5/2/23

DANIEL TÉRCIO E O ESPAÇO/MOVIMENTO Gonçalo Furtado No concernente à ideia de “espaço/movimento”, interessa recordar a abordagem de Daniel Tércio em ciclo da FIMS – onde foi palestrante convidado de uma segunda conversa ocorrida a 29 de abril de 2023, explicitamente intitulada “O Espaço do Movimento”. / Como apontamento biográfico, sumariza-se: "Daniel Tércio estudou Filosofia (UL), Artes Plásticas (FBAL) e História da Arte (UNL). É desde 1997 Doutor em Motricidade Humana-Dança na FMH. Professor Associado aposentado da Universidade de Lisboa, lecionou os cursos de História da Dança, Estética, Movimento e Artes Visuais. Até 2021, coordenou o programa doutoral em Motricidade Humana na especialidade de dança e foi membro da direção do Instituto de Etnomusicologia - centro de estudos em música e dança. Enquanto crítico de dança, colabora regularmente com a imprensa escrita desde 2004". (1 - Daniel Tércio, 2023. Cv cedido pelo autor) / Fig. - Daniel Tércio. (2 - Daniel Tércio. Foto cedida pelo autor)./ Interessando atender às palavras de Tércio, avançadas em sinopse no âmbito do ciclo da FMIS: "Partindo do pressuposto de que a dança, tal como a arquitetura, produz espaço, tenciono questionar a qualidade inconstante do espaço dançado. Essa inconstância, que alguns designam por efemeridade, permite perceber como os corpos dos bailarinos passam do desenho de trajetórias entre lugares, para a criação de planos, constituídos por múltiplos pontos, que autorizam mil e um percursos, que se contraem, se expandem e se desdobram em múltiplas possibilidades." (3 - Daniel Tércio, 2023. Sinopse fornecida pelo autor) / A abordagem à biografia e obra do autor no âmbito do FIMS, surgiu então sumariada como infra: Deu-se “[…] lugar ao movimento, a palavra ao corpo que dança. Foi [ …] uma aproximação ao conceito de ‘espaço’ […]. As Artes Plásticas foram o primeiro território de formação de Daniel Tércio, mas são vários os seus universos de interesse, entre os quais a Literatura (é autor publicado de obras de ficção científica), a Arquitetura (uma atenção presente desde a infância, também experienciada através do seu irmão arquiteto, que o convidou a colaborar em projetos de arquitetura, e uma das áreas de pensamento que o tem vindo a acompanhar), a Filosofia (em particular o campo da Estética) ou a Ecologia (num repensar do conceito de Natureza em sintonia com o caminho apontado por Guattari). Dominante, porém, foi o seu fascínio pela Dança, objeto e matéria de continuado estudo e investigação, de interpelação, de observação, de crítica, de criação e de prática experimental, um caminho de compreensão e de posicionamento no mundo e no tempo em que vive. Interesses que se intersectam e se cruzam, tanto no seu percurso profissional, quanto se tornaram naturalmente presentes nesta conversa que decorreu no Dia Mundial da Dança. / A especificidade do momento acabou por lançar Daniel Tércio numa viagem pela história da efeméride e da Dança, explicando a importância de Jean-Geoges Noverre, cujo dia de nascimento foi a 29 de abril de 1727, para a autonomização desta forma de arte, bem como a atualidade das suas ideias. Seguiu-se um exercício de análise do que significa a organização do espaço por corpos em movimento e do processo de construção da Dança, sublinhando o que nele se assemelha ao processo de pesquisa do arquiteto. Falou da escrita no espaço, da coreografia, de como surge e de como pode interpelar tanto os espectadores quanto os próprios intérpretes; do desafio que a cenografia implica com a transformação do espaço cénico, referindo, entre outros, o trabalho de João Mendes Ribeiro e o diálogo estabelecido entre este arquiteto e Olga Roriz; e falou dos figurinos, outra das componentes que interagem com o movimento, citando como exemplo a criação de Picasso em Parade. O conceito de heterotipia, a noção de espaço-tempo, espaço interior ou espaço virtual representaram outras vias de análise da Dança enquanto movimento de um corpo em ressonância com o que o rodeia, da esfera de um corpo que intersecta outros, da pulsação e intenções que sempre orientam a sua deslocação num