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9/5/25
CONVERSA SOBRE ESCOLA DO PORTO _ 2024 (Nuno Almeida, com Gonçalo Furtado)
CONVERSA SOBRE ESCOLA DO PORTO _ 2024
(Nuno Almeida, com Gonçalo Furtado) /
[Gonçalo Furtado] - Nuno, nasceste no Porto?
[Nuno Almeida] - Eu nasci e cresci no Porto.
[GF] - Em que ano ingressaste na faculdade?/
[NA] - Vou ter de fazer contas para me lembrar do ano em que entrei na faculdade. Acabei em 1997 e repeti um ano, por isso entrei em 1990. Candidatei-me pela primeira vez ao ensino superior em 1989, mas só entrei em 1990.
[GF] - Candidataste-te mais do que uma vez. Eram anos conturbados: em que surgiu a primeira PGA, a Prova Geral de Acesso; e, posteriormente, tiveram início as Provas Especificas.
[NA] - Sim, foi um período em que o acesso ao ensino superior parecia mudar a cada ano. Fiz a primeira Prova Geral de Acesso em 1989; não me correu bem e não entrei. Na altura o acesso a arquitetura não era permeável com artes. Por isso no ano que fiquei à espera, fiz o 12º ano de artes com Desenho como disciplina nuclear./
Tínhamos também de fazer provas independentes de acesso a cada faculdade. Fiz no Porto e em Lisboa. No ano seguinte candidatei-me tanto a arquitetura no Porto e Lisboa, como a Belas Artes no Porto.
[GF] - Entraste então, e as aulas do 1º ano ainda eram nas instalações da escola de Belas Artes?
[NA] - Sim, o 1º e 2º anos eram ainda no edifício das Belas Artes. Fiz lá até ao meu segundo 2º ano, e foi só no meu 3º ano que fomos todos para os novos edifícios da Faculdade no Campo Alegre, ou seja, em 1993.
[GF] - E o ambiente, como era?
[NA] - O ambiente era um ambiente típico de faculdade. O pessoal... Como era o ano da PGA e de provas de acesso feitas pelas faculdades, tenho a impressão que entrou algum pessoal que não tinha entrado antes.
[GF] - Ou seja, pessoal que estava à espera há algum tempo para entrar.
[NA] - Talvez… porque a PGA, e principalmente as provas feitas por cada faculdade, permitiu algumas pessoas que se calhar não tinham as médias mais elevadas, entrar. Portanto, o pessoal talvez fosse mediamente um bocadinho mais velho do que era até ali. Mas por essa também altura tinham começado os cursos na Lusíada e na Faculdade de Coimbra, começava a haver mais escolha. Nos anos seguintes deu-se o início da proliferação dos cursos privados, e os cursos de arquitetura começaram a ter imensa procura com. E a popularidade do curso resultou no aumento das médias de entrada.
[GF] - E os professores da altura? Foi o último ano em que o Fernando Távora deu aulas?
[NA] - No primeiro ano tivemos aulas com o Távora, mas não me lembro de ter sido o seu último ano. O meu professor de projeto era o Nuno Lacerda…
[GF] - O Nuno Lacerda que passou pelo Pólo de Viseu.
[NA] - Ah! Sim, ainda havia Viseu também nessa altura. Eu acho que ele já tinha dado lá aulas, mas tinha passado para o Porto. A desenho tinha o Grade, e lembro-me de me divertir imenso com a professora de Geometria - a Helena Albuquerque. E Geometria foi sempre uma coisa que me fascinou e foi uma das coisas com que sempre continuei a lidar.
[GF] - O 2º ano?
[NA] - O segundo ano foi o ano em que eu reprovei. Foi uma confusão... Foi um ano um bocado esquisito, porque salvo erro foi nesse ano que havia... três regentes de projeto – o Alves Costa, o Ricardo Figueiredo e o Correia Fernandes, penso eu.
[GF] - Houve, creio que em 1992, uma mudança curricular na escola, que incluiu a passagem do estágio do 6º para o 5º ano.
[NA] - Sim, foi isso, e foi também uma das razões pelas quais me comecei a interessar pela Associação de Estudantes. Cinicamente, poder-se-ia dizer que essa mudança curricular se deveu ao atraso das obras nos novos edifícios no Campo Alegre. Magicamente, ficaram dois anos em estágio, fora da Faculdade (os que iam do quinto para o sexto, e os que iam do quarto para o novo quinto), e ganhava-se espaço./
E penso que foi por isso que tiveram de pôr 3 regentes a projeto no 2º ano, cada regente com uma turma se não estou em erro. O meu era o Alves Costa…
[GF] - E repetiste as disciplinas de Projeto e Desenho?
[NA] - Quase sempre quem reprovava a uma cadeira reprovava à outra. Aquele ano foi muito difícil, lembro-me de muita desorganização, de muita incompreensão, para mim foi um desastre, mas não me lembro dos detalhes… Não me correu nada bem, andava chateado com tudo e reprovei./
E no início do segundo 2º ano, eu estava um bocado em baixo, cheguei a questionar se era aquilo que queria. Lembro-me que era preciso formar grupos de cinco, mas um grupo insistiu em incluir-me como sexto elemento: a Marta Mendonça, o Pedro Campos Costa, a Rute Carlos, o João Fernandes e o Adelino Magalhães. Penso que me conheciam porque, entretanto, tinha começado a minha atividade extracurricular.
[GF] - Havia a lista do Luís Calau, que ganhou a Associação de estudantes, com quem tu virias a trabalhar.
[NA] - Penso que aí eu ainda não participava na Associação. Participei numa lista que perdeu contra o Calau. Devia ser no fim do 1º ano ou no início do 2º.
[GF] - Foi o período de luta contra as propinas, em início dos anos 90, com manifestações em Lisboa.
[NA] - Sim, nessa altura o foco do Calau na Associação era mais interno, penso, mas em 1991/92 começam as manifestações e, não sei bem como, eu e outros colegas começámos a organizar as idas a Lisboa com o pessoal das Belas Artes, e independentemente da Associação, e acho que era daí que me conheciam…
[GF] - Os colegas do ano que repetiste?
[NA] - Sim, foi também um ano estranho para a faculdade. As obras não tinham acabado e o pessoal que no ano anterior tinha ido para o estágio no 5º, voltou para as aulas do 6º ano. A folga dada pela mudança curricular não tinha sido suficiente. Além disso o Pólo de Viseu fechou. Viseu só tinha o 1º e 2º ano. O pessoal que passava para o 3º juntava-se aos do Porto. Nesse ano aqueles que passaram para o 2º também se juntaram a nós nas Belas Artes. Se não estou em erro, ficou só o 2º ano nas Belas Artes e os caloiros do 1º foram os primeiros a usar um dos novos pavilhões da faculdade, bastante isolados do resto da faculdade.
[GF] - Que professores tiveste nesse ano?
[NA] - A projeto tive o João Álvaro Rocha e a Desenho tive o António Quadros.
[GF] - Pois, o pólo em Viseu tinha fechado… E depois do Aberto Carneiro tiveste aulas com o António Quadros?
