writings on architecture, design and cultural studies (incl. oporto school, portuguese architecture, critical project, drawings and photografphy, cedric price, gordon pask, and other stuff...)
2/10/25
“Do último quartel do século XXI ao primeiro quartel do seculo XXI, uma atenção a transformações disciplinares”.
Um prefácio “Do último quartel do século XXI ao primeiro quartel do seculo XXI, uma atenção a transformações disciplinares”.
Gonçalo Furtado.
i.
“Do último quartel do século XXI ao primeiro quartel do século XXI, uma atenção a transformações disciplinares…” é a forma como intitulo texto de prefácio ao presente livro de Victor Neves./
O autor licenciou-se pela ESBAL em meados dos anos 80 e doutorou-se em curso dirigido por Josep Muntahola na UPC. É autor de obra diversa, como a Marginal de Esposende de 2006, equipamentos de ensino de 2000 e 2008 ou hospitalar em 2002, bem como da Casa em Olhão de 2016 que surge mencionada no presente livro Exerceu docência de projecto na Universidade Lusíada de Lisboa até jubilação em 2025. Foi editor de publicações como as revistas “Arq/a” ou “Sebentas de arquitectura”, bem como da plataforma digital “Archallenge”. É autor de vários livros, incluindo acerca da sua obra projectual, ou teóricos como “In-out: A porta da arquitectura” em 2022, ou uma série de pequenos livros-manifesto versando temática urbana dos quais se prevê sequelas no futuro./
Desde finais do último século mantive múltiplos contactos com o Victor, incluindo aulas, master classes, lançamentos, debates ou mesas redondas, júris académicos, comissões editoriais ou científicas, bem como relacionados com artigos por mim autorados, quer seja a propósito da “geração de 90” em 2000, ou das 2 primeiras décadas do século XXI em 2018, etc./
As transformações disciplinares ocorridas em Portugal, estendem-se desde o associativismo, à multiplicação das actividades de exercício profissional, ao ensino, à actividade das publicações periódicas, bem como ao interesse pelas temáticas da cidade e arquitectura no domínio público De facto, no último quartel de século, a AAP evoluiu para uma Ordem, a quantidade de profissionais triplicaram, o ensino e formação evoluiu massivamente para mestrados e doutoramentos, e diversificaram-se vertentes de actividade disciplinar incluindo exponencial investigação./
Acresce que muito relevou o papel exercido por publicações periódicas que, em Portugal, procederam o pioneirismo de revistas como a “Arquitectura portuguesa” (1908…) ou mesmo a “Arquitectos” do SNA (1938-48); bem como de revistas após meados do século como a “Binário” e sobretudo a “Arquitectura” já criada em 1928 e dinamizada por Nuno Portas entre 1957-61. Sucederam-se, no último quartel do século, o “Jornal dos arquitectos” da AAP e a bilingue “Architécti”. Sendo com o avanço para o século XXI, que a primeira evoluiria para a revista “JA”, verificando-se ainda uma multiplicação de novas revistas como a “Arquitectura +”, a “Arquitectura e construção”, a “Arquitectura e vida” ou a “Arq/a”./
Período pois de meio século, em que os conteúdos publicados evoluíram desde uma preferência por desenhos de projecto e uns poucos textos que raramente passavam de informações técnico-constructivas e memórias descritivas, rumo a uma sofisticação teórico-critico maturada ao longo do último quartel do século XX por um pequeno grupo de profissionais nacionais. E daí até ao final do 1º quarte do século XXI, se constatou uma considerável especialização: numa critica sofisticada, na diversificação curatorial, e numa exponencial investigação actualizada./
Já em teremos do ensino, em meados do último quartel do século XX, constata-se alguma oposição ideológica das duas escolas de Belas artes públicas, aproximando-se a mais cosmopolita do ecletismo pós-moderno, e a mais regional do neomodernismo apto a menores encomendas e manutenção de um enfoque tectónico-social. Oposição, de resto, que bem expressa ficou no par de exposições ocorridas nos anos 80. Mais cumprindo mencionar, com o avançar para fim do século XX, tanto a ocorrência de massificação no ensino privado, como diverisificação de referências por via do Erasmus, e ainda um acesso imediato á informação global por via da disseminação da Internet./
No período pós-revolucionário dos anos 80, estudantes como Victor Neves frequentavam uma ESBAL dirigida por Tomás Taveira, mas onde também contactavam com arquitectos distintos e que marcadamente os influenciaram (e.g. Carrilho da Graça, etc). Em tal ambiente artístico lisboeta, não deixam então de indagar sobre o papel do arquitecto num país com os novos horizontes da eminente integração europeia. Tanto consciencializando o resvalo do pós-modernismo para um historicismo superficial, como imaginando a organização de ateliers que lidassem com as novas encomendas, a industrialização do sector da construção, a crescente especulação imobiliária e o consumo mediático./