espaço. E para além dos espaços reais, cénicos e urbanos, passou ainda por lugares distópicos utopicamente imaginados e pelos espaços expandidos tornados possíveis com as novas tecnologias. Os ‘objetos coreográficos’ de William Forsythe ilustraram, por sua vez, a capacidade da Dança intensificar o corpo no espaço, fazendo do movimento e da efemeridade da interação com o público matéria de constante recriação. Mas foram muitas as referências a outros autores, criadores e pensadores que foram surgindo no fluir de uma conversa onde o próprio Daniel Tércio demonstrou na sala como se pode, através do movimento, alterar e condicionar a relação com o espaço. Um conjunto de reflexões a integrar, por fim, o resultado de uma busca por novos ângulos de interação com o espaço-cidade, experiências de aproximação ao urbanismo sensorial, potenciadas pelo confinamento e que nele são se esgotaram, reforçando até, para além da dimensão laboratorial e artística, esse desejo há muito alimentado por Daniel Tércio de que o Zeppelin possa vir a ser de novo uma realidade”. (3 - Paula Abrunhosa, "As ressonâncias que habitam o espaço do movimento: Daniel Tércio em conversa com Gonçalo Furtado e António Oliveira", in: https://fims.up.pt/index.php?cat=6 / Fig – Sessão 2 (4 - Sessão 1 do ciclo, FIMS, Março 2023. Foto disponível no website da FIMS). / No meu entendimento, interessa salientar-se relativamente a este autor, sua abordagem e sua obra, alguns aspectos. / i. Biograficamente, como já aludido, Tércio estudou filosofia e artes, leccionou áreas que vão da Estética às artes visuais, foi regular crítico na imprensa, e coordenou programa doutoral em dança. / No seu curriculum vitae constam muitas comunicações, escritos, organização de eventos, e investigações. (Mais interessando desde já constatar que o trabalho de Tércio decorre com proximidade a vários dos vectores/subtemas do ciclo: à escrita, ao movimento e corpo, e incluso ao imagética artística).Tal, no domínio da Filosofia, maioritariamente em torno da dança e artes performativas, mas também se expandido por exemplo ao domínio literária. Actualmente é professor aposentado da Universidade de Lisboa. / ii. Focando o conceito de espaço com o ofício do autor, a relação é óbvia a que esse se desenvolve maioritariamente sobre o domínio das artes performativas, em que corpo/espaço são nucleares. iii. As referências de Tércio vão naturalmente á variedade de áreas em que se formou e opera, as quais surgem simultânea e interactivamente convocadas. Em primeiro lugar, a filosofia, que emprega sua praxis de pensador, professor ou crítico. Em particular à área especifica da Estética, que etimologicamente podemos recordar remeter para “aesthesis” e para o mundo dos sentidos; bem como para a questão do “belo” que já a Platão interessava em “Hípias Maior”. Sendo que a experiência dos sentidos e a questão da estética (e do belo etc) são aspectos de grande relevo no que tange à Arquitectura. E mais sendo que simultaneamente também à ideia de espaço recorrem filósofos – de Decartes a Deleuze – como categoria produtiva ao desenvolvimento dos seus sistemas de pensamento. Em segundo lugar, as Artes visuais bem como à História da arte; incluso a um conhecimento histórico de movimentos, linguagens e artistas. Mas também um pensamento teórico-critico sobre experiências na contemporaneidade Portuguesa. Sendo que o espaço da Arte, respeita tanto às artes visuais como à Arquitectura. E em terceiro lugar, especificamente as Artes performativas, que vão do Teatro à Performance ou à Dança etc. Práticas que ocorrem em relacionamento do corpo com o espaço, sendo que incuso envolvem a criação/representação de espaço. iii. Curiosamente, para a sessão do ciclo da FIMS, sugeriu-se o termo “movimento”, a que se refere o conceito de “cinesis”. O movimento. remete para a quarta dimensão do “tempo”, Temo mais precisamente para corpos que se deslocam no espaço. Algo central na hora de definir a arquitectura, desde meados do século XX - como salientou Bruno Zevi com “Saber ver a arquitectura”. A arquitectura como a arte do espaço interior (distinta da escultura) e da