[NA] – Sim, no ano anterior, em que reprovei, tive aulas com o Carneiro. Neste ano, metade do ano tinha o Alberto Carneiro e a outra metade tinha o António Quadros. Fiquei na metade do Quadros e a diferença foi como entre dia e noite. Foi um ano fortunado para mim, fui adotado por esse grupo de cinco amigos e apanhei o Quadros.
Há um par de anos, fui a um churrasco que comemorou a licenciatura desse ano - 25 anos. E depois de ter lá estado, estive a pensar em quem foram os professores que me marcaram na faculdade. E, tristemente, provavelmente é um, ou um e uns quantos fragmentos de poucos outros, talvez. Mas essa uma pessoa é sem dúvida o António Quadros. Sem dúvida. Toda a gente ouvia falar dele. Depois, quando ele chegou lá, pôs aquilo de pernas para o ar./
[GF] - Foi uma pessoa que, em determinado momento estivera no estrangeiro. E depois esteve em Viseu e no Porto. Falaram-me de que em determinado momento organizou uma semana do desenho . . ., conseguiu convencer todos os outros professores a, nessa semana só se desenhar. . ., pinturas na parede e vassouras com tinta, etc.
[NA] - Foi connosco, mas atenção não foi uma semana de férias para nós (foi para os outros professores), foi uma semana o dia todo a desenhar, a pintar… Mas o impacto dele não foi só essa semana./
Nesse ano gostei imenso de trabalhar, gostei do João Álvaro Rocha. Achei um tipo interessante e mais aberto que a maior parte das pessoas da faculdade. Fiz um projeto que eu pensava estar muito bom. E tinha tido uma avaliação muito positiva do Álvaro Rocha.../
O Quadros quis ver todos os projetos e quando lhe apresento o meu projeto, em poucas frases, sem ser negativo, desmontou-me o projeto. A minha memória desse momento é fantástica. Como, não conhecendo o projeto, não o tendo seguido como o João Álvaro Rocha, teve a capacidade de olhar para aquilo, explicar-te o potencial do teu próprio projeto, ao mesmo tempo que o deixa em cacos espalhado pelo chão, à tua frente, mas sem ser uma coisa que te deita abaixo, desenha-te, justifica-te.
[GF] - Uma experiência de aprendizagem… O desmontar do projeto, sem deixar de revelar o seu potencial e seus possíveis desenvolvimentos.
[NA] - Isso, brutal. Se calhar nem 10 minutos, não sei. Mas provavelmente é a memória que eu tenho mais significativa de todo o curso da faculdade, essa sensação de alguém ver através de alguma coisa, indicando uma direção, mas ao mesmo tempo destruindo-a. E foi uma coisa maravilhosa, foi uma coisa realmente... Foi assim, é um momento mesmo significativo na minha carreira, porque... Porque abriu-me... Comecei a olhar para tudo de uma maneira muito diferente. Não me lembro especificamente o que é que foi, mas lembro-me dessa sensação de... Aquilo que eu dizia há bocado, levantar o véu e de repente... Mas olha, aquilo que tens aqui é mesmo isto. E não... o que pensas que tens. Mais do que todo o ano em que estivemos a fazer desenho e pinturas e não sei o quê, foram aqueles minutos com o Quadros que me formaram, eu acho.
[GF] - Um momento único.
[NA] - Diferente. Muitos na faculdade eram mais de verdades absolutas. Eu acho que era uma faculdade, muitas vezes, com uma linha algo rígida . E talvez continue a ser… quando eu vejo… Alguém mandou aí num grupo que temos uma fotografia de umas maquetes. E podias ter-me dito que tinha sido feita há 30 anos.
[GF] - Dizes que é uma faculdade de verdades absolutas…, mas foi é uma faculdade que eu acho. . . absolutamente a chave na altura.
[NA] - Não sei, era uma faculdade absolutamente chave? É sempre chave na nossa época, não é? Mas seria? Já na altura era algo parada no tempo e sem grande exploração. Não sei como é agora mas 10 anos ou 15 anos depois de acabar o curso, passei pela faculdade e em projeto estavam a fazer o mesmo programa, no mesmo sítio, a mesma coisa./
Portanto, eu não tenho assim grandes memórias positivas da faculdade. As mais positivas que eu tenho, é mais no tentar mudar, no lutar.
[GF] - O 4º ano para ti foi o último ano na faculdade, porque depois foste para a Espanha.
[NA] - Sim. No 4º ano tive o Manuel Botelho a projeto. Ia a poucas aulas, estava sempre bastante ocupado, na Associação, no Conselho Pedagógico. O Botelho foi o único professor em todo o meu percurso, que demonstrou diretamente compreensão e apreço por esse trabalho que eu fazia fora das aulas.
Ah, a propósito disso, no 4º ano também tínhamos o Jacinto Rodrigues, a Teoria da Arquitetura Contemporânea, e a Anni Günther era assistente Eram duas pessoas que me pareceram fora da onda na faculdade. Ao Jacinto achava piada à sua paixão assolapada pelo Siza, enquanto demonstrava um antagonismo a respeito da pedagogia da faculdade, ou pelo menos contra o pessoal institucionalizado./
Um dos trabalhos desse ano, pedia uma reflexão sobe a ligação entre programa e projeto de arquitetura. Fiz o trabalho com o Pedro Campos Costa e escolhemos o projeto da Faculdade de Arquitetura./
Foi uma espécie de manifesto em que o nosso argumento era que o projeto da FAUP era a tradução fiel da sua pedagogia. Na nossa opinião o curso sofria com a estanquicidade entre anos e cadeiras, a falta de flexibilidade, alguma falta de diálogo entre as partes, alguma descontinuidade, o olhar só numa direção, privilegiar a contemplação e menos a curiosidade e a descoberta./
O projeto da FAUP espelha isso, organizada em blocos, por anos, por turmas, por estirador, não dá aso à convivência, à partilha de ideias./
Até a falta de impacto da Faculdade na sua cidade, parecia-nos corresponder à invisibilidade projeto quando visto do Porto. Quem vem de fora e atravessa o Rio sabe que o Porto tem uma Faculdade de Arquitetura, mas quem está no Porto não a vê. A FAUP (instituição e projeto) só se vê de fora do Porto./
O Jacinto Rodrigues grande admirador do Siza e grande crítico da pedagogia da FAUP, discordava completamente deste ponto de vista.
[GF] - Na nossa altura os anos estavam divididos por torres, e as turmas em salas dimensionadas como pequeno atelier. . . mas também tens a galeria até ao bar que se pode ver como verdadeira learning street.
