writings on architecture, design and cultural studies (incl. cedric price, gordon pask and many other stuff)
10/19/07
Novos modelos comunicacionais e mobilidade urbana, 2004
Reflexão sobre novos modelos comunicacionais de mobilidade urbana
Arq Gonçalo Furtado (Universidade do Porto) e Eng. Miguel Oliveira (Universidade de Aveiro)
In: Razón y palavra, Mexico, N41, Outubro Novembro 2004.
"Relação entre modos de Espaço urbano, Comunicação e Pensamento
O homem é homem por possuir uma determinada comunicabilidade, mas tal pode ser complexificado contemplando as relações espaço urbano – comunicação - pensamento.
Atenda-se que a sedentarização foi tão crucial para o desenvolvimento da espécie humana como a Linguagem, e a constituição da cultura urbana foi algo construído ao longo de séculos.
A cidade surgiu como espaço circunscrito e delimitado em relação à tenebrosa imensidão do que estava para lá das muralhas onde habitava o “outro” selvagem. Não por acaso, o outro selvagem era frequentemente apenas o “estrangeiro” que não partilhava uma mesma linguagem ou o nómada que se movia fisicamente.
Durante séculos, o homem confinado a um espaço fechado tradicionalmente chamado cidade, onde ocorria um tipo de mobilidade circunscrita e um modo de comunicação e pensamento linear e hierárquico, tinha nesses três aspectos reflectida a sua essência.
Mas a cidade por si própria, enquanto expressão material de humanidade, teve historicamente várias caracterizações: do assentamento pré-industrial, á grande cidade industrial, à Metrópole moderna com subúrbios, até a grande Metapolis policentrica e dinâmica actual.
A cidade sempre foi um artefacto cultural que representou a ideia que o homem faz do mundo e de si próprio. Essa ideia era também unificada por um tipo de pensamento e linguagem determinado inicialmente pela razão teológica e posteriormente humanista e, até muito recentemente, de característica una, hierárquica e linear. Por isso a cidade se definia e correspondia à imagem de um espaço concentrado, limitado, por contraste ao espaço natural para lá das muralhas da cidade. Uma das mais sintomáticas expressões desta realidade é que quando o homem tinha de representar a cidade, sempre o fazia mediante uma representação estática e circunscrevível (mediante uma planta ou um desenho “perspectivado”). Também o pensamento era uno, linear e hierárquico.
Que potencialidades aportam as recentes tecnologias da comunicação?
Parece de facto, que muitos tem associado a emergência de novos modos de comunicação interactiva e móvel na ultima metade do século, aquilo que os filósofos chamam de Pós-modernismo – um modo de pensamento não marcado pelo determinismo uno, linear e hierárquico.
Tal é expresso por analogia na História da Arte da ultima metade do século, que fazendo uso de novos media, tem contornado a figura do público enquanto mero espectador (as performances, happenings, e agora net art, etc.). A obra de arte não possui já uma verdade e é apropriada por qualquer pessoa em interactividade.
Mas também nas comunicações quotidianas. Se os mass media houveram imposto, sobretudo desde o pós-guerra, a conformação de uma sociedade homogeneizada de consumo, em que a verdade e razão se criava por aquilo que a rádio, a televisão, etc. ditava; o desenvolvimento de formas de interferência pelo publico nos media, expressa um dos grandes benefícios que as novas tecnologias de comunicação permitirão á sociedade
Neste sentido, é também interessante que as tecnologias media Modernistas (TV, cinema, etc.) tenham começado a permitir uma representação dinâmica da cidade quando ela sofria uma grande mutação.
Se espaço, pensamento e comunicação se transformavam no pós-guerra, é porque toda a essência do homem por eles definido estava em transformação..
A história urbana do último século, mais precisamente desde a industrialização, é de ampliação e depois desfragmentação. A cidade moderna prognosticado desde o inicio do século, deu génese aquilo a que podemos chamar estilo de vida urbano. Tal processo de mutação acelera-se no pós-guerra, socorrendo-se de múltiplas tecnologias de mobilidade, como o carro que permitiu à comunidade viver para lá do anel suburbano, etc.
Progressivamente, com tamanha disseminação e complexificação, surge paralelamente um, crise incluso conceptual.
Quando a cidade perde a sua limitação e contraste com o território envolvente, que até então a definia enquanto tal, podemos continuar a falar de cidade?
A resposta é afirmativa. Webber há muitas décadas começara a definir uma cidade mais pelas dinâmicas e relacionamentos que estabelecia do que pela sua fisicidade. Hoje, autores como Ascher falam numa Metapolis, um cidade feita de relacionamentos dispersos pelo território.
Neste realidade, os estilos de vida ficaram bastante dependente da mobilidade, da mobilidade física como tinham na cidade industrial que referimos, mas também da virtual pelos meios de representação telemáticos á distancia. Passámos de seres estáticos a ser móveis. Incluso, em termos de pensamento, em que começamos a privilegiar um modos de pensamento já não encerrado e hierárquicos mas aberta e rizomaticamente pós-modernos para usar o chavão do filósofo Deleuze.