Victor, cedo publicou no predito “Jornal dos arquitectos” o seu primeiro texto (em coautoria com Consiglieri(, bem como um seu primeiro projecto. Sendo que, mais tarde assumiu a direção da predita revista “Arq/a”. Projecto editorial impulsionado pelo jornalista Edmundo Tenreiro e pela gestora Maria Rodrigues, e caracterizado pela interdisciplinariedade – (da arte e design à arquitectura e urbanismo) - como denuncia o subtítulo “revista de arquitectura e arte”. Por outro lado e sobretudo, projecto editorial caracterizado pelo então desejo de superar a dificuldade de divulgação das obras e ideias-textos dos crescente comunidade de jovens arquitectos que chegavam - à margem dos consagrados - à qualificada produção arquitectónica nacional./
Foi assim que em 1999 se ensaiou um número “0” experimental, ao que em 2001 se seguiu um número 1, então ainda com fotolitos. Nesta primeira fase da revista, os editoriais pelo Victor eram caracteristicamente acompanhados por esquissos do Victor, optou-se por conteúdos mais diversificados que temáticos, incluindo projectos de matriz minimalista assinalando uma diluição do anterior distanciamento entre arquitecturas do Porto-Lisboa, bem como textos de opinião crítica./
Mais sendo que a revista foi adquirindo consideráveis tiragens e presença no espaço púbico. De facto, seguiu-se uma 2ª fase/série, com direcção delegada a Laura Espejo, em que se manteve a relação arquitectura/arte/design e se desenvolvem secções de opinião/critica mas, sobretudo, em que os projectos passam a ter proveniência mais europeia/internacional. Posteriormente, seguiu-se ainda uma 3ª fase com direcção delegada a Luís Santiago Baptista, em que se matem um referencial não exclusivamente nacional mas, sobretudo, em que se enalteceu a tematização e a robustecimento do texto/crética em reação aos projectos./
Acontece que por volta de 2018 iniciou-se uma última 4ª fase/série, em que Victor retomou à direcção da revista, posição em que permaneceria até ao seu término em 2023. Mantiveram-se as secções de arte e design, a de divulgação de livros editados no país, a de opinião-critica com textos ou entrevistas mas, sobretudo, retomou-se o desejo de publicar projectos em credibilização da produção arquitectónica nacional. Paralelamente, experimentou-se um formato bilingue, manteve-se alguma tematização mas, sobretudo imaginou-se atender a preocupações ambientais e tecnológicas, ambicionando especulações que pudessem ser úteis e abertas a um novo século./
ii.
A teoria-critica contemporânea pouco tem a ver com os simples textos de memórias descritivas ou prescrições técnicas, mais comuns no período do século XX que antecede o que foco no presente texto. De resto, foi legitimo o desenvolvimento de um tipo de teoria-crítica “negativa” e radical entre finais dos anos 60 e meados dos 80, denunciadora da banalização das práticas então correntes. Porque, se historicamente a teoria estivera ao serviço da prática, restara-lhe então constituir-se como um enclave de consciência critica que promovesse reorientações disciplinares em distanciamento com a mera liberalização comercial promotora do espectáculo então em consolidação./
A teoria-critica contemporânea também pouco tem a ver com meras interpretações de intenções projectuais ou enquadramentos temáticos frequentemente transdisciplinares exponenciados após a desconstrução no último quartel do século XX. De resto, foi legitimo o assumir da arquitectura como universo infinito de potencialidades, tudo se podendo constituir como matéria da teoria. Não obstante, não se pode ocultar que a expansão quantitativa da produção escrita no país na transição do seculo, também incluiu entre as suas razões um necessidade de alimentar a indústria editorial de uma comunidade em crescimento./
Ora, decorrido já um quartel de século desde que teve início o século XXI, a teoria-critica parece se ter constituindo polemicamente enquanto entidade dotada de alguma autonomia relativamente a outros subcampos da disciplina como a construção e mesmo da história. De resto, parece diversificar-se de uma forma escalar, desocultando buracos negros por explorar, estruturando-se em torno de um par dialético de vectores. Um vector orientado para a produção massiva de investigação apresentável como “científica” – frequentemente advinda de colectivos, com redação enfadonha e pequenos resultados parciais. E outro vector orientado para produções mais individuais, com redação mais ensaística e subjectiva ou autoral, experimentação mais especulativa, e resultados mais idiossincráticos./
Neste contexto, parece que um dos grandes desafio da teoria crítica hoje poderá ser - decorrido 1 século de manifestos modernistas e meio século de afastamento de Teoria/Prática (pela já antes mencionada impossibilidade da primeira continuar a justificar/prescrever a segunda) – é hoje construir pontes no interior da disciplina, bem como plataformas de consenso que nos permitam melhor comunicar com a sociedade a respeito da dignificação do habitat humano./
Por outro lado, pautar-se por uma atenção aos temas contemporaneidade (da sustentabilidade à IA ou a quaisquer outros que se encontrem em devir) e, metodologicamente, pelo propiciar de reflexões “outras” compostas por múltiplas perspectivas, mais que visões únicas e prescritivas./
iii.
