9/1/25

CONVERSAS SOBRE A ESCOLA DO PORTO_19, Joaquim Teixeira (com Gonçalo Furtado)

CONVERSA SOBRE ARQUITECTURA E ESCOLA DO PORTO _ Março 2022 _ Joaquim Teixeira (com Gonçalo Furtado). I. Gonçalo Furtado [GF] - Joaquim, deixa-me começar por agradecer a tua disponibilidade. O que pretendo é uma pluralidade de pontos de vista e a oportunidade desta entrevista surge na sequência de algumas conversas interessantes que temos tido e que têm ficado um pouco perdidas no tempo. Comecemos pelo início: cresceste em Gaia e como é que foste parar ao curso de arquitetura? Joaquim Teixeira [JT] - Gonçalo, agradeço a tua consideração e este convite. Sim, sou natural de Gaia, mais propriamente de Avintes, onde fiz a minha escolaridade básica. No décimo ano, optei por artes visuais e, por isso, tive de mudar para o Liceu de Gaia. Não tenho nenhum familiar próximo ligado à arquitectura ou sequer às artes, mas sempre gostei de desenhar, era o meu passatempo favorito. Desenhava várias coisas, mas os temas mais recorrentes eram casas e automóveis. Daí a minha propensão para a arquitectura e para o design. [GF] - Ingressaste na FAUP em 1986/87, formaste-te nos anos 90 e começaste a lecionar nos anos 2000. [JT] - Sim, genericamente. Ingressei no ano lectivo de 1986-87, mas só terminei em 1995, pois decidi prolongar o estágio (que era no 6.º ano), entregando o relatório de estágio mais tarde, o que era condição para obtenção da licenciatura. No meu tempo, o relatório de estágio era um trabalho que pressuponha algum empenho e investigação. Só para teres uma ideia, durante o tempo que prolonguei o estágio, fiz o curso básico de italiano para ler no original o [Bernardo] Secchi./ O retorno à FAUP ocorreu pela mão do Professor Manuel Teles, que me convidou para monitor de Ciências da Construção I, do 2.º ano, o que aconteceu nos anos lectivos de 1992 a 94. Embora eu não tivesse grandes expectativas e tivesse sido uma experiência ligeira e curta, devo-te dizer que gostei. Mais tarde, em 2000, voltei novamente, com outra responsabilidade, como assistente convidado de Introdução aos Sistemas Construtivos. [GF] – Gostava que falasses um pouco sobre o teu percurso enquanto estudante. Porquê Arquitectura? [JT] – Como referi anteriormente, embora não tendo familiares arquitectos ou ligados à arquitectura ou às artes visuais, sempre gostei de desenhar e sempre fui o melhor da turma a desenho, até chegar à faculdade [risos]. Quando escolhi Artes Visuais, no 10.º e 11.º anos, pude ter uma perspectiva mais séria e informada sobre o mundo das artes, de modo que o interesse pela arquitectura surgiu naturalmente, desde logo, como fascínio por uma arte que me era desconhecida, mas também por exclusão de partes, quero com isto dizer: por eu não me considerar suficientemente artista para seguir a pintura ou a escultura. Lembro-me que na altura todos o colegas que queriam entrar para as Belas Artes tinham algum tipo de excentricidade ou bizarria [risos] que eu não tinha./ Acontece que não consegui entrar para arquitectura por uma décima, o que foi muito frustrante para mim, e fui parar a Engenharia Civil, por ter colocado este curso em segunda opção, por ignorância ou má informação. Foi uma situação estúpida, pois se eu tivesse colocado apenas arquitectura e não tivesse ficado colocado, a média subia automaticamente um valor na candidatura do ano seguinte. Devo-te confessar que a minha passagem pelo curso de Engenharia Civil foi um tanto traumatizante, desde logo, com a recepção ao caloiro e a seguir todas aquelas matérias em torno da matemática e da física. A meio do ano, lembro-me de vir ao Campo Alegre pedir esclarecimentos para mudança de curso e ter ficado fascinado com o bucolismo do jardim e das instalações, que eram mais modestas que as da FEUP, mas muito mais humanas. Recordo-me ainda de ver um pequeno edifício ao fundo do jardim em obras, que era o Pavilhão Carlos Ramos. O impacto foi tal que fez com que eu desistisse do curso de Engenharia Civil no final do 1.º semestre. [GF] – Quando entraste, tinhas aulas nas Belas Artes ... porque o Carlos Ramos devia estar a concluir-se. [JT] – Sim, entrei no período de transferência do curso de arquitectura das Belas Artes, na Av. Rodrigues de Freitas, para a quinta da Póvoa, no Campo Alegre. No 1.º e 2.º anos tínhamos aulas no pavilhão Carlos Ramos das Belas Artes, e só no 3.º ano passávamos para o Campo Alegre, para o novo pavilhão Carlos Ramos. Na altura, a FAUP no Campo Alegre resumia-se à Casa Cor de Rosa, às Cavalariças e ao Pavilhão Carlos Ramos. [GF] – Tiveste aulas vários anos no pavilhão Carlos Ramos? [JT] – Sim, a rotina era, o 3.º ano, quando chegava ao Campo Alegre, ia para o 2.º piso do Pavilhão Carlos Ramos, no 4.º ano, descia para o 1.º piso e no 5.º ia para as Cavalariças. No meu ano, mantivemo-nos no 1.º piso no 5.º ano, não me lembro ao certo o motivo, mas terá sido por sermos muitos alunos. [GF] – Pois, as construções na Quinta da Póvoa tiveram três fases. Só acabaram na minha altura… [JT] – Sim, nós tivemos a sorte de assistir ao nascimento e à execução da terceira fase… De andarmos no meio do estaleiro, sem capacete ou calçado especial; de vermos os edifícios todos em betão armado, o que parecia a maqueta em cartão transformada em realidade; de andarmos lá dentro a descobrir os espaços e a imaginar como iriam ficar depois de prontos. Aliás foi surpreendente assistir a essa mutação dos edifícios na fase final dos acabamentos, a que eu não assisti, pois encontrava-me fora a fazer o estágio. [GF] – As aulas teóricas eram todas na Casa Cor de Rosa? [JT] – Sim, a partir do 3.º ano, as teóricas eram todas na Casa Cor de Rosa. Lembro que só existia este edifício, as Cavalariças e o Pavilhão Carlos Ramos. Por sorte, o curso tinha muitos estudantes do Sul, acho que a média de entrada no Porto era mais baixa do que em Lisboa, e, no 2.º e 3.º ano, muitos desses estudantes pediam transferência para a faculdade de arquitectura de Lisboa. [GF] – Hoje, parece impressionante como era possível o curso funcionar apenas nesses edifícios. [JT] – Sem dúvida, apesar de acomodarem os anos com menos alunos [a partir do 3.º ano], ainda assim, era muita gente. E não eram só os espaços das aulas, era impressionante, por exemplo, o bar, situado na cozinha da Casa Cor de Rosa [risos]. Eu não me lembro em concreto, mas devia existir um desfasamento em horários, para os intervalos não coincidirem. Outro pormenor impressionante era a biblioteca na sala da lareira, no rés-do-chão, na altura, toda forrada a livros. É claro que ultrapassávamos muitas dessas dificuldades de espaço usufruindo do exterior, enquanto extensão do bar ou da secretaria, quando era necessário fazer fila, pois a secretaria era minúscula, o problema era o Inverno. E havia ainda a alternativa de ir às cantinas das outras faculdades, o que eu fiz, outros colegas, até ao final do curso. Apesar das circunstâncias, não tenho memória de haver queixas relativamente às instalações. / II. [GF] – Quais foram os professores que recordas? [JT] – Eu ainda tive a sorte de ter tido bons professores. Desde logo o Fernando Távora, que foi meu professor no 1.º e no 5.º ano; o Francisco Barata; o Henrique Carvalho; o Jacinto Rodrigues; o Alberto Carneiro; o Manuel Fernandes de Sá; o Manuel Correia Fernandes; o Gigas e o pai, o Jorge Gigante; isto para citar docentes que, de algum modo e à sua maneira, me deixaram alguma marca, pelas suas aulas ou por o que certas conversas proporcionaram. [GF] – Não sabia que o Távora ainda dava outras aulas além de TGOE no 1.º ano. [JT] – Sim, no meu ano deu TGOE e uma disciplina do 5º ano, de que não recordo o nome. Julgo que isso terá ocorrido devido à falta de docentes. [GF] - No final dos anos 70, dizem que as aulas dele eram muito concorridas. E na tua altura isso continuava a acontecer. Como eram as suas aulas? [JT] – Sim, no meu tempo de estudante as aulas do Távora eram muito concorridas, estou a falar das aulas magistrais, ele só dava as teóricas, as práticas ficavam a cargo da Beatriz Madureira. Do que me lembro, as aulas teóricas, que eram no anfiteatro das Belas Artes, e estavam sempre cheias. O Távora apesar da idade que já tinha e de uma certa solenidade no trato, isto para um jovem estudante do 1.º ano, era um professor sedutor, com carisma e, claro, com um grande poder de comunicação. Um pormenor que recordo da sua figura era o entusiasmo e o brilho nos olhos com que dava as aulas e, claro, os esquissos a giz no quadro de lousa, o discurso era sempre acompanhado por belos desenhos que fazia de forma espontâneo. O Távora era um grande comunicador, tinha a qualidade, que eu agora valorizo e compreendo, de captar a atenção de uma plateia. [GF] - Mas como é que era? [JT] – Dava as aulas teóricas e tinha uma assistente, que era a Beatriz Madureira, responsável pelas aulas práticas. Acho que não era pela idade, mas pela disponibilidade, que ele não avaliava os trabalhos práticos, julgo que não lhe faltariam motivos bem mais interessantes para lhe ocupar o tempo. [GF] – Fala-nos agora um pouco dos outros professores que, de algum modo, foram importantes para ti durante o curso. [JT] – Alguns já referi atrás, mas falar de cada um em particular é uma longa resposta e tenho receio de esquecer-me de algum. [GF] – Não te preocupes, eu dou uma ajuda. [JT] – Bem, para te responder assim, ao sabor da conversa, devo confessar que não foram assim tantos, estou a referir-me àqueles que, de algum modo, influenciaram o meu percurso de estudante, os outros, na sua maioria, também tiveram algum contributo, existindo ainda aqueles, felizmente poucos, que tiveram um papel negativo. Desde logo, o Henrique Carvalho, por ter sido o meu primeiro professor de Projecto, pela maneira apaixonada como falava e vivia a arquitectura, que chegava a ser contagiante, por me ter dado a conhecer o Siza e por ser um bom arquitecto, embora, quando fui seu aluno, não tenha percebido esta qualidade, pois estava demasiado absorto com todas as novidades com que me deparava, quase como se estivesse a aprender tudo novamente./ O Francisco Barata, que tive a sorte de ser aluno, no 3.