9/9/25

CONVERSAS SOBRE A ESCOLA DO PORTO, Nº32 _ Carlos Machado (com Gonçalo Furtado)

CONVERSA SOBRE ARQUITETURA E ESCOLA DO PORTO _ FEVEREIRO 2020 (Carlos Machado, com Gonçalo Furtado). / I. [Gonçalo Furtado] - Propunha que começássemos pelo ambiente académico e ensino, por altura da tua formação em arquitetura./ A tua geração entrou para a escola em 1975? [Carlos Machado] - Sim. Entrei na escola em 1974, logo a seguir ao 25 de Abril, em Outubro. [GF] - O Joaquim Machado já fora substituído por Fernando Távora. [CM] - Sim. Repeti o 2º ano em 1977-78 e terminei a parte curricular do curso (cinco anos) no ano letivo de 1980-81. Em 1980, quando terminei o 4º ano, fui a Veneza./ [GF] - Foste à Bienal de Veneza? [CM] - Fui. [GF] - Seria um grupo pequeno. Havia talvez 2 turmas, 50 alunos por ano? [CM] - Sim. Nós éramos duas turmas, seríamos talvez 50 alunos, no máximo 60./ Só havia duas turmas no 1º ano. [GF] - Uma turma ficava com o Fernando Távora e o José Grade, e a outra turma com o Sérgio Fernandez e o Joaquim Vieira. [CM] - Sim. Respetivamente a Projeto e Desenho./ E depois tínhamos cadeiras complementares, ou unidades curriculares, como agora se diz. Eu ainda fui aluno do Vítor Sinde, antes de ele ir para a África. [GF] - Que deu História da arquitetura antiga?/ Sendo que o Alexandre Alves Costa dava a do 2º ano? [CM] - O Alexandre Alves Costa dava História de arquitetura contemporânea, bastante baseada na história do Leonardo Benevolo. Mas no 2º ano foi o meu professor de projeto (tal como no segundo 2º ano, porque repeti, como já disse). O Alberto Carneiro foi o professor de desenho./ Também fui aluno da Beatriz Madureira. Nós fazíamos uns trabalhos de grupo sobre arquitetos modernos. O nosso grupo fez um trabalho sobre Le Corbusier. Consistia numa pesquisa. No fim do ano apresentávamos os trabalhos uns aos outros. [GF] - O Jacinto Rodrigues? [CM] - O Jacinto, entretanto, chegou de França. [GF] - Seria uma personagem com presença marcante nessa altura, como descreve o relato histórico do Pedro Bandeira. [CM] - Sim. Mas eu não subscrevo a história do Pedro Bandeira, porque não me revejo. Nunca li o livro (risos), só conheço de ouvir dizer. [GF] - Conheces os estudantes que ele menciona? [CM] - Sim, claro. O Guilherme Castro, e outros. Lembro-me dos mais velhos, lembro-me que alguns estavam lá mais, e outros estavam menos. Por exemplo, lembro-me muito pouco do Eduardo Souto Moura como estudante. Mas lembro-me muito bem de assistir à discussão pública do seu Relatório de estágio. [GF] - A prova final dele foi em 1980? Lia-a no meu 2º ano por sugestão do Manuel Mendes./ Penso que a defesa da prova foi no mesmo dia que a do Camilo Cortesão. [CM] - No mesmo dia, não sei… A do Camilo Cortesão foi primeiro e a do Eduardo Souto Moura foi a seguir. Lembro-me muito bem, inclusive dos comentários à prova./ Recordo-me também de um ciclo de conferências que tivemos. Foi muito interessante, e não sei porque ninguém fala disso. [GF] - Podias partilhar as tuas memórias desse ciclo de conferências? [CM] - Foi em 1977/78, e era dedicado aos arquitetos portugueses da geração anterior à de Fernando Távora. Foram convidados o Viana de Lima, o Januário Godinho, o Arménio Losa, o Rogério de Azevedo, e outros./ O Rogério de Azevedo é que era a grande figura. Porque tinha na altura 80 anos e falou-se na possibilidade de já não poder ou querer ir. Mas foi. Percebia-se que tinha já alguma dificuldade a falar. Mas fez bem a apresentação./ Faleceu pouco tempo depois. [GF] - Acho que o Rogério de Azevedo nasceu em 1898. O Arménio Losa nasceu em 1908. O Viana de Lima talvez em 1913. E o Fernando Távora foi em 1923. [CM] - Eu assisti a esses arquitetos todos a falarem da sua obra num anfiteatro cheio./ Lembro-me de Fernando Távora na apresentação do Januário Godinho dizer: “É um arquiteto de gestos largos”. (Risos)/ Lembro-me também muito bem do Arménio Losa./ Convidaram o Ernesto Veiga de Oliveira, etnólogo, mas não foi. Não me recordo qual a razão./ Acho que fomos os últimos que ainda tiveram uma ideia de quem eram (e como eram) os primeiros arquitetos modernos do Porto./ Não percebo porque é que ninguém fala desse ciclo. [GF] - Os últimos estudantes que ainda tiveram algum contacto com essa primeira geração moderna portuense. [CM] - Exato. Porque depois nunca mais foram à escola. [GF] - Já não tiveste nenhum contacto com outras personagens. Como o Octávio Lixa Filgueiras, etc? [CM] - Já não. Tinham saído todos./ Nem com o José Carlos Loureiro. Só o conheci muito mais tarde, na comemoração dos seus 90 anos, para a qual escrevi um pequeno texto sobre a sua casa. [GF] - Houve, uma década mais tarde, penso que em 1988/89, outro ciclo de conferências, de que interessa falar. [CM] - Sim, eu já era professor. [GF] - Ciclo intitulado “Discursos de arquitetura”, mas agora composto de arquitetos internacionais. [CM] - Lembro-me muito bem da conferência de Fernando Távora no auditório da Reitoria, integrada nesse ciclo. [GF] - Fernando Távora era um diapasão da cultura, as suas aulas eram de grande eloquência. O que é que recordas como estudante? [CM] - Fernando Távora foi o meu professor de Projeto no 1º ano, e guardo os desenhos que fazia no meu caderno./ Vou mostrar um desses desenhos numa aula que irei dar na próxima semana sobre Le Corbusier. É um desenho da Casa Mathes. Um desenho sintético da planta, reduzida aos seus elementos mais essenciais (ainda me lembro dele a fazer o desenho). Digitalizei-o para o mostrar aos alunos. Tem a ver com a ideia de ordem na obra de Le Corbusier, que depois, com os anos, se veio a revelar também uma característica sua. Penso que essa ideia estava muito presente quando começou a projectar, e sem ela não é possível perceber a obra de Távora. [GF] - Fernando Távora reformou-se em 1993. [CM] - A partir de 1993 começou a ir mais para o escritório e reapareceu essa ordem, que o Alexandre Alves Costa, às vezes, associa a um certo classicismo (racionalismo clássico ou a classicismo racionalista...)./ Mas eu lembro-me disso ser uma coisa já muito evidente em 1975, quando Távora foi meu professor de Projeto. [GF] - Depois, no 2º ano, tiveste o Alexandre Alves Costa e o Alberto Carneiro. [CM] - Sim./ Eu fiz parte da “geração experimental”. Por exemplo, o Alberto Carneiro em Desenho, tinha um exercício com cubos. A dada altura recusámos os cubos, fizemos trinta por uma linha com os cubos e com banhos de alunos na fonte em frente ao pavilhão, junto com os ditos cubos, tudo na água, etc. O Alberto Carneiro “integrou a contestação”, reformulou o programa, considerou essa recusa do exercício como um ato pedagógico importante (É curioso, e isto é um aparte que não vem muito ao caso, mas que mostra como a escola nessa altura era diferente; o mesmo aconteceu a Giorgio Grassi, alguns anos antes, em Pescara, quando os alunos, na primeira aula, começaram a sair da sala, para no fim, depois de terminada a aula, regressarem e discutirem com os professores o programa e o método de ensino – episódio relatado em Uma vida de Arquiteto). [GF] - O Carneiro tinha estado em Inglaterra nos anos 60/70. [CM] Sim. Já regressara a Portugal, estou a falar em finais