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Escola do Porto: Notas dispersas _ VI (por Gonçalo Furtado

  2.5 – Sobre Francisco Barata (Director da escola do Porto entre 2006 e 2014). / Transformação e permanências: Uma sugestão de leitura a pedido da Livraria da AEFAUP. Gonçalo Furtado, Escola do Porto, Março de 2020. No Verão de 2018, sai da auto-estrada, perdi-me no meio de uma paisagem suburbana desqualificada enquanto tentava estacionar abalado pela notícia de que o Francisco partira. Telefonei a amigos comuns, quis voltar para trás. “O Francisco amava a escola, defendia-a como poucos”, como o Sérgio me recordava há poucas semanas. Encarnava uma ideia de escola e para a escola com que, frequentemente concordei, e por vezes discordei. Uma ideia que nos faz e fará falta. Tinha uma perspectiva humanista da arquitectura, da temporalidade da arquitectura, bem como do tempo da vida e dos homens. / i. Francisco José Barata Fernandes nasceu, em 1950, no Porto. Formou-se em arquitectura da ESBAP (1975), empreendeu investigação em Itália sobre “Política de desenvolvimento urbano e recuperação de centros antigos” (1984-85, orientado pela Faculdade de Arquitetura do Politécnico de Milão) e doutorou-se em 1997. / Lecionou disciplinas variadas, do projecto à teoria, do planeamento ao património. / Recordo-me da boa música, luz e whisky com que acompanhou um par de conversas na sua sala, de como estava feliz quando me mostrou o seu novo atelier, do dia em 2008 em que me convidou para montar o programa de Teoria para o segundo ano, dos dois anos em que não falámos, e de como voltámos a falar, primeiro de arquitectura e da escola e, novamente, de tudo. Mas muitos, como Hélder Casal Ribeiro, Madalena Pinto, Rui Póvoas, etc, dele melhor nos poderão falar. / ii. Como arquitecto abordou múltiplos programas (habitacional, equipamentos, espaço público) de onde saliento a qualidade de várias obras de rehabilitacão. A saber: o conjunto habitacional da Cooperativa de Massarelos (1995), Museu-Castelo de Santa Maria da Feira (1995-2006), a Praça da Cadeia da Relação (Porto 2001), o PP da marginal ribeirinha de São Paio de Canidelo em Gaia (2004), a Escola Emídio Navarro em Viseu (2009-2011), a Quinta do Prado em Celorico de Basto (2010-2011), bem como o projecto do conjunto de equipamentos no Pátio de São Miguel de Évora (2011-2014) ou do Turismo rural da Quinta de Sande em Guimarães (2017). / Como arquitecto abordou múltiplos programas (habitacional, equipamentos, espaço público) de onde saliento a qualidade de várias obras de rehabilitacão. A saber: o conjunto habitacional da Cooperativa de Massarelos (1995), Museu-Castelo de Santa Maria da Feira (1995-2006), a Praça da Cadeia da Relação (Porto 2001), o PP da marginal ribeirinha de São Paio de Canidelo em Gaia (2004), a Escola Emídio Navarro em Viseu (2009-2011), a Quinta do Prado em Celorico de Basto (2010-2011), bem como o projecto do conjunto de equipamentos no Pátio de São Miguel de Évora (2011-2014) ou do Turismo rural da Quinta de Sande em Guimarães (2017). / Uma obra caracterizada por abordagem metodológica que o seu escritório “B+B” (em parceria com Francisco e Manuel) sintetizou nos seguintes termos: “Projectamos arquitectura através do desenho da Luz (espaço), do Silêncio (programa) e da Gravidade (construção)… Damos especial atenção ao lugar, à história e às pré-existências, aliados à permanente pesquisa arquitectónica com avaliação crítica e experimental. Pretendemos estabelecer uma relação coerente entre obra e lugar, garantindo a preservação da sua identidade patrimonial e contribuindo, com novas intervenções, para a reabilitação das áreas desqualificadas. Na resposta