º ano, pela sua bondade e maneira afável de estar, pela enorme cultura disciplinar, embora muito centrada em Itália, e pelas suas qualidades de pedagogo. Foi com ele que fiz os dois projectos que mais gosto e que ainda recordo, uma habitação unifamiliar no bairro de Guerra Junqueiro e um conjunto de residências e comércio onde hoje está o Shopping Cidade do Porto. [GF] – Não sabia que tinham feito dois trabalhos ao longo do ano. [JT] – Sim, foi uma experiência muito interessante, julgo que idealizada pelo Barata, que funcionou muito bem, embora não tenha voltado a repetir-se, acho. Eram dois programas distintos em locais diferentes, uma habitação unifamiliar e habitação colectiva com comércio, que decorreram de forma intercalar. Voltando aos professores que me marcaram, não posso deixar de referir o Manel Fernandes de Sá, desde logo, por me ter revelado outra dimensão da arquitectura, a escala urbana e do território, à sua maneira, com uma grande descontração e simultaneamente, com um profundo conhecimento decorrente da sua vasta experiência de planeamento. O Manel é uma pessoa prazerosa, com quem não é difícil criar empatia, e de uma grande generosidade. [GF] – Já percebi que os professores que te marcaram foram todos de Projecto... [JT] – Não só, outro professor que me marcou, embora de forma diferente dos anteriores, e que não era de Projecto, foi o Alberto Carneiro, no meu 2.º ano. Quando fui seu aluno ficava um pouco atónito com o seu discurso que para mim era demasiado abstrato, esotérico, mas houve muita coisa que o subconsciente reteu e que de vez em quando emergem à superfície ou ao consciente. Do Carneiro recordo ainda umas aulas fora do comum, em que ele trazia discos para ouvirmos e um deles foi “A noite transfigurada”. Há momentos que ficam marcados para sempre, ainda hoje, quando oiço esta peça do Schoenberg, lembro-me dessa aula./ O Jorge Gigante e o filho, o José Gigante (Gigas), no meu 3.º ano. Conversava muito com o pai, quer dizer, escutava-o, tinha uma espécie de fascínio pela sua figura, alto, sempre impecável e a fumar cachimbo. O Gigas era um professor muito afável, e muito brincalhão, as alunas adoravam-no, recordo-me das aulas teóricas e das fórmulas para o cálculo térmico das paredes em diferentes materiais./ Não posso deixar de referir o Jacinto Rodrigues, a quem não se podia ficar indiferente. O Jacinto foi o nosso professor à frente no tempo e no espaço, quero referir-me ao espaço socio-cultural da época, da cidade do Porto e da Faculdade de Arquitectura. O Jacinto é o professor que mais recordo, pois ficou-me associado aos temas da ecologia, das preocupações ambientais, da necessidade de regressarmos à natureza e ao Rudolf Steiner. Quando há uns anos, numa viagem de estudo com os alunos, visitamos o “Goetheanum”, pude compreender melhor o fascínio do Jacinto por este personagem e pelo movimento que fundou. [GF] – No meu 1.º ano o regente de Projecto era o Sérgio Fernandez, lembras-te do teu ano? [JT] – Não me lembro bem, porque não ligava a essa coisa da regência. Creio que era também o Sérgio no 1.º e o Alexandre no 2.º ano. [GF] – O Alexandre no meu ano dava História da Arquitectura Portuguesa. [JT] – A minha História da Arquitectura Portuguesa era a Marta Oliveira e tinha como assistente o Luís Soares Carneiro, que se sentava sempre ao seu lado e não abriu a boca o ano inteiro [risos]. [GF] – O Teles foi meu professor de construção, também foi teu? [JT] – Não de Construção, mas de Projecto, no 2.º ano. Por acaso era o professor que dava mais liberdade criativa aos estudantes. [GF] – O Souto Moura ainda dava aulas no teu curso? [JT] – Sim, dava aulas de Projecto ao 4.º ano e no meu foi o seu último ano na FAUP. Ele era o protagonista, o que gerou uma certa confusão no início do ano lectivo, pois houve uma concorrência muito grande para ficar na sua turma e nem sei se houve negócios com permutas [risos]. Durante o resto do ano, a turma dele foi uma referência constante, todas as semanas íamos ver o que eles andavam a fazer, como evoluíam as propostas de intervenção, o programa era um hotel enorme, na entrada de Matosinhos, e a solução inevitável era fazer uma torre. Lembro-me perfeitamente que os alunos dele começaram por desenhar o estacionamento e uma matriz para a estrutura. Ele não era um professor impositivo ou rígido, tinha até um estilo descontraído, mas a turma toda seguia religiosamente as suas indicações do que resultou numa grande uniformidade de soluções no final do ano. [GF] - Toda aquela zona da entrada de Matosinhos estava em ebulição naquela altura. Há poucos anos, também lhe coube projectar para Matosinhos. [JT] - Não havia nada daqueles prédios do Cavaca, nada daquilo existia, aquela entrada era um ermo, só silvas e ruínas de antigas fábricas./ Sim, há uns bons anos, ele faz o projecto de reconversão da marginal sul de Matosinhos na segunda metade da década de 90, coincidindo com o plano de urbanização do Siza. O que lá está é só uma parte do projecto e ainda bem que não construíram tudo, pois a marginal ia ficar completamente desvirtuada e estragada com uma série de pequenos edifícios implantados na areia. Ainda bem que venceu o bom senso ou, se calhar, foi apenas falta de dinheiro. [GF] - Foram os anos em que ele estava a fazer a Casa das Artes? [JT] – Sim, isto foi no final dos anos oitenta, no meu 4.º ano estaria em fase de conclusão. Não me lembro ao certo se foi no final do 1.º ano ou no 2.º, que comecei a ouvir falar da Casa das Artes, até que fui lá, mas não me recordo em que ano isso aconteceu. Devo-te confessar que na altura a sua arquitectura, não me tocava em particular, assim como a do Mies. No entanto, lembro-me perfeitamente de ver a parede de alvenaria em construção e os pedreiros a aparelharem as pedras no jardim da casa Allen. [GF] – Quem era o regente do 4.º ano? [JT] – Creio que te referes ao Projecto. Não me lembro. A figura do regente, para os estudantes, não existia. Estamos a falar de uma época em que nós tratávamos a maioria dos professores por tu e pelo nome próprio, era o Alexandre [Alves Costa], o Sérgio [Fernandez], o Henrique [Carvalho]. Acho que o Távora era o único que tratávamos por professor. [GF] – E o Soutinho? [JT] O Soutinho foi meu professor em dois anos, no 2.º e no 5.º, mas não tenho ideia de ter retirado grande proveito das suas aulas. Ele era muito simpático e tinha boa figura, as alunas não resistiam ao seu charme e gostava de contar umas larachas, pelo que as aulas teóricas eram muito descontraídas, resvalando frequentemente para a galhofa. Nas práticas, faltava muito ou chegava atrasado, o que nos valia era o seu assistente, o António Madureira. Na altura, a Câmara Municipal de Matosinhos estava na fase final de construção e teria outos trabalhos, o que o impediam de estar o tempo desejado na escola. Ainda assim, deu para fazermos uma visita de estudo ao edifício dos passos do Concelho de Matosinhos, em construção, e para ele mostrar, e fazia-o com grande entusiasmo, o projecto de execução nas aulas, particularmente os detalhes. Lembro-me de ele falar, todo empolgado, de uma ferragem, para uma determinada janela, que teve de desenhar propositadamente, por não existir no mercado nacional. [GF] – Lembras-te dos trabalhos que fizeram? [JT] – Sim, do que me lembro, creio que só fizemos dois. O primeiro, tenho uma vaga ideia, mas lembro-me de desenhar a fachada de um edifício antigo ao lado da igreja de São José das Taipas, no Campo dos Mártires da Pátria, entre a Cadeia da Relação e o Palácio da Justiça. Recordo-me de estar a terminar o desenho com aguarela e de não saber como legendar os elementos do alçado, alguns dos quais eu nem sabia o nome. O segundo trabalho foi o desenho, à escala 1:50, da casa do 1.º ano. [GF] – Tu fizeste uma casa no 1.º ano? [JT] – É verdade, o programa do terceiro exercício de projecto era uma habitação unifamiliar, creio que um T1 ou T2, não me lembro ao certo. Um pormenor a lamentar é que o nosso terreno era abstrato, constituído por duas plataformas sobraceiras a um rio e por uma rua. Tudo absolutamente regular. Não sei de quem foi a ideia, nem o motivo que levou a tal, e acho que só aconteceu no meu ano, só mais tarde percebi o quanto prejudicial foi para a nossa formação esta opção. [GF] – Um terreno abstrato ... e os trabalhos anteriores? [JT] – Pois é, muito estranho. O primeiro trabalho, sobre a cidade, era num sítio abstrato, um tabuleiro, mas esse sempre foi assim; o segundo trabalho, do módulo, foi na Quinta do Covelo. Já o primeiro trabalho me tinha corrido mal, pois não cheguei a perceber o objectivo, também tinha uma particularidade estranha: ou as peças eram enormes ou a área de intervenção era pequena. [GF] – E o Correia Fernandes, não foi teu professor? No meu ano era professor de Projecto, além de um bom arquitecto, dos melhores a fazer habitação colectiva, tinha ainda uma grande participação cívica. Lembro-me de quando era aluno ir ao café ler a coluna que ele tinha no Jornal de Notícias. Escrevia sobre vários temas: arquitectura, urbanismo, problemas da cidade, política ... [JT] – Lembras bem, já me esquecia, à sua maneira, o Manel Correia Fernandes foi muito importante para mim. Foi meu professor de Teoria, no 2.