[NA] - No primeiro ano em que estivemos no edifício novo, os estiradores estavam aparafusados ao chão organizados uns atrás dos outros, como na escola primária em que estão todos virados para o mesmo lado, para o “quadro” na parede do fundo. Uma das turmas desaparafusou-os e reorganizou-os como uma ilha central – foi então um escândalo!!/
Apesar do Jacinto Rodrigues discordar – e tivemos umas discussões animadas sobre isso – aceitou o argumento, e essa liberdade intelectual e capacidade de aceitar os argumentos mesmo discordando foi refrescante. Parte desse trabalho tinha um vídeo e uma “instalação” em que ligámos os diversos níveis dos blocos da Faculdade com fitas de sinalização vermelha e branca. Em contraste com a abertura do Jacinto, a reação de alguns professores foi agreste, com um professor a gritar-nos “OS ALUNOS NÃO MERECEM ESTA ESCOLA!”, ao que nós respondemos imediatamente “POIS NÃO!”
[GF] - Tens memória? De mais professores?
[NA] - Acho que nunca foram meus professores, mas no Conselho Pedagógico estive regularmente com o Pedro Ramalho e o Manuel Mendes, além da Anni Günther.
[GF] - O Conselho Pedagógico devia ser presidido pelo Pedro Ramalho, e incluía pessoas como o Manuel Mendes e a Anni Günther. Tu e outros alunos representando o corpo discente
[NA] - Penso que éramos três estudantes, eu, o Calau e penso que o Pedro Campos Costa. Tenho boas impressões desse grupo. O Pedro Ramalho sempre muito calmo e o Manuel Mendes e a Anni Günther sempre com bom sentido de humor e abertos à discussão.
[GF] - O 5º ano?
[NA] - Pois, como disseste o 4º ano foi o meu último ano na faculdade. Durante o primeiro período, estive a fazer a transição das coisas da Associação de Estudantes, na qual, entretanto, era presidente da Direção. Em janeiro, fui para Barcelona com o objetivo de fazer o estágio./
O estágio foi fantástico e remunerado (uma das razões para ir para fora) com o Carlos Ferrater. Ele é também uma personagem marcante no meu percurso profissional, tanto a nível do projeto, como da prática da arquitetura. Abriu-me os olhos para a arquitetura enquanto obra coletiva e não do artista/autor singular. Sempre com um pulso forte nos projetos que são claramente seus, mas que não são necessariamente feitos pela sua mão. E uma capacidade de ver o potencial nas ideias dos outros e, ao guiá-las, integrá-las no projeto. Ao projetar, as ideias, as soluções, deixam de ser tuas e passam a pertencer do projeto./
Foi um período muito intenso, muito enriquecedor, e muito divertido… e foram só pouco mais de sete meses.
[GF] - E memórias do 6º ano, em que tiveste em Erasmus?
[NA] - Apesar de ter adorado Barcelona, parecia-me demasiado perto cultural e socialmente de Portugal. Fui através do Erasmus para Copenhaga. Copenhaga foi uma experiência interessante, apesar de algo frustrante. Em contraponto à rigidez do currículo do Porto, o currículo de Copenhaga era completamente flexível e fluido, tanto que te escapava entre os dedos. No departamento de urbanismo, onde eu estava, culturalmente tinham uma atitude de aceitar tudo o que se propunha sem questionar ou discutir, era um ambiente bastante acrítico. Era o extremo oposto do Porto./
Mas com coisas potencialmente muito interessantes. O departamento era pequeno, uns 10/12 estudantes, dos quais pelo menos metade eram de intercâmbio interno (entre universidades dinamarquesas): três de paisagismo, dois de geografia, dois de engenharia e eu de Erasmus. Este tipo de intercâmbio não só entre faculdades de arquitetura, mas também interdisciplinar, era impensável em Portugal, e se calhar ainda é./
Depois, vim a Portugal fazer a inspeção militar, passei à reserva, e parti para Berlim em busca de trabalho. Em dezembro de 1997, vim fazer o exame de estruturas que tinha ficado para trás e encerrei o percurso académico…
[GF] - Então praticamente saíste do Porto em 1995... Penso que foi em 1995 que houve umas Jornadas Pedagógicas
[NA] - Sim, 1995 foi o meu último ano na faculdade. No início do ano letivo 1995/96 organizámos as Jornadas Pedagógicas e uma série de outras atividades.
[GF] - Em 1993, quando eu ingressei - tu já estavas próximo do Associação do Calau. Recordo que eras uma pessoa não elitista e que tinha relação afável com o 1º ano.
[NA] - A história do meu envolvimento na Associação de Estudantes não é linear. Acho que ainda no 1º ano, ou talvez já no 2º, fui recrutado por uma lista. Eu não conhecia ninguém pois eram todos tipos que já estavam no Campo Alegre enquanto nós estávamos nas Belas Artes. Era uma lista relativamente alinhada com a escola, penso até de continuidade com a anterior direção. Não faço ideia como chegaram a mim, mas foram os únicos que me abordaram… e perderam… perdemos…
[GF] - A lista que estivera antes saiu. A lista que ganhou então foi presidida pelo Luís Calau.
[NA] - Sim, ganhou o Calau. Tenho uma vaga ideia que a lista que perdeu (de que eu fazia parte) ficou bastante chocada porque o Calau era bastante mais antissistema.
[GF] - E nos anos seguintes?
[NA] - Eu, entretanto, tinha começado a organizar, com outros do meu ano, as idas a Lisboa para as manifestações antipropinas, com Belas Artes. Até porque a Associação estava no Campo Alegre, que era “longe”. Não havia telemóveis, nem emails, era tudo mais local. O Calau não era muito dessa luta, ou pelo menos era a impressão que eu tinha./
No ano seguinte, o Calau estava a montar outra lista, viu-me ativo e tentou convencer-me a entrar para a direção. Por causa das propinas, eu queria estar mais ou menos independente da direção e propus ir para a mesa da Assembleia Geral de Estudantes. Com esse cargo mais ou menos independente, ia aos encontros nacionais de dirigentes associativos (ENDA), que era a parte que me interessava mais na altura. O Calau disse, muito bem, mas vamos os dois aos ENDA. E foi o início de uma grande amizade…
[GF] - Pelo que dizes, ele interessou-se em incorporar uma pessoa ativa, independentemente de essa ter uma agenda própria, em órgãos da Associação.
[NA] - A ideia foi mesmo essa de dizer, ok, vamos juntar forças, porque não há muita gente ativa nesta faculdade e vamos fazer algo internamente e externamente./ Estivemos sempre muito alinhados nas questões internas das disciplinas, dos problemas que havia na altura.
[GF] - E em termos de relações externas à faculdade? Tiveste relações com a FAP e presumo com a reitoria.
[NA] - Sim. Arquitetura, pelo que eu me apercebi, nunca tinha tido grande participação na FAP (Federação Académica do Porto). Eu comecei a ir às assembleias da FAP em representação da AE na altura da luta contra as propinas, e começámos a abanar um bocado aquilo. A FAP tinha tradicionalmente uma posição mais alinhada com o governo. Depois as associações começaram a mudar e o Fernando Medina foi eleito presidente, virando a FAP ligeiramente mais à esquerda…, mas não muito…
[GF] - Tens filiação partidária?
[NA] - Não, nunca pertenci a nenhum partido.
[GF] - O Luís Calau conta uma história. . . do boato que correu de que ele se candidataria à FAP e de que teria afinidade à esquerda. . ..