Neste sentido é interessante, que a cidade, agora em mutação física e desfragmentação em dinâmicas múltiplas, se torne também complexa e imaterial na hora de ser representada numa imagem. A cidade afronta uma certa impossibilidade de representação que não seja múltipla. É neste sentido que se compreende o aporte dos novos Sistemas de Informação Geográfica (SIG’s) por exemplo.
Quanto ás tecnologias que permitem o estilo de vida numa "Meta"polis, já não é o carro da cidade industrial, ou mesmo os mass media tradicionais da grande metrópole do pós-guerra. O novo meio de deslocamento é o artefacto computacional de comunicação conectado a redes de cabo e alambicas que permitem a inevitabilidade de um estilo de vida nomádico na Metapolis contemporânea.
A Sociedade da Informação
A actual condição pós-moderna de mobilidade, de pensamento, de representatividade e interactividade, vem-se expressando metaforicamente na cidade e dentro da cidade numa edificação geometricamente instável que tende para uma condição imagética e de desmaterialização.
A pergunta será que significam estes espaços que vem emergindo com o aflorar da Sociedade da informação?
A resposta é o desejo cultural de um novo modelo de comunicação para a cidade.
Atenda-se agora um pouco mais no que é a sociedade da informação, como se conformou, em que tipo de tecnologias se baseia, a sua presença no quotidiano das actividades da sociedade, e também como tem sido implementada na Europa, os seus benefícios e perversões.
Começando por definir SI: vemos que tal modelo social surge por oposição à agrícola ou industrial, onde a informação se tornou em algo crucial, por exemplo para a cooperação, competitividade e produtividade empresarial. (De facto, constatamos que os serviços atingiram os 50% da actividade humana, revelando desde a crise energética do pós-guerra um novo paradigma económico). Vivemos a realidade da globalização que salienta aspecto extensível de todas as actividades humanas do local, (por exemplo da economia), a uma escala supranacional e planetária .
Por outro lado, tudo está marcado pela “imediaticidade” actual e a “mediatização” da relação com o real, em que a actividade humana tende a ser independente da condição fisica-material (podendo assim falar-se numa nova concepção espaço-temporal – o ciberespaço) .
O referido só é possível, pela convergência da Informática e Telecomunicações, que conduziram ao referido modelo social, adjectivável como SI, e que deveríamos contemplar mesmo que sumariamente.
O desejo de comunicação à distância (que conduz à concentração do mundo), é histórico e remete obviamente para descobertas desde o século XIX (com o telégrafo, o telefone, e depois a TV e os actuais computadores) que significaram uma ampliação comunicacional.
No que se refere à informática, é visível a progressiva omnipresença.
Por exemplo pela progressiva miniturização dos computadores de válvulas da segunda guerra, passamos a mainframes de transístores do meio científico e á associação de transístores à placa de circuito impresso que permitiram os PC os microprocessadores abrindo caminho para PC dos anos 70.
Por outro lado ocorreu uma sua generalização devido à intuitividade de uso, pelos novos interfaces gráficos e lógica plug and play que substitui a figura do programador pelo utilizador.
Mais recentemente , prevêem-se mesmo já interfaces de lógica vaga, delegação PDA, e RV multisensorial imersiva.
Em suma, vemos que por vários aspectos se verifica uma omnipresença destes meios em todos sectores humanos, e para além disso, também as suas capacidades (de armazenamento e velocidade segundo a lei de Moore) ) exponenciam-se desde anos 70.
Um passo decisivo nas últimas décadas refere-se obviamente às telecomunicações. Os anos 90 marcam uma articulação do computador com as telecomunicações, surgindo novos aparatos, o Network Computer e a TV digital com as suas promessas de oferta de serviços (já prognosticados por coisas como pela Full Service Network da Time Warner Cable que levou serviços ao domicilio).
Tal convergência conforma em sentido metafórico num novo sistema nervoso para a sociedade (composto por diferentes tecnologias de cabo, satélite, terminais, midleware services de segurança, dinheiro electrónico, etc.).
A actual Internet especificamente, é vista como um protótipo de tal, tendo-se tornado um fenómeno social, com aplicações múltiplas. Entre elas o e-comércio é importante dado que é o privado que tem promovido a SI, e a maioria dos conteúdos ser comercial, (se se preveja pagar por bits e não por tempo). Hoje, empresas virtuais competem com as suas gémeas físicas (ex. Amazon de Jeff Bezzos que foi o homem de 1999 pela Times), ainda que nos últimos anos tenham amainado tal euforia, e o êxtase das capitalizações bolsistas e fusões (tipo AOL), tenham diminuído o interesse por parte do capital de risco.
A importância da SI é tal que se tornou num projecto político.