º ano. Foi ele que me deu a conhecer as “Memórias de Adriano” e a descobrir a Marguerite Yourcenar, que se tornou na minha escritora de eleição. Essa descoberta conduziu-me a Kavafis, através do “A Benefício de Inventário” e, consequentemente, aos dois livros a que volto mais vezes: “90 e Mais Quatro Poemas” e “Poesia de 26 Séculos. De Arquíloco a Nietzsche”, ambos traduzidos por Jorge de Sena. Foi incentivado por ele que li a “Complexidade e Contradição”, do Venturi, e os “Escritos no Vazio”, do Loos, naquelas edições que também deves ter, da Gustavo Gili. Eu tinha bastantes dificuldades na expressão escrita e foi graças a ele, à sua paciência e interesse, que comecei a ultrapassar essa limitação. Por sua sugestão, fiz melhoria de nota em Setembro e consegui um catorze./ Ainda a propósito da tua pergunta, há alguns professores importantes da FAUP que eu não cito por não terem sido meus ou por, simplesmente, não me lembrar deles durante o meu curso, por exemplo, dois deles são o Manuel Mendes e o Pedro Ramalho. E ainda há o exemplo do Rui Póvoas, de quem nunca fui aluno, que só conheci quando estava a fazer as minhas provas de aptidão pedagógica e de quem fiquei amigo para a vida. [GF] – Como foi o teu estágio? [JT] – Fiz estágio no gabinete do Manel Sá, a seu convite, no meu 6.º ano. O Manel foi o responsável pelo estágio e conseguiu a proeza de arranjar trabalho para todos, devido, certamente, aos contactos que tinha com imensos gabinetes municipais espalhados pelo país, e estou a falar de dois anos lectivos a fazer o estágio, pois o ano anterior ao meu também fez estágio em simultâneo, quando estavam no 5.º ano. [GF] – Já tinha ouvido falar dessa alteração, mas não sabia que tinha acontecido no teu ano... [JT] – Eu fiz o estágio no tempo correcto, no 6.º ano, o ano a seguir é que passou a fazer no 5.º e essa modalidade ainda perdurou algum tempo. Ao que ouvi dizer, isso aconteceu devido à falta de docentes, o mesmo motivo que terá levado o Távora a dar aulas no meu 5.º ano. [GF] – A propósito, fala-nos um pouco do que fizeste no estágio. [JT] – No final do 5.º ano comecei a pensar no estágio, o meu sonho era trabalhar no escritório do Siza, mas fui-me apercebendo que isso seria difícil ou quase impossível, para um estudante anónimo e sem grandes contactos ... De modo que, no final do ano lectivo, quando o Manel [Fernandes de Sá], me convidou para fazer o estágio no seu gabinete, com a promessa de trabalhar sobre habitação social, que, na altura, era um tema muito do meu agrado, aceitei de imediato, e não me arrependi. Seguidamente, ainda passei quase um ano a trabalhar com o Paulo Providência, que tinha escritório com o José Fernando Gonçalves, e mais tarde com o Francisco Vieira de Campos e com a Cristina Guedes. [GF] - O teu ano é conhecido por ter feito algumas contestações ou reivindicações ao longo do curso, é verdade? [JT] - Sim, o meu ano foi sempre muito reivindicativo [risos] e é curioso que todos os protestos reuniram sempre um enorme consenso entre os alunos, não me lembro de colegas que manifestassem oposição nas assembleias que fazíamos. O [Pedro] Gadanho, acabava sempre as entregas a tempo, mas só entregava quando nós o fizéssemos. Não me lembro de alguma vez ele ter furado as nossas reivindicações. Tudo começou com um exercício a Geometria que estava marcado para depois da viagem a Évora. A contestação esteve sempre voltada para as entregas, ou era sobre as datas ou sobre o excesso de trabalho exigido pelas entregas. [GF] – Fala-nos agora um pouco sobre quem são os colegas que se destacaram do teu ano, da tua geração. [JT] – Pese embora os colegas de curso que de alguma maneira dão o seu contributo na vida de forma anónima, constituindo família, tentando alimentar uma actividade de gabinete, à custa de muitos sacrifícios, lecionando no ensino básico e secundário, outros alcançaram alguma notoriedade no ensino universitário, como acontece com o Eliseu e o Pedro Leão. Fora da FAUP, o João Ferreira também está ligado ao ensino, na Fernando Pessoa, o João Figueira dá aulas na FAUL, mas certamente que haverá outros que agora não recordo, que desconheço ou que perdi o rasto, como é o caso do Pedro Gadanho. O colega de curso que mais se tem destacado como figura pública, acho que é o Duarte Belo, devido ao seu trabalho ímpar de cartografar o nosso país através da fotografia./ III. [GF] – Um marco de transformação no ensino foi Bolonha. A discussão para a implementação de Bolonha durou alguns anos e terá ocorrido no final da direcção do Francisco Barata, creio que de 2008 a 2012. [JT] – Felizmente ou infelizmente, eu não assisti de perto a implementação do sistema de Bolonha, pois ela ocorreu, em boa parte, durante os anos em que estive de dispensa de serviço a fazer o doutoramento, o que ocorreu entre 2008 e 2011. Lembro-me de estar em reuniões de docentes em que se discutia a adequação do plano de estudos, as cargas lectivas, os ects. Na altura, eram tudo assuntos um tanto estranhos para mim. Devo-te dizer que sempre lidei mal com burocracias e o sistema de Bolonha é bem representativo daquilo que de mau produziu e produz a eurocracia na Comunidade Europeia (CE). O meu cepticismo e desacreditação em relação à CE vai aumentando todos os dias, por mim, podia desmoronar-se já amanhã. [GF] – Que perceção tens, em relação à área disciplinar ou ao ensino em geral, de transformações ou ocorrências marcantes a partir de 2008? [JT] – Parece-me que um dos motivos de Bolonha é a uniformização dos cursos superiores, de modo a incentivar o intercambio, promovendo a mobilidade de estudantes e docentes, e a criação de meios que permitam aos estudantes construir o seu percurso académico, entre áreas de conhecimento que partilhem afinidades. Estes motivos são por demais nobres para constituírem os princípios de um sistema de educação comum da EU, não fossem padecer de graves problemas quanto à sua concretização. Desde logo, porque quaisquer tentativas de uniformização são castradoras e redutoras das especificidades e individualidades dos cursos de arquitectura, que têm peculiaridades muito próprias, por reunirem uma vocação artística, técnica e humanista. Acontece ainda que, numa EU rendida ao neoliberalismo, a implementação do sistema de Bolonha foi a oportunidade de fazer a empresarialização das universidades, submetendo-as à lógica da oferta e da procura e ao entendimento dos alunos enquanto clientes. Isto não abona nada em benefício das partes interessadas, nem da produção de conhecimento./ No nosso caso, nem é preciso ir muito longe, Bolonha começou logo por reduzir o tempo da licenciatura de cinco para três anos e com menos horas lectivas. Convenhamos que é notável. Ora, é reflexo da tendência do regime de capitalismo neoliberal instalado na EU para o ensino superior: facilitismo e imediatismo, tudo apoiado em cuidadas operações de marketing bem montadas. Repara que FAUP possui um gabinete de comunicação e imagem, de há uns anos a esta parte, e isto também é uma alteração que importa sublinhar, com uma funcionária a tempo inteiro. O Guy Debord tinha toda a razão, estamos mesmo transformados numa sociedade do espectáculo. De resto, a adequação a Bolonha lá se foi fazendo e digerindo com muito contorcionismo. Se Bolonha pretendeu reduzir o tempo de licenciatura para compensar o negócio do ensino com o 3.º ciclo, no nosso caso, a estratégia está a correr mal, pois o interesse dos estudantes recém-licenciados por enveredar pelo doutoramento parece-me ser ainda muito reduzido./ No entanto, antes da implementação de Bolonha tiveram lugar grandes transformações na sociedade que causaram impacto no nosso modelo de ensino, desde logo, a adopção generalizada do computador e mais tarde o surgimento da internet. Com a conclusão da terceira fase da construção da FAUP, os estudantes também passaram a ter melhores condições de trabalho. Quando eu fiz o curso tínhamos uma disciplina de computação no quinto ano, a que eu não liguei nenhuma, em que o programa de desenho era muito básico e não me lembro de ver impressoras de grandes formatos, tudo isto se alterou profundamente em trinta anos. O meu estágio foi todo realizado ao estirador e o primeiro computador que comprei, pois na altura já começava a ser absolutamente imprescindível, foi em 1994, para redigir o relatório de estágio. [GF] – Recordo-me que em determinada altura o número de estudantes aumentou ... [JT] – Sim, mas isso não esteve relacionado com Bolonha, acho que é anterior, penso tratar-se de opções políticas de ensino e que devem ter surgido na sequência da primeira fase de mercantilização do ensino superior com a proliferação de cursos privados. Quando eu entrei para o curso era preciso matarmo-nos a estudar para conseguir uma boa média e só existiam dois cursos de arquitectura no país, Porto e Lisboa. A nossa adesão à CEE, em 1985, veio alimentar a euforia do pós 25 de Abril que começava a esmorecer, pois o país sofria de um atraso estrutural brutal. As promessas de desenvolvimento tinham de incidir sobre o ensino e a formação de quadro superiores, deficitária no nosso país, pelo que surgiram novas escolas públicas e o liberalismo da CEE impôs a abertura de cursos privados, que os governos de direita do Cavaco, souberam promover como ninguém e que os socialistas deram continuidade. Depois é o que se sabe, como este país ou as agora muito propaladas elites nunca foram capazes de pensar o que de mau ocorreu noutros países que cometeram erros antes do nosso, mercantilizaram-se os cursos superiores. Do que julgo saber, acho que chegaram a ser 23 cursos de arquitectura no país. Enfim, mais comentários para quê? [GF] – E surgiu a extensão do curso a Viseu. [JT] – Sim essa experiência começou quando eu estava no 2.