[NA] - Tanto eu como o Calau tínhamos uma certa tendência para ir contra a corrente, e a FAP às vezes queria tomar posições que não representavam a opinião de uma parte significativa das Associações. Como nenhum de nós era alinhado politicamente, ou melhor, partidariamente (ao contrário de outras associações), conseguíamos dar voz a certas posições sem trazer uma carga ideológica. Regularmente, falava-se de tanto eu como o Calau assumirmos algum papel na FAP. Mas ambos tínhamos ideias de sair de Portugal e interessava-nos cada vez mais as questões internas na Faculdade.
[GF] - A AEFAUP presidida pelo Luís Calau coincidiu com o período da direção da escola pelo professor Alexandre Alves Costa, mas penso que presidida por ti coincide só com o período da direcção do professor Manuel Correia Fernandes.
[NA] - Sim, foi um período em que também andávamos a exigir novas instalações para a AE e, já não sei quando, mudámo-nos de um pavilhão pré-fabricado para as antigas cavalariças.
[GF] - Penso que saltaste para o Conselho Pedagógico, órgão que também integraste com o Luís Calau e outro colega. Penso que seriam dois ou três os representantes dos alunos no Conselho Pedagógico.
[NA] - As eleições para o Pedagógico, e outros órgãos da Faculdade e da Universidade, são independentes das da Associação. Depois de ganhar as eleições para a Associação de Estudantes, organizámos uma lista para os órgãos da Universidade, eu e o Calau, com o Pedro Campos Costa ficámos representantes dos estudantes no Conselho Pedagógico, mas era uma lista grande. Havia uma Assembleia de Representantes da faculdade, e representantes no Conselho Diretivo e na Assembleia da Universidade, salvo erro./
Ao Conselho Pedagógico, trouxemos uma série de ideias “estranhas”, como estabelecer e publicar critérios de avaliação e a necessidade de avaliação de professores. Foi um choque: os estudantes avaliarem os professores? Isto passa-se, é preciso dizer, antes da internet; pesquisar estas coisas não era fácil. Tivemos diversas discussões sobre isto, não me lembro quantas vezes é que nos reuníamos, mas com certeza não eram muitas. Ao fim de algum tempo, a Anni Günther apareceu com umas fotocópias que lhe tinha dado alguém que conhecia na faculdade de Psicologia. Eram uns inquéritos de avaliação aos professores… Era uma coisa que se fazia!
[GF] - E acho também que quando a vossa lista ganhou não houve lista alternativa.
[NA] - Depois da primeira eleição do Calau, as eleições em que participei foram todas com listas únicas. Havia pouca gente ativa, mais valia juntar forças, e havia uma relativa união entre os mais ativos.
[GF] - Um período ainda de mudança da faculdade, de um lado para o outro, de isolamento temporário na parte de cima do terreno, com a ânsia do término das obras e da passagem para a parte de baixo e edifícios novos.
[NA] - Sim, a cada início do ano havia problemas, tanto a nível nacional, como a nível da faculdade... eu já não me lembro de tanto, mas todos os anos havia algum problema: alguém que não dava aulas suficientes, ou cujas avaliações eram questionadas... os temas recorrentes dos atrasos nas obras das instalações e dos atrasos do início do ano letivo./
Depois, houve a questão da luta do Sr. Jorge e outros para entrar nos quadros da faculdade, em que ele fez a...
[GF] - Sim, a greve de fome pelo Sr. Jorge nas portas do edifico da reitoria foi nessa altura.
[NA] - Isso foi o culminar de anos de discussões e, na minha opinião, o resultado de um problema sistémico da gestão e de precaridade no Estado. Mas que neste caso afetava uma pessoa que era, e ainda é, muito querida e respeitada, tanto pelos estudantes, como os professores. Uma pessoa que estava sempre pronta a ajudar. Apoiámo-lo sempre e estivemos lá com ele à porta da reitoria quando ele embarcou na greve da fome. Era uma luta justa, das poucas que tiveram um resultado positivo. Não me lembro se foi imediatamente a seguir ou se ainda levou uns anos para eles entrarem nos quadros.
[GF] - Houve outra ocorrência que consistiu num cemitério de cruzes espetadas no jardim da escoa.
[NA] - Cemitério... Sim, penso que isso foi mais no início e uma iniciativa do Calau... plantaram as cruzes no jardim, a anunciar a morte da escola. Anos depois, fechámos ou portões com cadeados e marchámos com os caloiros para a Reitoria, também já não me lembro porquê… fazíamos assim umas coisas desse género.
[GF] - Entre os eventos então organizados, recordo-me particularmente dos Churrascos, para confraternização entre estudantes e eu que foram ganhando dimensão ao longo dos anos.
[NA] - Os churrascos eram um clássico onde também o Sr. Jorge tinha um papel central.
[GF] - Mas Aquando da tua direção acho que se percecionou um enfâse também na Receção ao recém-chegados, mediante atividades de acolhimento e integração.
[NA] - Sim, mas não só na minha direção… Tínhamos a receção aos caloiros, que era uma coisa um bocadinho mais simpática... tentávamos fazer uma receção de boas-vindas mesmo.
[GF] - Lembro-me que iam mostrar a cidade do Porto, à Ribeira, etc. E havia sempre aquela primeira aula simulada, pelo Sr. Valentim.
[NA] - Já nem me lembrava da aula, não sei se foi todos os anos./
A receção tentava ser uma coisa mais de convívio, para que o pessoal se conhecesse uns aos outros e conhecesse os anos a seguir. Eu sempre pensei que a praxe…, sempre a achei um bocadinho estapafúrdia. A única coisa boa da praxe era exatamente o quebrar do gelo, tentar que as pessoas passassem algum tempo juntas e convivessem. Até porque vinha muita gente de fora do Porto, muita gente que estava a viver sozinha pela primeira vez, sem colegas do secundário. Tentávamos fazer isso sem aqueles jogos de humilhação que às vezes se veem por aí, e que me parecem absolutamente desnecessários.
[GF] – Acresce as viagens ao estrangeiro que, penso, que eram organizadas a partir dos próprios anos, etc.
[NA] - Viagens, havia... No meu ano houve sempre viagens, mas não tenho a certeza se isso continuou. A Associação ajudava no que fosse possível, mas não era parte da nossa atividade, eram os próprios anos que organizavam./
Sempre pensei que a Associação de Estudantes, não devia ser Associação Recreativa e Cultural da Faculdade. Pensava por exemplo, que organizar conferências, por muito interessantes que fossem, era substituirmo-nos um bocadinho à faculdade. A faculdade é que deveria dar-se ao trabalho de organizar conferências de arquitetos externos que viessem ao Porto para falar e mostrar outros mundos. Ainda investimos nisso, mas não era o ponto central pelo menos da minha parte.
[GF] - Mas continuou o apoio à publicação de revistas?
[NA] - Havia a Unidade, não é? A Unidade... O Calau ainda publicou uma Unidade. Fez um concurso para a atribuição da Unidade.