NA CEE a implementação do modelo da SI (que seguiu o plano tecnológico americano de 1993) deu-se com o plano Delors e Relatorio Bangman (1994) e mais recentemente com o programa e-europe. A estratégia vem-se tornando visível com a liberalização das telecomunicações, o privilegio de serviços e acesso à Net. etc
Mas também é certo que se verifica um atraso mesmo da Europa relativamente à dinâmica americana, por exemplo no referente a n.º PC, acesso Net, e valores envolvidos no e-comerce, etc.
Mas que Benefícios e prejuízos comporta a SI?
Ainda que o titulo de curiosidade, é necessário consciencializar a ferocidade com que operam os novos media sobre a colectividade de acordo com os interesses Multinacionais. Pode mesmo ocorrer uma mutação cultural que conduza a colapsos (como refere o filosofo da comunicação Virilio) nos Estados, na identidade, na subjectividade, etc..
Existem outras consequências já visíveis, como por exemplo as desigualdades (entre info-excluídos e incluídos); as estandardizações culturais pela estratégia das multinacionais de propagar o imaginário de consumo (Schiller), pelo uso principal do inglês, pela ausência de conteúdos de culturas minoritárias, etc..
Os actuais fundamentalismos que se vem expressando podem ser também vistos como reacção a uma globalização desigualitária em curso, a perca de identidade de muitas culturas e a falência do Estado na regulação dos excessos da globalização.
Outro problema é a propagação do “controle” que o filosofo Faucault analisou quanto á anterior sociedade industrial. Na actual sociedade pós-industrial da informação (com a realidade de mecanismos como o GPS, sistema monetário internacional tipo VISA, Echellon, etc.) conforma um panóptico digital e uma forma de “consumo produtivo” (como refere o filosofo Echeverria) que recorre também ás as novas tecnologias da comunicação.
Surgem problemas como a intimidade e propriedade que põe o problema da encriptação e legislação, que obviamente interferirá a liberdade comunicacional original da Net.
Relação da SI com o espaço arquitectónico
Após esta sintética caracterização da SI, pense-se agora não só na cidade que já abordada mas também na Arquitectura que nos é mais próxima.
Como dissemos, a cidade contemporânea adquiriu novas formas e dinâmicas numa nova geografia global que especializa a organização económica pós-industrial. Soja fala de um post-metropole e outros de "Meta"polis.
As Novas Tecnologias são o que possibilitam a vida na metrópole difusa, respondendo ao imperativo de mobilidade, e conformando território híbrido fisico-virtual (Granham). Na Teoria de Arquitectura salienta-se como principais autores Echeverria e Mitchell, que usam metáfora da polis para entender esta sobreposição fisico-virtual, e a descentralização da produção –consumo. Para Mitchell do MIT estamos perante uma uma nova E-topia em termos urbanos.
Mas como já denotámos, a montante da reformulação da cidade é necessário reinventar os espaços da Arquitectura.
A actual produção arquitectónica prenuncia já a transitoriedade e hibridez cultural, em formas flexíveis, imagéticas, efémeras e desmaterializadas, tal como já referimos.
Mas a um nível mais concreto, prevêem-se o que chamamos smart-spaces , espaços tecnologicamente ricos, inteligentes e interactivos, que asseguram a conexão real-virtual.
Numa Arquitectura do futuro, a informação será um atributo, permitindo performances independentes da localização, mas também requererá novos espaços marcados pela flexibilidade e versatilidade de usos.
Segundo o teórico de arquitectura Vidler, um dia o corpo-cyborg, expandido pelo seu desejo de mobilidade, poderá mesmo prescindir da Arquitectura.
Mais que utopicamente falamos num ser humano que progressivamente foi reformulando e ampliando as suas relações com o espaço da cidade e arquitectura em que actua, reformulando os seus modos de comunicação e pensamento, que em grande parte contribuem na definição da sua própria essência.
Parece que com as Novas Tecnologias voltamos realmente ao modelo ancestral do homem nómada. Todos somos nómadas, habitando cartografias múltiplas, simultaneamente distantes e próximas, etc.
As Novas Tecnologias surgem sempre são próteses, no sentido em que ampliam a capacidade do homem, mas também profundos reformuladores da sua essência. As tecnologias da comunicação física (como o carro) ou móvel (como o telemóvel) tem reformulado a essência do homem e o estilo de vida urbano, e a montante a evolução de novos modos de cidade e das relações humanas no território.
...
Nota conclusiva
Como conclusão, cremos que percorrendo este conjuntos de relações e modelos de novas tecnologias móveis, podemos conceber um novo modelo de comunicação móvel que esteja mais de acordo com o tipo de espaço urbano que historicamente se vem confirmando com os estilos de vida urbana emergentes contemporâneos, e incluso metaforicamente com o tipo de pensamento rizomático que a Filosofia hoje ambiciona.”
See: http://www.cem.itesm.mx/dacs/publicaciones/logos/anteriores/n41/furoli.html#au
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