2/12/25

CONVERSA SOBRE ESCOLA DO PORTO _ JULHO 2020 José Quintão (com Gonçalo Furtado.)

CONVERSA SOBRE ESCOLA DO PORTO _ JULHO 2020 José Quintão (com Gonçalo Furtado). I./ [Gonçalo Furtado] - Bom dia professor José Quintão./ Propunha que a primeira parte da nossa conversa tivesse a ver com a sua tradução de um trabalho importante. Mais concretamente trabalho relacionado com um tese feita no MIT, por um aluno de ascendência portuguesa - Peter Testa./ Penso que algo relacionado com essa tese foi também publicado numa revista americana etc./ (A referência do/ao Frampton, sendo teoricamente mais complexa…)./ Vivia-se um clima de internacionalização da arquitetura do Siza. Mas, também, de construção de identidade da escola do Porto. A faculdade logo entendeu ver esse trabalho traduzido. Tratava-se de um escrito seminal./ Ora, a tradução do inglês foi feita por si. Mas como é que surgiu essa encomenda; como é que foi essa experiência; como é que decorreu o trabalho de tradução? [José Quintão] - Já perdi a conta aos anos que isso foi, mas foi em…/ [GF] - Meados de 80. [JQ] - Sim, porque eu entrei para as Belas Artes suponho que no ano de 1981/82, ou por aí. Na altura penso que o Pavilhão Carlos Ramos ainda estava em construção./ Nessa altura… já lá vão quantos anos? [GF] - Mais de 30. JQ: Nessa altura pouca gente sabia inglês, devo dizer. [GF] - Quase 40. [JQ] - Pois é isso… pouca gente sabia inglês./ Hoje não, qualquer aluno sabe inglês, não sabe francês, coisa que no nosso tempo, digamos na minha geração… [GF] - Claro, era mais francófona. [JQ] - Era mais francófona, exato./ E eu sabia inglês porque nasci e cresci em Moçambique, e convivi com pessoas de África do Sul.. Eu desenrascava-me bastante em inglês./ E tenho impressão que foi o Zé Salgado que perguntou… Não tenho a certeza, mas sei que o Zé Salgado depois reviu o texto./ Eu fui quem traduzi. Para tal, encontrava-me aqui, na casa cor-de-rosa, como o Peter Testa. Várias vezes. [GF] - Ele era um jovem. [JQ] - Pois. E eu era um jovem também, na altura. Também era./ Bom, e encontrávamo-nos porque havia coisas que eu não entendia no texto. [GF] - Na altura o José Quintão teria que idade? [JQ] - Nessa altura eu tinha 40 e poucos anos./ Eu nasci em 1940. Tinha menos 40 anos quase. Tenho quase 80 anos. [GF] - Ele era muito mais novo que o José Quintão? [JQ] - Ele era mais novo do que eu./ Na altura isso foi muito produtivo. Porque era uma simpatia o homem, e ajudava-me a traduzir. Ele não sabia nada de português, mas… [GF] - Nada, nada? [JQ] – Quase, quase nada, de maneira que às vezes eu sentia-me…/ Às vezes tinha dificuldade em alguma parte da tradução e, dado que sabia inglês, perguntava-lhe. Penso que o livro está bem traduzido nesse sentido. [GF] - A ascendência dele era portuguesa… da parte do pai ou da mãe. [JQ] - Não sei. Não sei se é daí que vem o “testa”… [risos]./ Ele sabia algumas coisas em português. Simplesmente./ É neste sentido que digo que o livro está bem traduzido. Isto é, devido à muita troca de pontos de vista e opiniões. De saber, ou de não saber palavras e ir ao dicionário, e perguntar-lhe se seria assim ou assado. Nesse aspeto, eu acho que a coisa está bastante conforme com o que ele pensava. [GF] - Encontravam-se presencialmente? [JQ] - Exatamente. Várias vezes. [GF] - Não era por correio, nem por telefone? [JQ] - Não, não! Era cara a cara, ali na casa cor-de-rosa. [GF] - E o que é que era o documento que chegou às mãos do José Quintão? Como é que era, era um manuscrito num envelope? [JQ] - Tenho impressão… [GF] - Continha muita página? Continha a tese? [JQ] - Tenho impressão que era um livro já. Não me lembro. [GF] - Podia anexar o artigo publicado na América, ou também o texto em formato Tese. [JQ] - Ou até eventualmente papéis soltos. [GF] - Pois./ Foi