experiência no tempo/movimento. iv) – Gostaria de remeter o leitor para a interesse de Tércio, como autor, e seu pensamento. Desde logo pela abordagem interessante que deu aos 3 motes lançados a título de interpelação no ciclo da FMIS – sobre analogia entre espaço em dança /arquitectura; a introdução do tempo da existência/experiência, e no que tange à interpretação da própria experiência. Por outro lado, obviamente, pela obra teórico-critica que vem desenvolvendo há décadas. Mas vejamos mais perto, alguns exemplos. Tais exemplos compreendem 3 áreas: um primeiro texto corresponde a livro de literatura sci-fi, um segundo par de artigos versa matérias afins à arquitectura/urbanismo (um sobre o visionarismo urbano de Lisboa, e um sobre a cenografia do arquitecto João Mendes Ribeiro), e um último conjunto de 3 de textos foca-se concretamente no domínio das práticas performativas e dança. Em determinados momentos, como já aludimos, Tércio empenhou—se em escritos (literários) - “O demónio de Maxwell” (pela Editorial Caminho) pode ser avançado a título meramente exemplificativo. Livro de bolso integrado numa coleção de “ficção científica”, que na capa é sumariado comas palavras: “E mais se diz que, aportados a este porto, só podem, ele e seus camaradas, sair para a ilha da Utopia. Desta experiência, de que não sobrou outro testemunho além do dos próprios, ficou a suspeita de que, a rodear Utopia, o espaço e o tempo estava perturbados, porventura suspensos, senão mesmo suprimidos. E que, além dos fossos enlameados e das muralhas de pedra que rodeavam cada uma das cinquenta e quatro cidades…”. Escrita que ida com conceitos caros também à arquitectura, que vão dessa ilha/pensamento Utopia sem lugar concreto, ao espaço/tempo, à pólis/urbe da cidade. / Para além da escrita de literatura sci-fi, salientamos um segundo par de artigos versando matérias afins à arquitectura/urbanismo. / A 26 Maio 2007, por altura da abertura da “Trienal de arquitectura” publicou no Expresso “Lisboa imaginada” (5 - Daniel Tércio, “Lisboa imaginada”, in: Actual / Expresso, Lisboa, 26 Maio 2007, p.), um texto de 3 páginas sobre visionários pensaram no passado para a capital portuguesa. / Em primeiro lugar refere-se “O livro ‘Da Fábrica que falece à cidade”, escrito em 1570 pelo arquitecto renascentista Francisco de Holanda. Neste estabelece-se um programa de intervenção urbana, em que a capital (que Tércio recorda que era a “rainha dos oceanos” para Damião Góis), beneficiaria de nova edificação, incluindo nova muralha, renovação de portas, novos baluartes e bastiões, Paço régio digno, sistemas de distribuição de água, pontes e calçadas públicas. / Em segundo lugar, refere-se a “Lisboa monumental”, imaginação renovadora de Fialho de Almeida, publicada em 1906. (Recorde-se que altura em que se assiste à procura de conciliar a sociedade de classes com as comodidades e tecnologias industriais; um progresso conduzido pela máquina a vapor que - como Tércio refere - ainda longe da actual preocupação acerca da sustentabilidade). Pontes ligariam dois lados do rio, empurrada para a outra margem as fábricas localizadas em Alcântara; e o espaço central passaria para a Praça de Pombal, surgida no limiar de avenida e iniciando um parque, como representação de sedes representativas; demolindo-se bairros de Alcântara bem como da Mouraria, Afama, Castelo etc. Como Tércio sumaria, “O texto descia do salitre para o Parque Mayer (…), voltava à Rotunda, avançava daí para o Saldanha e para a Avenida Ressano Garcia (actual Avenida da República), até uma entrada no Campo Grande. Essa passagem seria ocupada por um arco de triunfo ou um grande hemiciclo de estátuas e cascatas. À Lisboa francesa das Avenidas Novas somar-se-ia uma Lisboa grandiloquente e imperial materializada na Avenida da India, larguíssima desde Algés até Santa Apolónia, onde se alinhariam estátuas de todos os heróis das descobertas e conquistas (…) A montra imperial da Praça do comércio lançada monumentalmente nas águas …. Fialho imagina-se electrificada … A visão de maior ousadia estaria reservada para uma ponte suspensa sobre a Avenida da