Em 2010, Víctor explicitamente intitulou o seu primeiro livro-manifesto como “A cidade núcleo: manifesto para uma cidade concentrada”. E, em 2011, no âmbito de um editorial para outra revista - (a “Sebentas de arquitectura”) - não deixou de alertar que “The continuous and uncontrolled growth of urban areas, the lack of city limits, the lack of housing,…social exclusion and a huge ecological footprint, are some of the problems affecting contemporary cities... The city has form and so… the city is a work of art”./
Já em 2024, avançou para um segundo livro-manifesto igualmente explicitamente intitulado “A cidade núcleo: manifesto para uma cidade híbrida”, onde avançava que “…um novo urbanismo terá de emergir. A ‘cidade híbrida’ terá de organizar não só a estrutura urbana, integrando várias valências funcionais que se hibridizam, mas terá de… reagrupar o espaço rural, integrando novas valências que têm de responder às alterações ambientais e climáticas…”. Encontrando-se actualmente ponderar, no âmbito de um terceiro livro-manifesto, contributos que possam advir da inteligência artificial./
Pela mesma altura, em 2024, Victor comissariou uma notável exposição de Lucien Herve, propondo uma reflexão sobre o “homem na cidade moderna” revisitada.
Desde logo dizer que a cidade constitui um março humano, pelo que a história da sua transformação é paralela à do próprio homem. De facto, já os romanos tinham consciência de afrontar a natureza, pelo apaziguavam os céus com rituais antes de traçarem o seu “cardus” e “decomanus”. 1 Ficando, para lá dos limites ou muralhas, a barbárie do desconhecido. Posteriormente, o avanço para uma sociedade industrial comportou transformações profundas. Sendo precisamente aos problemas de habitação e urbanos que procurou vir responder um movimento moderno, caracterizado por certa racionalização homogeneizadora, expressa no modelo de cidade funcional, em “existenz minimums” de “machines habiter”, e mesmo num homem “modulor”. Certo é que no pós-guerra, a “Carta de Atenas” serviu de cartilha à reconstrução europeia. Sem que, paralelamente, não tenham deixado de emergir alarmes desde a própria revisão interna dos CIAM bem como das ciências sociais.2/
Dizer também que a própria representação da cidade foi também alvo também de desafios.3 Á cidade das perspectivas barrocas, sucedeu-se já no fim do século XIX, um debate opondo a fotografia à pintura. Passando-se, com o início do século XX e traumática experiência da Guerra mundial, a uma representação da cidade por fragmentos, com recurso à colagem e fotomontagem. E, entre o pós-guerra e os anos 60, transformando-se a cidade moderna, metáfora da máquina, num difuso mosaico policêntrico. Pelo que, com o avançar para o final do século, Ignasi Solá Morales já postulava a cidade advinda da pós-industrialização e globalização com só apreensível por leituras provisórias. 4 Mais se referindo a economista Saskia Sassen a uma “Cidade global”, o geógrafo Edward Soja a uma “Postmetropolis” e o sociólogo Manuel Castells a um espaço das “rede” e fluxos, etc./
Propunha eu aqui um desvio para brevemente retomarmos a temática da fotografia, atendendo ainda a mais 3 autores. Primeiro Susan Sontag com “On phtography”, sobre a qual não me estenderei. Segundo, Villém Flusser 5, que em “Por uma filosofia da técnica” se referiu à figura do operador, e de que qualquer potencialidade da fotografia se encontra pré-incluída no aparelho. (Mais se recordando como Pierre Lévy, de forma mais ampla mas análoga diagnosticou uma “Máquina universo” 6, um logaritmo que ambiciona captar a totalidade da significação). 7 E terceiro, Roland Barthes, que em a “Câmara clara” fala de aspectos da produção imagem, e desta como representação do sujeito. 8 Mais couriosamente publicou este (numa visão estruturalista-pósestrutualista) sobre “Semiologia urbana” em revista de arquitectura portuguesa. (Poder-se-ia ainda referir distinto enfoque por Edward T Hall, com as proxémicas e “Dimensão oculta” da cidade).9/