rescrito ou traduzido em relação a um original que ele tinha feito? [JQ] - Não faço a mínima ideia. [GF] - E quem foi a direção que pediu para a tradução? [JQ] - O José Salgado. Foi ele quem depois fez a revisão do texto. [GF] - Porquê o professor José Salgado? [JQ] - Se calhar, porque era cunhado do Siza, não sei… [risos]. Esse é um homem das letras e da História./ E éramos muito poucos na altura, também é preciso não esquecer isso, não é? Éramos meia dúzia! Há 40 anos quantos que eramos? Éramos muito poucos. [GF] - Coincidiu com a direção do professor Alexandre Alves Costa? [JQ] - Eu não sei se ainda não era a do José Grade. [GF] - O José Grade? [JQ] - Sim, ele foi parte da direção da Escola de Belas Artes enquanto estávamos lá, isso não tenho dúvidas. Aliás, eu andava sempre com ele. Assessorava-o, não oficialmente, mas muitas vezes. [GF] - O José Salgado fez a revisão. [JQ] - O Zé Salgado é que fez a revisão do português. [GF] - E o José Grande estava próximo de si… [JQ] - Eu tenho a impressão que foi o Salgado, o Alexandre, e o Sérgio. [GF] - Ok. E como o José Quintão dizia, eram poucos. [JQ] - Eu sei é que a coisa veio ter comigo, porque eu sabia inglês. [GF] - No decurso da tradução, empreendeu-se, presencialmente, a aferição de questões envolvidas. [JQ] - Foi interessante./ O trabalho de tradução não me custou muito. Quer dizer, custou-me um bocado, como é óbvio. [GF] - Deve ter custado, até pela dimensão. [JQ] - Não custou muito na medida que eu tinha o autor para me explicar as dúvidas, através de outras coisas. As palavras que eventualmente eu não percebia. [GF] - E era um autor novo e disponível. [JQ] - Era muito simpático, uma simpatia. Gostei muito de fazer o trabalho. [GF] - Foi uma coisa que se prolongou meses? Ou ago que chegou e foi assim de rajada? [JQ] - Durou 2 ou 3 meses. Era feito com muita calma. Acho que foi 2 ou 3 meses, 3 meses bem contados. [GF] - Foi uma encomenda oficial da faculdade. [JQ] - Sim, sim. Eu sabia que estava a fazer a tradução para um livro. [GF] - Um livro a editar. [JQ] - Falaram-me se eu era capaz de fazer isso… Eu, não sou tradutor e acho que cada profissão tem os seus meandros. E era uma tese. Mas dado que eu ia falando com ele, e ele me percebia, eu fiquei descansado. [GF] - Era possível de aferir, até particularidades do inglês. [JQ] - Acho que não é o caso de um tradutor que trai a tradução, percebes? Nesse aspeto, acho que sim. [GF] - Essa foi validada, de alguma forma pelo Peter Testa. E ele próprio usufruiu da oportunidade de ter essas conversas como tradutor./ Foi isso, de um lado e do outro. [JQ] - Sim, sim. [GF] - Para o seu lado, facilitou. Para o dele também, porque pode acompanhar o trabalho de tradução. [JQ] - Sim, sim. Aliás, eu aàs vezes dizia-lhe em português. Ele também não percebia muito bem, mas depois acabava por ser uma coisa quase… [GF] - Com alguma interatividade. [JQ] - Foi uma coisa muito interessante./ Eu gostei muito dele. Ele era uma pessoa extremamente acessível, e muito educada [GF] - Voltou a estar com ele depois disso? [JQ] - Eu tenho impressão, que depois… passados muitos anos. De raspão, porque ele esteve aqui. Foi assim de raspão e não tivemos tempo para falar. [GF] - Ah. [JQ] - Sabes que o mais engraçado é que eu me tinha esquecido completamente disso (tradução), e falam-me do livro. Mas que livro? [risos]/ Tenho um exemplar na estante, mas nunca mais me tinha lembrado. Foi há quase 40 anos! [GF] - Pois, mas a tradução desse livro, constitui um momento importante, como eu estava a referir. Coincide com um período importante. E, quiçá, associado a uma ideia estratégica, consertada de internacionalização da Escola./ O escrito surgira num momento preciso, relacionava-se com uma tese que fora orientada por um teórico importante, chamado Stanford. Não sei se teve essa ideia? [JQ] - Não sei. [GF] - E atenda-se que o conceito de regionalismo crítico, de Frampton, tinha surgido em 1983, portanto tinha acabado de surgir. Aquilo. Pode-se pôr em causa a ideia de regionalismo… [JQ] - Uma das coisas que ele me disse, e que mais me impressionou, sabes o que foi? Que nós aqui eramos arquitetos cheios de sorte./ Eu perguntei-lhe porquê?