[GF] - Eu depois estive no número seguinte, com o Pedro Bandeira etc, em 1995.
[NA[ - Acho que a do Bandeira ainda foi lançada pelo Calau, mas se saiu em 1995 já foi comigo. Provavelmente, atrasou.
[GF] - Acabaste então por fazer só um mandato como Presidente da Direção da AEFAUP?
[NA] - Sim, fiz dois mandatos como Presidente da Mesa da Assembleia Geral de Estudantes, com o Pedro Petracchi como vice-presidente e a Marta Mendonça como secretária da Mesa. E depois um mandato como Presidente da Direção./
Eu já estava no 4º e no ano seguinte ia para o estágio, tentámos ir buscar pessoal ao 3º e 2º, já não me lembro se chegámos a meter logo pessoal do 1º [confirmei entretanto que não, as eleições foram em Novembro]. E depois tentámos meter o pessoal mais ativo, não um grupo ou outro, mas misturar pessoal de vários grupos, com interesses diversos. Tinha comigo o Luís Vieira e a Benedita Corte-Real, do meu ano, o Frederico Eça do 3º, a Sara Ataíde, a Susana Freitas, e o Zé Luís Tavares do 2º, e o Ricardo Pereira e a Marta Silva, que penso eram do 2º, mas talvez fossem do 3º. Mas rapidamente começámos a envolver também o 1º ano… havia pessoal muito ativo como a Filipa Guerreiro (que foi a presidente da AE no mandato seguinte), o Pedro Castelo, o André Tavares.
Uns estavam mais interessados na política, outros nos assuntos da faculdade, outros na Queima. A ideia era meter pessoal para fazer a transição para os anos seguintes que ainda teriam dois ou três anos à frente.
[GF] - Lembras-te de outros empreendimentos, organizações ou apoios?
[NA] - Apesar de serem mais as questões pedagógicas e de representação e de defesa dos estudantes que me interessavam havia sempre espaço para organizar os churrascos, a Queima das Fitas e essas coisas. A certa altura o Pedro Campos Costa começou a fazer a Escola Superior de Teatro, e teve a ideia de criar o Teatro de Arquitetura do Porto. Demos o apoio e organizaram-se uma série de Workshops e um par de performances, talvez mais. Ainda descarrilamos um colega permanentemente para o teatro – o Nuno Nunes.
[GF] - E as jornadas de 1995? Começou pela ideia de pensar o que é a pedagogia de uma escola e a atenção a outros exemplos de pedagogia de uma escola.
[NA] - Contra aquilo que disse há pouco – acerca da Associação de Estudantes não dever substituir-se à própria faculdade – no último ano em que lá estive organizámos as Jornadas Pedagógicas. Queríamos refletir sobre o que era ensinar e aprender arquitetura. Por um lado, isso deveria ser um processo que uma faculdade deveria fazer continuamente. Por outro, estávamos convencidos de que a faculdade se calhar nunca a faria.
Foi uma iniciativa com uma participação muito alargada. Os anos anteriores foram os primeiros anos do programa Erasmus de intercâmbio de estudantes entre faculdades europeias, e começávamos a ouvir como funcionavam os cursos noutros países, tanto através dos estudantes visitantes, como dos colegas que tinham ido para fora e que voltavam (estes menos porque muitos iam no fim do curso).
[GF] - Isso foi uma das boas coisas do Erasmus desde os anos 90. Ir progressivamente abrindo e trazendo essas experiências.
[NA] - Numa altura em que não havia Internet, nem e-mails, conseguimos começar a recolher, também através desses contactos, depoimentos de vários cursos, de vários professores de toda Europa. Tudo através de fax e telefone fixo…/
Produzimos um documento de mais de 200 páginas de texto, com uma participação grande de estudantes. Uma grande participação internacional, com textos do Mario Botta, Luigi Snozzi, Giancarlo Carnevale, e arquitetos portugueses de vários cursos e também de fora da academia. Eu tenho uma cópia em papel, penso que incompleta e preliminar porque está cheia de notas e correções.
[GF] - Sim, publicaram uma compilação. E houve debates ao longo de vários dias. Foi um encontro importante.
[NA] - Creio que conseguimos ter várias participações externas, nacionais e internacionais, mas já não tenho o programa./
Praticamente, a receção ao caloiro de 1995/96 foi uma série de debates ao longo de uma semana sobre pedagogia… /
Injetámos uma série de discussões e temas bastante complexos nos novos estudantes. Tanto eles como muitos dos organizadores tinham o curso todo pela frente. Eu estava de saída e queria passar a bola o mais para trás possível, para tentar ganhar algum balanço, era essa a esperança…/
PARTE II/
[GF] - Dizes que, após a nossa primeira conversa, encontraste e releste uns textos.
[NA] - Sim. Entretanto, uma amiga minha encontrou um conjunto de textos meus numa caixa perdida que tinha lá em casa./
A maior parte foram escritos no meu último ano na faculdade e em que fui Presidente da direção da AEFAUP. Ao lê-los, vieram-me à memória uma série de coisas, principalmente sobre a faculdade. Não tanto sobre pessoas e mais sobre aquilo que nos preocupava.
[GF] - Que memórias te reavivaram os textos...
[NA] - Um dos textos é uma intervenção minha num debate. Eu não costumo escrever as minhas intervenções, mas não sei porquê, não só escrevi esta, como me lembro de a ler (o que é ainda mais raro). Era um debate sobre uma exposição de trabalhos no final do ano. No texto eu toco uma série de pontos que realmente reavivaram uma série de memórias. E por coincidência alguém enviou há pouco tempo uma foto desfocadíssima creio que desse debate.
[GF] - Terá sido próximo de uma das primeiras Anuárias?
[NA] - Pode ter sido, porque eu não me lembro de ter havido outras exposições do género nos anos anteriores.
[GF] - lembro-me de ser exposto na Anuária no meu 2º ano e, portanto, em 1995. Foi uma das primeiras, tendo os posters design pelo Francisco Providência. Não sei se te recordas disso.
[NA] - Isso eu já não me lembro, mas foi pouco depois das jornadas pedagógicas, porque refiro-as neste texto.
[GF] - Então, teria sido em finais de 1995.
[NA] - Uma das coisas que eu questionava na faculdade era esta obsessão pelo Projeto. Parece um bocado irónico, porque obviamente somos arquitetos, fazemos projetos, mas havia uma falta de reflexão sobre o próprio projeto, e uma das coisas que eu apontei foi a falta de textos. Ou seja, era tudo muito estético, no sentido em que era muito visual, muito formal, ... Eu não me lembro de escrever memórias descritivas.
[GF] - Eu escrevi em vários dos anos do curso.
Talvez, mas pelo menos não estavam ali expostas, não havia registo. Parecia repetir aquela banalidade de o projeto / o desenho fala por si mesmo. Foi algo que me pareceu relevante, porque a intervenção é toda à volta disso. A vontade de expor os desenhos, a beleza, mas não as ideias, de onde veio o boneco?