Como sabido, Lucien Herve, foi precisamente escolhido – tanto por Le Corbusier como outros mestres orgânicos/brutalistas do pós-guerra – para registar fotograficamente as obras desses, Tendo também igualmente publicado imagens em revistas da arquitectura portuguesa; Por exemplo da Unidade de Marselha de Corbusier, modelo para grandes colmeias-cidades multifuncionais aptas a dispor na paisagem natural.10 (Podendo ainda se recordar que Corbusier já propusera, entre 5 princípios para construção moderna, os “pilotis” para libertação do solo)./
Ora, mas atenda-se como nas vistas picadas sobre uma cidade para “3 milhões de habitantes” também se enaltece uma 4ª função - a da mobilidade pelos transportes. Uma 4ª dimensão, a que Louis Khan reduzirá o centro de Filadélfia enquanto registo analítico de fluxos./
Já Lucien Herve, fotografou a arquitectura à construtivista, com diagonais e procurando a experiência da cidade a partir de fragmentos. Mas atenda-se serem fragmentos onde não deixam de deambular figuras humanas. É certo que o pretexto era o objecto de arquitectura moderna, e o olhar o do operador Herve. (O autor partiu de um movimento acelerado construtivistas e morreu penso que de esclerose múltipla). Mas o conjunto de fragmentos que nos deixa, juntos, parece também nos propor uma filosofia de humanidade. Pelo que, num momento de crises pandémicas, de cidades congeladas, ou de conflitos bélicos, é a presença anónima desses habitantes deambulando nesses espaço-tempo, que nos deixa um alerta importante. A questão de uma cidade que já não sabemos o que é, nem como sobrevirá, que não é quiçá senão a questão do próprio homem e sua sobrevivência.
iv.
Chegados aqui, gostaria então de remeter ao último livro do Victor: Skyline: onde a arquitectura termina” – que foca a necessidade de superar a negligência moderna do 5º alçado, e que termina com apelos tangentes à futura produção arquitectónica./
Desde logo, dizer que o livro possui um enquadramento histórico do predito elemento arquitectónico, com foco internacional e nacional, e uma reflexão em prole da reforma do projecto e arquitectura do século XXI. O texto é fluido, profusamente pautado de exemplos e ilustrações (muitas da autoria do próprio), históricos ou actuais. Possui ainda um conjunto de referências finais a livros bem como a biografias de autores. “The sky is not the imit, it’s just de beginning” - fase de Marta de Llorent (autora ela própria de interessante livro ) – constitui o mote que nos convida à leitura do livro.11/
Logo na introdução de 7 páginas, o autor traça imprescindível salvaguarda Gadameriana “Este livro é uma manifestação de uma interrogação que se impõe no contexto de uma consciência histórica...12 Ou seja, entende-se o passado a partir de um contexto próprio e de uma ‘interpretação’ …crítica. No entanto… este livro não envolve… rejeição – da… modernidade – mas sim um esforço de compreensão que possa lançar novas significações.13 …Sendo assim, a interrogação… é o factor mediador… desta dialética, tal como defende Gadamer…”.14/
Refere Víctor que na tratadística histórica a cobertura surge negligenciada, com excepção a Gottfried Semper que em “Die ver elemente der baukunst” 15 de 1851 rompeu com a tríade Vitruviana propondo 4 elementos definidores da arquitectura - o “lugar” (lar), a “plataforma” (fundação), a “cobertura” e a “membrana/revestimento”. Mais se propondo interpretar o potencial da relação da arquitectura com o céu, consciente que “a arquitectura contemporânea das 2 primeiras décadas do século XXI ficou capturada por meia dúzia de códigos formais” modernistas./
Assim, num 1º capítulo, Victor refere-se à figura do arranha-céus, e como Koolhaas em “Delirious NY” apresenta a fantasia desse como “um produto do capitalismo liberal, um processo de verticalização urbana, um contraponto á alegoria horizontal da arquitectura moderna”.16 Mais referindo a preferência actual por “Iconic buildings”, assunto oportunamente teorizado por Charles Jencks./