º ano, em 1988 e durou pouco tempo, até 91 ou 92, e creio que só funcionou com o 1.º e 2.º anos. Conheci alguns colegas que iniciaram lá o curso e que adoraram a experiência. O facto de ser apenas uma turma pequena e de estarem no centro histórico de Viseu criou um estado de ânimo e de cumplicidade entre os estudantes e entre estes e os professores, que eram os mesmos da FAUP. Devem ter-se introduzido pequenas variantes pedagógicas que produziram outros resultados, a que não terá isso alheia a influência do António Quadros. Essa experiência, que foi uma variante da FAUP, merecia um estudo cuidado. [GF] – Bolonha também trouxe uma exponenciação da investigação, com o mestrado integrado, no 2.º ciclo, e com a criação do 3.º ciclo, o PDA, em 2007 ou 2008. [JT] – Sim, de repente, em 2008, o curso da FAUP passa a ter mestrado integrado e doutoramento. Antes, porém, a escola já partilhava um mestrado com a FEUP, em urbanismo. Claro que esta coisa a que passaram a chamar mestrado integrado é uma fraude, no nosso caso, pois o programa do 2.º ciclo onde se integra e o tempo que lhe passou a ser destinado só permite um contributo muito escasso para o conhecimento científico. Com a agravante do alto nível de insucesso escolar da dissertação, dada a percentagem significativa de estudantes que não consegue concluí-la no tempo que lhe está destinado, necessitando de prolongar os estudos por mais uns meses. De resto, ao comparar o nível da maioria das actuais dissertações, com as resultantes dos antigos mestrados, fica-se perplexo com a irrelevância para o conhecimento das primeiras. O que é natural, pois não há tempo nem a devida preparação. [GF] – Conta-me como vês todas estas transformações, impostas por Bolonha, relativamente à tua disciplina. [JT] – Devo dizer que a implementação de Bolonha apenas impôs ligeiras mexidas no programa da minha unidade curricular, para o adequar à redução das horas de contacto, incluindo a redução de elementos de entrega dos trabalhos, o que não constituiu novidade, pois todos os anos fazemos ligeiras adequações, sem mexer nos princípios que estão na base do programa. Todos os anos lectivos acontece qualquer episódio ou atribulação que motiva à reflexão, uma espécie de balanço anual, do qual resulta, geralmente, ligeiros ajustes, seja nas aulas teóricas, seja nos conteúdos dos trabalhos práticos. [GF] – E desde o teu tempo de estudante, até à actualidade? [JT] – Ui, isso é uma retrospectiva imensa, que respeita a um arco temporal muito alargado, de quase quarenta anos, como se isso já não fosse suficiente, corresponde a uma visão em que eu estou em dois lados um tanto antagónicos, como estudante e como docente responsável. Sou suspeito na resposta, pois vou ser juiz e causa própria: globalmente, acho que a disciplina melhorou, desde logo, por ter abolido certas práticas espúrias, uma delas a realização de testes, e pela introdução do 2.º Trabalho Prático em estreita colaboração com Projecto, muito embora a sua concretização ainda se revele difícil, pois os colegas docentes tendem a minimizar as questões da construção, mas isso é outro assunto./ É claro que eu não tenho o carisma do Soutinho, nem do Madureira, mas esforço-me, juntamente com o António Neves, ao ponto de poder afirmar, com segurança, que os alunos hoje saem muito mais bem preparados do que no meu tempo. [GF] – Agora fiquei curioso, dizes que os docentes de Projecto minimizam questões da construção? O que te leva a afirmar isso? [JT] – O que me leva a fazer esta afirmação, é o contacto e a experiência do trabalho comum que já levo com Projecto há bastantes anos. Eu acho absolutamente incrível como, por exemplo, a atenção à estrutura é remetida para segundo plano, assim como o tema das redes [abastecimento e esgotos]. Tenho, aliás, bastante dificuldade em compreender porque é que o desenho do projecto não contempla esses temas, que são tão importantes como a morfologia ou a caracterização espacial dos edifícios, isto para já não falar de outros temas de ordem formalista e estética. Sempre tive dificuldade em compreender o ensino por etapas, em que no primeiro ano só referes determinados temas a que vais acrescentando outros progressivamente durante o curso. Refuto este método. Também acho que o afastamento dos docentes da práxis do projecto não ajuda nada à causa. [GF] – E relativamente ao nosso curso, sei que é uma questão demasiado genérica e abrangente, mas, que transformações destacas? [JT] – Ui, isso é uma questão não só genérica, mas também complicada. e extensa, pois implica uma visão de dois lados opostos e um arco temporal muito alargado, são quase quarenta anos. Transformações positivas e negativas, suponho. [Pausa] Globalmente, acho que o curso está melhor, pois o corpo docente qualificou-se e tem-se dedicado mais à academia, o que originou maior exigência de qualidade e mais trabalho aos alunos. Por outro lado, essa pressão, juntamente com a pressão habitual de projecto tem sido responsável por muitas situações de stresse nos alunos, o que será certamente um dos principais motivos para sermos a unidade orgânica com mais estudantes no psicólogo dos SASUP. No meu tempo, não me lembro de colegas com problemas de saúde mental. Desde a conclusão da construção da última fase, o curso ficou com muito melhores condições de instalações do que no meu tempo, não há comparação. Passamos a ter uma biblioteca decente e bonita; assim como auditórios, as condições acústicas nem sempre são as melhores, mas não se compara com a sala da Casa Cor de Rosa onde tínhamos aulas; espaços de convívio; e boas salas de aula, até podiam funcionar bem se as turmas tivessem a dimensão que estava prevista no programa base. É claro que passados estes anos todos, os edifícios precisam de obras de manutenção e de algumas pequenas intervenções de beneficiação à luz das novas exigências, como seja a garantia de segurança dos utentes ou a acessibilidade universal a todos os cidadãos./ IV. [GF] – Fala-me agora um pouco do teu percurso enquanto docente e também enquanto investigador. Quando começou? [JT] – Antes de mais, devo começar por dizer, em forma de contextualização, que estive sempre associado à disciplina de construção, ou das tecnologias da construção da arquitectura, do 2.º ano, que é o ano lectivo do curso em que as temáticas da construção começam a ser abordadas. Sei que houve uma tentativa de antecipar a abordagem a estas questões no 1.º ano, que esteve a cargo do Madureira, mas que não terá tido grande sucesso, isto nas palavras do próprio. Não me lembro ao certo os problemas que ele mencionou. Em todo o caso, sou da opinião de que as temáticas da construção devem ser introduzidas primeiramente em Projecto, desde logo, por elas serem intrínsecas ao acto de projectar, sendo, por conseguinte, o espaço pedagógico que naturalmente se presta a essa função. Infelizmente, não me parece que tal seja levado em conta com a veemência devida. Enfim, acho que me estou a desviar da tua questão. Desculpa./ A minha primeira experiência relacionada com o ensino foi na qualidade de monitor e decorreu entre 1995-97. Em 2000, voltei novamente à FAUP, como assistente convidado, para ajudar o Teles que estava sozinho com o Augusto Amaral. Com a apresentação das Provas de Aptidão Pedagógica e Capacidade Científica, em 2004, passei a assistente. Em 2008 inscrevi-me no curso de doutoramento, até lá, mantive actividade regular de projecto no escritório. Quando iniciei o doutoramento, foi-me dada a possibilidade de ingressar no curso que se iniciava na FAUP, mas eu optei, e bem, pela modalidade de autoproposta, que era aquela que vigorava nas escolas que não tinha curso de doutoramento. Quando me inscrevi no nosso centro de investigação, em 2008, ninguém queria saber do CEAU, ao fim do ano sobrava sempre dinheiro ... Hoje, falta dinheiro para tanta solicitação. Quando me inscrevi no doutoramento também me candidatei a uma bolsa FCT que me foi concedida por três anos. Nesses três anos estive em dispensa de serviço docente, tendo regressado no ano lectivo de 2011-12. No final de 2013 entreguei a tese, que apresentei a júri em Março de 2014. [GF] – Voltando novamente ao teu percurso, suponho que tinhas uma boa relação com o Teles ... [JT] – E supões bem, tinha uma relação de grande amizade, que se foi sedimentando ao longo dos anos. Isto depois de acabar o curso, não enquanto fui seu aluno. Quando fui seu monitor passei a compreendê-lo de outra forma, muito melhor. Quase como se o estivesse a conhecer de novo. Também é certo que tinha alguma maturidade que não possuía no meu 2.