/ E ele disse: Porque vocês aqui quando constroem, quando vos entregam um projeto, vocês sabem para o que estão a construir. [GF] - Ah. [JQ] - Nos Estados Unidos constrói-se o edifício e, de repente, vendem-no para um fabricante de sapatos, depois vendem para uma manufatura. Ou depois vendem para um historiador ou outro arquiteto. De maneira que, a pessoa lá só faz o invólucro e, depois, dentro é o que for./ Nunca mais me esqueci desta! [GF] - Ah. [JQ] - Para nós… aquilo era uma coisa do outro mundo. Nós aqui fazíamos a casa do fulano tal, a faculdade de Arquitetura, não sei o quê mais, percebes? E foi das coisas que mais me impressionou na altura, quando ele me disse que lá (EUA) cada um mudava como queria o interior. Que no fundo se tratava de uma obra de fachada. Era o que ele me dizia, não é?/ Mas pronto, isto tem a idade que tem, quase 40 e tal anos como te digo. [GF] - Ele na tese aludiu também de uma teoria que seria dos anos 70/80./ Há também escritos desse orientador./ Buscava-se a construção de uma postura arquitetónica, quiçá indagando a necessidade de uma nova metodologia. [JQ] - Sim. [GF] - E, portanto, tinha ali referências teóricas fortes./ Na altura esse trabalho foi importante. E fascina ter sido logo traduzido./ Dá a ideia de que, consciente ou inconscientemente, terá sido estratégico. [JQ] - Já foi há muitos anos./ Como te digo, tenho o livro na estante, e é uma coisa impressionante como me esqueci completamente. [GF] - Foi uma trabalheira. [JQ] - Foi, eu estive para aí a traduzir…. Não era um artigo, era um livro. [GF] - Eu saliento o significado que esse possui. [JQ] - Sim, sim./ II./ [GF] - Para enquadrarmos dentro da própria história da Escola, esta coisa relevante... Como entende a escola nesse período dos anos 80? Já se estava na transição para a FAUP. [JQ] - Ora bem, nessa altura… Já havia aulas aqui./ Comecei a dar aulas aqui também. Enquanto dava aulas de projeto de 1º ano em Belas Artes, dava aulas aqui ao 3º e 4º ano, de Teoria e história, e de Teoria da arquitetura contemporânea./ Havia três anos de Teoria da arquitetura. Era o Manuel Correia Fernandes, que era encarregado disso./ E, ele pediu-me se eu fazia um dos anos. E eu fiz- um dos anos, que era o que estava no meio. (Agora não te posso afiançar se era no 3º ou no 4º ano, mas no 5º ano não era). [GF] - O Manuel Correia Fernandes dava alguns dos anos. [JQ] - Ele daria dois, e eu daria um. [GF] - Ele dava cadeiras aos dois anos, restantes. [JQ] - Dois anos, a mesma cadeira dois anos. [GF] - Tinham uma organização cronológica. Ele ia talvez ao século XX. [JQ] - Ele dava cá aulas./ E eu, durante 4 anos, dei em primeiro ano de Composição de Arquitetura, que era como se chamava. E essa de Teoria aqui./ Entretanto, quis fazer Doutoramento. E fiquei só com a Teoria; e depois entrei na História da Arquitetura Portuguesa. Foi assim. [GF] - A Teoria da Arquitetura Contemporânea, portanto./ Houve um convite do Correia Fernandes, que daria outros dois anos. Em princípio não havia mais colegas nessa coluna digamos. [JQ] - Em princípio não. [GF] - E era a contemporaneidade do século XX. [JQ] - Sim, era o contemporâneo, do século XX. [GF] - Havia uma organização cronológica, correspondia-se a um período./ Lembra-se qual era o programa? [JQ] - Lembro-me mais ou menos, vagamente./ Nessa altura andava já com as questões das semióticas, era uma novidade. [GF] - Exatamente. [JQ] - Andava nas