Já num 2º capítulo, Victor providencia uma narrativa histórica, que passa por zigurates sumérios, pelas pirâmides egípcias, pela antiguidade Grega, pelo Medievo, pelo Renascimento e dramatismo da arquitectura barroca. Mais se referindo ao século XVIII, período influenciado pelos ideias da revolução francesa, e pelo desejo de uma arquitectura visionária expressiva de ordem e racionalidade (i.e. oposto à exuberância do Barroco tardio). Bem como ao século XIX, período de reacção ao primado da razão e ao classicismo, e valorizador da emoção, natureza e subjectividade/espontaneidade do individuo com o Romantismo. Ou de eclético revivalismo estilístico. A narrativa culmina em referência à construção da Torre Eiffel de 1889 bem como dos 1º arranha-céus: símbolos das conquistas de um progresso e revolução (industrial) sem paralelo histórico. Para depois prosseguir avançando para o início do seculo XX, com referência às coberturas planas e “roof-gardens”./
Assim, posteriormente e num 4º capítulo, Victor providencia o desenvolvimento internacional de excepções projectadas por mestres modernos e revisão do modernismo. E, num 5º capítulo, foca o caso português, recordando que “A escola do Porto no período pós 74… influenciou o rumo da arquitectura portuguesa da segunda metade do século XX até aos dias de hoje”./
Já num 5º capítulo, Victor detalha “elementos esquecidos”, designadamente torres, cúpulas e abóbadas, chaminés e lanternins, ou cimalhas e platibandas. Neste conspecto por exemplo, recorda-nos relativamente ao primeiro aspecto, como as actuais torres de telecomunicações constituem hoje símbolos de poder económico-tecnológico. A pretexto do segundo aspecto, (voltando a ecoar o interesse do autor por arte contemporânea), refere-se ao “Roden crater” que James Turrelll criou no Arizona em 1943 enquanto constelação de “skyspaces” semi-enterrados. E, a respeito do último aspecto, recorda-nos a influência das Beaux-arts, Art noveau e Déco, nas mesmas existentes nos meios urbanos de Lisboa e Porto./
Por último, cumpre salientar a interessante prospectiva “Nota final: Antes do epilogo”./
Sabemos que a arquitectura da 2ª década do século XXI ecoa ainda em grande sentido influências do moderno. No entanto, Victor orienta o leitor para desenvolvimentos contemporâneos como a informática ou IA, alertando-o para o seu impacto. Bem como para as alterações climáticas, reclamando que se retome reflexão aberta nos anos anos 60/70 e indague a disrupção com referências do século XX. Nas palavras de Victor: “O facto é que… vemos… coberturas desenhadas apenas em função dos seus requisitos técnicos, linhas horizontais monótonas e redutoras”. “Interessa assim perceber como poderá a arquitectura, no futuro evoluir no sentido de… responder aos desafios do século XXI… [abrindo[ caminho a novas linguagens para a arquitectura contemporânea”./
Victor salvaguarda-nos que a “ideia de um retorno ao passado, anterior ao movimento moderno, não está presente neste livro”, sem deixar de recordar que “esse regresso ou pelo menos a vontade de o estabelecer tenha aflorado… por exemplo no período entre 1935-45, onde se ensaiou uma continuidade classicista do seculo XIX com autores como Tessenow (muito apreciado pelos neoracionaistas italianos como Grassi, Asplund, Plejnik ou Tony Garnier…)”./
Certo é que toda uma crítica ao movimento moderno ocorreu internacionalmente, seja pelas revisões organicistas/revisionistas, seja por classicistas. Já o propósito de Victor é agora o nosso tempo, de hoje e de amanhã. Sendo nesse conspecto que recorda palavras de Grassi de 1977: “Não temos qualquer transformação em curso para celebrar, mas participamos de facto numa transformação”.17 Para depois constatar: “passados quase 50 anos, ela poderia aplicar-se aos dias de hoje… não temos… nenhum facto… disruptor que nos permita dizer - a arquitectura a nível global está a abraçar novos caminhos -, mas também é um facto que os sinais dessa mudança estão a parecer. …O factor determinante dessa mudança em curso são as alterações climáticas, que são um problema global…. Novas necessidades irão impulsionar a arquitectura para novas morfologias, onde as coberturas irão adquirir formas diferentes, para por exemplo obter ganhos energéticos a partir do sol ou do vento…, mas também para recolher águas da chuva”./