dos anos 70./ Lembro-me de ele contar que tinha assistido a concertos dos Rolling Stones, e de ter estado com o Mick Jagger. (Risos) [GF] - O Carneiro vinha com a influências da Landart, etc. [CM] - Sim. [GF] - Cá não tinhas muitos. [CM] - Não faço ideia. Eu não conhecia o meio artístico. Nós convivíamos com artistas, mas éramos ignorantes em relação à arte contemporânea./ Eu era ignorante em relação a tudo, quando entrei na faculdade. [GF] - Tu vinhas de onde? [CM] - Do liceu! No Porto./ Mas não tinha na família nenhum pintor, arquiteto, ou escultor. Nada./ Conto-te esta história: Eu lembro-me de entrar na escola e perguntar, acho que ao Jorge Costa, que era um bocadinho mais “sabidola” : “Quem é o melhor arquiteto português?” É uma pergunta normal de se fazer no 1º ano. Quem entrasse na faculdade de física seria: “Quem é o melhor físico português?” E ele espondeu: “É um tal Siza”. Um belo dia estávamos a sair da escola, em direção ao café São Lázaro. E vemos um homem barbudo com um caderno debaixo do braço. O Jorge ia à minha beira e disse: “Este é que é o Siza”. (Risos)/ O meu conhecimento da arquitetura, como podes imaginar, era assim. Depois comecei a aprender arquitetura. Comecei com a obra de Le Corbusier (escolhi de propósito aquela que me parecia mais difícil…)./ A nossa biblioteca era pequena, tínhamos poucas coisas. [GF] - A biblioteca nas Belas Artes? [CM] - Sim. Havia uma série de livros, provavelmente muito bons, mas a que nós chamávamos “Arquitetura antiga”. [GF] - Do século XIX para trás. [CM] - Eu só comecei a perceber que eram importantes depois de acabar o curso (ou melhor, a partir dos últimos anos do curso). [GF] - Aqueles que tu querias ver, na altura, estavam naquelas outras prateleiras. (Risos) [CM] - Nós queríamos conhecer os arquitetos modernos, primeiro. Creio que a história, em arquitetura se estuda muitas vezes da frente para trás, recuando no tempo (foi assim comigo). [GF] - Comigo também terá sido. [CM] - Tínhamos a obra completa de Le Corbusier. [GF] - Em 8 volumes. [CM] - Nas aulas, Fernando Távora falava muito de Le Corbusier./ Falava numa perspetiva... Como é que explico? Dizia: “Um arquiteto fortemente apoiado numa tradição”./ Portanto, para ele, Le Corbusier era como o Picasso (ou o Cézanne, segundo as suas próprias palavras, que li mais tarde, citadas por Aldo Rossi). Era um moderno que pintava para os museus, não com a ambição de ser consagrado pelas instituições, mas “para os museus” no sentido em que contêm a história da arquitetura (ou da pintura), e era com essa história que Le Corbusier, segundo Távora, permanentemente se confrontava (e nela se apoiava…). [GF] - Le Corbusier criava para os museus, no sentido em que trabalhava a partir de uma tradição. [CM] - O Távora percebia a existência de uma tradição. E isso era importante. [GF] - Mediterrânica, localizada na Antiguidade clássica. [CM] - Sobretudo a partir da “viagem ao Oriente” em 1911. [GF] - E, por outro lado, uma tradição francesa. [CM] - Sim, num profundo conhecimento da arquitetura francesa, não necessariamente a mais erudita, como Versailles./ Eu penso que Távora não gostava especialmente da arquitetura francesa, e que o ouvi dizer isso. Mas tinha um profundo conhecimento da arquitetura francesa. Por exemplo, dizia que era incompreensível a obra de Le Corbusier sem se perceber que ele vivia numa cidade onde, já no século XIX, havia estúdios de pintores com aqueles grandes envidraçados virados a norte. Le Corbusier não fez mais do que pegar no que existia e transformar isso em arquitetura moderna. [GF] - E tirando estes nomes, há mais personagens... [CM] - Muitos, o Alcino Soutinho, o Pedro Ramalho, o Manuel Correia Fernandes, e alguns outros. Depois havia o Jacinto, que tinha esse “lado B”. [GF] - Ah. [CM] - O que eu não estou de acordo é que o Eduardo Souto Moura fizesse parte desse “lado B”. Nunca percebi o Souto Moura assim. Na verdade, formou-se, em grande parte, no escritório de Siza. [GF] - Não foi o único, dado que a maior parte dos alunos daquele tempo formaram-se nos escritórios de professores. Houve muita gente que se formou no escritório do Pedro Ramalho, no do Alcino Soutinho, etc. [CM] - Muita gente no Losa, etc. [GF] - Ou no escritório do Fernando Távora. [CM] - Também. [GF] - O Pedro Ramalho, o Manuel Correia Fernandes, o Alcino Soutinho, etc., foram teus professores? [CM] - Foram nos vários anos./ Eu acho que o Pedro Ramalho não foi meu professor. Quem foi meu professor foi o Manuel Correia Fernandes. Foi meu professor também um arquiteto que faleceu entretanto, que se chamava Nuno Guedes de Oliveira. [GF] - O Nuno Guedes de Oliveira deve ter sido teu professor de Análise do território ou Urbanismo. [CM] - Análise do território. [GF] - E Beatriz Madureira, como é que era? [CM] - A Beatriz era a Beatriz , o que é que eu posso dizer? Tinha um feitio difícil (segundo alguns), mas era uma professora muito empenhada. Já falei dos trabalhos que fazíamos na sua cadeira./ Recordo-me de estar com o meu grupo e discutir se se dizia “Gropius” ou “Grúpios”. (Risos), porque nós nem sabíamos bem como é que os arquitetos se chamavam./ Portanto, um grupo estudava o Gropius, outro o Frank Lloyd Wright, outro Le Corbusier, Adolf Loos, etc.. Mas era tudo sobre o movimento moderno./ Mesmo aquela arquitetura dos anos 50/60 - por exemplo os Team X, Smithsons, Van Eyck, etc. - não eram conhecidos. Quer dizer, tinham ouvido falar, mas não conhecíamos bem. [GF] - Em alguma altura havia um Cameira, que falava nesse género de coisas? [CM] - Não me lembro desse professor. Deve ter sido no curso do Eduardo Souto de Moura.../ II. [GF] - Mas retomamos o ciclo de conferências organizado nos anos 80? [CM] - Nesse havia algumas estrelas. Alguns arquitetos conhecidos e que considerávamos importantes não vieram. Por exemplo, o Venturi acho que foi convidado e recusou. E o Rossi nem sequer tentámos convidar, porque já sabíamos que não viria. Mas algumas ‘estrelas’ vieram. [GF] - O James Stirling e o Rafael Moneo vieram. [CM] - Essas eram talvez os dois mais conhecidos. E depois havia uma variedade de convidados. Entre eles, alguns jovens arquitetos que estavam a começar a ter obra relevante, da geração do Eduardo Souto Moura, alguns talvez ligeiramente mais velhos. [GF] - O Peter Zumthor deve ser ligeiramente mais velho. [CM] - Sim. Eram também arquitetos que, no geral, tinham muito pouca obra construída. Entre os mais importantes, vieram três. Veio o Peter Zumthor. [GF] - Veio o David Chipperfield. [CM] - Sim, na altura pouco conhecido. [GF] - E veio o Herzog. [CM] - Sim e o De Meuron. O Jacques Herzog é que falou./ Dizia-se depois que foi um ciclo fantástico. [GF] - Acertaram logo em três prémios Pritzkers! [CM] - Eu estou-me a marimbar para acertar ou não acertar nos prémios Pritzkers. (Risos). Na verdade, os arquitetos que foram então convidados vieram a revelar-se, anos depois, como autores de obras importantes. [GF] - Escolhas certeiras. [CM] - Claro que podem ser avaliados de maneiras muito diferentes, dependendo das pessoas./ [GF] - Sobretudo pelo momento em que esse ciclo foi feito. Quem é que estava a organizar isso contigo? O José Paulo dos Santos, etc. [CM] - O Eduardo Souto de Moura, o João Pedro Serôdio, o José Bernardo Távora, o José Paulo dos Santos e o Manuel Mendes. [GF] - Foi organizado por um núcleo pequeno. Como é que se pagava o evento? Imagino que toda a organização para a altura... [CM] - Era uma iniciativa nossa. Com patrocínios. [GF] - Para a altura tinha uma dimensão, presumo, fora do normal. [CM] - A Escola contribuiu com as instalações, e acho que com algum dinheiro./ Terá sido talvez financiado através dos contactos do José Paulo dos Santos e do João Pedro Serôdio. E não sei se o Eduardo Souto Moura também não terá convencido alguma empresa de construção./ Não era assunto que me preocupasse e me recorde./ Foi um ciclo preparado com muito cuidado e atenção. [GF] - Prepararam brochuras informativas. [CM] - Sim. Tenho-as todas em casa. Organizávamos uns livrinhos que, nalguns casos, chegavam a 30 ou 40 páginas. Contendo textos selecionados da autoria ou sobre o arquiteto convidado. O que permitia um enquadramento do convidado e do seu trabalho. [GF] - Sim, não era mera mediatização espetacular ou espetáculo mediático. [CM] - Não, nada. [GF] - Era uma seleção de escolhas criteriosas e fundamentadas em investigação prévia. [CM] - Embora na altura já se pressentisse que estava a nascer o chamado “lápis voador”. [GF] - O “arquiteto estrela”./ Olha, a atribuição do Pritzker ao Álvaro Siza Vieira data de 1992. Nessa altura ele já tinha sido granjeado com alguns outros prémios internacionais. Sendo que então, o Eduardo Souto Moura já surgia como bússola paralela, de se fazer determinada arquitetura de caixas. Mesmo a nível internacional era esmagador o Minimalismo, nos anos 80./ Nos anos 70 ainda não se fazia Aldo Rossi na Escola. [CM] - Talvez no 3º ano, quando eu repeti o 2º. Os alunos projetaram edifícios muito compridos e repetitivos que provocaram algum escândalo./ A primeira aula que eu tive sobre o Aldo Rossi foi o Eduardo Souto de Moura que a deu. [GF] - Pois, diz-se que a primeira aula que ele deu foi sobre o Aldo Rossi. [CM] - Sim. Foi a convite de Álvaro Siza: “Você devia fazer uma aula sobre o Aldo Rossi. Porque esteve presente no Seminário de Santiago e tem um conhecimento próximo da obra e do pensamento.” (Mais ou menos nestes termos…) [GF] - Fora ao seminário organizado em Santiago de Compostela em 1976/77./ E as primeiras obras dele estão repletas de referências Rossianas. [CM] - Não é possível perceber, por exemplo, o Mercado de Braga sem o Seminário de Santiago. [GF] - Coerência interna profunda e que, ao mesmo tempo, está em permanente transformação. [CM] - Tanto no caso de Siza como no de Souto Moura estamos perante obras que estão sempre a mudar, e ao mesmo tempo têm uma lógica sequencial./ Por exemplo, a obra de Siza está em permanente transformação, mas não se consegue perceber se não se entender dentro de um percurso. Que tem muito a ver com coisas que ele vai vendo, pessoas que vai encontrando, etc./ Depois de Aldo Rossi em Santiago, Eduardo Souto Moura encontra Jacques Herzog na Suíça. [GF] - E esse encontro do Eduardo Souto Moura com o Herzog é marcante. [CM] - Mas isso não implica abandonar as referências anteriores, as quais tinham a ver com o Mies van der Rohe. Acrescenta, mas não substitui. [GF] - Os bons arquitetos acrescentam sempre. [CM] - Os menos bons arquitetos substituem./ A diferença entre um bom e um mau arquiteto é que o bom arquiteto, aquilo que ele descobre de novo, alarga as possibilidades. Por exemplo, o encontro de Siza, depois do Alvar Aalto, com Venturi... [GF] - O Robert Venturi foi importantíssimo, no final dos anos 60 e início dos anos 70. [CM] - Sobretudo após o livro “Complexidade e Contradição”./ Siza fala muitas vezes desse livro. [GF] - É ele que traz o livro para Portugal. [CM] - Que eu saiba, sim. O Venturi não substitui, mas acrescenta ao Alvar Aalto./ Os maus arquitetos é que substituem, porque não conseguem acrescentar. Dizem: “O Alvar Aalto já não dá, agora preciso de ir ao Venturi”. [GF] - E, portanto, fazem habitualmente uma obra que não tem espessura./ Mas concordarás que a obra do Souto de Moura, em determinado momento, entra como influência chave na escola./ Adquiria um protagonismo quase equivalente ao de Siza Vieira, que consistia na única influência. E acho interessante, que hoje assistamos a trabalhos conjuntos de arquitetura por estas duas personagens. [CM] - Entra e dissemina-se muito rapidamente. [GF] - Desde o Mercado de Braga, etc. [CM] - Sim. Depois do Mercado de Braga e da Casa Nevogilde 1./ Entra muito rapidamente, sobretudo porque as referências que o Eduardo Souto de Moura usava eram em certo sentido mais disponíveis, e foram abordadas, em alguns casos, de um ponto de vista superficial. [GF] - As referências do Álvaro Siza eram mais complexas, e menos possíveis de acabar transformadas em receitas. [CM] - Para as pessoas que viviam de receitas, a obra de Souto de Moura teve um grande sucesso. De resto, ainda tem. Infelizmente. Porque, no fundo, banaliza uma arquitetura complexa que nasce do interesse por uma grande variedade de fontes. E eu gosto muito dessa arquitetura. (Risos) [GF] - Banaliza no sentido que empobrece uma investigação exploratória que é ou pode ser complexa. [CM] - E que é rica, e densa. [GF] - Em 1988/89, desenvolveu-se o tal ciclo de conferências com estrelas internacionais que, passado 30 anos ainda estamos a falar. A importância desse reside também em ter tido como objetivo abrir a escola ao exterior, no sentido de uma certa internacionalização? [CM] - Nós achávamos que a escola estava a ficar ensimesmada, a viver muito para dentro. [GF] - Acha que a Escola beneficiaria de uma abertura ao contacto com o exterior, que reforçaria a sua vitalidade? [CM] - Sim. Que no nosso entender estava a perder. [GF] - Então estava a ocorrer uma internacionalização. Impulsionada também pelo reconhecimento internacional da obra de Siza Vieira. [CM] - Sim, nesse momento estava já a decorrer a internacionalização. [GF] - Mas a vossa preocupação era com os potenciais prejuízos que podia comportar algum sossego e cristalização. [CM] - Sim. Álvaro Siza estava a ser transformado numa espécie de ‘atração internacional’. [GF] - Pretendiam incrementar a permeabilidade. E não manter apenas uma determinada porta aberta. [CM] - Abrir, no sentido de trazer cá as pessoas. Recordo que a informação não circulava como agora. E, portanto, isso era muito importante, não era habitual como é hoje. [GF] - E foi algo que proveio de reflexão, e que envolveu investigação, etc. [CM] - Foi pensado, sim. [GF] - A conceção do evento foi muito discutida? [CM] - Foi pensado e, sobretudo, plural. As pessoas que se juntaram andavam mais ou menos à volta do Eduardo Souto de Moura, que era o centro. Ele escolheu uma constelação de pessoas variadas, interessavam-lhe, como hoje ainda interessam, pontos de vista diferentes./ Na verdade, estava mais ou menos implícito que cada um de nós tinha o direito de escolher pelo menos um convidado para o ciclo. Lembro-me de ter dito: “Eu entro e participo com todo o gosto. A única condição que eu ponho é o Giorgio Grassi ser convidado”. (Risos) Foi por isso que ele veio a Portugal, é tão simples quanto isto. [GF] - Lembras-te de quem é que fez as outras escolhas? [CM] - O David Chipperfield foi seguramente o José Paulo Santos. Conheciam-se da “Nove H”. [GF] - Da revista inglesa./ E o Wilfred Wang? [CM] - Também deve ter sido o José Paulo dos Santos. [GF] - Nos anos 90 interessou-se por Portugal. [CM] - Escreveu muito sobre a arquitetura portuguesa. Nessa altura e depois./ Veio também um inglês high-tech que me irritou supinamente porque dizia que o Siza era um “local hero”. Era um inglês limitado à sua Englishness (uma expressão usada por Nikolaus Pevsner). (Risos) [GF] - Um grupo pequeno, dotado de meios (que recordas como não sendo avolumados), tendo o Eduardo Souto Moura no centro. Montaram um puzzle, que veio a revelar constituir cartografia certeira da produção arquitetónica contemporânea. [CM] - Sim, e muito plural. [GF] - E movida por um desenho de abertura. [CM] - Exatamente. O objetivo comum que nos juntava era abrir. Outro arquiteto importante que veio foi o Rafael Moneo. [GF] - Bem como o James Stirling. [CM] - Havia alguns que eram incontornáveis, toda a gente estava de acordo./ Veio também o Bernardo Secchi, da área do urbanismo. E o Umberto Riva, um arquiteto praticamente desconhecido que fez uma conferência muito interessante (embora no oposto do que na altura me interessava, gostei bastante; soube depois que a filha de Giorgio Grassi fez o estágio no seu escritório). [GF] - Também veio o Daniel Vitale. [CM] - Sim. Já não sei quem é que se lembrou do Daniel Vitale. [GF] - O Bernard Secchi em determinado momento teve um papel muito importante na divulgação da arquitetura portuguesa./ Em França e na Europa em geral./ Não voltaste a organizar ciclos de conferências. Concentraste-te mais em dar aulas. [CM] - Sim, nunca mais entrei na organização de um ciclo de conferências. [GF] - Os eventos começaram a expressar maior diversidade e fragmentação, quase ausência de critérios ou programa./ E, já no presente século, travestiram-se em colóquios pseudo-científicos ou conferências... [CM] - Depende dos tempos. Já tivemos conferências com o Moneo, o Zumthor, o Herzog, etc. [GF] - Desde o Frank Ghery ao Aravena. [CM] - Por exemplo, eu participei num ciclo que o Camilo Rebelo organizou com o Eduardo Souto de Moura há uns anos. [GF] - Também houve o dos posters em formato quadrado preto, desenvolvido pelo Miguel Palmeiro. [CM] - Não me lembro. O ciclo organizado pelo Camilo e pelo Eduardo decorreu na Casa da música em 2011 (chamava-se Mesa e comemorava os 30 anos de carreira de Eduardo Souto de Moura). O Gabriele Basilico também fez uma conferência. Disse que nunca tinha falado para tanta gente./ Fui eu que apresentei Álvaro Siza nesse ciclo, com grande prazer e orgulho (risos), tenho que confessar./ Vieram a Kazuyo Sejima, o Paulo Mendes da Rocha, e outros./ IV. [GF] - Em determinado momento tornaste-te exclusivamente professor.../ Tal ocupou bastante do teu tempo, passaste anos a lecionar sozinho, etc./ Em termos de publicações, também tenho a ideia de que agora surgem mais coisas escritas por ti do que surgiam nesse tempo. [CM] - Sim./ Eu só comecei a escrever quando fui obrigado, para fazer o doutoramento. Só escrevo por obrigação, não tenho nenhuma vocação de escrita. Embora no fim, depois do texto acabado, fico contente, sobretudo se considerar que valeu a pena, que disse o que tinha a dizer, o que aconteceu algumas vezes./ Eu gosto muito de desenhar e de fotografar; de escrever, não. Escrevo sempre com muita dificuldade. É sempre um grande esforço, nada me sai bem à primeira, e, às vezes, nem à segunda ou terceira… [GF] - Tu antes andavas sempre a fotografar, mas não te tenho visto com a máquina. [CM] - Continuo a fotografar. Até comprei uma máquina nova. [GF] - Pois, tinha essa imagem de ti e do António Madureira, os dois que andavam sempre com a máquina. [CM] - Recomecei a fotografar quando percebi que precisava das imagens para o doutoramento, e fiz muitas fotografias. E percebi também que fotografar é um meio de pensar a arquitetura./ Lembro-me perfeitamente de estar na Mitra, a chover. Levantei-me às 6 da manhã para fotografar o edifício ao nascer do sol. Eu e o segurança a beber café à espera de que o sol nascesse. (Risos) Foi nesse dia que fiz a fotografia que está num artigo online, “A miséria do supérfluo” (uma das coisas que escrevi de que mais gosto, editada pelo Pedro Baía). [GF] - Estudas para dar aulas. Tens uma quantidade de aulas preparadas, com os textos de apoio compilados, etc. [CM] - Pois. Estudo para dar aulas. Porque estou sempre a descobrir coisas que não sei. Dou a aula e digo, afinal não sei isto bem…, etc. [GF] - É sempre um poço sem fundo. [CM] - Preparas uma aula que no ano seguinte voltas a dar. E estás sempre a descobrir coisas que podes explicar melhor. Que podes acrescentar, é um processo que não tem fim. (Risos) [GF] - E ainda te é prazeroso dar aulas? Para além de aprenderes. [CM] - Eu gosto e aprendo sempre. Na verdade, dou as aulas para mim próprio, e depois deixo os estudantes assistirem. Já lhes disse isto. Nunca fiz uma aula duas vezes igual. Porque o dia que eu começar a fazer as aulas iguais, já não me interessa. [GF] - E escreves as aulas? [CM] - Escrevo, tenho-as todas escritas aqui. [GF] - As da disciplina que ministras. Nota-se que montas um cruzamento de autores./ Estudaste, acho que quatro grandes histórias. A do Kenneth Frampton, etc. [CM] - Sim, as aulas são feitas a partir de uma série de “histórias”. [GF] - Eu lembro-me, no primeiro ano que ias dar as teóricas, de me comentares no Círculo Académico: “Epá, eu agora levo as quatro grandes histórias, vou passar o verão a ler a do Frampton, do Tafuri, etc., porque tenho de falar do século XX”. [CM] - Claro. Tinha de ler várias./ A primeira que li foi a do Benevolo, ainda enquanto aluno. A do Tafuri foi a de que mais gostei. Para mim, é a mais fascinante, a mais problemática, mesmo se muitas vezes não estou de acordo. [GF] - Mesmo para uso pedagógico?/ É difícil e denso. [CM] - Tafuri fala de coisas e aborda temas de que ninguém fala. [GF] - Ele e o Francesco Dal Co. [CM] - Foi escrita pelos dois. Para mim, a história do Tafuri e do Dal Co é a mais importante. Também gosto da de Kenneth Frampton que ultimamente tenho lido com prazer. [GF] - E a do Peter Collins ou a do Alan Colquhoun? [CM] - A de Alan Colquhoun é muito bem feita. [GF] - E parcial. [CM] - Muito tendenciosa, mas num bom sentido. O Tafuri também é, são todas./ Depois li evidentemente a de Sigfried Giedion (que não se chama história…). [GF] - A do Sigfried Giedion e do Bruno Zevi. [CM] - Li os historiadores clássicos. Gostei imenso de ler “Espaço, Tempo e Arquitetura” de Sigfried Giedion./ Li também algumas histórias recentes, “Modern Architecture Since 1900” de William Curtis. [GF] - E o “Changing ideals in modern architecture, 1750-1950” do Peter Collins? [CM] - O livro de Peter Collins é uma história da teoria (changing ideals) com temas e problemas muito importantes, influenciados por aquilo a que se chama o racionalismo estrutural (Viollet-le-Duc, Choisy, Perret, etc.) que em França teve uma grande importância (reli há pouco tempo). [GF] - Não estiveste sempre a lecionar história. Quando ingressaste, em 1989, estiveste a lecionar Projeto. [CM] - Sim, no 2º ano, em Viseu. [GF] - No 2º ano? Depois foste assistente de Fernando Távora em TGOE, durante um ano? [CM] - Gostei muito, sobretudo porque assistia às aulas todas. [GF] - Quem tinha sido antes? A Beatriz Madureira… Ou o Rui Tavares. [CM] - Antes foi a Beatriz Madureira. O Rui Tavares entrou a seguir. [GF] - E depois, o Manuel Graça Dias. Foi assistente de TGOE, do Siza Vieira, não? [CM] - Do Siza, talvez, não me lembro. [GF] - Do Fernando Távora foi o Rui Tavares. [CM] - Mais tarde dei aulas de História no 4º ano. [GF] - História de arquitetura portuguesa durante um ano, a qual era regida pelo Alexandre Alves Costa, ou pelo José Quintão e pela Marta Oliveira. [CM] - Sim. Com a Marta Oliveira e o José Quintão. [GF] - Foi num ano em que o Alexandre Alves Costa não deu aulas. [CM] - Só 1 ano. [GF] - E depois foste para a História do 5º ano, com o Ricardo Figueiredo. [CM] - E fiquei sempre em história da arquitetura contemporânea. Quando me doutorei o Ricardo Figueiredo disse: “Agora que estás doutorado podes dar as aulas teóricas porque eu vou-me embora”. E eu fiquei a dar história sozinho no 5º ano. [GF] - Posteriormente, a disciplina passou para o 3º ano? [CM] - Quando passou para o 3º ano precisei de ajuda. No 5º ano dava a disciplina toda sozinho. Lecionava as componentes teórica e prática, tinha só metade do ano (os outros iam fazer Erasmus). A passagem para o 3º ano implicou trabalhar com outras pessoas, o que é sempre bom. A Ana Sofia Silva, a Ana Catarina Costa, a Gisela Lameira, o Joaquim Moreno, o Pedro Baía, todos deram contributos importantes para o ensino da história. Convidei sempre os professores com quem trabalhava a dar uma ou duas aulas teóricas, se quisessem. [GF] - Os alunos passaram a ser mais novos. [CM] - São mais novos e muito diferentes. Não me queixo./ O Nikolaus Harnoncourt diz numa entrevista que fazia parte de uma das melhores orquestras do mundo. [GF] - A Sinfónica de Viena. [CM] - Dizia: “Fui escolhido pelo Herbert von Karajan, que escolheu os músicos todos, um por um. Só que, ao fim de pouco tempo, já não suportava aquela rotina.” Isso para mim nunca foi um problema, antes pelo contrário. A repetição é importante (se não for repetir como diz Siza), mas a rotina é um problema. [GF] - Mas relativamente a estares numa coluna de disciplinas de História e Teoria, e teres passado por Projeto. Tenho a ideia que agora não tens prática projetual. [CM] - Neste momento não. [GF] - E és alguém também envolvido nas orientações de dissertações, etc. [CM] - Já estive mais envolvido do que agora. [GF] - Estando nesta coluna, e área académica.../ As pessoas que se dedicam exclusivamente à vida académica (o que recentemente se foi reforçando), começaram a não conseguir manter prática ativa. Por se terem de dedicar exclusivamente à docência, o que comporta aspetos mais como menos positivos./ É uma coisa que se iniciou nos anos 90. Antes, era raro alguém dedicar-se exclusivo ao ensino. Foi a primeira geração de pessoas que se dedicaram exclusivamente à academia. [CM] - Sim, mas eu, pessoalmente, não abandonei o projeto. [GF] - Deixaste foi de ter clientes. (Risos) [CM] - Exato. (Risos) [GF] - Pode ou não ser por opção. [CM] - Foi o conjunto de circunstâncias…/ O facto de não ter clientes, o facto da dedicação exclusiva não me permitir fazer certo tipo de trabalhos./ E, portanto, acabei por não ter prática profissional. À qual eu regressaria.../ amanhã, com o máximo prazer. Aliás, considero que aquilo que faço é uma espécie de projeto, sem ser com plantas, cortes e alçados. Isto não é fácil de explicar. Eu não dou aulas neutras; não dou a chamada história da carochinha, que é a história dos factos. A história que procuro ensinar é sempre interpretada e problematizada, independentemente de poder ser às vezes mais ou menos bem explicada (e entendida). Uma história que é uma consequência do presente, que é uma resposta àquilo que acontece hoje. [GF] - A projeção de uma rede de pontos de vista com ponto de fuga./ E relativamente à ideia de História de arquitetura ser dada especificamente por arquitetos? Já há várias gerações que vem sendo assim, em História e em Teoria. Ou relativamente a outra questão. A de o ensino de disciplinas teóricas apoiado numa componente letiva de exercitação prática. Não acontece em todas as faculdades, mas é característico da nossa Escola. [CM] - Sim. E acho que está bem. [GF] - Ainda uma outra questão, concerne com a aprendizagem da História beneficiar do Desenho, etc./ Ou, em Teoria também, a aprendizagem processa-se mediante a ótica da investigação. É uma coisa que não acontece em todas as faculdades./ Talvez por isso temos tido tantos ex-alunos, sobretudo nestas últimas décadas, que se envolvem em tarefas comissariais etc., não obstante a crise./ Provêm do Manuel Mendes, bem como de outros, que ensinaram a pensar teoricamente de maneira produtiva./ Ainda que o Manuel Mendes tenha publicado também projetos seus nas “Páginas brancas”. [CM] - As “Páginas brancas” são interessantes porque mostram isso. Por exemplo, eu tenho projetos nos dois últimos números das “Páginas brancas”. [GF] - As duas primeiras edições das “Páginas brancas”, seguindo-se uma terceira e última em 2008. [CM] - Na primeira não tenho porque não fui convidado, ainda não era professor. [GF] - Eu também tenho no “Páginas Brancas” 3./ Para além do ensino, tiveste alguma experiência prática ou projetual? [CM] - No ano passado convidaram-me para mostrar um projeto numa sessão do ciclo “Matéria desconhecida”, junto com o António Neves e o Nuno Brandão Costa. [GF] - Foi uma série de sessões ocorridas no espaço do Museu. [CM] - Cada um mostrou um projeto. Gostei de fazer essa sessão. Se, para mim, mostrar aquele projeto e preparar uma aula sobre Adolf Loos, por exemplo, é de certo modo, a mesma coisa, devo reconhecer que projetar implica (ar)riscar, como diz Siza, de um modo que numa aula, por melhor que seja, é impossível. Projeto é projeto (e, por vezes, obra), e o resto é sempre secundário (não digo que não é importante…). (Risos) [GF] - Estamos sempre a falar de arquitetura, em determinado sentido./ Dar aulas de Teoria e História é fazer projeto, ou pelo menos arquitetura no sentido de construir ideias de espacialização arquitetónica e de habitar. Entendo mesmo dessa forma. E eu estava a propor atender a arquitetura como ofício amplo, em que.../ Para além de mera interpretação de património de obra, que tenhamos contruída./ Permite-se retomar a uma reunião, que gostava de tentar introduzir na nossa conversa. [CM] - Diz!/ V. [GF] - Porque história fez-se e escreve-se de sequências de momentos vividos./ Recordo-me de um momento que considero marcante na escola, mas que não foi presenciado por muita gente. Designadamente de uma reunião em que ambos estivemos. Ocorreu num verão, em que fomos chamados ao Conselho científico, para reunir com os diretores dos Conselhos pedagógico, científico e executivo. Tratava-se de uma primeira interpelação ao grupo de pessoas da área da História e Teoria, que integrava uma dúzia de pessoas./ E lembro-me que, a primeira reação, digamos assim, partiu de ti. Dirigiste-te ao Carlos Guimarães, e fizeste referência à diferença entre os arquitetos e os pedreiros, em que os primeiros teriam tido aprendizagem latinista. [CM] - Dos pedreiros que aprenderam latim? Ah, isso é uma frase de Adolf Loos./ Devo ter pegado nisso. [GF] - Os docentes que se dedicam ao ensino destas áreas teóricas, não deixam de ter nostalgia e prazer quando regressam ao Projeto./ Mas quando ensinam o que ensinam, teoricamente, não deixam também de estar a projetar. Ou pelo menos a tratar do fazer da arquitetura, sendo que o que abordam sempre compreende o comportar de consequências e uma expressão física. Mas especialmente, que se projeta. [CM] - Confesso que se pudesse projetar amanhã não hesitava, ia logo fazer o projeto se tivesse condições. Não sei se isto é comum a todos os professores da Escola. Admito que haja algumas pessoas que estão na minha área e que não estão interessadas em fazer projeto. Outras estarão. Por exemplo, não sei se o Manuel Mendes recusaria fazer um projeto. [GF] - Se calhar não recusaria. Aliás, eu lembro-me do Manuel Mendes a desenhar e construir a biblioteca dele, compreendia as estantes, etc. Assisti ao entusiasmo, sobre ferragens e coisas desse género. E não foi há muitos anos./ Embora ele não o visse como um grande ato de projeto, era algo que lhe estava a dar imenso prazer em projetar./ Também se está a projetar, ainda que com palavras e ideias, ao lecionar cadeiras teóricas./ Trata-se de uma coluna de desafios que possui as suas especificidades, que se foi construindo ao longo do tempo, beneficiando de arquitetos de relevo, como o Fernando Távora, etc./ E hoje beneficia também, de pessoas que possuem um perfil mais académico./ Como vês o contributo disso para o ensino na Escola do Porto? [CM] - Tendo estado sempre nessa área, primeiro estive um ano com Fernando Távora e depois cada vez mais independente. [GF[ - Depois estiveste a ensinar em anos curriculares nos quais o desafio de Projeto possui muita importância e presença./ Sabendo-se que a disciplina de Projeto nem sempre estabelece muitas pontes com as cadeiras teóricas, consideras que devesse estabelecer mais? E vice-versa, claro. Enfim, qual é o contributo que achas que as áreas teóricas têm para o ensino?/ Já percebi que entendes o arquiteto como pessoa que aprendeu latim, sem que tal implique que podem deixar de compreender o mundo da construção./ Mas as pessoas que constroem pouco pretendendo saber do latim, poderão ter menos aptidão e dificuldade em lecionar nestas áreas de ensino teórico? [CM] - Sim. O grande problema do ensino, é as pessoas que ensinam o latim darem importância ao pedreiro, e as pessoas que ensinam o pedreiro darem importância ao latim. [GF] - O que não acontece sempre, nem num caso nem no outro. [CM] - Há muitos pedreiros que não gostam do latim, e há muitos latinistas que não gostam do trabalho do pedreiro. [GF] - Dizes, mais recentemente, ou mesmo atualmente? [CM] - Sim. [GF] - Presente geração, em que se anda aos “papers”. [CM] - Não quero desenvolver muito. Eu terei falado nessa reunião, reconheço-me nessa frase (que não é minha)./ Para mim, o grande problema da formação de uma escola é o equilíbrio entre a área do pedreiro e a área do latim. O encontro entre ambas não tem necessariamente de ser a meio caminho. [GF] - Não deve ser seguramente a meio, em termos de tempo concedido para cada uma. Deve haver algum equilíbrio e maior permeabilidade. [CM] - O projeto deve ser preponderante, pelo menos em termos de horário. Se juntarmos projeto com construção, etc. Mas o meio caminho de que falava não tem a ver com horários, tem a ver com predisposições naturais, digamos assim. Há arquitetos que são mais latinistas do que outros. Sempre houve. [GF] - E achas que os alunos aplicam este(s) conhecimento(s), provenientes das disciplinas de ensino teórico? [CM] - Acho que sim, mas muitas vezes depois de acabarem o curso. A convergência entre teoria e prática precisa de tempo, de muito tempo. [GF] - Porque não se dá estas aulas de conhecimento só destinadas a terem impacto imediato. [CM] - Há muitas coisas que só se aprendem “depois”./ [GF] - Há apelos... Mas penso que não há no quotidiano do ensino esse entendimento generalizado. Isto quando as disciplinas teóricas providenciam uma cultura geral crítica imprescindível. Não se podendo esperar que o impacto seja imediato ou mesmo sempre direto. [CM] - É uma aprendizagem que tem repercussões a longo prazo. [GF] - E é essa a perceção que tens da experiência pessoal de dar aulas? [CM] - Acho que tem algum impacto. Também depende dos alunos. Há uma frase de Bertrand Russell que diz assim: “Desde que se inventou a imprensa, a Universidade é desnecessária”. Em parte é verdade, dado que as pessoas podem educar-se a si próprias. Mas também é verdade que o professor nunca ensina aquilo que os alunos não querem aprender. [GF] - Ou seja, um professor nunca consegue ensinar aquilo que um aluno não precisa ou que não tenha necessidade ou disponibilidade em aprender? [CM] - O professor só ensina aquilo que o aluno já sabe. Já sabe, sem saber que sabe. [GF] - Não sei se concordo muito com isso, mas percebo a ideia. (Risos) [CM] - Um aluno só aprende aquilo que quiser. Só aprende aquilo que lhe interessa. O resto não vale a pena. [GF] - Mas é diferente daquela frase: “A arquitetura não se ensina”. [CM] - Sim, também acho. Porque se aprende através do que os outros fizeram. [GF] - Sobretudo vendo e pensando sobre o que os outros fizeram./ E, claro, também se aprende sobretudo fazendo. [CM] - Eu acho que a única maneira de aprender a escrever é escrevendo, tal como só se aprende a desenhar desenhando. Aprende-se a escrever escrevendo, mas também se aprende a escrever lendo, daí a importância dos exemplos. [GF] - Acedendo a informação e conhecimentos, debatendo e fazendo./ Por isso é que eu acho que no ensino de matérias teóricas, o ideal é conciliar aulas magnas com um ambiente de atelier. Usufruindo de alguma prática, na qual se experimente... Quer estejamos a falar de disciplina de Teoria ou de História./ Noutras faculdades, em que não há disciplinas teórico-práticas, eu acho que funciona pior./ É sempre benéfico experimentar e fazer. E é isto que às vezes alguns colegas nem sempre percebem./ No projeto, o ter que se fazer, é generalizadamente reconhecido./ Mas no que concerne a disciplinas de Teoria, nem sempre todos pensam assim… Eu acho que nestas disciplinas, à semelhança das primeiras, não se aprende só a ouvir, ver imagens e a fazer exames. [CM] - Pois não. [GF] - Alguns, se calhar, imaginam redutoramente que o ensino teórico seria como ir para a Internet ver conferências. [CM] - Mas ouvir não é mau. [GF] - Não, já não é mau. (Risos)/ Se o que se ouvir depois for integrado num processo que envolve o aluno no fazer. Penso desta forma baseado na experiência pessoal que fui tendo no ensino de disciplinas/matérias teóricas. [CM] - A experiência que eu tenho é que os melhores alunos são aqueles que conseguem transportar as aulas teóricas para o trabalho prático. [GF] - Portanto, que não separam as aulas teóricas da experimentação em trabalho prático. [CM] - Conseguem fazer transporte de matéria(s). Nos dois sentidos. [GF] - Era aquilo que me dizias antes, referindo-te ao perfil de um aluno envolvido no processo de ensino-aprendizagem./ Referias-te a alunos que experienciam/experimentam sem copiar ou decorar para cumprir, de fazerem o seu próprio desafio de melhorar saber./ Por via de escrita e mediante ideias/conceitos desenhados por palavras, identifica-se logo o processo de questionamento/problematização que o próprio aluno monta no decurso do trabalho prático proposto, no processo de ensino e de aprendizagem./ E continua a haver esses alunos capazes de cultivar percursos pessoais, instigando/ampliando as experiências práticas enquanto pretexto de experimentação, consolidar de competências no percurso de aprendizagem. [CM] - Acho que hoje os estudantes são muito variados (como provavelmente sempre foram, talvez agora mais do que antes…). [GF] - Sim claro, os alunos são sempre variados./ E apaixonados por trilharem os seus percursos exploratórios pessoais. Dotados de capacidade de envolvimento individual no cruzamento das distintas matérias lecionadas nas diversas disciplinas. [CM] - Há mais inteligentes, menos inteligentes. Mais apaixonados, menos apaixonados, mais legalistas, menos legalistas, mais pessoais, exploratórios, fantásticos. Outros provavelmente estão a tirar o curso de arquitetura para montar um negócio. Vejo de tudo. [GF] - Sim. [CM] - Há quem encare a arquitetura como um negócio. Nós também temos alunos que estão cá para fazer o curso e montar um negócio de venda de projetos, onde farão um produto que seja apelativo e que venda. A arquitetura também é muitas vezes encarada assim./ VI. [GF] - Recuando. Entraste na faculdade em 1974. Falaste-me de várias personagens. Do Alexandre Alves Costa ao Correia Fernandes, até ao Jacinto Rodrigues. Personagens, de resto, com interesses também teóricos./ Não sei se recordas mais personagens que queiras referir. Por exemplo, não me falaste do Nuno Portas? [CM] - Não, o Nuno Portas não estava./ Falei também de Fernando Távora e de Alberto Carneiro. [GF] - E referiste ainda também um evento que pode promover falarmos sobre o período após os anos 80, a Bienal de Veneza./ Essa grande exposição pós-moderna em 1980 correspondeu ao momento em que estava a crescer e a consolidar-se a internacionalização da Escola. Bem como do debate que, simplificadamente, podemos denominar como entre Porto e Lisboa. Debate muito alimentado em meados dessa década. [CM] - Sim, estava no auge. [GF] - Na exposição ia-se ver uma outra escola, digamos./ De 1983, data a exposição “Depois do moderno”, na qual os arquitetos do Porto se recusaram a participar./ Como é que um aluno do Porto perceciona a Bienal internacional de 1980?/ Ou a congénere exposição portuguesa que referi. Recordo-me do catálogo, que o Manuel Graça Dias uma vez me emprestou. Como é que um aluno do Porto percecionou uma exposição como essa na altura? [CM] - Não sei se houve muita gente que foi à Bienal de Veneza de 1980, mas algumas pessoas foram. Tenho de confessar que entrei e saí ao fim de 5 minutos. [GF] - Está bem. (Risos)/ E como trouxeste o Giorgio Grassi ao Porto em 1989, deve-se frisar que esse é outra fruta. [CM] - Claro. [GF] - A minha indagação permite ainda falarmos de outra coisa. Se não se terá experienciado uma linha Rossiana, aqui na escola, nos anos 80/90? [CM] - Nenhum dos 3 arquitetos que me interessavam na altura estava na Bienal de Veneza. Nem Aldo Rossi, nem Giorgio Grassi, nem Álvaro Siza. Rossi estava cá fora, fez a porta da Bienal e o Teatro do Mundo./ Dentro do Arsenal não vi nada que me interessasse. Vi uma rua tipo cenário, muito pouco convincente. [GF] - Mas quando se entrava em cada stand, podia-se aceder a desenhos de processos de projetos?/ Toda a gente fala da cenografia das fachadas, relevando que lá dentro também havia conteúdos expositivos projetuais. [CM] - As fachadas davam entrada para umas casinhas com desenhos. [GF] - Alguns stands tinham dois pisos, bem como uma escadinha interior, que penso providenciar acesso a um espaço com mesas, onde estavam expostos materiais desenhados e escritos? [CM] - Na altura eu já não me interessava por aquilo. Tinha feito uma escolha apertada, digamos assim, e dos arquitetos contemporâneos já me interessavam poucos. [GF] - E o Aldo Rossi era um deles. [CM] - O Rossi era um deles, foi sempre. Mas a obra a partir de 1980 interessa-me menos./ [GF] - No fim não são as obras mais interessantes. Lembro-me de visitar um hotel em Nova Iorque e, comparando com outras que vira em Itália…/ Regressemos aos amores do Eduardo Souto Moura com o Rossi? / Descobri em algum lado, que a Escola do Porto experienciou por algum tempo, a possibilidade dessa tal linha Rossiana./ Falámos do Eduardo Souto Moura. Essa afinidade não era comum à geração?/ Em termos projetuais, de desenho, e de teorização tipológica? [CM] - Não. [GF] - No meu 2ºano, por exemplo, ainda alguns imitávamos os desenhos do Grassi. Lembro-me de fazer desenhos com marcador e sombras. (Risos)/ E no projeto de habitação no 3º ano, referenciava-me no Rossi, ainda que mais em termos da tipologia de conceptualização. [CM] - Houve um momento em que a influência do Rossi foi importante na obra de Álvaro Siza. Que é uma coisa de que ninguém fala (a não ser ele) e que é essencial para perceber a sua arquitetura. O Siza foi muito tocado por alguns projetos de Rossi. [GF] - Sobretudo por um certo modo de percecionar e entender a cidade. Há ali um lado abstrato na arquitetura do Rossi, sobretudo nos primeiros projetos e, ao mesmo tempo, contextual. [CM] - Que é uma coisa que nunca se refere. Leia-se o texto “Evocação de Aldo Rossi” (Álvaro Siza, 2007)./ Aliás, porque é muito palladiano. Do meu ponto de vista, só se consegue perceber bem a arquitetura de Rossi se se conhecer a arquitetura do Norte de Itália. [GF] - Digamos, a predominância ou a importância de uma figura como o Palladio. Na arquitetura da região do Veneto, etc. [CM] - Rossi tem vários textos sobre isso. Textos que eu já na altura conhecia, e estava a ler. Portanto, quando cheguei à “Strada Novissima” em Veneza, a minha escolha era já muito limitada./ Nós fizemos um roteiro, negociado entre os três. Fomos a La Tourette. Fomos a Como e a Milão. [GF] - A Como ver o Giuseppe Terragni. [CM] - Sim. E o Aldo Rossi também em Milão e em Modena onde vimos o cemitério. Depois fui sozinho a Fagnano Olona ver a escola (a minha obra preferida). [GF] - Mas então foste com quem? [CM] - Eu, o Jorge Costa e o Francisco Valente. Éramos 3 alunos da escola./ Fomos ver Le Corbusier, Aldo Rossi, Terragni. Vimos o pavilhão do Espírito Novo de Le Corbusier reconstruído em Bolonha. E o Convento de La Tourette (a obra que mais me impressionou, junto com o teatro e a escola, de Rossi). Acho que La Tourette é a obra prima de Le Corbusier. [GF] - La Tourette é uma das grandes obras da arquitetura de todo o século XX. [CM] - Uma das maiores. Eu já na altura conhecia o texto do Rossi sobre o Convento de La Tourette. [GF] - Publicado na Casabella? [CM] - Sim. [GF] - Em 1972, o Vittorio Gregotti chega a associar o Siza ainda a uma espécie de Robert Venturi./ O “Complexidade e contradição” é um livro relevante e impressivo. [CM] - Muito importante. É um livro que ainda hoje os alunos lêem. Há um grupo este ano que está a ler esse livro, estão muito entusiasmados [GF] - Aquilo tem imensos temas que vale a pena tratar./ Estavam outros arquitetos na Bienal de Veneza, como o Oswald Mathias Ungers. [CM] - Sim. Oswald Mathias Ungers é um arquiteto que ainda hoje me interessa muito. Acho que é um dos grandes arquitetos do pós-guerra, praticamente ignorado, ainda que Piero Vittorio Aurelli esteja a tentar reabilitá-lo. Eu sempre o considerei uma personagem importante, sobretudo a partir de uma reflexão sobre a obra de Schinkel, etc. Tem muito a ver com uma certa visão da cidade. [GF] - Sendo que não deixa de se poder relacionar também noutro sentido, com outro debate aqui em Portugal nos anos 80. O Alexandre Alves Costa refere ter organizado um ciclo em Lisboa. Foi nesse que participaste. [CM] - Sim. Há uma conferência na Gulbenkian, onde o Alexandre Alves Costa escolheu 4 ou 5 pessoas aqui do Porto. E apresentámos projetos que estávamos a fazer nos anos 80. [GF] - E quem estava na assistência? Lembras-te?/ [CM] - Lembro-me de ver na assistência o Gonçalo Byrne e o Manuel Graça Dias. Tive então uma primeira discussão com o Manuel Garça Dias sobre o pós-moderno./ Estava também o José Charters que gostou muito que eu defendesse a arquitetura de Aldo Rossi [GF] - O José Charters era muito amigo do Rossi, estudara com ele em Milão, e fizeram o projeto para Setúbal, etc. [CM] - E traduziu o livro para português. Mas dizia-te que já nessa altura discuti com o Graça Dias, porque ele tinha a mania que a arquitetura moderna era triste. E eu dizia-lhe que a arquitetura não deve ser triste nem alegre. Deve ser capaz de acolher todos os sentimentos, a tristeza e a alegria, a solidão e a festa, etc. [GF] - Recordas-te do ano em que foi? Do título? [CM] - Sim, foi o Alexandre que foi convidado. A comunicação de Alexandre Alves Costa tinha o título “Arquitetura do Porto - Última Obra/Último Projeto” e o colóquio era Arquitetura e Cidade, Propostas Recentes, organizado pela A. A. P. e pela Fundação Calouste Gulbenkian (22 a 26 de Junho de 1987). [GF] - Era uma espécie de embaixada da Escola do Porto à capital. [CM] - Era um colóquio, no qual depois nos fizeram perguntas. [GF] - Foi já depois da exposição dos desenhos. [CM] - Sim, foi depois da exposição./ Eu suponho que era para tentarem ver o que andávamos a fazer./ Acho que o facto dos arquitetos do Porto se terem recusado a participar na Exposição “Depois do Moderno” foi um acontecimento que deixou marcas./ Depois, a vida continua (como diz Abbas Kiarostami) até ao Manuel Graça Dias vir dar aulas no Porto, pela proximidade com Alexandre Alves Costa. E posteriormente com Álvaro Siza./ Se há uma coisa que deve ser dita em relação ao Graça Dias é ter tido um discurso coerente ao longo do tempo (não estático, mas coerente). Não é um discurso dogmático e rígido, possuindo uma flexibilidade “natural”. [GF] - Ele sempre teve esse interesse, por uma espécie de uma arquitetura complexa, e Pop. [CM] - Sim, pela chamada cultura de massas, de Las Vegas. Um certo interesse pelo cosmopolitismo. O Graça Dias manteve-se sempre “pós-moderno”, até ao ponto de ficar isolado (quando o pós-modernismo saiu da moda). [GF] - O Manuel Graça Dias figura numa das fotos do recente “Lisboa cliché” do Daniel Blaufunks, na discoteca lisboeta dos anos 80 - o lux Frágil./ Depois sucedeu-se, como corrente dominante, o Minimalismo. [CM] - Ainda hoje é a corrente dominante. [GF] - Então, cai o período pós-moderno historicista, e ficam os minimalistas./ O Porto ganhara a disputa, sendo que o próprio Varela Gomes vem à posteriori reconhecer se ter enganado./ E como é que isso foi comemorado? Em 1989 já estavas a lecionar na Faculdade e já se sentia o reconhecimento internacional. [CM] - Não foi comemorado de maneira nenhuma porque, entretanto, a própria situação do Porto tornou-se complexa com o aparecimento do Eduardo Souto Moura. Uma grande força que no início passou desapercebida (em Portugal). Na altura nós percebemos muito bem. Mas demorou algum tempo a ser reconhecido pelo “establishment”./ Souto de Moura fez surgir uma espécie bipolaridade na arquitetura do Porto. [GF] - Sim, como dizes, bipolaridade./ Mas ambos, tanto o Siza Vieira como ele, têm equivalente influência em vanguardas modernas. [CM] - Sim, mas já não há uma continuidade, como se dizia. [GF] - Há uma continuidade, ainda que não linear. [CM] - Como se dizia numa revista espanhola./ Não considerando aquela polémica, muito mediatizada, mas muito pouco interessante, moderno/pós-moderno, Siza/Taveira dos anos 80, o debate vai-se progressivamente alargando e a diferença Porto/Lisboa, moderno/pós-moderno, deixa de fazer sentido. O Pavilhão do Mar de João Luís Carrilho da Graça construído para a Expo 98 foi importante sob esse ponto de vista. Nós todos fizemos a nossa descoberta do país e da sua arquitetura. Para mim, por exemplo, para falar da arquitetura contemporânea, foi muito importante a obra de Vítor Figueiredo pela qual sinto uma proximidade que ultrapassa qualquer possibilidade de a explicar por palavras, embora o tenha tentado. [GF] - No fim dos anos 90, a performance promocional adquire peso na visibilidade da produção arquitetónica. [CM] - Começa a aparecer a mediatização da arquitetura e associada a essa mediatização, muito superficial, na maior parte dos casos, a transformação dos edifícios em produtos (e em imagens publicitárias, pagas pelas empresas enquanto tal). [GF] - Com a exponenciação de publicações em revistas. [CM] - Começam a ter uma presença, que era reconhecida. Regressando à descoberta do país e ao desaparecimento da dicotomia Porto/Lisboa. É verdade que desapareceu, não faz sentido. Mas também é verdade que o Norte é diferente do Sul. Nós temos uma tradição mais rude, mais contida, aqui no Norte (que não abrange todos, estou a lembrar-me de alguns exemplos que são exatamente o contrário). Mas nos melhores é possível reconhecer uma contenção, que é também pudor, e uma certa rudeza (Fernando Távora associava-a ao granito) que se reflete nas formas./ É uma oposição que existia já nos anos 50. Comparem-se as obras de Távora com as de Nuno Teotónio Pereira. Os projetos do Távora são muito contidos. Os projetos de Teotónio Pereira são mais exuberantes do ponto de vista formal. No caso de Távora, essa reserva é o reverso, ou o complemento, de uma grande alegria de viver que sempre manifestou, de um grande prazer com as pequenas e grandes coisas que nos acontecem todos os dias. Mas essa contenção (ou pudor) que reconheço como uma qualidade nos melhores arquitetos do Norte, encontro-a também na obra de Vítor Figueiredo, uma obra de um despojamento extremo, radical, como já lhe chamei, uma obra de um homem que, embora formado no Porto, nasceu na Figueira da Foz e viveu e trabalhou sempre em Lisboa (uma exceção que confirma a regra ou o reconhecimento da ausência de qualquer diferença entre o granito e o calcário?).

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