liberdade, ligando São Pedro de Alcântara a Sant’Ana e esta à Graça. Tal obra, de seguro efeito cenográfico, gigantesca e p… permitira estabelecer uma circulação rápida e segura entre bairros (então periféricos) … Numa das extremidades dessa avenida suspensa, seria edificado um … Palácio das Alcoçavas – centro de atractivos e vícios …”. / Em terceiro lugar, refere-se a publicação por Mello de Matos de “Lisboa anno 2000” em “Ilustração Portugueza” do mesmo ano de 1906. Como Tércio sumariza: “Na sua fantasia, Lisboa seria então o ponto de reunião de todas as marinhas do mundo, numa cidade cosmopolita e progressista, com um sistema de transportes sofisticado, em que ressaltaria um metropolitano de carril sobrelevado, movido electricamente …. Esta mecânica, ferroviária mundial, exigia um complexo sistema de comunicações. Mello de Matos imagina então o camarote telefónico munido de dois aparelhos receptores e de um ‘telephotographico’ aperfeiçoado … de transmissão de imagem. Na estação central, onde se cruzariam todas as linhas e metropolitanas, estaria o ascensor de acesso ao túnel através do Tejo. (…) 2200 [metros] por debaixo do rio”. Por último, refere o cronicas de Reinaldo Ferreira (“Repórter X”) nos anos 20. Como sumariado por Tércio, o visionário Mello de Matos publicaria o texto ”O sonho das pontes transoceânicas” na “Ilustração” dizendo: ”Mas chegará um dia a construir-se esse intestino formidável que, atravessando as profundas camadas oceânicas, venha a respirar por bocarras colossais nos solos dos grandes continentes, aí vomitando uma multidão heterogénea, sanguilhando os mais diversos idiomas?’ Á pergunta responderia o antes mencionado repórter Reinaldo Ferreira, espairando-se na descrição, não de um túnel mas de uma ponte transatlântica, ligando a europa à américa através de Lisboa e Boston. E a gare Europa-América, soberbamente erguida em Monsanto, em edifício de 8 andares com todas as comodidades civilizadas para o visitante demorar o tempo que lhe apetecesse: hotéis, restaurantes, music-halls, cinemas, grillrooms, dancings”. / Tércio termina o seu texto ironizando: “Sim, Lisboa capital do mundo. Já não a ‘rainha dos oceanos’ de Damião de Góis, mas apenas a cidade dos sonhos de visionários e engenheiros poéticos”. / A uma escala oposta ao visionarismo urbano, focou a cenografia do arquitecto João Mendes Ribeiro), julgo que aquando de uma Trienal ou evento de arquitectura. “Objectos inteligentes e Corpos velozes” consiste num texto de 15 páginas que integra “Arquitecturas em palco/Architectures on stage”, publicado pelo Instituto das Artes em 2007. Passaremos a fazer referência a versão de texto, com tal título, policopiada, fornecida pelo próprio autor(5 - Daniel Tercio, policopiado fornecido pelo autor). O texto inicia-se referindo o espetáculo “Anjos, arcanjos, serafins…e Potestades”, com coreografia de Olga Roriz e cenografia de JMRIbeiro: “Longe dos protocolos convencionais do bailado, o espetáculo revela uma dramaturgia fragmentada e obsessiva em grande medida ancorada sobre o dispositivo cénico”. E recorda-nos transformações a relevância de um momento histórico que não deixou de se expressar em artes que compreendem a expressão do corpo no espaço; o que por outro lado acarretou transformação ao nível da arquitectura teatral/cenografia. ”Uma das mais importantes transformações que as artes performativas sofreram na segunda metade do seculo XX, traduziu-se não apenas na organização do espaço cénico, mas também na forma de ocupar esse espaço. O ocupante – actor ou bailarino – operou uma passagem radical na relação com o espectador: deixou de representar e passou a agir. Quer isto dizer que representar cedeu progressivamente lugar a apresentar. (A dança, que estava tradicionalmente mais livre do texto, fê-lo por ventura de maneira mais fácil, do que o teatro)… Uma tal transformação teria inevitavelmente consequências sobre a arquitectura teatral e sobre a cenografia. Abandonados os telões estáticos e os expedientes decorativos da cena dramática, passar-se-ia a exigir aos objectos cénicos um outro nível de interação com todas as coisas em presença …. Essa transformação permitiu também renovar a discussão acerca da fronteira entre duas disciplinas autónomas: a arquitectura e a cenografia”. / A abordagem escrita de Tercio enfatiza precisamente uma abordagem da cenografia pela arquitectura, e depois um entendimento da sua obra arquitectónica informado pelo mundo teatral. Assim, inicialmente constata que JMRibeiro propõe uma relação natural entre a prática da arquitectura e a oficina cenográfica: “… que JMRibeiro admite e promove nas suas práticas criativas é a possibilidade de intersecção entre os dois territórios. Neste sentido, a sua obra cenográfica constitui espaço de experimentação de processos e linguagens comuns à arquitectura, sedo que a própria arquitectura pode acolher os procedimentos ensaiados na oficina do palco”. Mais se identifica que JMRIbeiro implica na cenografia uma materialidade construtiva arquitectónica (contra a comum mais comuns ambiente ilusórios). E por outro lado discorre-se sobre transferências sem sentido inverso, para o lado da arquitectura, enumerando referencias como, programas de reabilitação de equipamentos urbanos, como a Casa de chá nas (ruínas) do Paço das infantas no Castelo de Montemor-o-velho.; a recuperação da ala ponte do antigo Colégio das Artes em Coimbra (em que se inscreve o Centro de Artes Visuais), e a remodelação do laboratório Chimico da Universidade de Coimbra – “atendo à historia dos ugares, ás micro-histórias que atravessam o tempo…”, e (antes de focar especificamente dois caso elencados) identifica o autor “A arquitectura torna-se assim mais claramente um processo. E em certa medida processo de encenação.” No CAV “quatro subcasos parecem eloquentes a propósito da importação da lógica do palco teatral para o amplo interior do edifício: as paredes pivotantes… o soalho…, o passadiço…; e … o cuidado na moldagem da luz…”. Já na Casa de Chá, “a construção de um plateau… no interior da ruína…”. No que tange a um terceiro e último caso, o castelo de Rivoli: “A aproximação deste projecto ás artes dos espetáculos reside tanto no respeito pela coreografia do lugar, pelos percursos pré-existentes, como pela exposição do movimento dos corpos do viajante, do actor que sobe e do actor que desce, como finalmente pela oportunidade de tornar o viajante, também ele, espectador do palco da cidade…”. / Nas palavras de Tércio: “A disciplina do espaço …. Incorpora neste momento a velocidade dos corpos. E, nesta medida, a austeridade estática pode ser dissolvida pelo movimento e a arquitectura torna-se uma cinética. Mas a arquitectura, enquanto proposta de espaço habitável, pode também oferecer-se a si própria como matéria a esburacar. ‘O gesto dançando abre no espaço a dimensão do infinito’ escreve José Gil, ‘seja qual for o lugar onde esse encontra o bailarino, o arabesco que descreve transporta o seu braço para o infinito. … Contrariamente ao actor de teatro cujos gestos e palavras reconstroem o espaço e o mundo, o bailarino esburaca o espaço comum abrindo-o até ao infinito.” / Tércio prossegue referências entre espaço-corpo e velocidade/tempo/movimento, desde logo esclarecendo relações entre entendimentos do arquitecto JMRibeiro e o da coreografa Olga Roriz que diz: “‘A cenografia condiciona. Ao condicionar, tem que se descobrir oura relação entre o corpo e o espaço e a maior parte das vezes originam outra dimensões.’ JMRodrigues, por seu lado, considera que a dança consegue ‘ir um pouco mais longe [do que no teatro], associando os objectos a uma ideia de movimento’. … Seja como fôr, do ponto de vista da dança, a coreografia oferece o terreno onde os corpos podem mostrar as suas próprias velocidades. … A obra de JMRodrigues situa-se algures entre … entre a aceleração e o abrandamento e o vazio … Se os conceitos de aceleração/abrandamento e de vazio/preenchimento são importantes para categorizar as propostas cenográficas de JMR, importa não perder de vista o elemento unitário das suas cenografias – o objecto cénico. / Os objectos cénicos de JMRodrigues são desenhados enquanto estruturas abstractas e minimais. É através do seu uso dramático – em teatro – ou da sua mobilidade – em dança – que eles revelam as diferentes possibilidades de configuração- Há, portanto, o objecto e a sua manipulação, a coisa e a velocidade. E sobrevém uma inteligências própria das coisas. …. / Na obra de JMRibeiro, tanto no desenho arquitectónico quanto na construção cenográfica, a caixa e o contentor constituem, sem a esgotar, duas tipologias principais. Em ambas existe uma forma de sustentação – o paralelepípedo – em grande medida uma similitude funcional. Do ponto de vista do espectador/fruidor o que os distingue é sobretudo a escala, enquanto o que os une é ainda a combinação dos valores de solidão e serenidade com a regra geométrica. O director teatral Ricardo Pais considera JMR um ásceta do objecto cénico’, um criador de “contentores geométricos, em que os corpos depois se movimentam de determinada maneira’, alguém que propões uma visão muito fria dos corpos’. [vd R.Pais] Na verdade, a caixa e o contentor são transversais á obra de JMR”. / No entanto, melhor esclarece-nos Tércio: “Mas, durante a acção, podemos dizer que e no movimento dos corpos que se processa o dispositivo cénico. As respectivas possibilidades mecânicas são esclarecidas graças à biomecânica dos intérpretes. Também aqui, o receptor reconhece um mecanismo inteligente (…) – um que vive com e para a velocidade dos corpos (…) Os objectos cénicos de JMR aproximam-se da condição e forma (…). Em suma, objectos inteligentes, capazes de participar na organização de um sistema: objectos inteligentes para corpos velozes. E vice-versa”. / Para além dos mencionados escritos sic-fi e arquitectura, salientamos um último conjunto de 4 textos especificamente foca-se no domínio das práticas performativas e dança. / Um primeiro texto, consiste no livro que coordenou “Dançar para a república”, o qual foi publicado pela editorial Caminho. / Um segundo texto, foca-se em “…cruzamentos… nos universos da dança”, mais concretamente entre Portugal e Brazil. O texto intitula-se “Ligações, trilhos e cruzamento ente Portugal e Brazil nos universos da dança”, e inicia-se com alusão á próprio processo de escrita do texto. “Escrever sobre dança poderia, pro exemplo, seguir os recortes convencionais dos sistemas de movimento – dança clássica, dança moderna, dança contemporânea – ou traçar inventários de acontecimentos – (os festivais por exemplo) -, ou ainda procurar as narrativas dos indivíduos e os seus encontros e desencontros nos lugares e no tempo.” O autor optou por um texto de ligações, “arrumando ideias acerca das relações luso-brasileiras em dança”, que não deixa de constatar estereótipos mesmo que não tenha se delineado uma “narrativa histórica”. Sendo que não deixa de assumir “não exclui liminarmente certas ferramentas… utilizadas por ambas as disciplinas: a investigação em arquivo, os cadernos de campo e os registos testemunhais”. Mais estruturando o texto em manchas de texto encimadas pelas expressões “Antes”, “O chão”, “A circulação”; “Os pensadores”. / No excerto “Antes” são feitas referências a artigo de 1917 sobre o bailado russo executado por exemplo por Nikinsky; bem como o panfletarismo moderno do futurista Almada Negreiros, Santa-Rita ou Álvaro de Campos. É feita referência á primeira travessia aérea do Atlântico Sul por Gago Coutinho e Sacadura Cabral (1922), ao fascínio de António Ferro pela “A idade do jazz-band” e danças frenéticas afroamericanas; e ao samba brasileiro surgido nos anos 30s. / No excerto “Chão” são feitas referências por exemplo a escolas de sambas, Roberto leal, o evento brasileiro “Joinvile” e o parafoclore (“acompanhado por estratégias de descontextualização e recontextualização social … podem assim…revestir-se e combinar propósitos comerciais, intenções de intervenção comunitária e preocupações estéticas”). / No excerto “A circulação”; são feitas referências como que “os regimes de circulação - de datas e de personagens históricas – tornam-se…o expediente mais frequente para a organização de eventos…”, a chegada dos portugueses ao Brasil em 1500, a autores/apresentações como Vera Mantero, Fernando Camacho, Paulo Henrique, Paulo Ribeiro, Olga Roriz, Rui Horta, Miguel