Culmina depois Victor repetindo pergunta lançada aquando de um seu editorial para o número 114 da “Arq/a” de 2023 sobre “O que será a casa do futuro?”; prevendo IA, robots, construção com impressões 3D em novos materiais, bem como o reaproveitamento de energias passivas (solar e eólica), e reaproveitamento da água da chuva. Mais fazendo Victor referência a “revolucionar a arquitectura” com a “adaptação das coberturas” e “projecções para o futuro… que apelam… à imaginação dos arquitectos para gerirem… a forma como a arquitectura se relacionará com o céu revalorizando um diálogo formal que foi sendo perdido desde o início do século XX”./
Podemos não saber como serão tais projecções, mas é certo como refere que “os desafios contemporâneos da arquitectura e da cidade levam a novas vias de pensar e projectar”.18 O presente livro pelo Victor constitui um generoso contributo para tal.
v. referencias
1 - Vd. Joseph Ryckwert, A ideia da cidade
2 - Vd. e.g. Lewis Mumford que escreveu uma “Historia da cidade” e curiosamente também uma “História das utopias”, bem como Jane Jacobs sobre a “Vida e morte das grandes cidades americanas”, etc
3 - Vd. Ignasi Sola Morales, policopiado cedido pelo autor.
4 - Vd. AAVV, UIA, Barcelona: COAC, 1996.
Curiosamente Ignasi Solá Morales interessou-se tanto por Walter Benjamim - que abordou a experiência das grandes metrópoles do início do século, i.e. Berlim e Paris – como pela abordagem da metrópole contemporânea e de Gilles Deleuze.
5 - A título de curiosidade, Villém Flusser que escreveu temas que incluem o design, chegou a residir no Brazil, pelo que parte da sua obra foi redigida em português.
6 - O livro com este nome foi editado pelo Instituto Piaget.
7 - Mas como me refere o meu amigo Jorge Neves, em Flusser há que salientar a figura do operador, também enquanto aquele que seleciona entre as operações possíveis, conjugando-as
8 - O ponto privilegiado do punctum, o espectro do momento passado-morte, a diacética plano-contraplano e demais
9 - Bem como a Escola de Chicago, analisando a orientação nas cidades-metrópoles, por marcos, vectores e demais
10 Estas resolviam o problema habitacional, com galerias e equipamento nas coberturas, surgindo não isoladas (em desenhos no arquivo de Le Corbusier) mas como complexos dispostos em articulação na paisagem natural.
11 - Marta Llorens, “Construir bajo el cielo: Um ensayo sobre la luz”, Madrid: La huerta editoria, 2020.
12 - Vd. Hans-George Gadamer, “O problema da consciência histórica”, Vila Nova Gaia: Estratégias construtivas, 1998.
Mais refere Victor “E nesse sentido podemos dizer que tem como ponto de partida aquilo que Hans Gadamer entende como ‘sentido histórico’.”
13 - Mais refere Victor “Ou uma ‘nova liberdade de espírito’, expressão também utilizada por Gadamer”.
14 - Mais acresce Victor “O mesmo que afirma que ‘compreender é operar uma mediação entre o presente e o passado, é desenvolver em si mesmo toda a série ligada das perspectivas nas quais o passado se apresenta e de dirige a nós’. Ou ainda. ‘aquele que compreende um texto, para não falar de uma lei, não se lança somente no esforço da compreensão em direcção a uma significação, mas adquire , pela compreensão, uma nova liberdade do espírito”.
15 - Gottfried Semper, “The four elements of architecture and other writings”
16 - Mais refere Victor que “em ‘Delirious NY’ os arranha céus tornam-se ‘personagens de uma relação novelesca’.”
17 Giorgio Grassi, entrevista, in: AAVV, Revista 2C, 1977.
18 - Victor Neves, Editorial, in: AAVV “Arq/a”, N.114.
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