º ano. [GF] – Como foi a transição ou, se quiseres, a mudança de testemunho com a saída do Teles? [JT] – Foi um pouco complicada, muito embora, nos últimos anos de aulas do Teles, devido às suas ausências frequentes, por motivos de doença, eu tivesse adquirido, paulatinamente, muitas responsabilidades que me levavam a tomar decisões e a resolver aqueles imprevistos próprios das actividades lectivas. Sem dúvida que o Rui Póvoas, que era o responsável pela área científica das ciências da construção, teve um papel importante no apoio a essa transição. De resto, a reformulação do programa foi relativamente simples, pois ele mantém a matriz que vinha do tempo do Teles. Um momento determinante para a consolidação da disciplina foi a entrada do António [Neves]. [GF] – E a tua relação de amizade com o António [Neves]? [JT] – Foi uma sorte o António ter entrado para Construção, na altura ainda se chamava Introdução aos Sistemas Construtivos. Nós já nos conhecíamos, pois, o António é um amigo muito chegado do meu irmão. A vinda dele para construção correu muito bem, foi uma adaptação quase natural. Com ele passei a estar menos perdido e a dividir as responsabilidades, o que me trouxe bastante tranquilidade. Desde aí, os dois, temos feito construído um programa consistente e feito algumas experiências interessantes./ V. [GF] – Quais as mudanças fundamentais que destacas na tua disciplina? [JT] – A matriz mantém-se sensivelmente a mesma daquela que herdei e que considero constituir o património de uma espécie de corpo pedagógico da FAUP, ou seja, a abordagem às mais variadas questões técnicas e tecnológicas da construção a partir da obra de arquitectura demonstrando que ela se apresenta perfeitamente integrada com as outras questões que presidem à elaboração do projecto, sejam aquelas de ordem funcional ou estética. Por oposição a uma abordagem mais tecnicista centrada na exposição das características físicas e químicas dos materiais e sistemas construtivos, baseada em fórmulas de resistência, de vários tipos de desempenho, durabilidade, etc. e numa perspectiva mais determinística. [GF] – Como é a relação com Projecto? O trabalho que desenvolvem em comum tem dado bons resultados? [JT] - A relação com os colegas de Projecto é boa, no sentido em que assenta na cordialidade e respeito mútuo, apesar das divergências entre nós, no que diz respeito a opções pedagógicas e à coordenação do trabalho. A relação entre Construção 1 e Projecto 2 entendo-a como inevitável, faz todo o sentido em termos pedagógicos o exercício conjunto que fazemos há uns anos a esta parte. Faz mais sentido do que aquele exercício que fazíamos no meu tempo de estudante, pois o desenho nas escalas 1:50 ou inferiores, de maior detalhe, não é mais do que projecto, que, neste caso era sobre algo arrumado no ano anterior. Considero a actual concepção do trabalho o modelo ideal para o ensino da construção. Neste ponto partilho integralmente a opinião do Gigas, publicada em vários escritos sobre o ensino na FAUP, de que a pedagogia das disciplinas de construção não deve promover alternativas de projecto, o que incutiria a uma prática de projecto baseada nos constrangimentos construtivos, nas suas palavras, sob o espartilho da construção, enquanto nas disciplinas de Projecto continuava-se a dar largas de criatividade em questões iminentemente funcionais e formais. A questão principal é que os colegas de Projecto são muito abertos a esta colaboração, mas, na prática, têm bastante dificuldade em libertar-se de formalismos, o que, na minha opinião, é um sintoma do afastamento da praxis do projecto, o que impede uma boa progressão do trabalho para as escalas da construção. Em concreto, Projecto 2 tem doze horas semanais, enquanto a Construção 1 tem apenas três, ora, isto deveria implicar a abordagem aos temas da construção, que são os temas do projecto, primeiramente na disciplina que tem mais horas de contacto. No entanto, o que se constata é uma abordagem pouco convincente a Projecto 2, ao ponto de os estudantes não a valorizarem, com a agravante do programa actual da unidade curricular não ir além das escalas 1:500 e 1:200. Por outro lado, os estudantes também têm muita relutância sobre as questões que abordamos na construção, a começar pela estrutura, por exemplo, em alguns trabalhos a entrega da estrutura a Construção não coincidir com a de Projecto, para o pilar não estragar a opção formal. [GF] – Então, como avalias esta experiência conjunta com Projecto, ao fim destes anos todos? [JT] – Globalmente positiva, mas está longe de ser a ideal. Lentamente, têm-se feito alguns progressos e um deles são as aulas conjuntas sobre a introdução da estrutura na proposta de projecto, mas ainda não é suficiente. Ainda há muita coisa a alcançar nesta colaboração entre Projecto 2 e Construção 1. [GF] – E com o resto das outras unidades curriculares do 2.º ano? [JT] – Para te falar verdade, a nossa relação com as outras unidades curriculares do 2.º ano, com excepções pontuais a Desenho 2, resumem-se à coordenação de datas de entregas. A falta de diálogo entre os docentes é um problema endémico da FAUP. Embora organizadas por Projecto 2, as viagens de estudo constituíram uma forma pedagógica de congregar os interesses das diferentes disciplinas. graças aos esforços da Madalena e do Alberto Lage. [GF] – Isso é interessante. Fala-nos um pouco dessas viagens, porque as consideras importantes. [JT] – Antes de mais, devo fazer honras ao Barata, à Madalena [Pinto da Silva] e ao Alberto [Lage], por terem sido, durante vários anos, os mentores dessas viagens. É claro que qualquer aluno pode fazer interrail ou viajar nas férias para onde lhe aprouver, mas as viagens de estudo são sempre diferentes e insubstituíveis, por terem uma organização lógica, qualquer que ela seja, por os docentes acompanharem os alunos, pelo espírito de grupo que as viagens colectivas inspiram. Acresce ainda, o detalhe importante que é necessário sublinhar, que as viagens foram sempre muito baratas para o o maior número de estudantes pudesse participar. Nessas condições, tive oportunidade de participar em viagens a Barcelona, Paris, Amesterdão, Lyon, Basileia, Veneza, entre dezenas de cidades que ficavam no meio. É com grande tristeza e um sentimento de saudade que constato o desaparecimento destas viagens que foram interrompidas pelo Covid 19 e desde aí nunca mais voltaram a ser retomadas. [GF] – O que perspectivas para o ensino da arquitectura? [JT] – Não tenho feito grandes reflexões sobre este assunto, por isso, a minha opinião resulta de uma percepção a sentimento, sobre o estado do ensino a partir do curso da FAUP. Desde logo, não ponho em causa a natureza generalista do nosso ensino da arquitectura, antes pelo contrário, considero que foi um dos princípios mais importantes da minha formação. No meu tempo, ouvia-se com bastante frequência a expressão: “o arquitecto é um especialista de generalidades”. Aliás, desde o tratado Vitruvio que é recomendado que o arquitecto seja possuidor de um conhecimento abrangente. Contudo, actualmente, parece-me existirem alguns equívocos ou mesmo ignorância sobre este princípio, um deles reside no facto dos arquitectos estarem demasiado ensimesmados sobre a sua área de actuação, incapazes de verem para além dela, exceptuando, talvez, outras áreas de expressão visual que envolvam o desenho ou a imagem, como a fotografia e o cinema/vídeo. Nunca foi tão premente o papel coordenador que a arquitectura deve assumir nos projectos como na actualidade, em que as equipas são formadas por uma infinidade de outros técnicos especialistas, para tal os arquitectos devem ser dotados de uma visão abrangente que só é possível com uma cultura geral sólida. Por outro lado, o grau de exigência de certas competências não se compadece com generalismos. Acho, pois, importante o curso permitir que os estudantes possam dirigir a sua formação em função dos seus interesses e motivações, principalmente, no 2.º ciclo, inclusive, permitir que possam enveredar por uma via mais prática, ligada ao atelier ou à gestão de obra, ou por uma via, ligada à investigação, já que todas as escolas têm centros de investigação que funcionam razoavelmente. Não me parece que as semestrais e a dissertação sejam suficientes para garantir uma maior competência, por exemplo, em intervenção em edifícios existentes. Por exemplo, não sei porque é que o programa de projecto tem de ser igual em todas as turmas de um mesmo ano, ele podia estar perfeitamente afecto a cada professor e podia ser dada a possibilidade de os alunos seleccionarem a turma em função do seu interesse. Também me parece que vai sendo tempo de abandonar, de uma vez por todas, o preconceito de que a escola forma arquitectos para a prática profissional do atelier, quando isso é uma grande falácia, pois é sabido que o mercado de trabalho está saturado e a nossa profissão, felizmente, tem outras saídas. [GF] – Sei que há pouco iniciaste uma nova unidade curricular optativa, creio que relacionada com construção tradicional, como está a correr? [JT] – Passados dois anos, acho que está a correr bem. No primeiro ano tive mais alunos Erasmus que estudantes nacionais. Este ano que passou tive mais alunos e em número mais equilibrado entre os nacionais e os Erasmus, o que sugere mais interesse dos nossos alunos. Espero continuar a suscitar interesse nos nossos estudantes. Sei que ainda é cedo para fazer balanços, pela minha parte, estou satisfeito com os resultados. [GF] – O que te levou a iniciar esta optativa? [JT] – Dois motivos principais, desde logo, a ausência dos curricula do curso de disciplinas dedicadas à arquitectura vernácula e tradicional e, em concreto, às técnicas tradicionais de construção, o que, para mim, constitui um óbice muito grande. O segundo motivo é o facto de termos deixado de tratar com profundidade e detalhe o sistema construtivo da casa do Porto, em Construção 1, para podermos abordar os sistemas construtivos da primeira metade do século XX, o que considero uma opção correcta. Inicialmente, a minha intenção era abrir uma unidade curricular dedicada ao sistema construtivo da casa do Porto, mas achei um tanto redutor, pelo que decidi, e bem, abranger toda a arquitectura tradicional portuguesa, de norte sul