Pereira, João Fiadeiro, etc; e à possibilidade de ”ligações entre origens, entre geografias, mas também entre linguagens artísticas” abordando dialecticamente os evento brasileiro “Panorama” e o português “Alkantara”. Mais refere a menções à peça de Vera Mantero “Comer o coração” (2004) – “Paulo Cunha e Silva … escrevia: ‘sentimos que é possível o trânsito entre a escultura e ao corpo ..., entre o ferro e a carne…’. Alexandre Melo , por seu turno, consideraria que esta peça colocava ‘um corpo que deixa para trás o corpo, um corpo que não precisa do chão é uma das maiores utopias da dança. Uma escultura que existe no ar, como uma voz ou um silêncio, é uma das utopias da escultura”. / No excerto “Os pensadores”; faz referência à rede digital (e a determinado investigador brasileiro com objectivos e investigação consistindo em “criações artísticas realizadas no campo da dança e da performance com mediação tecnológica”); a um 1º Encontro internacional de Dança e Filosofia sob o tema “O que pede o corpo” (recordando-nos Tércio tal corresponder a “questão formulada pelo filósofo Espinosa no século XVII), a Crhistine Greiner (que Tércio apresenta como “uma das pesquisadoras mãos reputadas nos estudos da dança”); ao “Festival Pedras d’ Água”, (“atraente justamente ‘como outra possibilidade, absolutamente excepcional em termos de cultura mundo e hipermodernidade, para usar os termos de Gilles Lipovetsky”. Isso porque , ao invés de entrar na rede mundializada que norteia boa parte da arte contemporânea, actua localizadamente na cidade de Lisboa, em bairros determinados e em locais específicos (uma escadaria, um beco, a casa de alguém…)”. / Conclui Tércio retomando o processo de escrita do artigo em apreço: “No caderno de anotações onde este estudo começou, não existe lugar para definir identidades, nem para traçar uma conclusão. Existe porém, e apenas, oportunidade para reafirmar a potência da língua portuguesa e, complementarmente, para reformular a pergunta espinoziana: o que podem os nossos corpos”. O que pode a dança?” / Um terceiro texto, explora “perspectivas” desafiadas pela “expansão tecnológica”. De facto, mais recentemente, desenvolveu projecto de investigação apiado pela FCT, de onde resultou publicação e Cd. “TEDANCE” que é explicitamente subintitulado, “Perspectivas sobre dança em expansão tecnológica”, atendendo a um novo contexto tecno-cultural do digital e afins. / Um quarto e último texto, orienta-se em “direcção a uma ética” activista de práticas performativas. Este texto, redigido em determinado momento, intitulado “Práticas performativas e direção a uma ética selvagem”. Incluído em “Artes e construir cidadania: Juventude, práticas criativas e activismo”; que teve por “editores” os nomes de Alix Didier Sarrouy, José Vasconcelos Simões, e Ricardo Campos, e editora a Tinta da China. Aí refere aquele autor: “Gostaria que este ensaio fosse tudo isso … por um lado, o legado genético que nos une à Terra, por outro lado a acção destrutiva que temos vindo a infligir nessa ligação. O objectivo deste texto é assim duplo: acentuar a noção de continuum selvagem e contribuir na denúncia…” (6 - Daniel Tércio, “Práticas performativas e direcção de uma ética selvagem”, in:), / Na série de exemplos abordados, encontramos um interesse pelo espaço em abstracto, bem como pelo espaço específico da arquitectura e da cidade. Por outro lado, deparamo-nos com um pensamento critico agenciado em prole da sua experiência pelo corpo e cabeça. / Escrita. Espaços. Pensamentos. Se Tércio opera no domínio da Filosofia e Artes performativas, estamos perante abordagens que inquestionavelmente são de interesse para uma arquitectura que se deseja agenciada. Não por acaso nos últimos anos, Tércio privilegiou uma análise da Paisagens sonoras da cidade de Lisboa e, mais recentemente, a ideia de reflexão colectiva sobre os passeios do nosso corpo para uma cidade vazia nos disponível face à Pandemia. Tércio, actualmente encontra-se entre Portugal e Brasil, desenvolvendo o seu trabalho agora como sempre também fora da academia. /

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