integrou a selecção oficial de 2012 do “Toronto International Film Festival”. A filósofa integra o leque de pensadores referidos em “Teoria 1”, designadamente a aula que dedicamos à Escola de Frankfurt (bem como à Fenomenologia), atendendo a que ilustra de forma exemplar o que deve ser o “pensamento crítico”. Após ser discípula de Heiddegger, Arendt analisou o totalitarismo, e enojou-se com o discurso daquele na qualidade de director de Faculdade de Berlim. Já nos EUA, cobriu o julgamento do nazi Adolf Eichmann, pretexto para alertar para a perversão de uma “banalidade do mal” em “A condição humana”.

 

Tenho dificuldade em selecionar um LIVRO das minhas estantes. Mas acabo de passar os olhos pelo pequeno livrinho “Fernando Pessoa: Biografia ilustrada”, da falecida licenciada em filosofia Paula Balreira, oferecido pela sua prima ao meu filhote de 9 anos. Andando a dedicar os últimos anos a escrever sobre arquitectura Portuguesa do século XX, Fernando Pessoa (1888-95) é uma referência incontornável. Neto de Governador civil do Porto, passou a sua infância perto do Chiado e, depois, viveu na África do Sul com o padrasto, só regressando aos 17 anos. Foi influenciado por modernistas (Joyce, Pound, Eliot etc) e estudou na Biblioteca nacional tanto os filósofos gregos (pré-Socráticos, Aristóteles e Platão) como os Alemães (Kant e Hegel). Envolveu-se com o círculo intelectual Lisboeta do café “Brasileira” e do “Martinho da Arcada”, designadamente na discussão sobre as novas ideias Futuristas e Modernistas (Marinetti, Picasso, Nitsche e Freud). Desistiu da Universidade, foi correspondente estrangeiro, tradutor, e publicitário (Coca Cola etc) e editor das revistas Athena, Seleçcão, e sobretudo da Orpheu (fundada com com Mário Sá carneiro, Amadeo Souza Cardoso e António Ferro etc) responsável pela introdução do Modernismo em Portugal. Virgem aos 30 anos, teve como namorada Ophélia Queiroz. O seu único livro publicado em vida em Português, foi “Mensagem” de 1934. Morreu um não depois, tendo recebido o Prémio Antero Quental do Secretariado da Propaganda Nacional. A sua vida foi contemporânea á primeira Guerra Mundial, ao governo de Sidónio Pais assassinado em 1918, mas também à censura do Estado Novo de 1933 justificando a autoria de poemas anti-Salazaristas. Deixou uma arca de madeira com obra vasta e escrita com heterónimos.

 

Sobre DISCOS, poderia partilhar uma memorabilia heterogénea que passa por Sex Pistols, Gil Evans, Naked CIty, Laurie Anderson, Portished, Jeff Buckey, Interpol, etc.. Mas o último disco que comprei foi há 1 mês no “Jazz ao centro”, da jovem formação experimental “Chamber 4”, composta por Luis Viriato (Trompete), Valetim Ceccaldi (Cello), Théo Ceccaldi (Violino) e Marcelo dos Reis (guitarra preparada). “Live at Ler devagar /LX factory de Lisboa”, a 17 de Maio de 2013, editado pela FMR Records em 2015. Já no que tange a uma MÚSICA singular, passei o “ano-novo” a ouvir a ouvir “Mama Rose”.

 

O meu ARQUITTECTO de eleição é, como esperarão, Cedric Price, maverick da arquitectura Inglesa. Estudante com Korn, foi autor do notável “Fun Palace”, estudando por Mathews. Mas também do “Generator”, que investiguei no MoMA de Nova Iorque e no CCA de Montreal, que publiquei pela Semear palavras; e que  então expusemos na FAUP. Ou ainda “Japan Net”, sobre o qual também publiquei investigação, no IIAS da Alemanha. Price era um “labour”, e defendia o que denominava por “antecipatory architecture”, projectando com a máxima “Technology is the answer but what was the question?”

Em termos de um PROJECTO singular, não posso senão salientar a FAUP, numa altura do seu 40º aniversário. Este projecto da autoria de Álvaro Siza Vieira e acompanhamento de Adalberto Dias é, sinteticamente (e parafraseando Alves Costa), a mais bela escola do mundo. O programa/projecto foi acompanhado por uma comissão que integrava, entre outros, Alves Costa e Domingos Tavares, tendo atravessado várias fases. Possui uma configuração espaço-funcional que oportunamente analisámos (com Tatiana e Miguel Serra), por “space sintax”, trabalho de análise este autorizado pelo autor. Projecto e espaço que é, em si, um manifesto pedagógico. Poder-se-ia questionar a divisão dos anos curriculares por torres ou das turmas em salas/”ateliers”. Mas sobressai do projecto, a verdadeira “learning street” (Hertzberger de galerias e espaços de uso colectivo que, permanentemente, que nos recorda o desejo de uma “Escola do Porto”. Desejo que nos deve inspirar, sobretudo em tempos de mudança intermediados pela instabilidade do confinamento/Covidis. Uma espacialidade que nos acolhe pela manhã (com inesquecível luz), que nos abraça paternalmente como família, e que sempre nos surpreende incentivando a indagar as potencialidades do melhor futuro.

 

Já no que tange a Arte, o meu ARTISTA predilecto é o fotógrafo Robert Frank. Ainda que, em termos nacionais, tenha escrito nesta última década sobre artista amigo, de nome António Azenha. Trata-se de artista com vasta obra de performer, que vive como professor do ensino secundário. Gosto em particular da sua linha escultórica, que remota à obra “Pião”, e que recicla e re-significa brinquedos de crianças. Recorda-nos um imaginário de sonho e criatividade, que por vezes esquecemos na submersão do quotidiano. Sugere também paralelos com a Arquitectura, aludindo a espacialidades onde decorre a vida – da casa na primeira infância, ao pátio, à escola, à urbe e à pólis. Propõe o fascínio do sonho para lá da crueza do real, um apelo ao infinito potencial por detrás do universo da Arquitectura. Abertura deveras pertinente em tempos de covidis, bem como de mutação da nossa (já com 40 anos) escola/Faculdade.    

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