[GF] - Mas procedíamos às apresentações orais dos projetos…
[NA] - Sim, havia nas avaliações, mas mesmo aí não havia grande discussão, debate. Voltando à Anuária, mesmo que os textos existissem não estavam expostos e isso já revelava a vontade de se focar muito na imagem. Mas era mais profundo, porque no texto sublinho que não havia sequer uma explicação sobre qual era o programa ou o enunciado. Isto correspondia a uma crítica recorrente que fazíamos à Faculdade de por vezes ausência de objetivos claros e critérios de avaliação mais claros. Mesmo as cadeiras teóricas expunham só desenhos sem contexto, sem texto.
E isso é uma das coisas que anos depois, na minha prática, que continuo a insistir. Como é que se fomenta, tanto nas empresas maiores como nas mais pequenas, a partilha do conhecimento? Uma empresa tem de encontrar estratégias para, não só para ser eficiente, mas também para ser eficaz, ou seja, a cada projeto partir já de um patamar mais alto. E essa transmissão passa muito por comunicar, não receitas de projeto, mas as motivações do projeto e as motivações de certas opções, quer sejam conceptuais ou culturais, quer sejam técnicas ou regulamentares. Se não o fizer, se não fizer essa reflexão constante, anos depois só restam uma série de imagens. O projeto não é desígnio, não há só uma solução. Sem essa declaração da motivação estamos condenados a voltar sempre à estaca zero./
E isto é uma das coisas que na faculdade não havia, esta possibilidade ou esta vontade de compartilhar o conhecimento. Se tu tinhas a sorte de falar com o autor daquele projeto, daquela análise da igreja, não sei o quê, ficavas a perceber um bocadinho mais do que aquilo que os desenhos diziam. Se não tinhas essa sorte…
[GF] - Pode perde-se por vezes no vácuo, esfumar-se no vazio do tempo.
[NA] - E isto é uma coisa que afeta muito toda a imagem que tenho da faculdade e foi uma coisa em que nunca tinha pensado ou relacionado, mas que me motivou muito no meu percurso profissional depois. Esta coisa...
[GF] - Mas dizes sistematização, de critérios prévios à priori? Também à posteriori.../
[NA] - A sistematização de critérios que não são, como eu digo, não são receitas de projeto, são.../
A eficiência é ter uma receita. As receitas são importantes para certas coisas, tu sabes que o teu rótulo é aquele e que tu o preenches daquela maneira e tens um procedimento, não é?
A eficácia é diferente. A eficácia está ligada à tua experiência. Tu, porque tens mais de X anos de experiência, vais ser mais eficaz porque já passaste por algumas coisas. No entanto, numa organização, como é que tu como é que tu utilizas a experiência coletiva, se não tens a sorte de ter a pessoa que trabalhou naquele projeto específico, naquele momento específico? Tem de ser uma coisa ativa e, portanto, a comunicação das motivações e das razões dos projetos é uma coisa que sempre me interessou. Tentámos implementar sistemas de partilha de conhecimento nos UNStudio, onde fui diretor. E depois em trabalhos de consultoria com diversas empresas nacionais e internacionais, no campo do design de organizações./
Retomando o que dizia antes [Outra amiga, a Susana Machado encontrou depois o panfleto da nossa candidatura à AEFAUP (sendo que ela foi presidente da Assembleia Geral de Estudantes). Nesse texto está muito vincada essa necessidade de passagem do conhecimento] /
Neste contexto, as Jornadas Pedagógicas foram assim um momento extraordinário porque é só texto.
[GF] - Ficou a compilação em papel que fizeram nessa altura
[NA] - Como te disse tenho uma cópia de trabalho rasurada. A intenção era publicá-los, mas penso que nunca aconteceu. Seria interessante saber se há uma cópia na faculdade.
[GF] - Na AEFAUP, etc.
[NA] - Pronto, mas lá está. Nesta intervenção, nessa mesa-redonda, uma das coisas que saliento além dessa parte da não-reflexão, foi também a inexistência de procedimentos, porque uma das coisas que eu referi, é que continuava por vezes a não haver afixação de enunciados, de notas intermédias, …
Por essa altura começava a ter contacto com outras faculdades nacionais (através da AE e de familiares) e europeias através dos Erasmus, e começava a perceber que eram organizadas de maneira diferente. Pensava muito sobre a diferença entre o ensino universitário e o ensino escolar. Era elucidativo que nos referíssemos muitas vezes à escola, porque era ainda muito uma escola. Eu tenho muito cuidado em referir-me sempre à faculdade como faculdade.
[GF] - A ideia de escola não deixa de associar-se a certas características-qualidades.
[NA] - Não sei se concordo. Mas havia diferenças básicas e práticas. Enquanto, por exemplo, em Lisboa, já havia épocas de exames, mesmo para o projeto. Ou seja, se tu não entregasses o projeto em junho, tinhas a época de julho para o fazer e depois tinhas a época de setembro para o fazer. Ou seja, havia bastante mais oportunidades para avaliação...
Uma das nossas reivindicações era ter várias oportunidades de avaliação, ter as avaliações mais claramente expostas e justificadas e tudo isso.
[GF] - O ensino de Projeto é algo muito específico.
[NA] - Conhecendo vários tipos de ensino, no Porto há um purismo do ensino da unicidade do projeto. É uma espécie de excepcionalismo da arquitetura…
[GF] - Imagina que…, todo o sistema universitário mudou com Bolonha.
[NA] - Mas no Porto mudou pouco, não foi. O mestrado é integrado, o que significa que não existe verdadeiramente uma licenciatura de arquitetura./
Como te disse, e revi em muitos destes textos que encontrei, uma das críticas ao edifício da faculdade era não só no sentido da compartimentalização entre anos, turmas, e estiradores, mas também em relação ao seu relativo isolamento em relação ao exterior.
[GF] - É o sistema de muitos dos ateliers na vida real
[NA] – Talvez muito no Porto, talvez em Portugal, mas não é assim em todo o lado. E é um aspeto que se carrega na profissão. Ou seja, o edifício reflete a profissão e agora a profissão reflete o edifício… É uma das coisas que me frustrou no curso, e uma das razões pelas quais quis ir para fora. E curiosamente sem grande contacto com o mundo profissional, apesar de termos muitos professores com atelier.
[GF] - É imprescindível ter na escola arquitetos experientes ligações à prática profissional.
[NA] - Mas na realidade não havia quase nenhuma ligação à prática… ou seja a prática profissional dos professores quase nunca era trazida para a sua prática pedagógica. E quando o era, era feito da perspetiva do arquiteto enquanto autor./
Não havia quase nenhuns trabalhos de grupo, e raramente ou nunca eram de projeto. A arquitetura é, cada vez mais, uma atividade de equipa.