semióticas, nos significados. E era muito vocacionado para esse aspeto. [GF] - Ah. [JQ] - Já o Correia Fernandes teria outra Teoria./ Nunca assisti a nenhuma aula dele, porque tenho impressão que as aulas coincidiam. Portanto, nem podíamos assistir às aulas um ao outro./ E depois nos outros dias, em que dava outra Teoria… Eu estava em Belas Artes a dar Composição, a dar Arquitetura./ Portanto, ele nunca assistiu às minhas aulas, nem eu às dele. [GF] - O José Quintão tinha esse fascínio, mais estruturalista, digamos assim. Pela semiótica. [JQ] - Era mais isso./ Repara que eu também estava a começar na altura, não é? E interessava-me muito pelo significado das coisas, ou dos significantes. Isso ainda hoje anda um bocado… [GF] - Claro, nos anos 80 e 90 (pós-estruturalismo etc). [JQ] - Mexo-me nisso: tentar perceber o que é que as coisas querem dizer, não é? Mas por exemplo, o Zé Salgado não acreditava minimamente nisso. [GF] - Ele era historiador, focava-se num tempo./ Não se queria uma estrutura. [JQ] - Não./ E damo-nos muito bem ainda hoje! Mas, na altura andávamos sempre aos desencontros na conversa. Por causa dessa questão das semióticas e não sei bem o quê mais. [GF] - O Salgado dava História./ III./ [GF] - Foi Teoria. Deu Arquitetura Contemporânea. E depois, a seguir, foi para História da Arquitetura. [JQ] - Depois fui para História da Arquitetura Portuguesa. [GF] - Logo depois desses 4 anos? [JQ] - Sim, foi./ E, depois, tive dispensa de serviço… depois ainda tinha meio ano de serviço./ Depois, fiquei regente duas vezes e meia da História da Arquitetura Portuguesa. Porque uma metade fui eu e a outra metade foi a Marta. E depois ainda fiquei regente um ano inteiro, porque o Alexandre tinha sabática, e a Marta também. Tinha outra coisa qualquer. [GF] - Aí eu já devia estar aqui. [JQ] - Depois, entretanto, fiz o Doutoramento. E fui o regente da cadeira. Dado que, entretanto, o Alexandre jubilou-se, não é? Eu sou mais novo do que ele um ano e pouco./ Depois, entretanto, o Domingos Tavares também tinha dispensa para fazer não sei o quê, e pediu-me se eu lhe dava aulas… Mas, isso já foi na… [GF] - Na História da Arquitetura Moderna. [JQ] - Na História da Arquitetura Moderna, exatamente. Aliás, devia ser da “Idade Moderna”, e não “Moderna”. [GF] - Portanto, deu a História da Arquitetura Portuguesa e, depois, deu a História da Arquitetura Moderna. [JQ] - História da Arquitetura Moderna, sim. [GF] - Pois, eu estava cá. [JQ] - Dei aqui na FAUP, durante dois anos. [GF] - Também passou por Coimbra. [JQ] - E, durante um ano, em simultâneo, dei também em Coimbra. Substituindo o Domingos Tavares; bem como substituindo o Paulo Varela Gomes, do segundo ano. Durante um ano. [GF] - Em Coimbra, era História da Arquitetura Moderna é? [JQ] - Era a História da Arquitetura Moderna do Domingos. E a História da Arquitetura Antiga e Medieval do Paulo Varela Gomes. [GF] - Que era uma novidade para si. Mas como estava sempre me conversa com o Salgado já sabia a matéria. [JQ] - Eu sempre gostei muito do Salgado. Aliás, ele é uma delícia de pessoa. E a Teresa Siza também. [GF] - Houve uma altura que eu andei pela India. A primeira vez fui com uma namorada que tinha quando entrei para a faculdade e tivemos de regressar./ Nessa altura, já claro o Varela Gomes tinha largado de estar à perna com a crítica à Escola do Porto. Refiro-me a período inicial com o regresso de Inglaterra. Depois andou pela India, voltou…. a dar aulas em Coimbra. JQ: Ah, sim. [GF] - Foi uma personagem que estabeleceu uma relação com a Escola interessante. Num primeiro período, chegado de Inglaterra panflletava acho um bocado um pós-modernismo mais próximo de Lisboa e de um suposto cosmopolitismo. E depois, tem um período de interregno, em que faz quase mea culpa, e reconhece valor ao