a diferentes programas e clientes e na criação/inovação de projectos úteis à sociedade, valorizamos a colaboração entre arquitectura e outras disciplinas do conhecimento”. (vd. Website) / iii. Em 2008, a FAUP - que cumpre o actualmente o seu 40º aniversário - adaptou-se a Bolonha, estruturando os seus planos de estudos em três ciclos (incl. licenciatura cumprindo 180 créditos após 3 anos, seguido do mestrado integrado/mestrado requerido para a prática profissional neste país). Em 2008, Francisco permitiu-me organizar um Contemporary Architectural Challenges, envolvendo múltiplos protagonistas nacionais e internacionais do debate arquitectónico, bem como cooperar com o Wien Institute of History na concretização de exposição e livro. E etc. A outros, permitiu criteriosamente condições para muitas outras coisas. Em 2009, a Universidade do Porto tornou-se numa instituição de ensino público de cariz fundacional (DL 96/2009 de 27 Abril). A nossa “UP” que consiste hoje numa comunidade com cerca de 30 000 estudantes e 2000 professores. Como director, Francisco deu um contributo decisivo para a institucionalização universitária da Faculdade de Arquitectura no seio da UP. / Em 2010, Álvaro Siza Viera - que muito antes do Pritzker de 1992 já se constituíra como inspiração máxima da escola do porto - continuou a ser premiado: Com o “Prémio LusoEspanhol de Arte e Cultura” (2012), o “Leão de Ouro” “for lifetime achievement da Bienal de Arquitectura de Veneza, o "Prémio vida e obra" da Sociedade Portuguesa de Autores ” (2015) ou, mais recentemente, com o “Prémio Nacional de Arquitectura Espanhol” (2019). Em 2011, Eduardo Souto de Moura tornou-se no segundo prémio “Pritzker” português, fazendo da escola do porto, provavelmente, a única escola no mundo com dois “Pritzkers”. / "O Francisco amava esta escola, e poucos como ele a defendiam". / iv. Cumpre recordar que este Francisco que defendia a escola, era detentor tanto de uma cultura teórica portuguesa como italiana, tendo actuado como Professor visitante Internacional do Mestrado em Arquitectura da Universidade de Bolonha. E não deixou de ter entre os seus focos de estudo a cultura inglesa que, como sabido, em vários momentos divergiu teoricamente da Italiana. Em 2017, a Universidade (curiosamente) de Bolonha organizou a exposição “Francisco Barata. Continuar Inovando”. A exposição recentemente comissariada na FAUP (2020), pela ex-colaboradora Carla Garrido e colega Mariana Sá, constituiu uma justa homenagem ao seu nome e obra. A notícia de um doutoramento dedicado à sua obra por colega, decerto o expandirá. Retenha-se a memória tanto da delicadeza do seu traço, como do seu apontamento enigmático acerca do pilar da escola do porto Álvaro Siza Vieira. / Tendo sido requerido pela Livraria da AEFAUP para endereçar aos estudantes uma sugestão de leitura - num tempo de “Isolamento” e de desafiante “contemporary challenge” acerca do “tele-ensino” - não podia senão referenciar o seu livro “Transformação e Permanência na Habitação Portuense: As Formas da Casa na Forma da Cidade” (FAUP Publicações, Porto, 1999). Nele os alunos aprenderão acerca da influência georgiana na morfotipologia urbana da cidade do Porto burguesa do século XIX. Aprenderão com a influência simultaneamente portuguesa, italiana, e objecto de estudo “inglês”, que marcou o pensamento do Francisco sobre a arquitectura e a vida. Aprenderão sobre “transformação”, mas também sobre “permanências”. E, assim, melhor reflectirão neste excepcional momento que vivemos, sobre as temporalidades da arquitectura, a escola, a vida e os bons homens com que nessa nos cruzamos. /  

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