[GF] - Mas isso, incluso na prática profissional em Portugal, é uma coisa que é muito... complexo e…
[NA] - Lá está, mas isso é o ensino a refletir a prática ou a prática a refletir o ensino? Ensina-se arquitetura, não para se ser arquiteto, não como uma profissão, mas como se fossemos e pudéssemos todos ganhar o Pritzker. Não estamos a formar profissionais de arquitetura que depois vão participar em várias áreas da prática profissional. Em vez de focar na competência, incute-se a ilusão da excelência./
Parece-me que isso contamina todo o discurso à volta da profissão. Afeta um pouco a carreira pessoal e profissional de muita gente. Produz uma atitude por vezes miserabilista, porque muitas vezes achamos que todos estão contra nós, os engenheiros que nos desrespeitam, as câmaras que nos limitam, os empreiteiros que nos mutilam os projetos, e até os clientes que não entendem toda a mais-valia que lhes oferecemos. Todos nos reconhecemos frequentemente nestas sensações, mas raramente assumimos a nossa quota parte de responsabilidade na incompreensão./
Os instrumentos que adquirimos na faculdade por vezes não servem, ou servem pouco, ou servem uma mínima parte da prática profissional. Isso por vezes gera uma enorme desilusão na prática profissional nos arquitetos formados e algo formatados com esta perspetiva./
É como se a Faculdade de Medicina tivesse como objetivo formar investigadores excecionais que vão investigar coisas excecionais e ganhar o Nobel; como se o objetivo não fosse formar médicos que vão prestar serviços essenciais aos seus utentes./
E isso gera frequentemente depois uma série de frustrações, mesmo entre os mais brilhantes. Existem inúmeros exemplos de entrevistas a arquitetos com muito sucesso na nossa praça onde se sente essa insatisfação enorme. Queixam-se que só se pensa em orçamentos, e os regulamentos, Ai! os regulamentos... Sente-se um desencanto enorme que vem ao de cima... Eu acho que vem muito desta imagem que frequentemente se dá durante a faculdade: o arquiteto é o autor, é o artista, ... Alguns arquitetos sentem-se mais incompreendidos do que muitos artistas incompreendidos que eu conheço.
[GF] - O texto lido oralmente foi igual ao que estavas a ler, ou foi publicado?
[NA] - Não, não. A intervenção era da Anuária. O texto das jornadas... Tinha um título que fazia um trocadilho. Traição e tradição. Que só têm uma letra de diferença, se cai o D de tradição, fica traição. O título era “TRA(d)IÇÃO PROCURA-SE”. Fazia precisamente essa reflexão sobre... sobre... uma certa tradição que nos cobria, e não haver quem a questionasse, ou traísse essa tradição, ou seja, que fosse contra alguma coisa que estava muito pré-estabelecida e que acaba depois por ser sobrevalorizada em todas estas questões em relação tanto à prática profissional como à prática pedagógica. Não sei se ainda concordo com tudo o que está escrito. Queres que leia um bocadinho?
[GF] - Sim.
[NA] - A evolução da arquitetura é assim uma constante TRAIÇÃO à TRADIÇÃO, sendo que aquela se torna rapidamente nesta. […] Esta escola, com grande TRADIÇÃO, origem do seu renome, transformou-se num conjunto de tradições e traições flácidas. Uma das traições foi a transformação das Escola em Faculdade sem que isso constituísse uma mudança radical e profunda (TRAIÇÃO) no sistema de ensino. Vive-se agora numa melancólica tradição de ensino frustrada por uma memória da traição à TRADIÇÃO do ensino na escola como atelier. O aumento do número de alunos e a mudança para o ensino universitário não trouxe novidade, trouxe saudade dos bons velhos tempos e uma vontade passiva de os eternizar.
[GF] - Uma coisa que é inquestionável é que aumentou o número de alunos e, bem como a mudança para o ensino universitário./
Tens hoje, talvez, um corpo docente académico, e parece-me, muitos programas são mais desenvolvidos.
[NA] - Sim, na altura, faziam-se as primeiras defesas académicas dos professores que tinham de entrar para a carreira. Isso também já mudou muito e eu acho que agora a maior parte do pessoal tem de ter uma atividade académica um bocado mais... regularizada. Mas a questão é se isso é uma coisa mais... prática ou burocrática de progressão na carreira. Ou se depois isso se traduz realmente na sua... na pedagogia, na maneira como se ensina e naquilo que se ensina. Não sei, não posso dizer que conheça o que é que se passa agora na faculdade. Mas na altura eram essas as grandes questões./
A propósito lembro-me também de uma reunião na Ordem em Lisboa.
[GF] - Na Ordem dos Arquitetos em Lisboa.
[NA] - Sim, fomos convocados como membros do Conselho Pedagógico para uma reunião entre as Faculdades e a Ordem. Eram uma altura em que os cursos de arquitetura cresciam como cogumelos. Havia questões levantadas com a acreditação destes novos cursos, e a Ordem começava a considerar os estágios profissionais.
[GF] - Discutia-se já a ideia de estágio pela Ordem?
[NA] - Sim. Não me lembro quem é que lá estava. Foi apresentada essa ideia de haver estágios profissionais de acesso à Ordem. Imediatamente, perguntámos qual era a lógica, se a Ordem já tinha de acreditar os cursos, qual é a motivação desses estágios. Ainda por cima…
[GF] - Nós já tínhamos um estágio curricular, não?
[NA] - Nós tínhamos... Lisboa não tinha, as privadas não tinham, Coimbra não tinha, ou seja, nós éramos a única faculdade, e acho que ainda somos. Não sei se ainda há o estágio curricular.
[GF] - Atualmente o curso já não integra estágio. Tínhamos seis anos de faculdade. . .
[NA] - Ainda tem seis anos ou não?
[GF] - Supostamente não. O curso tem cinco anos, sendo que quinto possui um semestre de aulas e outro destina-se à realização de uma dissertação.
[NA] - Não me apercebi disso. Mas, na altura, fomos lá e dissemos, nós já temos um estágio no nosso currículo. Vão exigir fazer outro? E porquê? E qual vai ser o impacto no mercado de trabalho? Foram perguntas que ficaram na altura sem resposta ali. Alegaram algumas justificações vagas com as acreditações e a Europa.
Antigamente, quem se ia inscrever na ordem era quem tinha de entregar um licenciamento. Se não quisesses inscrever-te, não tinhas de te inscrever. Na minha opinião, o que o estágio provocou foi uma quase obrigatoriedade da inscrição na Ordem./
Quem sai da faculdade tende a fazer o estágio porque não quer o espectro de, dali a 5 anos, a 10 anos, a 20 anos, ter um projeto para assinar e a Ordem exigir-lhe o estágio. Eu por exemplo estou inscrito há quase 30 anos e nunca precisei da Ordem./
Outra questão que imediatamente pusemos, isto em 1995, foi se o estágio ia ser remunerado ou não remunerado? E obviamente... Não houve respostas nessa reunião como penso que não houve depois./
Quando foi regulamentado pela primeira vez, uns anos depois, a Ordem podia ter simplesmente ignorado a questão da remuneração. No entanto, fez questão de frisar no seu regulamento que o estágio não tinha de ser remunerado.... na minha opinião, um dos momentos mais tristes desta história e indo contra o próprio código deontológico. E ainda é assim, porque penso que ainda não há uma obrigatoriedade de remuneração da...
[GF] - É verdade que havia mais cursos de arquitetura e havia muitos arquitetos, Tu olhas para o número de sócios, membros, e é grande, próximo de 30 000.
[NA] - Para nós foi muito claro que isso ia acontecer. Era óbvio que qualquer pessoa que saísse da universidade tentar fazer logo o estágio, para ter o papel e não pensar mais nisso. Se uns tipos de 20 e tal anos se aperceberam disso imediatamente, parece claro que quem lá estava também estava ciente disso.
No entanto, esta situação podia ter sido uma oportunidade para a Ordem regular um pouco a profissão de uma certa maneira. Porque a nossa Ordem hoje tem esta especificidade de representar a grande parte dos formados em arquitetura. Que é uma coisa que não acontece na Holanda, onde não existe sequer Ordem. Na Áustria, penso que há obrigatoriedade de experiência profissional de 3 anos, mas a prova dessa experiência é feita através de um contrato de trabalho...
[GF] - Penso que em algumas profissões discutem a criação ou extinção ou criação da Ordem.
[NA] - O que houve sempre, no nosso caso, é o medo de que outras profissões possam ter o direito de fazer projetos de arquitetura... É quase um bicho papão que revolta muito os arquitetos portugueses. É uma coisa que não existe em muitos outros países. Mas os arquitetos gastaram anos de discussão por uma luta inglória e, na minha opinião, completamente desnecessária. É a luta pela exclusividade da arquitetura aos arquitetos.
[GF] - Não sei se concordo.
[NA] - Quando uma profissão entra numa luta para excluir outros, exclui-se a si própria de outros campos também. E, portanto, os arquitetos, que gostam de fazer tudo, qualquer dia não podem fazer planeamento urbano ou urbanismo, porque as outras profissões também vão querer o seu canto de areia para brincar sozinhos, sem os outros meninos. E os paisagistas a mesma coisa, e os designers a mesma coisa.
[GF] - Não sei se os designers têm ordem.
[NA] - Não importa. É uma discussão completamente inglória que eu já nem sequer tento discutir. A ideia era que quando só os arquitetos pudessem fazer arquitetura, a qualidade da arquitetura ia aumentar, os honorários iriam aumentar, e isso sempre foi, em certo sentido, uma completa falácia./
Lá fora, há muita variedade e muita maneira de fazer outras coisas que cá em Portugal pouca gente fala e conhece. E quando se conhece, diz-se que os outros países que só é possível lá ... que eles têm outra cultura arquitetónica. Não têm. E essa coisa vem, mais uma vez, de um relativo isolamento da nossa formação e do país./
O facto de todos arquitetos estarem na Ordem, quase todos, permitiria à Ordem de regular a profissão a nível de salários e de honorários./
Claro que isto não advém só da formação da FAUP. As outras faculdades não serão tão isoladas e os seus arquitetos tem essa faceta comum. Mas uma diferença que noto, é reconhecer a faceta empresarial da arquitetura. Parece-me haver mais empresas de arquitetura em Lisboa e menos no Porto.
[GF] - Empresas no sentido de serem um grupo de arquitetos, associados. No Porto. . .
[NA] - No Porto, há muito o arquiteto individual, se calhar com alguns colaboradores, mas a funcionar como empresa de arquitetura não conheço muitas. Mas encontra-se muito mais facilmente, em Lisboa esse tipo de estrutura. Eu acho que tem a ver com a formação que os arquitetos têm...
[GF] - Tens aí mais dois textos que me enviaste. . .
[NA[ - Mandei-te dois, mas tenho aqui 20 páginas de textos. Um era essa intervenção sobre a Anuária.
[GF] - E o segundo texto era. . .
[NA] - Qual era? ... Ah, foi o texto sobre a porta, não é? Uma espécie de poema abstrato.
O texto é uma espécie de piada, porque são dois pequenos parágrafos como se fosse parte de um texto “religioso”. O mistério da existência da porta. E explica que Deus criou a porta e onde encontrou um compartimento colocou uma porta. Porque a porta separa o interior do exterior e pôs portas em todos os compartimentos mas ou chegar ao bar considerou-o um espaço comum, e decide que não vai ter porta.
[GF] - Ah, é porque há uma porta de vidro, que não constava inicialmente, no projeto da FAUP, e teve de se fazer uma porta para encerrar o espaço do bar.
[NA] - Exatamente, ou seja, a minha referência é precisamente esse episódio algo caricato do Edifício da FAUP, é arquitetura que não se prende aos requisitos.../ utilitários de um caso. Não se pôs uma porta no bar.
[GF] - A porta do bar. . ., depois fez-se uma porta. . .
[NA] - Na última estrofe deste texto dizia que Deus também criou o concessionário do bar, que perguntou pela porta, Deus disse que não é necessário porque o bar faz parte da área comum e o concessionário riu-se e demitiu-se. Isto era o meu texto, na realidade penso que se fez a porta antes de chegar o concessionário./
Ou seja, fala um bocadinho desta incongruência... Os projetos que nós fazíamos na escola não tinham acento na realidade, não eram... havia poucas críticas que fossem além da composição, alinhamentos, contexto, e deste tipo de relações que é preciso ter. Pode-se dizer, Ah!, mas isso é muito utilitário. É utilitário, mas é prático. Tu tens de lidar com os teus clientes no dia-a-dia. Poucos clientes te vão pagar para fazer uma obra de arte, e, infelizmente, o mais provável é que não seja a ti.../
Naquele trabalho que fiz com o Pedro Campos Costa sobre o edifício da Faculdade, além de ligar os pavilhões todos através de galerias coloridas em todos os níveis./ Também propusemos demolir as paredes interiores, sem corredores. passavas por todas as salas quando subias as escadas, promovendo a abertura das salas… Um bocado como o Pavilhão Carlos Ramos…
[GF] - O pavilhão Carlos Ramos não tem portas nas salas interiores. Praticamente. E abre-se para um pátio, ainda assim introspetivo, sempre. Certo é que foi espetacular ter lá aulas no aquando do meu 1º ano.
[NA] - É introspetivo, mas estamos a olhar uns para os outros e é aberto, as salas estão separadas, mas participam umas nas outras. Promove o diálogo, a participação - não esconde, mostra. Mas tem algum mistério, não está tudo escancarado. Uma pedagogia que seguisse o modelo do Pavilhão Carlos Ramos seria muito interessante. Poder-se-ia dizer que o Pavilhão Carlos Ramos é a antítese do edifício da Faculdade de Arquitetura./
Aliás, o texto para esse trabalho também está neste conjunto. Já não me lembrava, o título era “Esta Faculdade É Um Pinheiro” em contraponto ao texto do Christopher Alexander “A Cidade Não É Uma Árvore”.
[GF] - E para acabar, mais alguma memória reavivada por esses textos?
[NA] - Para acabar. O meu texto para as Jornadas Pedagógicas acabava com uma citação de uma canção do Zeca Afonso: “eu vou daqui para outro lado / não faço gosto em voltar”… e assim foi.
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