vector de resistência neomoderno dos arquitectos do Porto na história. [JQ] - Sim, sim. Fez aquela crítica… [GF] - Ah. [JQ] - No início ele vai para uma história mais antiga, na qual se sentia confortável. E, depois, vai focar o Barroco e faz…/ Eu assisti ao doutoramento dele em Coimbra, não é? [GF] - Deve ter sido o primeiro não arquiteto a fazer o doutoramento sobre Arquitetura em Coimbra? [JQ] - Foi o primeiro não arquiteto a fazer o doutoramento sobre Arquitetura em Coimbra. Sobre as Capelas, ou Igrejas, Barrocas. Aliás, é muito interessante o ponto de vista dele. É muito bonito, porque não é de arquiteto e a gente sente isso. E é muito bonito, porque ele vê coisas que nós não vemos. [GF] - Tinha um grande conhecimento da história. [JQ] - Além de tudo o mais, era uma criatura invulgar./ IV./ [GF] - José Quintão, e como é que recorda estes períodos, no que tange ao ensino? [JQ] - Não estaríamos no tempo da Comissão Instaladora? [GF] - Sim, até 1984. [JQ] - Até 1984, era isso. [GF] - Portanto, com o professor Fernando Távora./ Como é que viveu o ensino da Arquitetura neste período? [JQ] - Sabes que eu estive em várias cadeiras. Aliás, eu dei aulas a todos os anos./ Só me faltava dar ao 2º ano… (A História passou para o segundo ano quando já estava a ser regida pelo Zé Miguel). [GF] - Ah. [JQ] - E depois, também dei uma cadeira de 6º ano que passou para o 5º ano; que era o Seminário. Foi o melhor tempo da minha vida, porque eu não tinha que dar notas. Era uma delícia. Era tudo à volta de uma mesa, a discutir-se arquitetura. A discutir, digamos, um tema, e a falar sobre o se pensava sobre o mesmo. E havia convidados, que também vinham falar. [GF] - Era o Seminário. [JQ] - Foram dos melhores anos da minha vida, não ter de dar notas é uma maravilha, não é? Eu toquei os instrumentos todos praticamente. Mas perguntavas se eu dei por grande diferença ao longo dos vários períodos? [GF] - Em termos do ensino, existiram distintos Planos de Estudo. [JQ] - Passou-me sempre um bocado ao lado, devo dizer. [GF] - Ah. [JQ] - Por acaso, nesse aspeto, acho que fiz sempre asneira. Andava demasiado assoberbado. Andei muitos anos a fazer o doutoramento, sabes? Isso também me exauriu bastante./ Meu filho, nem tudo são rosas, não é? [GF] - Projeto, Teoria, História./ Como é o ensino da arquitetura desde essa altura? [JQ] - Neste momento, não tenho feedback nenhum. Agora, o que eu acho, a sensação que eu tenho, é que as cadeiras chamadas teóricas estão a cair em desuso, e é isso que considero muito grave. Pergunto-me: qual é a sustentação de um futuro arquiteto…? [GF] - Mas em determinado momento do percurso ocorreu um robustecimento dessas áreas, não foi? Começou a haver cadeiras mais definidas, complexas, ou pelo menos montadas de uma forma mais estruturada, e com objetos mais definidos. [JQ] - Eu vejo que há. [GF] - Antes já havia, e.g. o Távora dava cadeiras de ampla cultura. [JQ] - Eu acho que, não sei, mas dá-me sensação que o Projeto está a ter uma predominância avassaladora. Mas é a impressão que eu tenho. [GF] - Mas, não teve sempre? Desde que o José Quintão dava aulas? [JQ] - Acho que sim. Mas, apesar de tudo, havia uma contenção. Acho que havia uma certa contenção./ Repara que eu estive durante uns anos no Conselho científico, não é? Enquanto fui assistente do Alexandre e, depois, ainda me mantive. Mas, eu acho que a teoria é fundamental. [GF] - As cadeiras teóricas. [JQ] - As cadeiras teóricas, quando digo teoria é sem ser projeto só puro e duro. [GF] - Mas acha que devia haver cadeiras de Teoria? [JQ] - Eu acho que sim./ Então, uma pessoa faz um ângulo agudo em vez de ser um obtuso e ou um reto, porquê? É tão simples quanto isso. [GF] - Já agora, quando deu aulas de teoria e história, teve diferença entre uma coisa e outra? [JQ] - Acho que teve. Eu dei. [GF] - A Escola tem tido uma coluna de história e uma de teoria. [JQ] - Eu só dei aulas de Projeto ao primeiro ano. Portanto, nada de confusões. E, na altura em que comecei… já para o final, os dois últimos anos - que foram coincidentes com lecionar Teoria e com lecionar Projeto - eu sentia que os alunos tinham dificuldades em compreender-me no primeiro ano. E comecei a pensar se o defeito seria meu, ou deles. [GF] - Ah. [JQ] - Era meu, porque comecei a falar num tom mais elaborado e eles ficavam um bocado “à rasca” a olhar para mim. Eu penso que foi isso./ E tanto assim que eu disse que não queria mais dar Projeto. Porque se calhar prefiro conhecê-los através do que pensam, mais do que através daquilo que fazem… ou, porque é que o fazem. [GF] - Ah. [JQ] - E foi sempre isso que me interessou./ É o que eu te digo, porque é que (o projeto) há-de ter uma curva ou um ângulo reto, ou ter um ângulo agudo? É porque nos dá na telha? É, mas porquê? Se calhar há qualquer coisa que querem significar. E foi nisso em que me “licenciei”. E, de facto, nunca mais estive a dar Projeto. [GF] - Mas o facto de existirem colunas de história e de teoria etc, é também uma especificidade do nosso ensino, associado a um intenso ensino prático. [JQ] - Sim. [GF] - Damos maioritariamente cadeiras teóricas de História e Teoria, com componente prática. [JQ] - Dizia-se muito em reuniões, lembro-me perfeitamente. [GF] - Cito “Theory is everywhere”. [JQ] - Havia quase um lugar comum: se não há teoria sem história, não há história sem Teoria./ Que dizer, a gente quando diz que está a dar uma História da arquitetura não somos historiadores, nós estamos a dar é o que eram os conceitos. Porque é que se fez o Manuelino? Porque é que se fez o Gótico? Porque é que se fez o Renascimento ou o Barroco? Tem a ver com o conceito atrás disso tudo, não é só porque : agora vamos fazer Barroco. Isso não dá! [GF] - Ah. [JQ] – Portanto, as mentalidades da história, vão evoluindo. Que é, como, o que se vai fazendo. É assim e não assado, não é?/ E, portanto, com todos os sobressaltos: nós não somos historiadores de maneira nenhuma. É aliás, o que dizia sempre o Alexandre, e diz. [GF] - Ah. [JQ] - E honra lhe seja feita, foi um grande impulsionador, e grande criador salvo erro, da História da Arquitetura Portuguesa./ As aulas dele eram maravilhosas. E eu lembro-me perfeitamente de assistir a imensas aulas dele, e assistir ao interesse que ele dava. E repare-se, aquilo não eram dados históricos, “1700 e troca o passo”…/ Aliás, às vezes eu, ele e a Marta, começávamos no gozo no intervalo: “Opá disseste 1600 troca o passo e é 1648”. Quer dizer, isso era para a laracha! - Isso, para um historiador se calhar era importantíssimo, para nós não é. Aliás, até costumo dizer: a gente vê muitos claustros do século XVIII em Portugal, e que se não tiveres notícias, olha para aquilo como sendo do século XVII - purinho, não é?/ Portanto, interessa o conceito, e o que a forma nos diz do mesmo. A forma é que nos vai ensinar ou nos vai alertar, não é? Independentemente do ano em que é feito. [GF] - Estas matérias de pensamento, relacionamento com as formas, possuem muita importância. E o projeto tira muito benefício disso. [JQ] - Não quero meter-me... Sei o que senti nos últimos anos do meu ensino. Portanto, repito tive 8 anos. Nos dois últimos anos das minhas aulas de Projeto, eu senti que estava com um vocabulário mais elaborado, e que os alunos ficavam a olhar para mim, pelo que eu tinha de repetir duas ou três vezes. Depois, dei-me conta que tinha de baixar, digamos, o nível de apreensão para eles perceberem. [GF] - Ah. [JQ] - E, depois, interessei-me muito mais por isso. E depois, também, entrei no doutoramento./ Como te disse.

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