do país. Aconteceu ainda outra coisa curiosa, atendendo ao número de inscrições de estudantes de mobilidade, passou a existir uma frutífera partilha, alargada aos sistemas construtivos de outras culturas. É claro que o sistema construtivo da casa do Porto é o tema que ocupa mais aulas [risos] afinal é aquele que melhor domino./ VI. [GF] – Como vês a escola entre a actualidade e o teu tempo de estudante? [JT] – Vejo de forma distinta, desde logo, por ter uma percepção de pontos de vista diferentes, quando era estudante tinha um entendimento que é diferente do que tenho agora, como professor. Devo dizer-te que um exercício que faço amiúde é pôr-me no papel de aluno, para melhor compreendê-los, mas não é fácil, direi mais, parece-me impossível. Eu não consigo ter essa capacidade, por limitações várias./ É claro que ao fim de quarenta anos, mudou muita coisa, a actividade da arquitectura passou a depender do CAD, surgiram os telemóveis, a internet, as redes sociais, enfim, toda uma evolução e revolução tecnológica que afectou não só a formação dos arquitectos mas também a sua prática disciplinar. Houve ainda uma generalizada melhoria da qualidade de vida das pessoas, em particular daquilo que se designa por classe média, que é nada mais nada menos que uma pretensa pequena e média burguesia, o que permitiu às pessoas viajarem mais e conhecerem outras realidades ou visitar obras de arquitectura de referência. Actualmente, a esmagadora maioria dos alunos faz Erasmus./ Por outro lado, o corpo docente qualificou-se, constatando-se que, actualmente, todos os professores de carreira são doutorados. Este contexto fomentou uma maior dedicação e empenho dos docentes à academia, com melhores resultados no desempenho das disciplinas teóricas. Em resultado, parece-me que esta mudança é responsável por um aumento da exigência e do volume de trabalhos dos estudantes. Em contrapartida, há mais docentes de carreira com pouca experiência de projecto e de prática de construção, o que não é bom para o ensino das disciplinas de Projecto e de Construção, tornando difícil manter o nosso património pedagógico, sustentado numa práxis muito baseada no atelier, em que o desenho desempenha um papel fundamental, enquanto ferramenta privilegiada. [GF] – Achas que algum afastamento dos docentes da actividade prática do escritório tem influência negativa na formação dos estudantes? [JT] – Na minha opinião tem, naturalmente, em particular, os docentes de Projecto e de Construção. Espero que os docentes de Desenho não abandonem a sua prática artística. [GF] – E os estudantes actuais, que diferenças encontras? [JT] – A perspetiva do meu lado permite uma percepção diferente da que eu tinha quando era estudante em relação aos meus colegas. A principal impressão que me fica dos estudantes é a falta de paixão de uma grande percentagem. Não estou a dizer que não existam estudantes que não estejam apaixonados pela arquitectura, mas existe um número significativo que podia estar no nosso curso ou noutro qualquer. As gerações dos nossos estudantes também são o melhor produto refinado da sociedade capitalista e neoliberal a que chegamos: consumismo, indiferença, infantilismo, hedonismo e egoísmo. Por exemplo, a nossa associação de estudantes, que vai mudando de direcção com muita frequência, do que julgo saber, parece uma agência de organização de festas e pouco mais. [GF] – A grande maioria dos professores do nosso tempo têm vindo a sair por aposentação, um dos últimos foi o Adalberto Dias... [JT] – Sim é inevitável, o tempo passa e os próximos seremos nós [risos]. O que acho estranho é a falta de investimento nos jovens docentes que nos irão substituir, é impressionante a quantidade de jovens colegas com contratos precários que se arrastam há anos. É claro que custa ver os mestres a saírem e alguns até já não estão entre nós, mas a vida é mesmo assim, alguns, aliás, conseguiram a proeza de se libertarem da lei da morte, mantendo-se vivos através da sua obra./ VII. [GF] – E relativamente ao funcionamento da escola, como vês a sua gestão, as opções de fundo de ensino e outras? [JT] – Esse é um tema fracturante e pouco consensual, como não poderia deixar de ser. A escola, como qualquer instituição, suponho que as públicas serão um tanto diferentes das privadas, para melhor, em termos do garante de direitos dos funcionários, dizia que as instituições são um microcosmos da sociedade, por conseguinte, todos os defeitos e virtudes das relações humanas estão presentes na escola. Quero com isto dizer que o amiguismo, o compadrio, as alianças tácitas de bastidores, tudo isso faz parte da escola - são os nossos vícios privados, as públicas virtudes é fazer passar a imagem de que tudo acontece de forma muito democrática. Tal como na vida em sociedade, esta espécie de paz social, embora tensa, mas podre, só é possível com muita hipocrisia e cinismo e, diga-se em abono da verdade, graças à passividade da maioria das pessoas, infelizmente. Não obstante, considero que o problema mais grave da FAUP é a generalizada falta de diálogo entre os órgãos de gestão e os docentes e entre estes e os estudantes. [GF] – Pois, também concordo que essa ausência de debate é um óbice da nossa faculdade. [JT] – Escuta, o plano de estudos está há uns anos em revisão e apenas houve uma ou duas reuniões de discussão alargada a todos os docentes e estudantes, promovida por certos docentes e estudantes na época que, por acaso, já não estão na escola. Há uns anos foi-nos apresentada uma versão preliminar da revisão do plano de estudos, sem grande enquadramento, tudo feito oralmente e através de slides, como se se tratasse de algo consumado. Inqualificável. O que vale é que essa proposta, cheia de disparates, gerou tanta discussão que não mais se ouviu falar dela. Agora parece que há uma nova proposta que está para ser apresentada. Enfim, vamos aguardar. A falta de diálogo entre nós resulta numa incapacidade ou ausência de pensamento crítico relativamente à nossa política de ensino e à participação da escola na sociedade, que é escassa. A questão é que o funcionamento da FAUP está viciado./ [GF] – Como assim? [JT] – Quero dizer que os órgãos de gestão da FAUP são compostos pelas mesmas pessoas há décadas, com umas ligeiras mudanças, decorrentes de substituições de colegas que se aposentaram, por colegas das relações de amizade e confiança dos mesmos que permanecem nos cargos e que são os responsáveis pelos destinos da instituição. Se vires com atenção, há um grupo de colegas, dos quais não é difícil discernir as afinidades entre eles, que vão ocupando, ao longo dos anos, os órgãos de gestão da FAUP, tranquilamente, sem qualquer tipo de oposição. São aqueles colegas que se perfilaram para aceder ao “pote”, em torno do qual sempre gravitaram. Depois de acederem sentaram-se no “pote” e assim vão tratando da sua vidinha e distribuindo favores pelos amigos. É uma realidade que eu lamento, mas que faz parte do jogo da vida. [GF] – Pois ... [JT] – Vou-te dar um exemplo: há uns tempos, três desses colegas convidaram-nos, se bem te lembras, para uma reunião onde nos incentivaram a investir na agregação. Uma questão que eu levantei foi a de não ter qualquer orientação de doutoramento, por me ser vedado o acesso ao curso, nem a oportunidade de estar no projecto de tese, o que foi registado pelos ilustres colegas. O que achas que aconteceu desde aí? Manteve-se tudo na mesma. [GF] – E relativamente à carreira e à nossa avaliação docente? [JT] – Esta questão, que eu esqueci de referir, levanta outros problemas que, estou certo, marcam toda a diferença para com o tempo em que eramos estudantes. Quando fizemos o curso, a escola era uma espécie de prolongamento dos ateliers dos professores arquitectos, agora é formada por professores de carreira, alguns, poucos, ainda com alguma actividade de escritório, a maioria dividida entre actividades de investigação e divulgação e as actividades lectivas. Com efeito, actualmente, a componente lectiva é a menos importante para a carreira académica, para a nossa progressão, isto se tivermos em conta todas as outras actividades que concorrem para tal. Este estado é deliberado e promovido pela eurocracia de Bruxelas, o objectivo é manietar os docentes do ensino superior, privá-los da liberdade de pensar e questionar o estado das coisas. Com os estudantes, já existem imensas “cenouras” que os mantêm entretidos. O último reduto da indignação social são as instituições de ensino, principalmente o superior, é aí que está, ou devia estar, o pensamento critico. Controlando estas instituições o sistema capitalista tem o controlo pleno da sociedade. Aliás, as instituições de ensino, actualmente capturadas pelo sistema capitalista, funcionam antes como órgãos de formatação. [GF] – Achas que a faculdade já não tem aquele papel participativo e interventivo na sociedade que teve antes do 25 de Abril e no imediato período revolucionário? [JT] – Acho. O que tenho constatado, desde o meu tempo de estudante até à actualidade, é o aburguesamento da escola, a sua acomodação ao sistema vigente do neoliberalismo globalista da união europeia. Acho que foi há dois anos, que tive de levar com a foto da comissária europeia, uma criatura sinistra, logo na sessão de abertura do ano lectivo, ora, quando chegamos a este ponto, não é preciso fazer um desenho. A escola tem uma escassa participação cívica, voltada para a população mais desfavorecida, para a falta de qualidade urbana do país, fora dos centros consolidados onde se concentram os investimentos. A iniciativa “Mais do que casas”, foi um acontecimento excepcional e meritório, ainda assim, com pouco impacto na sociedade, pois foi muito localizada. Os arquitectos sempre conviveram bem com o poder, pois era daí que lhes vinha as grandes encomendas. A faculdade está transformada numa fábrica de eventos, para alimentar curricula, os nossos colegas desmultiplicam-se em iniciativas, grande parte das quais, fogo fátuo. O mais impressionante é que da parte dos estudantes não se espera melhor, ora, a associação de estudantes está transformada numa agência de organização de festas e pouco mais e não se espera que haja alguma mudança para melhor no futuro próximo. É confrangedor. [GF] – Vejo que tens uma visão desencantada da escola. [JT] – Sem dúvida, não sei se é um sintoma da idade, pois, de há uns anos a esta parte, passei a interessar-me mais por estas questões, que têm uma dimensão política. O certo é que a minha constatação é de desencanto, não propriamente com a minha geração ou com as que lhe são próximas, de quem não espero grade coisa, mas com a dos estudantes, completamente apáticos e indiferentes. Indiferentes às questões ambientais, como o esgotamento dos recursos e as alterações climáticas, à obsolescência programada, à toxicidade que cada vez mais afecta o ambiente e as nossas vidas, às injustiças sociais, à falta de solidariedade e de fraternidade... Enfim, vejo um futuro pouco auspicioso para as novas gerações, não digo “para os nossos filhos”, porque não tenho./ VIII. [GF] – Falemos agora da arquitectura em geral. As crises da arquitectura são recorrentes, assim como acontece com o mundo das artes em geral, que sintomas identificas hoje na arquitectura? [JT] – A Arquitectura esteve sempre em crise, se não era por falta de inspiração era pela identidade, que tinha de se identificar e harmonizar com a época a que pertencia. Actualmente, só entendo as crises da Arquitectura como sintomáticas de perda, perda de uma verdade construtiva, abandonada em detrimento de exercícios de malabarismos formais inócuos; perda da sua componente de artesenalidade, substituída por uma estandardização e uniformização isentas de qualquer identidade; perda da sua função social, de contribuir para o mundo mais justo e equitativo. Acontece ainda que as sociedades desenvolvidas não necessitam de mais construção, tendo-se tornado imperioso a manutenção dos edifícios existentes como a melhor via para uma prática verdadeiramente sustentável, em termos ambientais, sociais e económicos. Esta mudança de paradigma, em curso, nada tem a ver com o vigente no tempo em que nos formamos e que assentava na construção nova e na expansão, isto num contexto pós ditadura, em que havia uma enorme falta de habitação. Suspeito que uma boa parte dos nossos colegas ainda não entendeu isto. [GF] – Quais são para ti os arquitectos que exercem influência na actualidade? [JT] – Bom, confesso que desde há uns anos a esta parte tenho andado alheado do chamado “mainstream” da arquitectura não procuro, vou-me cruzando, aqui e ali com algumas novidades. Do que me vou deparando, fundamentalmente na net, acho tudo muito formalista, exercícios de contorcionismo ou do melhor malabarismo que os programas sofisticados de desenho permitem. Tudo muito postiço. Nada do que se faz actualmente, com as honrosas excepções do Zumthor e do Siza, me interessa. É claro que nunca deixei de seguir com atenção o que o Siza vai fazendo, cá e lá fora, e vou constatando que ele não perdeu a vitalidade. Por oposição, não deixo de explorar e descobrir fabulosos autores arquitectos, do século passado e anteriores, que ficaram ofuscados pelos mestres, mas cuja produção não deixa de revelar grande singularidade e mestria, estou a lembrar-me, por exemplo, de: Egon Eiermann, Roland Rainer, Juliann Lampens, Erik Bryggman ou Angelo Mangiarotti, entre muitos outros. O mais curioso é que eles fizeram excelente arquitectura, tudo no estirador, sem precisarem de recorrer a tecnologias sofisticadas. [GF] – Em Portugal, achas que os arquitectos hoje são mais respeitados? [JT] – Sim, ou melhor, acho que há mais consideração pela profissão, que decorre do reconhecimento da qualidade da arquitectura nacional, mas também de alguns dos seus protagonistas, afinal temos dois prémios Pritzker. Contudo, apesar de algumas conquistas, o acesso à arquitectura, o entidimento da arquitectura para melhorar a qualidade de vida das pessoas, ainda continua reduzido. Basta olhar para o território para constatar isso. Não me refiro aos centros urbanos consolidados, mas ao crescimento desordenado que resultou da conquista da liberdade, do pós 25 de Abril, e da entrada para a CEE./ IX. [GF] – E para terminar esta nossa conversa que já vai longa, fala-me da tua carreira profissional, que terá começado, como com qualquer jovem recém-licenciado, com a colaboração em escritório de arquitectos. [JT] – Sim, é verdade, trabalhei nos escritórios do Manuel Fernandes de Sá, do Paulo Providência e ainda trabalhei para o Siza e Madureira, no meu escritório. [GF] – Agora deixaste-me curioso, não sabia que tinhas trabalhado com o Siza... [JT] – Quando acabei o curso, tinha o sonho de trabalhar no escritório do Siza, que era o arquitecto vivo que eu mais admirava e ainda continuo a admirar. Até que ao fim de alguns anos, já depois de ter entregado o relatório de estágio, decidi ir bater à Porta do escritório dele, na rua da Alegria. É claro que um ilustre desconhecido, vindo do nada, ia levar uma tampa, mas parece que nesse dia ele estava bem disposto e lembrou-se que ia fazer o projecto da Avenida da Ponte com o Madureira e precisava de uma maqueta, só que surgiu um problema, a falta de espaço para eu trabalhar, pelo que prontamente sugeri fazer a maqueta no meu escritório. E foi assim que andei quase um ano a fazer o levantamento das ruas e a maqueta para a segunda proposta da Avenida da Ponte, sem nunca conseguir entrar para o escritório, pelo que desisti, o que me conduziu, foi o destino, para a FAUP, isto em 1999 – 2000. Ainda assim, deu para conhecer alguma dinâmica do escritório e algumas pessoas, isso quando eu lá ia para tirar dúvidas ou para receber ao final do mês. [GF] – E a experiência no escritório do Manel Sá? [JT] – Foi muito boa, desde logo como primeiro contacto com um escritório, com um trabalho real, coordenação com as outras especialidades, etc. para qualquer recém-licenciado é fascinante. Na altura seriamos cerca de dez pessoas, o Manel tinha sociedade com o Barata, estava a terminar a cooperativa de habitação de Massarelos e entrou o projecto para a Avenida da Liberdade, em Lisboa. [GF] – Então participaste nesse trabalho? [JT] – Não, apenas acompanhei a parte que foi feita no escritório, pois a parte inicial, relativa a inquéritos e aos diversos levantamentos, foi feita em Lisboa e num escritório propositadamente alugado para o efeito. Eu participei, num projecto de habitação social para o Bairro São João de Deus e na revisão do Plano de Urbanização de Lagoa, nos Açores. [GF] – E com o Paulo Providência? [JT] – No escritório do Providência participei em vários projectos, alguns da Lázaro Arquitectos, a sociedade que ele tinha com o Zé Fernando [José Fernando Gonçalves], cujo colaborador era o Nuno Brandão Costa, e outros apenas do Paulo. Da Lázaro destaco as telas finais do Convento dos Dominicanos, em Benfica, e o concurso para a sede da Ordem dos Engenheiros, em Lisboa. Particulares do Paulo, um pavilhão de jardim e um loteamento, se não estou em erro, ambos na Maia. [GF] – Muito bem, e quando é que inicias a tua actividade autónoma, digamos, enquanto profissional liberal arquitecto? [JT] – Posso dizer que ela começa quando alugo um escritório com mais cinco colegas do meu ano, por acaso, num sítio espetacular, na Rua Nova da Alfândega, com vistas para o rio Douro. Aliás, foi a localização que nos motivou alugar o espaço que pertencera a um antigo despachante. Isto aconteceu em 1992. O motivo de alugarmos o escritório era fazer concursos, não é que na altura houvesse muitos, mas havia antes um grande entusiasmo e uma grande expectativa da nossa parte, por isso participamos no concurso de ideias para a marginal entre as pontes Luís I e a ponte de São João. Não ganhamos nada, mas, na minha opinião, a nossa era a melhor proposta. A ideia era converter toda aquela área num grande parque urbano. Curiosamente, algumas das nossas ideias foram executadas, por exemplo: no lugar do elevador do Adalberto propúnhamos escadas rolantes; as ruínas situadas no início da rampa da Corticeira transformávamos num hotel, é o que lá está; a reabilitação das ilhas, é o que andaram a fazer; plataformas de lazer adjacentes à marginal, estão lá instaladas. Enfim, nunca nos entregariam qualquer prémio com tantos arquitectos conhecidos a concorrer. Ainda hoje, faria a mesma coisa. [GF] – E fizeram outros concursos? [JT] – Sim, fizemos outros concursos em associações de geometria variável entre os seis colegas. Nota que todos trabalhávamos em escritórios, o que significa que o estaminé era apenas usado ao fim do dia ou à noite e aos fins de semana. Repara que foi lá que eu escrevi a prova final de curso e fiz a maqueta da Avenida da Ponte, por exemplo, entre outras pequenas actividades irrelevantes. [GF] – Isso faz-me lembrar o projecto da Aldeia da Luz, onde trabalhei num Verão. [JT] – Lembro-me perfeitamente do entusiasmo com que o João [Francisco] descrevia a proposta. Cheguei a ir algumas vezes ao escritório, que ele alugou na Rua do Mouzinho, muito perto do nosso. [GF] – Lembro-me é da experiência fantástica de estar no Alentejo, na aldeia, a fazer levantamentos. Antes, o [Pedro] Bandeira já me tinha pedido para passar nalguma noitada quando estavam a entregar o concurso. [JT] – São recordações que ficam para a vida, umas boas, outras nem por isso, que ficam da nossa juventude, da incursão no mundo real do trabalho. [GF] – Quando começaram a surgir encomendas a sério, com cliente e licenciamento? [JT] – Foram dois dos colegas que partilhavam o escritório que tiveram a primeira encomenda, para uma habitação unifamiliar, de um familiar de um deles, por volta de 1995. O meu primeiro trabalho surgiu em 1998, em forma de sociedade informal com o colega Rui Barros, foi uma encomenda do Conselho Regional do Norte da Ordem dos Advogados, para um centro de estágios. Tratava-se de uma extensão ao edifício sede, localizado na Praça da República, embora a ser construída no edifício MAPFRE, situado do outro lado da rua Gonçalo Cristovão. [GF] – Centro de estágios? O que era em concreto? [JT] – Os licenciados em Direito tinham umas aulas durante o estágio, ministradas pela Ordem, em diferentes locais da cidade que tivessem espaços de auditório para alugar. O programa consistia, fundamentalmente, de salas de aulas e gabinetes para alugar a advogados. Parece que alguém terá feito contas à vida e terá chegado à conclusão que lhes compensava alugar um espaço para as aulas no edifício MAPFRE, que era ao lado da sede, e daí surgiu o convite para adaptar o espaço que pretendiam alugar em salas de aulas. Chamava-se, não sei se ainda se chama, pois perdi-lhe o rasto, qualquer coisa como: Centro de Estágios do Conselho Distrital do Norte da Ordem dos Advogados. [GF] – Correu bem este projecto? [JT] – Sim, globalmente correu muito bem, ao ponto de passados dois ou três anos nos terem encomendado uma ampliação do espaço no mesmo edifício. Isto aconteceu devido ao aumento exponencial de advogados vindos das primeiras levas dos privados. A relação com o cliente correu muito bem e também me parece que conseguimos resolver o programa que nos entregaram adaptando-o da melhor forma às condições da fracção alugada que, na altura, era um espaço ainda virgem, vazio, nunca tinha sido utilizado. O programa consistia, fundamentalmente, de salas de aulas, pequenos gabinetes, para alugar a jovens advogados em início de carreira, e um espaço administrativo de apoio. Acho que a solução encontrada ficou muito bem, pois conseguimos garantir três salas de aulas independentes ou com a possibilidade de se poderem associar, possibilitando variadas configurações espaciais, no limite, um grande espaço polivalente, em forma de auditório (Figura 1). A sua concretização só foi possível graças a um sistema de paredes móveis, com alto desempenho acústico, e o seu sucesso foi tal que voltamos a aplicar o mesmo sistema na ampliação deste centro de estágios. [GF] – Isso significa que a ampliação tinha um programa semelhante. [JT] – Sim, consistia basicamente em salas de aulas, num novo espaço administrativa para substituição do anterior que necessitava de ser incorporado noutra fracção a alugar, e em sanitários internos. [GF] – Também ficaste satisfeito com esta, digamos, segunda fase do projecto da Ordem dos Advogados? [JT] – Sim, bastante. Na sequência da primeira fase, é também muito influenciada pela arquitectura que o Souto Moura andava a fazer na altura. Quando nos deparamos perante o desafio de um primeiro projecto, certo tipo de soluções arquitectónicas que se tornam uma referência ou que introduzem novos cânones ou até, em certos casos, fenómenos de moda, tornam-se sedutoras por permitirem responder de uma forma mais segura. Foi o que aconteceu com o pragmatismo e a redução ao essencial da arquitectura do Souto Moura, por oposição a uma abordagem mais artística com um forte cunho formal, pessoal e intransmissível, muito própria do Siza. Ambas as intervenções contêm todos os defeitos e virtudes, se é que estas existem, de uma primeira obra. [GF] – Tiveram mais encomendas da Ordem dos Advogados? [JT] – Sim, tivemos mais duas. Nesse tempo, falava-se que o importante era começar, a partir do momento que começássemos a tornar-nos conhecidos, não faltariam encomendas. Tudo uma ilusão de principiante. Enfim. Como em qualquer negócio, é preciso ter conhecimentos, capacidade de gestão e jeito ou lá o que seja, para negociar. [GF] – Quais foram então essas encomendas da Ordem? [JT] – Uma das encomendas foi a beneficiação do palacete da sede do Conselho Distrital do Norte da Ordem dos Advogados, à Praça da República, e que consistiu em desafios muito variados como: o desenho de um guarda vento, caixilharia dupla, introdução de climatização no edifício, reabilitação da cobertura e algum desenho de mobiliário./ A outra encomenda não foi propriamente da Ordem, mas do seu antigo presidente do Conselho Distrital, que nos tinha contratado para o Centro de Estágios, e que consistiu de uma casa de férias em Baião, junto ao rio Douro (Figura 2). Este foi o meu primeiro projecto de raiz. [GF] – Conta-nos lá como correu esse projecto. [JT] – Quer o projecto, quer a construção da casa foram bastante atribulados, o que nos valeu é que quando somos novos enfrentamos qualquer desafio com grande convicção e entusiasmo, temos uma capacidade de dar a volta, resolvendo problemas, alguns dos quais complicados. Quando nos afastamos, perdemos essa capacidade e o peso da idade não ajuda. É como a actividade física, dou frequentemente esta comparação com a prática de desporto, se quando eras jovem tinhas uma prática regular de desporto, neste caso não de alta competição, pois eu não era arquitecto a esse nível [risos], se por algum motivo a abandonas durante uns anos, ao pretenderes regressar, podes dominar muitas técnicas, mas o desempenho não é como antes e a capacidade para se aprender novas técnicas também não é a mesma. [GF] – Pelo que sei, vocês acabaram por fechar o escritório. [JT] – Sim, mas antes disso, deixa-me dizer que o melhor período correspondeu à primeira metade de 2000, tendo a entrada no novo milénio se manifestado muito auspiciosa. Depois de mais de dez anos, é natural que as vidas das pessoas tomem outros rumos, nem sempre compatíveis com o escritório, além da relação entre as pessoas revelar algum cansaço. Além disso, houve contratos que não avançaram e a partir de 2008 instalou-se uma escassez de trabalho, resultado da crise do “subprime”. Somado a isso tudo, eu tive de me dedicar à investigação de doutoramento. O que aconteceu foi separarmo-nos, cada um foi à sua vida, e eu e o Jorge [Velhote] alugamos um espaço mais pequeno, que mantivemos até 2015. [GF] – Nesse pequeno escritório tiveram encomendas? [JT] – Sim, poucas. As mais importantes, foram duas habitações de férias uma em Avintes, que tínhamos começado no escritório anterior, e que se construiu (Figura 3), e outra em Baião, próximo da primeira, que não avançou para construção. Foi lá que o Jorge me fez os desenhos da minha tese de doutoramento e não são poucos. O último projecto que fizemos foi a remodelação de um apartamento que comprei em 2014. Depois, ainda fizemos umas legalizações, no escritório instalado em minha casa, mas, na falta de encomendas, o Jorge acabou por tomar outro rumo na vida e eu passei a dedicar-me mais à faculdade. [GF] – Ao fim destes anos, impõe-se a pergunta, que balanço fazes? [JT] – Faço um balanço muito positivo, no que se refere ao enriquecimento profissional e, claro, pessoal. A melhor coisa que pode acontecer a um jovem arquitecto recém-licenciado, é a oportunidade de poder pôr em prática os seus sonhos as suas convicções./ Os edifícios que projectei existem, estão aí para serem julgados, seja pelos utilizadores, que já o foram, seja pelos meus pares. Claro que todos os edifícios sofreram pequenas alterações que resultaram da sua natural apropriação pelos utentes, mas as suas características principais mantêm-se intactas. Devo ainda acrescentar que fiz amizades para a vida, no sentido em que vou mantendo contacto com antigos clientes. [GF] – Contas voltar à actividade liberal? Sei lá, fazendo concursos ou na sequência de alguma encomenda? [JT] – Nos termos em que exerci, não conto, parece-me quase impossível. É uma actividade que exige muita disponibilidade e envolvimento que não é apenas de tempo, mas de concentração e isso não me parece compatível com a dedicação à academia, que também exige outro tempo e dedicação. O que não significa que eu não possa fazer ou participar em trabalhos pontuais e limitados no tempo. Repara que eu não concebo o trabalho do arquitecto apenas reduzido ao gabinete, ele contempla a visita à obra, decisões a tomar no estaleiro, fazer novos desenhos no decurso da obra, visita à carpintaria ou à serralharia para aprovar determinada execução, é esta arquitectura que me interessa e pela qual acho valer a pena sacrificar-me. Não me parece que a tendência actual vá nesse sentido. [GF] – Usas os teus trabalhos na prática pedagógica? Mostras os teus trabalhos aos alunos? [JT] – Não tanto quanto gostaria, mas acho que faz todo o sentido. Há um aspecto contraditório que não sei explicar, não acho os meus trabalhos nada de mais, em termos de inovação, mas considero-os intervenções consistentes, projectos bastante sólidos, seja nas peças desenhadas, seja nas peças escritas, edifícios bem construídos, ou seja, não me envergonho das minhas obras, mas tive sempre algum pudor em mostrá-las. [GF] – Para terminar, visto que a nossa conversa já vai bastante longa, quero agradecer a tua disponibilidade para atenderes a esta entrevista. [JT] – Foi um gosto Gonçalo, eu é que devo agradecer o teu interesse, bem hajas.

No comments: